Olá, pessoal. Nesta oportunidade, estarei fazendo considerações sobre um filme de horror realmente marcante, que infelizmente foi eclipsado pela refilmagem norte-americana. Aqui no Brasil, todo mundo parece ter assistido à refilmagem, porém e quanto ao original?Estou falando de “Ringu”, produção japonesa dirigida por Hideo Nakata, em 1998. Quando do lançamento no mercado mundial, o sucesso foi instantâneo e fenomenal, introduzindo um frutífero período para o cinema asiático, conhecido como “J-Horror” (japanese horror). Logo, os produtores norte-americanos ouviram falar do filme japonês, e alguns anos mais tarde, trouxeram às telas a nova versão, “O Chamado”, de 2002. Eu assisti a ambos, e embora a refilmagem americana de 2002 reúna as qualidades de um excelente filme de horror, mantenho a mesma opinião de há dez anos, quando descobri a ambos: comparadas as diferenças, o original ainda se sagra superior. Há alguma coisa nas estórias de horror japonesas, um apelo que os produtores americanos jamais conseguiram capturar quando de suas adaptações. Algo é perdido, e este charme extra é o grande diferencial que coloca “Ringu” no panteão dos melhores filmes de terror dos anos 90.
Assistindo a “Ringu”, não pude deixar de perceber que o mesmo pareceu homenagear os grandes filmes de terror do passado, mas também inspirou sucessos que vieram depois. O fato de o filme nos apresentar uma criança com habilidades psíquicas me fez pensar em O Iluminado, que foi o primeiro a descortinar eventos paranormais sob a ótica infantil. Por outro lado, há uma cena em “Ringu”, durante a reunião familiar que se segue após a morte da sobrinha de Reiko, que foi recriada em O Sexto Sentido, quando Yochi enxerga o espírito da prima subindo discretamente as escadas e a segue até ao quarto, quando o encontra envolto pelo breu, vazio.
Ao contrário da refilmagem, há tantos momentos pequenos especiais em “Ringu” que se torna impossível preteri-lo em favor do filme americano. O Japão é um país intrigante. O mundo da tecnologia de ponta, do encanto das máquinas, das luzes, parece coexistir com um outro mundo atemporal, de superstições, de tradições milenares, de mistérios tão antigos quanto a própria formação da cultura do país. A forma com que a morte é tratada pela cultura japonesa é particularmente instigante, e o ponto de vista peculiar desta gente quanto ao assunto abre um leque excepcional para todo o imaginário estimulado pela passagem desta existência para a próxima. Acreditem, os fantasmas idealizados pelos japoneses são arrepiantes, não apenas os fantasmas, mas todo o conjunto que vem com o tema: premonições, maldições, poderes psíquicos, comunicação com os que partiram e por aí vai. Deste modo, o charme de “Ringu” deve muito à cultura que o gerou, e vez que própria aos japoneses, os produtores da refilmagem americana tiveram de antever certa perda desta maravilhosa atmosfera, todos estes instigantes mistérios, quando da tradução para uma produção de Hollywood.
“Ringu” foi lançado em DVD no Brasil pela Califórnia Filmes, em 2003, sob o título “Ring – O Chamado”. Não é difícil encontrá-lo em DVD nas locadoras. Se você apreciou “O Chamado”, é o seu dever assistir à fonte, vez que melhor. Como disse anteriormente, “Ringu” inaugurou a tendência, onde filmes de sucesso orientais, excelentes produções de horror, ganharam refilmagens americanas. Este foi o caso de “Ju On”, refeito em 2004 como “O Grito”; “Honogurai mizu no soko kara”, refeito em 2005 pelo brasileiro Walter Salles como “Água Negra”, com a sempre extraordinária Jennifer Connelly; “Kairo”, refilmado em 2006 com Kristen Bell como “Pulse”; e “Janghwa, Hongryeon”, refeito em 2009 como “O Mistério das 2 Irmãs”. Lamentavelmente, um dos melhores filmes desta safra nipônica jamais ganhou a contrapartida americana. Refiro-me a Ôdishon (1999), suspense de Takashi Miike, sobre um executivo que perdeu a amada esposa para uma doença terminal, e depois de alguns anos sem se envolver com novas mulheres, é convencido pelo melhor amigo, um produtor de cinema, a reconstruir a vida sentimental, com consequências desastrosas. O homem conhece uma série de pretendentes, mas quem chama a sua atenção é uma jovem bailarina de olhos tristes. Ele se encanta pela moça. Preocupado, o amigo investiga as referências fornecidas pela garota, mas nenhuma das informações quanto a seu passado, tais como onde estudou ou cresceu, confere. Este filme de horror foi um dos poucos que não envolveu o sobrenatural, porém ainda assim se consagrou como um dos exemplares mais memoráveis da criativa fase que o cinema nipônico experimentou. Começa como um drama (o cara perdendo a mulher), depois mais se assemelha a uma comédia romântica (o cara conhecendo a menina, com direito a paqueras, jantares românticos, os dois se tornando mais íntimos), e quando você menos espera, vira um horror barra-pesada e surreal, já que é revelado que a garota, na verdade, tem problemas psiquiátricos gravíssimos, cujos motivos estão enraizados em seu passado repleto de segredos terríveis e abusos sexuais, e mantém o ex-namorado em cativeiro, desmembrado, dentro de um saco, no apartamento, alimentando-o regularmente com o próprio vômito. Tarde demais, o cara compreende que envolver-se com a garota significou comprar uma passagem só de ida para o inferno, vez que está metido na situação até o pescoço, e ela não vai deixá-lo sair de sua vida tão facilmente. À época que o vi pela primeira vez, nos idos de 2004, imaginei como seria possível refazê-lo. Assim como ocorreu a w delta z, a possível refilmagem de Ôdishon foi uma outra oportunidade em que vislumbrei como teria sido Jennifer Connelly e Burt Reynolds juntos, se apenas a diferença de idades entre ambos não fosse tão significativa. No meu avatar pessoal, ambos tinham as idades ideais para os respectivos personagens, Burt Reynolds um pouco mais velho (em 1979, aos quarenta e três anos de idade), Jennifer Connelly ainda jovem (em 1998, aos vinte e oito). Se fosse possível pinçá-los no tempo e juntá-los hoje, ambos dariam vida aos personagens principais de forma magistral, sem dúvida. Agora, imaginem só um diretor como Brian De Palma rodando a refilmagem estrelada pelo casal. Infelizmente, as coisas não funcionam do jeito que a gente quer. As coisas são como são. De certa forma, ao longo dos anos, à medida que fui escrevendo uma estória de minha autoria intitulada O Jogo Mais Perigoso, o trabalho serviu como uma compensação: já que David Cronenberg ou Brian De Palma jamais deram aos dois um filme para atuarem juntos, já que o tempo não pôde mesmo ser vencido, é no trabalho da escrita onde pude me tornar o diretor da minha própria estória, e, de certa forma, vê-los juntos, vez que os personagens foram escrito para os dois. Sim, trata-se de um trabalho literário, de ficção, mas em um contexto ideal, foi uma forma de mandar a passagem do tempo e os diretores às favas, e homenagear a dupla, com personagens feitos na medida para seus talentos.
Bem, mas me permitam voltar à resenha, já que o que começou como uma crítica parece ter se tornado uma divagação pessoal sobre Jennifer Connelly e Burt Reynolds contracenando. Eu gostaria de finalizar a análise de “Ringu” fazendo especial menção à atuação de Hiroyuki Sanada, que interpreta o ex-marido Ryuji. Este senhor rouba a cena com a impecável e silente performance, vestindo a aura de tristeza e elegância em cada cena onde aparece muito bem, e dando um desempenho memorável. Em breve, Sanada aparecerá no novo filme sobre Wolverine, com Hugh Jackman, e ao lado de Keanu Reeves em Os 47 Ronins. Estes dois artistas famosos que se cuidem, pois tenho para mim que Sanada roubará o filme de ambos!Ainda, gostaria de recomendar aos fãs do gênero que gostaram de “Ringu” para que aproveitem para procurar por Noroi The Curse, outro filme japonês nas linhas de “Ringu”, e que pode ser obtido facilmente online. Bons filmes de horror aparecem apenas ocasionalmente, e os japoneses sabem como ninguém trazer às telas ideias novas e interessantes.
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