sábado, 20 de abril de 2013

A Outra Terra (Another Earth, 2010) - "O que poderia ter sido".


Na noite da descoberta da existência de um planeta idêntico à Terra, uma bonita, extrovertida e inteligente jovem que tem o futuro inteiro pela frente (Brit Marling) causa um terrível acidente automobilístico, deixando um homem, famoso professor de música (William Mapother), gravemente ferido, e a esposa e filhinho mortos. Às vésperas de completar dezoito anos, a identidade da garota é salvaguardada, porém os planos para o futuro cheio de realizações restam sobrestados, quando precisa cumprir pena de quatro anos em uma instituição correcional. Ao longo daqueles quatro anos, o mundo vem a descobrir mais sobre este misterioso planeta em órbita. Fotografias feitas pelas avançadas sondas espaciais da NASA levam a crer que a Terra 2 é uma cópia exata do nosso planeta. Ondas de rádio oriundas da nova Terra também são captadas por nossa tecnologia. Cientistas concluem que a Terra 2 é habitada por versões de nós mesmos, pessoas que vivem as mesmas existências que vivemos aqui, e que, assim como os seres da Terra 1, estão abismadas com a descoberta de um mundo semelhante. Por todos estes anos, a jovem do acidente jamais se esqueceu do professor de música. Devastada pela culpa, depois do cumprimento da pena, procura retomar a própria vida, mas descobre que em quatro anos muita coisa pode mudar. Os amigos seguiram em frente com os projetos, e ela ficou definitivamente para trás, com o tempo perdido e, pior, o horroroso remorso que a impede de encontrar alguma paz. Através de pesquisas na internet, ela colhe dados sobre o professor de música e, um dia, bate à porta da casa do homem, com o objetivo de se identificar como a causadora do acidente e pedir perdão. Face a face com o professor, após a tragédia um irreconhecível homem amargurado e de aparência lamentável, ela não consegue levar adiante o plano, e acaba por se identificar como empregada de uma agência de diaristas. Inicialmente, começa a frequentar a casa do professor para limpar a casa, lavar as roupas, cuidar de tarefas menores da administração do lar. Com o tempo, o gelo entre o homem caladão e amargurado e a garota deixa de existir, e os dois desenvolvem uma bonita relação. A moça jamais pode viver inteiramente o sentimento especial que nutre pelo cavalheiro, pois sabe que esconde o terrível segredo que pode custar a amizade. Quando a garota ganha um concurso de redação e é selecionada para, ao lado de outras poucas pessoas de sorte, fazer uma viagem em um ônibus espacial para a Terra 2, vislumbra uma chance de redenção: os cientistas acreditam que na noite em que Terra 1 descobriu Terra 2, houve a “quebra de sincronia” entre as duas, o que significa que é muito possível que muito embora na Terra 1 a garota tenha se distraído na direção na noite da descoberta e causado o acidente de carro que matou a mulher e o filhinho do professor, na Terra 2 é possível que o tal acidente jamais tenha acontecido, e a mulher e filhinho sigam vivos e felizes.

Este filme melancólico e ressoante de intrigante premissa recebeu elogios rasgados da crítica quando de seu lançamento, e revelou o talento da dupla de atores principais e do diretor estreante. Se por um lado é um filme que lança instigantes e sensacionais questionamentos científicos sobre tão extraordinária possibilidade – a existência de uma outra versão da Terra com pessoas exatamente iguais à gente – por outro o diretor explora um espaço ainda maior que o universo: o espaço interior, o valor de nossas almas, as surpresas que encontramos em nossas vidas individuais, questões ainda mais enigmáticas do que a origem do universo. Neste sentido, o intimismo do filme, a abordagem sobre a tragédia e como afeta as vidas das pessoas envolvidas nos faz pensar no excelente 21 Gramas; simultaneamente, o plano de fundo que circunda o drama, envolvendo a descoberta de uma nova Terra onde seria possível resgatarmos erros que julgávamos imperdoáveis, remete-nos a Solaris. A Outra Terra, portanto, reúne o melhor de duas muito distintas tramas, 21 Gramas e Solaris. A fotografia do filme é um encantamento. Enxergar a Terra 2 lá no alto, distante, entre o céu azul, é como observar um belíssimo quadro, causa uma sensação hipnotizante. O diretor jamais nos bombardeira com excesso de efeitos, apenas exibe o suficiente para que saibamos que a Terra 2 está lá. A trilha sonora ajuda a compor a aura de arrependimento e oportunidades perdidas que a estória propõe. Assim como os efeitos, a trilha sonora jamais peca por excessos. O choro dos violinos é sutil, elegante e utilizado de maneira acertada, nos momentos que pedem por sua intromissão. Apesar de uma combinação entre ficção-científica e romance, A Outra Terra traz também cenas de suspense muito impressionantes que perduram em nossa memória mesmo após o fim, cortesia da habilidade do diretor Mike Cahill em instigar, evocar sensações. Um dos melhores momentos se dá na cena do primeiro contato entre Terra 1 e Terra 2, acompanhado ao vivo em rede nacional, quando a Diretora do programa SETI faz uma série de perguntas lançadas ao espaço, esperando por respostas, até que escuta a uma outra versão de si mesma, na Terra 2, fornecendo as respostas esperadas, em um diálogo que pode ser tomado como o primeiro contato. Ao assistir à impressionante cena, a protagonista do filme é tomada por encanto e deslumbramento, e sai correndo de casa, quando encontra, nas calçadas do bairro, muitas outras pessoas no quarteirão comentando assombradas sobre o ocorrido e, ao alto, a Terra 2, tão real e imponente quanto a lua cheia. Ao choro dos violinos, Cahill nos brinda com um dos instantes mais impressionantes de 2010. Sobre a performance dos artistas principais, poucas vezes anteriormente vi uma conexão tão magnífica quanto a que une Brit Marling e William Mapother. Muito raramente, um filme consegue introduzir dois personagens cuja estória de amor nos convida tão gentilmente a investir as nossas expectativas e experiências pessoais na narrativa que se desenrola na tela, mas este é o caso de A Outra Terra. Sempre tive o forte sentimento de que houve o tempo em que Jennifer Connelly e Burt Reynolds, juntos em um mesmo filme, teriam sido magnéticos, e teriam produzido algo igualmente honesto e poderoso. Depois que assisti a A Outra Terra, conclui que se os dois tivessem trabalhado juntos, o mesmo encantamento entre Brit Marling e William Mapother transpareceria do encontro, teriam sido dois artistas que absolutamente pertenceriam à mesma página, ou melhor, ao mesmo frame. Lamentavelmente, o encontro jamais aconteceu. No entanto, ao menos nós temos A Outra Terra para imaginarmos como poderia ter sido.

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