quinta-feira, 12 de novembro de 2020

"Um Monstro no Caminho" ("The Monster", 2016/ Diretor: Bryan Bertino/ Elenco: Zoe Kazan, Ella Ballentine, Scott Speedman). Estrelas: **** de *****.


Tendo feito um nome para si com "Os Estranhos" e dividido opiniões com "Perseguidos pela Morte", o diretor Bryan Bertino, tão criticado pela absurdidade do esquisito grupo de vândalos anônimos da produção anterior, deu um passo a frente sem temer os riscos, e rodou "Um Monstro no Caminho", a terceira obra de sua intrigante filmografia que reforça a tendência do cineasta de retratar o mal em um campo metafísico. Kathy (Zoe Kazan, em grande performance) é uma jovem mãe incapaz de dar à filha precoce Lizzy (Ella Ballentine) o amor desejado. Fruto de um lar desfeito, a garota vive "de uma casa para a outra". Embora passe a maior parte do tempo com a mãe, imagens em flashback testemunham a dificuldade no convívio entre as duas. Bastante jovem e imatura, a mãe parece presa às inconsequências da juventude, desperdiçando os melhores anos com relacionamentos fadados ao fracasso, em um estilo de vida desregrado marcado por álcool e festas. Quando Kathy precisa levar a filha para o fim de semana na casa do pai, e a viagem acaba atrasando por causa de uma tempestade inesperada, ela comete o erro de insistir no percurso e atravessar o trecho da autoestrada que cruza um fechado bosque durante a noite, ocasião na qual perde momentaneamente o controle do volante, gerando um acidente de certa relevância que lança o carro no acostamento e as prende ao meio do nada. À primeira vista, a situação não implica nada grave, que não o aborrecimento de as duas terem de aguardar o guincho, mas não custam a aparecer sinais de que mãe e filha não se encontram sozinhas na floresta. Elas achavam que tinham atropelado o lobo visto no meio da pista; entretanto, ao examinarem melhor o corpo, marcas de dentada no animal levam a crer que ele fora atacado por algum predador maior antes do atropelamento. Inexplicavelmente, passam a ser vigiadas por um monstro, mas seria o monstro uma criatura puramente física ou um aspecto muito mais profundo e sombrio da psique humana?

Assim como aconteceu a "Perseguidos pela Morte", é difícil encontrar um meio-termo para "Um Monstro no Caminho". As pessoas ou gostaram bastante do filme ou o odiaram; de qualquer modo, não as deixou mornas. Parte do desapontamento das críticas desfavoráveis deve-se à frustração de quem esperava um "filme de criatura" de algo intitulado "Um Monstro no Caminho", mas acabou assistindo a um pesado drama familiar. De fato, os admiradores de filmes de monstro se decepcionarão se procurarem a obra sem uma ideia prévia dos conceitos e estilo de abordagem do diretor. A estória é melhor descrita como um visceral drama sobre a falibilidade dos pais e como certos traumas de infância guardam força para alterar irremediavelmente a trajetória de vida de uma pessoa. Em termos da presença física do monstro, embora executada com gabarito, pouco se vê da criatura enorme que caminha e se posta como um furioso gorila, e possui uma mandíbula cheia de dentes afiadíssimos e tortos que transmitem a bizarra impressão de permanente sorriso. Sempre envolvida pela escuridão e chuva, conserva o mistério graças à discrição com a qual o diretor revela o suficiente. Fãs de efeitos especiais e clássicos de ficção científica se alegrarão com o fato de que nada do que se vê foi criado digitalmente. Os realizadores conceberam a criatura "na marra", e suas aparições gozam do frescor da nostalgia, motivo pelo qual, apesar de não se ver muito, sua figura causa uma lembrança tão icônica. Dele, termina-se o filme sabendo-se pouco: aprendemos que a coisa, aparentemente um híbrido, detém tremenda força, a ponto de arrancar o braço do homem do guincho e, mais tarde, rasgar a lataria de uma ambulância para puxar a paramédica como se fosse uma boneca de pano. O monstro também se move com bastante agilidade: depois que Kathy consegue assumir o controle do volante da ambulância e voltar à pista, ela é interceptada pela coisa segundos depois e muito à frente, quando o monstro ressurge da margem e, com a força do impacto, lança o veículo para dentro do bosque, prendendo-as novamente à floresta. As manifestações muito visíveis do monstro, todavia, mascaram a natureza de um vilão muito mais profundo e incrustrado na dinâmica de mãe e filha, e uma cena pivotal faz eco a um horror profundo e espiritual ao qual não se pode simplesmente atribuir face.

Embora a linha narrativa mais visível gire em torno da luta de mãe e filha contra o assédio de um monstro misterioso, esta é intercalada por uma série de segmentos, secretamente conectados à presença física do monstro. Quando as intromissões dos flashbacks pausam a ação, "Um Monstro no Caminho" se torna um filme distinto. A mudança não se deve a qualquer descuido do diretor Bertino quanto ao foco, mas à gradual realização de que não está interessado em realizar somente um thriller de sobrevivência. A luta diz respeito a uma ameaça muito mais abstrata e enraizada, de forma que o papel do monstro serve como alegoria para o verdadeiro terror na jornada espiritual das protagonistas. Os flashbacks trabalham como janelas semiabertas cuja vista dá direto ao passado, e a abertura franqueia breve acesso a horrorosos aspectos da vida de Kathy que mais tarde parecem se "materializar" na inexplicável presença da floresta. Os segmentos apresentam uma miríade de sofrimentos vividos pela jovem na luta contra o alcoolismo, a partir do qual sua vida segue se desintegrando em uma sucessão de escolhas desastrosas, desde o relacionamento abusivo com um homem violento à decadência de cair desacordada sobre o próprio vômito no banheiro, diante dos olhos da filha. Apesar de antipatizarmos com o comportamento desagradável e cruel de Kathy para com Lizzy, certos momentos provam que ela tenta, desastradamente, fazer a coisa certa. Quando bate boca com a menina na porta da garagem, a razão se deve a um motivo nobre, pois, como mãe, só queria levá-la `a apresentação do teatro; ao manifestar a preferência para que Kathy não compareça, Lizzy acaba por enfurecê-la, pois a vergonha da filha aprofunda o sentimento de rejeição que Kathy sente por si. Nesta toada, quando Lizzy encontra a mãe desacordada no banheiro e cuidadosamente junta-se ao seu lado para abraçá-la por trás, o filme nos ensina que apesar da loucura e abuso do alcoolismo, as duas se amam. Elas se apresentam como pessoas reais, amando-se como as pessoas tendem a se amar neste mundo muito imperfeito. O "monstro" nasce das consequências nefastas do ressentimento requentado pelo álcool, e a luta da mãe e filha contra a presença na floresta reverbera, em cores mais extravagantes, o esforço no âmbito de suas vidas pessoais ordinárias, de encontrarem conciliação e paz em meio ao monstro da impossibilidade de perdão. Simbolicamente, ao pôr fim ao pesadelo ateando fogo ao monstro, Lizzy elimina do coração aquela presença - as recordações ruins, o ódio, o rancor - e encontra reconciliação e perdão. A partir daí, poderá crescer e se tornar senhora da própria vida. Se elastecermos o escopo da ideia, "Um Monstro no Caminho" caberá como uma luva às pessoas que precisaram lidar com conflitos e dramas durante o crescimento. De um jeito ou outro, todos ou já matamos os nossos dragões pessoais, ou tentamos fazê-lo numa base diária, numa longa batalha que, para muitos, dura a vida inteira. Chama-me a atenção a cena em que o monstro, numa posição semelhante a de um massivo gorila sobre quatro patas, põe-se diante da menina e a encara analiticamente, sem atacá-la. Ele acaba de despedaçar a mãe, mas a menina, ele não chega a agredir; apenas a encara, como se esperasse uma resposta, uma escolha. Ele parece cobrar, com seus olhos luminosos de predador: "Eu te conheço e pertenço a você, eu habito sua mente e quero que me arraste consigo para sua vida adulta". Quando Lizzy "diz não ao monstro", facilmente o derrota. Ela ateia fogo na criatura, que vai se afastando, patética, aos berros, até cair como uma porção carbonizada. Ao escrever a resenha, ocorreu-me a história do pugilista Benny "The Kid" Paret, um peso-pena cubano cujo trágico legado se deve às trágicas circunstâncias de sua morte. Em 1962, ao subir ao ringue para enfrentar Emile Griffith, Paret era considerado um promissor candidato ao cinturão. Àquela altura da vida, tinha uma jovem, bela esposa e um filho pequeno, e, profissionalmente, acumulara um bom cartel. Na véspera da luta, Paret inadvertidamente brincou com Griffith, insinuando que o adversário era homossexual. Em uma época profundamente conservadora e hipócrita, Griffith, um bissexual "no armário", enfureceu-se com as implicações, e, durante o combate, ao levar Paret às cordas, perdeu o autocontrole e, mesmo diante de um oponente irresponsivo, acertou-o com uma energética combinação na cabeça que o levou à lona. Paret foi ao chão e jamais despertou, falecendo dez dias após o encontro. Em 2005, um documentário chamado "Ring of Fire: The Emile Griffith Story" recontou a tragédia de Griffith, já um homem idoso e doente, tendo como ponto de partida as muitas ondas concêntricas de consequências geradas naquela distante noite em 1962. O filme revisita a viúva de Paret, em 2005 uma simpática, doce velhinha que nos fala da saudade do falecido marido e como escolheu jamais casar novamente, tendo optado por criar o filho em sua simplória, pacata existência, seu "pequeno mundo de detalhes". Por imagens de arquivo, vemos o pequeno Alberto Paret crescer, passando da infância à adolescência em vinhetas de época - anos 60 e começo da década seguinte - como um garoto curioso e saudável, que embora até tenha tentado o boxe amador, preferiu tomar outro rumo. O documentário nos conta como Alberto Paret amadurece para se tornar um homem valoroso e trabalhador, um cidadão de valor. Simultaneamente, simpatizamos com as dificuldades de Griffith, preso à solidão de alguém cuja vida jamais foi gozada em plenitude, resoluto em não assumir a homossexualidade e viver uma existência solitária. Griffith nos conta como costuma acordar com o mesmo pesadelo: assiste a uma luta no Madison Square Garden ao lado de um cavalheiro qualquer, com quem conversa animadamente e troca impressões sobre o combate; entretanto, em dado momento, toma conta de que a pessoa ao lado tem a mão muito gélida e, na verdade, é um cadáver falante, mas não um morto qualquer: ali ao lado, encontra-se sentado Benny Paret, o homem que ele matara em 1962. Griffith fala sobre o remorso, o arrependimento, sobre como após aquela noite em 1962 perseguem-no constantemente pensamentos acerca do "filho do Paret", sentado solitariamente no meio-fio da rua, com o uniforme e o taco de baseball, esperando a chegada de Benny, crescendo sem uma figura paterna. Griffith também é assediado por pensamentos de que o menino, hoje um homem, aparecerá um dia para assassiná-lo como retaliação, e desperta coberto de suor. O documentário conclui com um passeio que Griffith faz no Central Park, numa gloriosa manhã. Ele enxerga um cavalheiro de seus cinquenta anos se aproximando, vindo do outro sentido da passarela, até parar diante de sua pessoa. Ao dar conta da identidade do "estranho", Alberto Paret, o idoso desabafa. Com os olhos marejados, olha para a equipe de filmagem, atrás de confirmação: "Esse aí é o garoto...?". Paret não perde tempo e esclarece que não deseja mal ao idoso, estendendo-lhe as mãos. Ainda assustado e relutante, Griffith aceita o aperto de mão. No minuto seguinte, o idoso desaba num pranto inconsolável e se abraça ao homem como a uma tábua de salvação, suplicando perdão. É uma linda, linda cena. O documentário conclui com uma tomada dos dois, sentados lado a lado num banco de madeira no Central Park, deliciados com o espetáculo do fim da tarde no Outono. O que me levou a realizar a associação entre a jornada de Griffith & Alberto Paret e este filme de horror de Bryan Bertino foi a reação a um comentário feito na internet sobre a reconciliação entre os dois. Alguém havia dito algo muito mesquinho, nos moldes de "Não sei como esse cara foi capaz de chegar aos 50, tendo perdoado o assassino do pai!"; entretanto, foi a sábia resposta de uma outra pessoa que me marcou. A elegante resposta devolvia misericórdia à questão: "Meu amigo, se esse cara não conservasse perdão no coração, jamais teria chegado aos 50 anos de idade. Teria acabado na cadeia ou estourado os próprios miolos anos antes". Eu me recordei da resposta, e pensei "Aí está o filme do diretor Bryan Bertino. Eis a mensagem por trás da aparência de um mero filme de monstros". Na vida real, tanto quanto a Lizzy de "Um Monstro no Caminho", Alberto Paret também se viu diante de um demônio que se convidava a consumi-lo por dentro; Lizzy encontrou o inimigo dentro do bosque, o menino Paret o encarou sentado no meio-fio da calçada, à espera de Benny. Assim como Lizzy faz no filme de Bertino, na vida pessoal, Paret escolheu a alternativa da redenção ao lançar a besta às chamas sem qualquer negociação. A graça, como se sabe, é estendida a todos; mas precisa de permissão para operar.

As sensacionais performances das duas atrizes tornam possível a ambiciosa ideia do diretor Bertino de oferecer dois filmes - a luta pela redenção da alma & o enfrentamento do monstro - em um único pacote. Zoe Kazan dá vida à mãe como uma jovem ora patética, ora amável, mas sempre humana e, por conseguinte, merecedora da graça. Sua trágica presença acentua o poder destrutivo com que álcool e relacionamentos abusivos partem para cima de nossas almas, como um monstro no bosque. Ella Ballentine, que interpreta Lizzy, aparece no último lançamento do cineasta, "The Dark and the Wicked", a ser resenhado por mim. O ator Scott Speedman, de "Os Estranhos", faz uma aparição surpresa como Roy, o abusivo namorado de Kathy. Em flashbacks de violência doméstica, seu personagem é mesquinho e assustador ao arrancar das mãos da menina a chave do carro e deixá-las para trás. Tecnicamente, o filme foi muito bem concebido, e imagens como as luzes do giroflex de uma ambulância no meio da floresta escura e o tapete d'água acumulado na superfície da pista pela tempestade retratam perfeitamente o ambiente ideal para uma estória de horror. O diretor Bertino sabe filmar lugares desertos a máximo efeito, conforme já demonstrado em "Os Estranhos", e enquanto nos dois filmes anteriores seus cenários limitaram-se a residências, aqui lança mão dos elementos de um bosque escuro para provocar medo a partir da imprevisibilidade de não se saber a posição do inimigo.

Analisados como conjunto, os filmes do diretor indicam a tendência para a maturidade de um cineasta preocupado em explorar o terror em suas explicações menos fantásticas e mais metafísicas. Ao se afastar da objetividade dos três mascarados de seu primeiro trabalho, Bertino prefere conferir a crueldade a hospedeiros em cujos rostos a nitidez segue se diluindo, à medida que opta por se aprofundar nas contradições da mente humana. Em "Perseguidos pelo Mal", não se trata mais de um trio, e sim de uma coletividade de vândalos complexa e intrincada cuja extensão foge aos olhos; com "Um Monstro no Caminho" alcoolismo e abuso infantil somatizam-se na figura da criatura cuja envergadura se vê apenas raramente. Em sua última obra, "The Dark and the Wicked", os protagonistas enfrentam os demônios familiares que instigam-nos ao desespero e ao suicídio, porém desta vez não se verá mais nada, já que completa restará a transposição tão aperfeiçoada pelo olhar do cineasta: a de descartar a falsidade das aparências para devolver a crueldade dos anjos à realidade do puramente espiritual.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

"Perseguidos pela Morte" ("Mockingbird", 2014/ Diretor: Bryan Bertino / Elenco: Alexandra Lydon, Audrey Marie Anderson, Todd Stanshwick, Spencer List) Estrelas: *** de *****.

Em uma noite chuvosa no ano de 1995, três famílias têm suas vidas radicalmente transformadas quando, sem qualquer explicação, recebem na porta de casa caixas contendo câmeras, acompanhadas de uma orientação: a de não pararem de gravar. Os núcleos em torno dos quais se tecerá essa estória de horror são compostos por Tom e Emmy, um jovem casal que no começo da noite espera uma "trégua" para namorar, já que o tio levará as filhas para um rinque de patinação; Leonard, um rapaz irresponsável que mora com a mãe alcoólatra e sonha ganhar uma quantia capaz de lhe valer a independência financeira; e, por fim, Beth, uma jovem em vias de dar o primeiro passo à vida adulta, agora que começará os estudos da universidade e morará sozinha numa casa apartada do campus, geograficamente distante da mãe superprotetora. Inicialmente, eles creem que a surpresa se deve ao fato de terem sido sorteados por acaso graças a cupons preenchidos em supermercados; entretanto, não custam a compreender que se veem gradativamente isolados, sem comunicação com o mundo exterior e sob o assédio de um anônimo grupo de vândalos, um passo à frente de seus movimentos. A sucessão de horrores que ocorre em paralelo convergirá num trágico desfecho onde o encontro das vítimas revelará a estratégia por trás da aparente "aleatoriedade" dos assassinos.

Bryan Bertino, diretor do eficiente suspense "Os Estranhos", dirige "Perseguidos pela Morte", o projeto seguinte `a sua bem-sucedida estreia. Mesmo voluntariamente cingido pelas regras do "found footage", ele tirou proveito do paradigma ao criar um filme no qual os personagens acabaram "dirigindo" sua via crucis. Por executar a ideia com habilidade, ele realiza uma jornada tensa, claustrofóbica e, principalmente, muito esquisita. Nesse sentido, vale-se da maestria esbanjada em "Os Estranhos" e revisita o tema de pessoas ameaçadas dentro de casa por visitantes sem motivo aparente, aqui deixando de lado a direção mais cinematograficamente estilística de "Os Estranhos" e, conforme dito, reciclando a proposta sob a perspectiva do "found footage", ou seja, a ideia de que aquele evento verdadeiramente se deu e que o que nos é apresentado não é um filme, mas um genuíno documento dos homicídios. O filme também goza de elegante frescor graças à "esquisitice", cortesia de certas escolhas no modo de contar a estória e a sensibilidade de, mesmo em tão curto tempo, retratar os personagens com nuances que fazem dos mesmos protagonistas que deixam impressão. Sublinhando a autoconfiança do cineasta ao criar tão insólito espetáculo, especial menção vai aos detalhes que só ao serem percebidos após uma segunda ou terceira exibição revelam a complexidade do esquema das pessoas a unirem forças para criar aquele aleatório pesadelo nas vidas dos três núcleos.

Encabeçam as acertadas escolhas de Bertino dois aspectos: a opção por uma época em particular para emoldurar a trama, e o desempenho acima da média do elenco, formado por atores desconhecidos e talentosos. O filme abre com uma intrigante title card: "Era uma vez em 1995...". A introdução instila na trama uma charmosa melancolia nostálgica pela qual somos apresentados a vinhetas estreladas por gente ordinária, às voltas com os aborrecimentos e alegrias banais a perfilarem uma vida nos longínquos meados dos anos 90 - um casal determinado a manter o interesse romântico vivo enquanto lida com a criação de duas meninas sapecas e saltitantes; a senhorita cujo bom humor e entusiasmo escondem a vulnerabilidade de uma jovem que busca a vida adulta longe da mãe - e consideramos que em dado ponto, há vinte e cinco anos, tais dramas "existiram" e os personagens caminharam neste mundo, encafifados com suas circunstâncias, até terem o chão tirado de seus pés numa terrível noite de assassinato. Chama a atenção a sensibilidade do roteiro que, ao tempo que mostra tão casualmente os protagonistas, vale-se de certos artifícios para explicitar a fragilidade das pessoas visadas pelos vândalos. Dentre os arcos narrativos, o de Beth foi aquele que pareceu adequadamente delineado: sobre ele, é possível enxergar o cuidado do diretor em nos fornecer dados importantes. À primeira vista, ela surge como uma forte presença feminina, encantada com a surpresa da câmera, tomando-a como brincadeira de um possível pretendente; aos poucos, ao vermos a conversa com a mãe, entendemos de onde vem a serena tristeza. Não há muito tempo, ela sofreu uma desilusão romântica. À medida que os fatos passam a se suceder muito rapidamente, sua fortaleza psicológica vai abaixo, e a mente assume o estado de pura sobrevivência. Evidentemente, parecido processo se dá com o casal, o qual vai se afundando sob o peso de escolhas estúpidas tomadas em circunstâncias desesperadoras; outrossim, por contarem um com o outro, a situação não se desdobra tão freneticamente quanto a de Beth, aterrorizada por uma pletora de maldades, desde um boneco macabro sentado no jardim até o braço de um garoto que surge de uma gaveta acima, com uma faca de cozinha. Em peso, filmes de terror pecam ao não trabalharem muito bem a caracterização dos personagens. "Perseguidos pela Morte" atravessa a linha de chegada com louvor. Sendo um filme de terror atrelado às limitações do subgênero "found footage", faz da simplicidade sua melhor aliada, e pelo ponto de vista amador de câmeras, quando exibe nuances e detalhes daquela gente pelo ponto de vista desastrado da primeira pessoa, cria um singular clima de autenticidade e verossimilhança.

"Perseguidos pela Morte" não foi recebido com unanimidade. Parte das pessoas posicionou-se vocalmente contra a obra. As pessoas que não o apreciaram queixaram-se da incredulidade de semelhante manipulação sobre três casas distintas em um mesmo tempo. A reclamação, todavia, não se sustenta, afinal o elemento fantástico não pode desabonar os criadores, que da criatividade retiraram a matéria-prima do trabalho. Claro, para se arquitetar uma ação do tipo, os algozes precisariam de uma teia de envolvidos em número suficiente para "direcionar" as pobres vítimas ao fim em mente; entretanto, através de pistas, o diretor Bertino, também autor do argumento, sugere que, sim, aquelas pessoas anônimas eram coordenadas com sincronia, posicionando-se em pontos estratégicos da cidade, integrais a aquela noite de horror, de modo a garantir que o casal, a moça e o palhaço terminassem no salão cheio de balões da casa abandonada. Durante sua aventura pela cidade, quando Leonard estaciona em frente a um mercadinho como uma das etapas da "brincadeira", uma silhueta de um cavalheiro dentro do telefone público na calçada, por exemplo, sinaliza que a presença não se encontra ali por acaso: trata-se de um integrante do grupo, um dos muitos "olhos" com que o insólito, bizarro grupo de anônimos conta para antecipar os passos de pobres pessoas incapazes de se defender ou ao menos compreender as motivações por trás do ataque. No rinque de patinação, uma mulher se oferece para tirar a foto do palhaço com as duas meninas, filhas de Tom e Emmy: eis mais uma cúmplice do jogo misterioso. As coincidências integram-se escandalosamente a favor dos assassinos, mas, de modo geral, as reviravoltas não chegam às raias do absurdo. O mundo é um lugar imprevisível e estranho, apenas não tão improvável quanto a mente humana, de onde saem casos que fazem da trama de "Perseguidos pela Morte" uma estória banal, principalmente quando comparada aos fatos da vida real. A título de exemplo, na esteira desse filme sobre stalkers, procurem ler a respeito do homicídio da família Miyazawa, naquilo que ficou conhecido como "Setagaya Murders". Evento ocorrido na virada do século XX ao XXI, o caso foi objeto de um fantástico podcast disponível no Youtube e, mais do que nunca, lembra-nos de que por mais absurdo que seja o terror cinematográfico, o mundo real nos reserva pesadelos ainda mais impensáveis.

Conforme explicado acima, o diretor Bryan Bertino começou a carreira com "Os Estranhos", onde víamos o casal interpretado pelos atores Liv Tyler & Scott Speedman acuado por três mascarados - duas mulheres e um homem - em uma casa de campo isolada. Nos filmes seguintes - "Perseguidos pela Morte", "The Monster" e "The Dark and the Wicked" - percebe-se uma intrigante metamorfose no "rosto" do vilão de suas estórias. Aquilo que começara bem objetivo e sólido na figura dos três mascarados de "Os Estranhos" foi se diluindo num grupo anônimo que quase não se vê, até assumir uma conotação mais alegórica em "The Monster" (o "monstro" como metáfora para o alcoolismo e abuso infantil) e finalmente se dissolver perfeitamente no mal abstrato e metafísico de "The Dark and the Wicked" (o "monstro" agora como a voz que, nos momentos de dificuldade, nos impele ao suicídio), desprovido de qualquer nitidez, porém extremamente contemporâneo. O processo abstrativo do mal sinaliza a maturidade de um diretor ciente de que mais do que a mera presença física, é justamente na seara do invisível onde residem os horrores.