quinta-feira, 16 de maio de 2019

"The Crush" (Estados Unidos, 1993): Revisitando eventos de sua vida pessoal, o diretor Alan Shapiro realiza um filme verdadeiramente apavorante que, além de extraordinário suspense, conserva um período de tempo impossível de se reaver!


Breve sinopse: Nick Eliott (Cary Elwes) é um talentoso e intelectualmente privilegiado jornalista de 28 anos, recém-chegado a Seattle para trabalhar na conceituada Pique Magazine, onde espera honrar todo o potencial criativo e desenvolver a própria voz, ainda ostracizada sob a sombra do legado de seu avô, um dos maiores profissionais do jornalismo norte-americano. Tendo fracassado em encontrar um lugar adequado para morar pelo custo apropriado a sua situação financeira, Nick finalmente acha um belo apartamento conjugado a uma grande propriedade, num bairro de classe média alta, pertencente aos Forrester, um afluente e simpático casal que, como executivos, vivem viajando. Nick começa a apressar a mudança das caixas ao apartamento conjugado, e acaba atraindo a atenção de Darian (Alicia Silverstone), uma adolescente precoce de 14 anos que vem a se apaixonar perdidamente pelo inquilino. Nick se apresenta à redação, e embora angarie a atenção dos colegas e o interesse da fotógrafa Amy, descobre que o chefe Michael não se mostra muito tolerante aos erros dos subordinados. De cara, ele recebe uma matéria investigativa dificílima, envolvendo um caso de corrupção, sem pistas aparentes. Para trabalhar ao lado do novato, Michael escala a simpática e jovial Amy, uma profissional tão perspicaz que logo põe o colega na direção correta para descobrir fatos inéditos sobre o caso. Tendo concluído a mudança, e organizado naquele espaço seu escritório, uma noite, Nick recebe a visita de Darian. Com um jeito obviamente paquerador, ela lhe dirige perguntas sobre a vida. Surpreso com a ousadia da adolescente, o jornalista a leva na esportiva, e não se preocupa muito com a atenção da garota. Eles flertam inocentemente, e Darian parece gostar de fazê-lo ruborescer. Durante a semana, ao levar o artigo para a redação no disquete, ele se assusta ao passar a vista pelo texto, pois descobre que a matéria foi totalmente reescrita. Nick se surpreende ainda mais quando o redator explica que adorou o artigo, e o parabeniza publicamente perante os colegas pela habilidade. Darian passa a perambular pelo apartamento durante as manhãs, e após muita insistência, convence-o a aparecer na casa para a festa a ser dada pelos pais no fim de semana seguinte. Chegada a grande noite, Nick sente-se um tanto quanto deslocado entre convidados pertencentes a uma classe mais elevada. Ele vê Darian entretendo os convidados, tocando piano com impressionante talento, e quando trocam olhares e ela o reconhece, o rosto da adolescente se acende. Reunidos num lugar mais distante do salão de festas, Darian se abre sobre a solidão. Ela se sente apartada do mundo por causa dos pais super protetores, e até mesmo a única amiga, Cheyenne, só é sua colega porque os pais frequentam o mesmo círculo social. Nick a consola, e Darian confessa-se a pessoa por trás da reescrita do artigo. Ela entrara no conjugado enquanto Nick estivera fora, e escrevera o texto para ajudá-lo. Darian pede ao rapaz para levá-la a um lugar muito especial, o Farol dos Namorados, onde jovens casais trocam juras de amor. Lá, eles acabam se beijando. Nick imediatamente se arrepende e diz que vai levá-la de volta a casa, pois está ficando tarde. No decorrer da semana, ela dá um jeito de seguir fechando o cerco ao redor da vida social do rapaz, inclusive expondo-se à beira da piscina para um banho de sol, de forma a atrair olhares. Nick resiste as avanços, e quando a turma da Pique Magazine se encontra no amplo gramado da propriedade para uma confraternização em honra do aniversário de Nick, Amy e o rapaz se aproximam sentimentalmente. A fotógrafa conhece a garota quando vai catar gravetos para preparar os marshmallows para o fogo, e se depara com um casulo de vespas. Darian surge e a orienta a se afastar do casulo, vez que vespas, se provocadas, atacam em grupo. Mais tarde, enquanto ajuda o colega a arrumar o apartamento após a festa, Amy explica que a adolescente dá sinais de paixão pelo jornalista. Nick não entende: ele realmente não fez nada para provocá-la. Outrossim, para se fazer entender melhor, Nick decide procurá-la. Ele a encontra se balançando ao pé da árvore, mas as explicações sobre a diferença de idade entre os dois e o fato de ela poder contar com a sua pessoa como amigo parecem surtir pouco efeito sobre o ânimo da menina. A confusão escala quando, tendo pintado e recuperado o carro, Nick o encontra vandalizado com palavrões riscados no capô. Ele leva as suspeitas aos Forrester, que questionam a filha, de saída para a aula de equitação. Ela nega qualquer envolvimento com um sorriso, mas o rapaz consegue enxergar que Darian foi a autora do vandalismo. Os Forrester, entretanto, acreditam na palavra da filha, e dão a questão por encerrada. No cair da tarde, enquanto tenta polir e recuperar o estrago feito ao automóvel, Nick é visitado por Cheyenne, a melhor amiga de Darian. Muito discretamente, ela antecipa que precisa conversar com o rapaz, e escolhe um lugar no bosque para se encontrarem mais tarde, pois precisa repassar informações importantes sobre Darian. Eles não se dão conta, mas a garota observa o breve encontro, escondida entre as cortinas da janela do quarto. Na aula de equitação, propositalmente, Darian sabota a sela da amiga, e Cheyenne acaba derrubada do cavalo após um salto. Ela quebra o braço. A menina conseguiu evitar o encontro dos dois, e quando Nick comparece ao bosque, depara-se com Darian, e não Cheyenne. Ele toma um susto. Com um olhar gélido, Darian o ameaça sutilmente, contando-lhe a história da queda e comentando o quanto jamais se pode ter cuidado demais. Nick fica ali no bosque, atônito e genuinamente angustiado. A partir daquela tarde, os ataques se intensificam, principalmente quando ele se envolve romanticamente com Amy e os dois dormem juntos. Às vésperas da apresentação da matéria à redação, em um primeiro momento, Nick não encontra o disquete. Vai vê-lo sob o tapete que dá para o porão do conjugado, como se alguém quisesse atrair sua atenção ao lugar secreto. Ao descer ao porão, ele se arrepia. O local assemelha-se a um santuário para Nick, cheio de fotos suas, cercadas por velas acesas e bilhetes de incondicional paixão. Apavorado, ele sobe as escadas, lacra a passagem com pregos, e trata de reescrever furiosamente a longa matéria, enquanto Darian enche sua secretária eletrônica com ameaças, insistindo que os dois conversem. Por um triz, Nick termina o artigo a tempo e o apresenta aos colegas de redação. O susto lhe valeu a lição. Agora, precisa encontrar um outro lugar para morar. Ele acha um quarto na casa de uma simpática idosa, e acerta com a proprietária os detalhes da mudança. O foco da fúria da adolescente foca-se na rival, e ela usa seu conhecimento de vespas para lançá-las pelo duto de ventilação de um laboratório de fotografias enquanto a moça se encontra trancada pelo lado de fora. Ao remover a adversária de cena, Darian insiste em se aproximar emocionalmente do jornalista, sem resultados. Furiosa, arruína os planos de mudança, ao ligar para a proprietária e sujar o seu bom nome ao conectá-lo a atividades de tráfico de drogas. Na confraternização de fim de ano da Pique Magazine, Darian aparece no salão com o uniforme de equitação e causa um escândalo ao esbofetear o rapaz na cara. Para destruí-lo por completo, ela apanha do lixo um preservativo usado pelo jornalista ao fazer amor com Amy, e "planta" o material genético em si, dando credibilidade à acusação de estupro. O pai da menina avança sobre Nick, intentando matá-lo, e a vida dele é salva pelos policiais por um triz. Profundamente abalado, seu editor paga a fiança e o livra da cadeia, mas Nick resolve deixar a cidade, com a vida em frangalhos. Ele visita o conjugado por uma última vez, à noite, para recolher as coisas, quando Cheyenne aparece. Eles finalmente têm a oportunidade de conversar, e a menina expõe fatos da vida de Darian, como a misteriosa morte de um professor por envenenamento, há alguns anos. Ele fora objeto da paixão da garota, porém ao recusar qualquer envolvimento romântico, morrera de forma misteriosa. Os sinais apontam para a dimensão do perigo enfrentado pelo rapaz. Darian preferirá matá-lo a deixá-lo partir.
Resenha: Só o mérito como suspense fora de série gabarita "The Crush" a elogios; todavia, revisitado quase três décadas mais tarde, o filme preserva em âmbar um passado recente de nostálgico apelo. Lançado nos cinemas em 1993, "The Crush" remonta a uma época pré-internet mais prolífica e descomplicada, quando uma produção não necessariamente dependia de estrelas para merecer lançamento nas salas. Estrelado por Cary Elwes & Alicia Silverstone, o filme não chegou a registrar uma marcante carreira nas bilheterias, por mais que tenha recuperado os custos (rodado por seis milhões de dólares, "The Crush" fez modestos treze milhões durante sua passagem pelos cinemas), mas, ao longo dos anos, foi sendo descoberto por novas pessoas, e o alto gabarito da produção reanimou o interesse pelo então esquecido thriller, a ponto de vir sendo relançado em sucessivas edições em DVD. Compará-lo a qualquer filme de nossa época levará a instigantes conclusões, a mais importante delas a discrepância entre os estilos de se rodar filmes de terror no passado & agora. Ao passo que as superproduções forçaram os profissionais da câmera a adotarem uma montagem mais hábil para sustentação visual, os suspenses de três décadas atrás encantavam pela condução dramática & psicológica, numa charmosa marcha lenta pela qual se permitia aos espectadores uma degustação mais agradável dos desdobramentos, sem precisarem ser atropelados por exageros. O público moderno, surpreendentemente, manifesta o desejo pela retomada de um tempo mais simples, e ao testemunharmos o impressionante sucesso do diretor James Wan, um cineasta à velha moda, autor de filmes fantásticos de horror fortemente imbuídos de nostalgia, como "Invocação do Mal 1&2", percebemos que, independente de quanto tempo se passe, inesquecíveis histórias de terror são justamente isso, inesquecíveis, e, consequentemente, atemporais. Se você vem de uma geração mais recente, provavelmente notará, logo de cara, o ritmo desacelerado de "The Crush", mas se verá psicologicamente investido nos eventos de uma forma que, a novos filmes, tem ficado cada vez mais raro. Hoje, para merecerem um lançamento de maior alcance, as produções se atrelam à capacidade de espetáculo, de sorte que assistir a um lançamento não diferiria, por exemplo, de comprar ingressos para um show musical. Mais contundentemente, os suspenses enfrentam uma crise de identidade, e enquanto os realizadores permeiam as tramas com efeitos de ponta, desavisadamente alienam o público pagante, interessado em assistir a dramas mais sinceros com cujos personagens possam se identificar e encontrar alguma catarse para os problemas do dia a dia. Nesse sentido, se você não viu "The Crush", mas apreciou o recente "Invocação do Mal", dou como certa a sua apreciação deste empolgante e misterioso suspense de 1993.
"The Crush" foi muito comparado a "Play Misty for Me", estrelado pelo grande Clint Eastwood, o suspense inaugural do subgênero das histórias de horror sobre stalkers. Uma das maiores bilheterias da década de 70, "Play Misty for Me" muito revela sobre os hábitos e a cultura de seu era. Por que "Play Misty for Me" tocou fogo nas bilheterias e recebeu tanta aclamação na época do lançamento? A resposta talvez se insira no contexto do tempo no qual foi produzido. "Play Misty for Me" contava a história de um radialista paquerador e irresponsável que, numa noite num bar, conhece uma moça muito bonita & interessante, e dorme com ela. A estação de rádio vinha recebendo ligações de uma moça de voz triste que sempre lhe pedia para tocar a mesma música, "Play Misty for Me", e depois da noite de amor, o radialista descobre que a garota bonita é a dona da voz. Ele crê que ali, tacitamente, resta findado seu envolvimento com a moça. Quando ela começa a procurá-lo no trabalho, ele compreende a profundidade do problema causado pelo momento de fraqueza. Certamente, a carreira bem-sucedida do filme não se deve só aos excelentes artistas. O modo como foi escrito - concisa & realisticamente - estabelecia um liame entre os espectadores e o drama, pois os homens conseguiam projetar as ansiedades no pesadelo vivido pelo protagonista. Ainda hoje, "Play Misty for Me" cativa as pessoas com impressionante facilidade. Seu charme nada tem a ver com movimentação, e sim a forma como o diretor Clint Eastwood consegue inserir nos instantes de espera ou contemplação o peso das complicações trazidas pela mera convivência humana. Produzido quase vinte e dois anos após "Play Misty for Me", "The Crush" oferece uma experiência de suspense igualmente imersiva, e assim como o pai do subgênero, fia-se em drama, e não nas emoções fáceis; em horrores verossímeis, e não nas fantasias. O roteiro, escrito pelo próprio diretor Shapiro, encadeia os momentos de crescente assédio numa ordem cronológica e irrefreável, a ponto de experimentarmos a impotência horrorosa do protagonista. Os episódios de esquisitas manifestações de amor introduzem-se ingenuamente na vida do rapaz, e antes que se dê conta, também a obsessão. A diferença fundamental entre as duas histórias reside no tipo de emoção despertada pelos protagonistas. Em "The Crush", o jornalista não fez nada de substancial para atrair para si o ódio da vilã; em "Play Misty for Me", o comportamento irresponsável & mulherengo do personagem principal dificulta qualquer empatia pelos seus problemas, e isso se formos generosos, pois, no frigir dos ovos, se houve um responsável pelo horror, foi exatamente a sua pessoa. Explico: em "Play Misty for Me", até o ínterim no qual ele aborda a moça no bar, ainda há tempo de parar. Ele sabia muito bem que se seguisse adiante, feriria a namorada "oficial", pois o comportamento adúltero é um pecado terrível; ademais, além de seus amigos, havia outra pessoa com quem se preocupar, justamente a mulher sentada naquele banco na extremidade do bar. Se ele tivesse escutado a razão e pedido para parar, teria sido mais nobre deixar aquele night club e regressar para casa. Quando o personagem leva adiante o impulso e dorme com a moça, uma memorável interpretação da atriz Jessica Walters, ele acredita que sairá da experiência intocado. No curso da história, porém, à medida que desvenda o passado traumático da mulher e o seu frágil estado psicológico, amadurece com a lição das consequências. Quando a mulher franqueou ao protagonista acesso à sua intimidade, ela lhe confiou a alma. Se para muitas mulheres tudo não passaria de um caso passageiro, as circunstâncias do passado da moça imprimem ao ato um poderoso simbolismo compromissório, e ao virar as costas e deixar, o homem comete o maior dos insultos. Tendo levado consigo algo tão caro à mulher, sua intimidade, passa-lhe a mensagem de que a usou como meio para alcançar um prazer momentâneo, nada mais. Nada justifica o comportamento da mulher, mas, por esse viés, passa-se a enxergar o homem como alguém igualmente irresponsável e imaturo, em grande parte causador de todas as coisas ruins. A atriz Jessica Walters se tornou uma estrela de cinema por causa do papel, mas vocalizou a preferência pelo roteiro original, que lhe dava uma janela de redenção, pois finalmente nutriríamos compaixão e passaríamos a enxergá-la não como vilã, mas vítima do amante. Quando o diretor Eastwood insistiu na mudança, reescrevendo o desfecho como um duelo de vida ou morte, a atriz se sentiu desapontada. Ainda assim, a edição final permite que a enxerguemos como um ser humano que, ao cometer erros tão graves, o fez, em parte, por causa de um agente causador que tripudiou em cima de seu afeto. No filme, um "Por que", enquanto em "The Crush" tudo permanece encoberto pelo mistério. O detalhe diferencia as duas obras e revela qualidades distintas. Ao passo que "Play Misty for Me" é um filme mais psicologicamente enriquecido e sofisticado, "The Crush" prefere investir no suspense crescente, e mesmo não contando com a mesma densidade psicológica do anterior, o primoroso roteiro não desperdiça o potencial da história, e cumpre com o esperado, ou seja, nos aterroriza lenta e gradualmente, até olharmos de frente para o abismo do qual esse cara está dependurado.
Uma das melhores qualidades do escritor H.P. Lovecraft, um dos mestres do pessimismo existencialista & materialismo científico, era a absurdidade do horror. Ele sabia como escrever acerca da solidão humana face a um cosmo que enxergava como indiferente e macabro. Ao assistir a "The Crush", faço a associação às obras literárias de Lovecraft em razão da aleatoriedade envolvida no destino do protagonista. Em um brevíssimo período de tempo, Nick vê sua vida se desintegrar num fluxo irrefreável, e lutar contra uma menina superprotegida de quatorze anos se revela uma batalha tão perdida quanto contra a correnteza do mar. Para mim, "The Crush" é um filme que reproduz o claustrofóbico sentimento de se encontrar na situação de uma pessoa assediada por um psicopata. A engenhosidade com a qual a menina vai isolando o rapaz lembra "Poughkeepsie Tapes", mais especificamente a parte na qual assistimos a abordagem do "Carniceiro de Water Street" ao sequestrar uma pobre moça, Cheryl, a sua "preferida". Antes de dar o bote, o monstro se diverte com as minúcias do procedimento. Em "The Crush", a vilã parece se deleitar com a forma como corrói, lenta e incansavelmente, o senso de segurança e autoconfiança do rapaz, e o diretor Alan Shapiro evoca das armadilhas da garota situações de extrema tensão. O roteiro, muito bem amarrado, cria uma história de extremo horror, ao passar a impressão de que a jornada do protagonista poderia ser vivida por qualquer pessoa, dadas as circunstâncias. Nick não principiou nenhuma ação para merecer o assédio, mas não acontece assim na vida real, nos dramas vividos por todos nós? Não "pedimos", por exemplo, por uma doença, porém então, inadvertidamente, um diagnóstico de uma enfermidade letal bate à porta e transforma nossos mundos. Atores gabaritados dão vida ao roteiro com vivacidade e eloquência. Do ator Cary Elwes, sempre se pode esperar uma primorosa performance, e o papel principal em "The Crush" parecia o veículo ideal para lhe abrir as portas ao estrelato. Não obstante não tenha virado "estrela de cinema", ele consolidou uma maravilhosa carreira, cheia de desempenhos notáveis. Recentemente, foi redescoberto por uma nova geração, graças à franquia "Jogos Mortais". O brilhante cineasta James Wan, um fã de cinema dado a restaurar as carreiras de seus atores preferidos, honrou o potencial de Elwes ao escalá-lo para o papel do Dr. Gordon, no primeiro e melhor filme. Como o Nick de "The Crush", do ator emana uma aura de honradez, cavalheirismo e bom-mocismo. Ele realmente se sobressai como uma íntegra presença, por quem é fácil torcer. Em nenhum momento age com canalhice e oportunismo, e ao passo que deseja o bem para Darian, deve encarar a crueza dos fatos, pois razões nobres de nada valem quando se está sob o ataque de uma psicopata. No papel periférico de Cheyenne, Amber Benson brilha nas poucas cenas, entre as quais se encontra a mais atmosférica, ao se encontrar com Nick e o colocar a par da gravidade da situação. O momento da rememoração de fatos sobre a estranha morte do professor por quem Darian nutrira sentimentos descortina diante de Nick a profundidade da ameaça: ele se encontra na linha de fogo, e se a menina não hesitou em envenenar um homem antes, sua vida também corre perigo. A breve conversa dá ao suspense, até aquele instante muito bem rendido, uma conotação de irrestrito horror, vez que não se trata mais de sustos bolados por uma adolescente apaixonada, sim de um jogo onde alguém sairá morto. Muitos excelentes filmes de terror fiam-se nesse expediente: um ator talentoso capaz de roubar a cena aparece, desempenha seu papel, usualmente para explicitar a dimensão de um problema, e sai de cena, nos deixando embasbacados. Eu poderia citar o trabalho do sr. J.K. Simmons no aterrorizante "Os Escolhidos", no qual interpreta um estudioso dos "Cinza", responsável por repassar a uma pobre família objeto do assédio a realidade das criaturas por trás do pesadelo, na verdade seres extraterrestres. Eles resistiam a crer na natureza extraterrestre do assédio; o diálogo com o especialista rasga o véu do mistério e lhes dá uma necessária amostra de realidade. Para conceber cenas genuinamente horripilantes, um cineasta não precisa de muito. Bons atores, diálogos empolgantes e um senso de atmosfera bastam para instilar eletricidade na história. Quando assisto a filmes de suspense, sempre torço para que o diretor nos abençoe com um momento do tipo, onde você se sente convidado a participar da trama. Eu poderia citar um grande número de momentos cinematográficos do tipo, mas a cena de "Os Escolhidos" sumariza a referida magia. No seu primeiro grande papel, Alicia Silverstone criou uma vilã memorável. "The Crush" abriu muitas portas para a atriz, mas ela levaria um par de anos até o estrelato, com "As Patricinhas de Beverly Hills". "The Crush" já nos apresenta ao seu imenso carisma. O modo como trabalha faz da personagem um grande mistério. Darian é superdotada, exímia pianista estudiosa de insetos. Ela coleciona notas excelentes e integra o time de equitação; por outro lado, faltam-lhe elementos de sociabilidade, uma notória ausência até mesmo no jeito com que troca um olhar e esboça o sorriso de flerte para Nick, ao embargar a passagem ao conjugado, sentada no caminho, nas escadas. A atriz é tão expressiva que consegue recriar um traço próprio aos psicopatas, difícil de descrever. Trata-se de uma superfície polida, quase como um quadro em branco, onde se enxergam emoções exageradas, que mais parecem imitadas do que espontâneas. Após "As Patricinhas de Beverly Hills", Alicia Silverstone esteve no topo por alguns anos, findos os quais deixou os papéis principais para se focar em produções menores e mais artísticas. Ela fez parte da geração dos anos 90, anterior à vinda da década seguinte, com "Meninas Malvadas", de 2004, o grande sucesso revelador de atrizes como Rachel McAdams e Amanda Seyfried. Muitas estrelas dos anos 90 não conseguiram capitalizar o sucesso de seus primeiros papéis; algumas migrariam para material mais sério, fazendo uma transição serena à fase adulta da carreira. Houve aqueles que não resistiram a pressão. Recentemente, o elenco de "As Patricinhas de Beverly Hills" se reuniu para um especial, no qual trocavam reminiscências das filmagens, realizadas tantos anos atrás, em 1994/1995. Evidentemente, é surpreendente ver o quanto as pessoas mudam, num certo hiato de tempo. Os atores não só pareciam mais maduros (e melhores do que nunca), mas interiormente engrandecidos. Embora marcada por bom humor e felizes recordações, pesa sobre a reunião a ausência da atriz Britanny Murphy, companheira de elenco, falecida prematuramente em 2009, quando tentava realizar a transição para papéis mais sérios. A reunião do elenco é muito marcante, pois nota-se, o tempo todo, o quanto parecem comovidos em razão da trágica ausência da falecida colega. Quando os atores discorrem sobre aquele período de tempo no qual fizeram "As Patricinhas de Beverly Hills", nos levam a um nostálgico passeio pelo túnel do tempo, e passeios do tipo tendem a ou terminar em risos de alegria ou em lágrimas de saudade. No caso do elenco, os artistas parecem divididos entre as emoções: risos pelos bons tempos & tristeza pela sentida ausência de uma colega, e, no encontro, há um pouco de cada.
Assistir a "The Crush" não apenas recupera um modelo mais simples e eficiente de se fazer cinema; o filme também nos devolve a uma saudosa época, impossível de se reaver. Recentemente, encantei-me com um lindo vídeo com belas imagens de Nova York, tomadas em 1993, com uma câmera de alta resolução, sublinhadas por uma comovente música. Impressiona-me como, embora antes pouco se diferencie de hoje, a sutileza mostra o contraste, afinal, de fato, ali em 1993, vivia-se um ar de ingenuidade, tão tangível na atmosfera daquela gente caminhando sem celulares pelas largas calçadas. Com o tempo, essa impressão viria a se rarefazer. Mesmo na pueril troca de olhares apaixonados de um casal à espera para atravessar a rua, pronuncia-se um adorável tom de concordância e harmonia, há muito desaparecido. Sobre o vídeo, um senhor comenta como o 11 de setembro levou consigo parte daquela tranquilidade, e quão distintos se contrastam os dois mundos, Nova York em 1993 & hoje, por mais que se precise de sensibilidade para pontuar tais diferenças. "The Crush" nos brinda com semelhante surpresa. Enquanto suspense, sustenta a atenção, mas não extrapola os limites do bom gosto; enquanto drama, trata seus personagens como seres humanos com os quais podemos nos identificar. Em termos de estilo, leva-nos para um passeio de volta aos anos 90, convidando-nos a nos recordar de onde nos encontrávamos na linha do tempo. O filme foi lançado no Brasil em VHS, em 1994, sob o título "Paixão sem Limite". Particularmente, ao revisitá-lo, sempre me lembro com carinho de meados dos anos 90, com uma nostalgia semelhante à evocada pelo vídeo de Nova York, em 1993. Eram outros tempos, e as estrelas de cinema. Recordo-me do Natal daquele ano de 1994: Jean Claude Van Damme era astro, e "Street Fighter" havia acabado de chegar aos cinemas brasileiros. Fomos ver o filme na estreia, eu e um amigo, acho que todo garoto daquele tempo se apaixonou pela Kyle Minogue, que no filme interpretava a Cammy! Jean Claude Van Damme teria mais alguns bons anos pela frente, até sua estrela enfraquecer a partir da década seguinte, pondo fim a uma era ensolarada, e inaugurando novos, incertos e tristes tempos, a começar por uma certa manhã em setembro de 2001.

Engrandecido por uma premissa intrigante, direção precisa, performances fantásticas e momentos de suspense de roer as unhas, "The Crush" é o candidato perfeito para receber o tratamento da refilmagem. Vejam o que aconteceu ao clássico "Pet Sematary", refeito para uma nova geração. Todos esperamos ansiosamente a estreia no próximo dia 09! Antes que o mesmo destino ocorra a "The Crush", todavia, seria preferível que as pessoas procurassem a fonte, pois há elementos inerentes à época do lançamento responsáveis por torná-lo um suspense fora de série, e um dos toques de magia, impossível de se reproduzir, dá-se nas particularidades do período no qual veio ao mundo pela primeira vez, inigualável como a fragrância das flores na esteira da adorável chegada da primavera.