Olá, pessoal. É com muita satisfação que venho tecer considerações sobre um dos filmes de horror mais interessantes de 2012 – e que pode ser facilmente conseguido em sítios de hospedagem de vídeos, cortesia de algum cinéfilo generoso que o disponibilizou. Refiro-me a uma contribuição entre os nomes mais pronunciados do cinema do horror desta década – entre eles Ti West, o diretor do aclamado House of the Devil – chamada V/H/S, coletânea de pequenas estórias de terror amarradas pela trama principal, que envolve um grupo de rapazes que invade uma residência para realizar um assalto, encontram o morador morto e uma caixa de tapes. As estórias são justamente os tapes que os invasores começam a assistir, ao todo cinco segmentos, cada qual melhor que o outro!Se os amigos preferem assistir a filmes sem conhecer as estórias, recomendo que parem de ler por aqui – ao longo desta resenha, farei revelações sobre as mesmas, porém quero ser categórico ao afirmar que jamais me diverti tanto quanto no passado, - em 1994 por exemplo, quando tinha 14 anos e assistia a Gêmeos Mórbida Semelhança, os filmes de David Cronenberg ou os de Burt Reynolds, que passavam na Sessão da Tarde, ou mesmo os de Jennifer Connelly - como quando hoje, ao descobrir V/H/S. Foi tão bom assim!Um passeio nostálgico pelas alamedas da recordação, cortesia de diretores que assim como a gente vivenciaram aqueles tempos, apaixonaram-se por filmes do gênero, e finalmente tiveram a oportunidade de homenageá-los com um trabalho diferenciado e encantador.
O que apreciei neste filme foi que fugiu à regra, e se distanciou o máximo possível de efeitos especiais bobocas e clichês do gênero. Ao contrário, a abordagem refrescante apenas favorece a atmosfera retrô que permeia todo o filme. Os diretores souberam adicionar elementos realmente inesperados – e incômodos, tétricos – a cada segmento, de modo que a obra, como um conjunto, acabou mais forte do que as partes. Há violência, mas a mesma não é mais evocativa do que as estórias. O diferencial de V/H/S é o clima mórbido que consegue impor, o que se deve ao amor que os cineastas devotam a este tipo de material. Assim como o cineasta Quentin Tarantino fez anteriormente, o fato de procurarem imprimir ao celuloide os detalhes, os pontos fortes de todos estes clássicos do passado – os de Dario Argento, David Cronenberg, os de Wes Craven – deu à produção uma roupagem nostálgica que, curiosamente, parece inédita, vez que reinventada.
O primeiro segmento envolve um trio de jovens na balada. Um dos rapazes, aquele que parece o mais inexperiente e ingênuo, veste óculos que documentam toda a farra. É que os amigos querem pegar as meninas mais bonitas, levá-las a um motel qualquer, fazer amor e documentar a conquista para se exibirem depois. Entram em um bar, conhecem algumas garotas, rapidamente o mais experiente dá um jeitinho de embebedá-las, para preparar terreno e, mais tarde, abater a caça. O mais inocente conhece uma moça estranha, que parece simpatizar com sua pessoa de imediato. Eu gosto de você, ela sussurra no ouvido do cara. Os desdobramentos horrorosos da noite são o fio narrativo do primeiro conto, que envolve a lenda do Sucubus, um espírito demoníaco feminino que eventualmente desce à Terra para levar nas suas asas a alma de algum incauto que caia pelo seu poder de sedução. Este segmento angustiante oferece breve nudez frontal, violência explícita (um pulso com fratura exposta e uma castração gráfica) e muitos arrepios. A cena em que a moça chega para o rapaz e diz, em sussurro, I like you (eu gosto de você) é de gelar... Principalmente, levando-se em conta no pesadelo em que estes três rapazes estão se metendo do momento em que resolvem levá-la para um quarto de motel de beira de estrada.
A segunda estória, a melhor de todas, foi dirigida pelo talentoso Ti West, responsável por House of the Devil e Hotel do Terror. Trata de um jovem casal em lua de mel viajando pelas rodovias interestaduais dos Estados Unidos. Este segmento é o único que não envolve forças sobrenaturais ou alienígenas, todavia o impacto da revelação final é tão chocante quanto os mais arrepiantes fenômenos paranormais que você consiga imaginar. O jovem casal documenta a jornada pelas estradas, o amplo horizonte norte-americano a se perder de vista. Os dois param em uma cidadezinha que recria os tempos do Velho Oeste. A moça põe uma nota na máquina do boneco que prevê o futuro. O aviso não poderia soar mais profético. Para o rapaz, mais tarde, fará completo sentido o trecho que afirma que “Você confia excessivamente nas pessoas e está disposto a fazer favores sem desconfiar que os outros usam isso como vantagem”; e para a moça, “Um acontecimento inédito está se aproximando, você se reunirá a um grande amor do passado e a vida será tudo aquilo que sempre desejou”. É claro que não há nada que leve o rapaz a suspeitar que existe algo de errado na relação, até porque a moça parece sempre amável e compreensível. Na noite em que param em um hotel de beira de estrada, uma menina bate à porta, e o rapaz vai atender. Mais tarde, explica `a esposa que a estranha pediu uma carona para o dia seguinte. Parecia uma moça comum, normal, no entanto, havia algo em seus modos que lhe causou arrepios. Ele considera reportar o caso para a polícia, porém compreende que a estranha não fez nada de errado, afinal de contas. Em um tom sombrio, ele lembra à esposa que estão metidos nas brenhas dos Estados Unidos, e aquela região é notória pelo alto índice de criminalidade. Os dois vão dormir, tensos, e durante a madrugada, a estranha consegue entrar no quarto. Ela acaricia as coxas da mulher, que não acorda, mexe com o rapaz, que também segue alheio, vira os pertences do casal, afana algum dinheiro da carteira do cara, e depois, vai embora, sem fazer mal algum a nenhum dos dois. É durante a retomada da viagem, no dia seguinte, que ao mexer na carteira, o rapaz se dá pela falta de uma certa quantia de dinheiro. Pergunta à esposa a respeito, ela responde que não pegou, e a questão morre por aí mesmo. A esta altura, o homem deveria estar no mínimo intrigado, afinal se a mulher diz que não mexeu na carteira e o dinheiro sumiu da noite para o dia, alguém deve ter passado no quarto, mas ele não dá atenção ao mistério, e a partir daí seu destino trágico é selado, porque a menina que esteve na noite anterior pedindo carona e mais tarde entrou no quarto enquanto o casal dormia é, na verdade, a namorada da esposa – isso mesmo, a esposa é bissexual – e as duas estão fazendo joguinhos psicológicos com a cabeça do Romeu apaixonado. Na segunda noite, a visitante regressa ao quarto do próximo motel onde o casal se hospeda, e esfaqueia o rapaz, que está dormindo, na garganta, seguidas vezes, sem lhe dar chance de defesa. Depois, você vê as duas no banheiro, a assassina lavando a lâmina, a esposa do rapaz filmando tudo, as duas se beijando apaixonadamente na boca, e mais tarde apanhando a estrada, para fugir e viver o caso de amor que tanto desejavam. Atmosférico e de imagens poderosas, este foi o segmento mais vívido e impressionante de V/H/S, aflitivo e misterioso do começo ao fim, com a fuga na autoestrada deserta, à noite, o vento batendo forte, e as duas amantes realizadas após o homicídio do insuspeito marido.
A terceira estória adiciona ao conjunto a bizarra ficção científica dos filmes de alienígenas, que voltará a ser abordado em outro segmento de V/H/S. É como uma inesperada, incomum versão de Predador. Dois garotos e duas garotas organizam uma viagem para acampar em uma região muito bonita nas montanhas, a convite de uma delas. Quando já se encontram por lá, a menina revela que esteve por ali algum tempo atrás, e que seus amigos foram misteriosamente assassinados por uma força inexplicável. O grupo reage com incredulidade. A outra menina se afasta do grupo, com um dos rapazes. Subitamente, é atingida por um objeto pontiagudo que atravessa o crânio, arremessado por um ser invisível, bastante semelhante ao monstro do filme Predador. O rapaz é morto em seguida. A verdade é que a menina que os convidou procurava usá-los como isca, para atrair o alienígena a uma de suas muitas armadilhas previamente preparadas. Os seus amigos são assassinados, mas ela consegue apanhar o caçador alienígena invisível com uma armadilha de facas. Quando acha que tudo está ganho, descobre tarde demais que não há apenas um, mas muitos outros predadores invisíveis nas montanhas. Estes surgem da mata escura para trucidá-la de uma maneira horrorosa. Deste segmento, apreciei a ideia de utilizar a premissa de Predador, e experimentá-lo com uma estória típica de adolescentes perdidos na floresta. A moça que os convida para o piquenique também dá um grande desempenho. Desconheço o seu nome, mas chamou a minha atenção. É uma atriz muito bonita e talentosa, que veste muito bem a aura de mistério e perigo.
A quarta estória se dá inteiramente no espaço do Skype, o programinha que permite que duas pessoas conversem em tempo real, via vídeo, através do computador. O seu formato é interessante, e aqui os diretores continuaram a adicionar à mistura o tempero da temática alienígena. Uma moça e um rapaz, amigos desde a infância, moram em estados diferentes, e matam a saudade conversando todos os dias no skype. A menina explica que seu novo apartamento é mal assombrado, contudo, o amigo pensa pouco sobre os temores da garota, até que durante uma conversa online, testemunha fenômenos inexplicáveis, tais como um menininho entrando no quarto e disparando em carreira pelo corredor, para em seguida desaparecer. A jovem se queixa de um caroço no braço, que não consegue explicar. Encorajada pelo amigo, ela resolve filmar a sala de estar, à noite, para que veja se consegue identificar alguma manifestação. E em uma certa noite, ao investigar, a moça filma os invasores, estranhas crianças que subitamente aparecem e a fazem desmaiar ao emitir um facho de luz. Os visitantes são criaturas extraterrestres, e o caroço em seu braço nada mais é do que um sinalizador que lhes permitia segui-la ao longo de todos aqueles anos. Para completar, quando a moça desfalece, o amigo aparece na sala. Ele apenas afirmava que estava em outro estado, mas durante o tempo todo estivera morando ao lado, e fazia parte do esquema dos alienígenas para estudá-la. Ele realiza uma pequena cirurgia enquanto a menina está desmaiada, retira o que parece ser uma pequena criatura de dentro da jovem e então a entrega para os alienígenas. Algum tempo depois, ao conversar com o amigo no skype, a moça parece não se recordar de coisa alguma, e conta que os médicos a diagnosticaram com esquizofrenia paranoide. O amigo finge surpreso e procura ser atencioso, mas sabe que a verdade é muito pior. Este é o segmento mais bizarro, nonsense, inquietante em suas ideias sinistras, onde os realizadores procuraram homenagear os antigos filmes de horror sobre OVNIS e invasores de outros planetas, na verve do que o segmento anterior começara a propor pela via de Predador.
A última estória, a quinta, fecha V/H/S com chave de ouro. O diretor deste segmento fez bom uso de câmera e efeitos especiais, remetendo-nos à nostalgia do primeiro Poltergeist. É dia das bruxas, ano de 1998, quando quatro amigos se reúnem para ir ao que pensam que será uma divertida festa à fantasia, do outro lado da cidade. De carro, seguem pelas vias de um bairro afastado, atravessam os trilhos e finalmente conseguem chegar ao endereço combinado. Ao ali chegar, porém, não encontram a turma. Cheios de energia e virando latas de cerveja após latas de cerveja, os quatro parecem não se importar. Investigando a elegante casa abandonada, dão pela presença de uma figura feminina imersa nas sombras, que desaparece misteriosamente. Levados ao último andar, os amigos escutam gritos vindo do sótão, e ao entrarem, presenciam uma cerimônia de exorcismo, uma moça amarrada e alguns homens realizando o ritual. Não levam a sério e começam a fazer brincadeiras, no entanto, quando os homens são atacados por uma força invisível, veem que não se trata de festa ou exorcismo de mentirinha. Aterrorizados, desamarram a menina e tratam de correr. É neste instante que o segmento homenageia Poltergeist, jogando manifestações apavorantes por todos os lados – jarros que flutuam e são atirados contra os visitantes, mesas levitando, braços fantasmagóricos que saem das paredes para tentar pegá-los. Os quatro rapazes e a menina conseguem fugir, mas quando já se encontram no cruzamento dos trilhos, o carro inexplicavelmente dá o prego. Eles cometeram um grave erro ao resgatar a mulher, pois ela está possuída pelo demônio, o mesmo que os aprisiona aos trilhos para que o trem que se aproxima os apanhe em cheio.
Para os amantes do cinema, que cresceram nos anos 80, assustando-se com os filmes que a nova geração apenas conhece por causa das refilmagens ruins, V/H/S os presenteará com uma viagem no túnel do tempo, quando vocês poderão se recordar de quando os filmes de horror eram realmente espetaculares, e não havia nada melhor do que lhes assistir com as luzes do quarto desligadas, sob os lençóis. Procurem prestigiar e aproveitar V/H/S, pois joias assim são bastante raras de se encontrar.
Todos os direitos autorais reservados a Magnolia Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.