domingo, 20 de janeiro de 2013

V/H/S - Um passeio pelas alamedas da recordação.

Olá, pessoal. É com muita satisfação que venho tecer considerações sobre um dos filmes de horror mais interessantes de 2012 – e que pode ser facilmente conseguido em sítios de hospedagem de vídeos, cortesia de algum cinéfilo generoso que o disponibilizou. Refiro-me a uma contribuição entre os nomes mais pronunciados do cinema do horror desta década – entre eles Ti West, o diretor do aclamado House of the Devil – chamada V/H/S, coletânea de pequenas estórias de terror amarradas pela trama principal, que envolve um grupo de rapazes que invade uma residência para realizar um assalto, encontram o morador morto e uma caixa de tapes. As estórias são justamente os tapes que os invasores começam a assistir, ao todo cinco segmentos, cada qual melhor que o outro!Se os amigos preferem assistir a filmes sem conhecer as estórias, recomendo que parem de ler por aqui – ao longo desta resenha, farei revelações sobre as mesmas, porém quero ser categórico ao afirmar que jamais me diverti tanto quanto no passado, - em 1994 por exemplo, quando tinha 14 anos e assistia a Gêmeos Mórbida Semelhança, os filmes de David Cronenberg ou os de Burt Reynolds, que passavam na Sessão da Tarde, ou mesmo os de Jennifer Connelly - como quando hoje, ao descobrir V/H/S. Foi tão bom assim!Um passeio nostálgico pelas alamedas da recordação, cortesia de diretores que assim como a gente vivenciaram aqueles tempos, apaixonaram-se por filmes do gênero, e finalmente tiveram a oportunidade de homenageá-los com um trabalho diferenciado e encantador.

O que apreciei neste filme foi que fugiu à regra, e se distanciou o máximo possível de efeitos especiais bobocas e clichês do gênero. Ao contrário, a abordagem refrescante apenas favorece a atmosfera retrô que permeia todo o filme. Os diretores souberam adicionar elementos realmente inesperados – e incômodos, tétricos – a cada segmento, de modo que a obra, como um conjunto, acabou mais forte do que as partes. Há violência, mas a mesma não é mais evocativa do que as estórias. O diferencial de V/H/S é o clima mórbido que consegue impor, o que se deve ao amor que os cineastas devotam a este tipo de material. Assim como o cineasta Quentin Tarantino fez anteriormente, o fato de procurarem imprimir ao celuloide os detalhes, os pontos fortes de todos estes clássicos do passado – os de Dario Argento, David Cronenberg, os de Wes Craven – deu à produção uma roupagem nostálgica que, curiosamente, parece inédita, vez que reinventada.

O primeiro segmento envolve um trio de jovens na balada. Um dos rapazes, aquele que parece o mais inexperiente e ingênuo, veste óculos que documentam toda a farra. É que os amigos querem pegar as meninas mais bonitas, levá-las a um motel qualquer, fazer amor e documentar a conquista para se exibirem depois. Entram em um bar, conhecem algumas garotas, rapidamente o mais experiente dá um jeitinho de embebedá-las, para preparar terreno e, mais tarde, abater a caça. O mais inocente conhece uma moça estranha, que parece simpatizar com sua pessoa de imediato. Eu gosto de você, ela sussurra no ouvido do cara. Os desdobramentos horrorosos da noite são o fio narrativo do primeiro conto, que envolve a lenda do Sucubus, um espírito demoníaco feminino que eventualmente desce à Terra para levar nas suas asas a alma de algum incauto que caia pelo seu poder de sedução. Este segmento angustiante oferece breve nudez frontal, violência explícita (um pulso com fratura exposta e uma castração gráfica) e muitos arrepios. A cena em que a moça chega para o rapaz e diz, em sussurro, I like you (eu gosto de você) é de gelar... Principalmente, levando-se em conta no pesadelo em que estes três rapazes estão se metendo do momento em que resolvem levá-la para um quarto de motel de beira de estrada.

A segunda estória, a melhor de todas, foi dirigida pelo talentoso Ti West, responsável por House of the Devil e Hotel do Terror. Trata de um jovem casal em lua de mel viajando pelas rodovias interestaduais dos Estados Unidos. Este segmento é o único que não envolve forças sobrenaturais ou alienígenas, todavia o impacto da revelação final é tão chocante quanto os mais arrepiantes fenômenos paranormais que você consiga imaginar. O jovem casal documenta a jornada pelas estradas, o amplo horizonte norte-americano a se perder de vista. Os dois param em uma cidadezinha que recria os tempos do Velho Oeste. A moça põe uma nota na máquina do boneco que prevê o futuro. O aviso não poderia soar mais profético. Para o rapaz, mais tarde, fará completo sentido o trecho que afirma que “Você confia excessivamente nas pessoas e está disposto a fazer favores sem desconfiar que os outros usam isso como vantagem”; e para a moça, “Um acontecimento inédito está se aproximando, você se reunirá a um grande amor do passado e a vida será tudo aquilo que sempre desejou”. É claro que não há nada que leve o rapaz a suspeitar que existe algo de errado na relação, até porque a moça parece sempre amável e compreensível. Na noite em que param em um hotel de beira de estrada, uma menina bate à porta, e o rapaz vai atender. Mais tarde, explica `a esposa que a estranha pediu uma carona para o dia seguinte. Parecia uma moça comum, normal, no entanto, havia algo em seus modos que lhe causou arrepios. Ele considera reportar o caso para a polícia, porém compreende que a estranha não fez nada de errado, afinal de contas. Em um tom sombrio, ele lembra à esposa que estão metidos nas brenhas dos Estados Unidos, e aquela região é notória pelo alto índice de criminalidade. Os dois vão dormir, tensos, e durante a madrugada, a estranha consegue entrar no quarto. Ela acaricia as coxas da mulher, que não acorda, mexe com o rapaz, que também segue alheio, vira os pertences do casal, afana algum dinheiro da carteira do cara, e depois, vai embora, sem fazer mal algum a nenhum dos dois. É durante a retomada da viagem, no dia seguinte, que ao mexer na carteira, o rapaz se dá pela falta de uma certa quantia de dinheiro. Pergunta à esposa a respeito, ela responde que não pegou, e a questão morre por aí mesmo. A esta altura, o homem deveria estar no mínimo intrigado, afinal se a mulher diz que não mexeu na carteira e o dinheiro sumiu da noite para o dia, alguém deve ter passado no quarto, mas ele não dá atenção ao mistério, e a partir daí seu destino trágico é selado, porque a menina que esteve na noite anterior pedindo carona e mais tarde entrou no quarto enquanto o casal dormia é, na verdade, a namorada da esposa – isso mesmo, a esposa é bissexual – e as duas estão fazendo joguinhos psicológicos com a cabeça do Romeu apaixonado. Na segunda noite, a visitante regressa ao quarto do próximo motel onde o casal se hospeda, e esfaqueia o rapaz, que está dormindo, na garganta, seguidas vezes, sem lhe dar chance de defesa. Depois, você vê as duas no banheiro, a assassina lavando a lâmina, a esposa do rapaz filmando tudo, as duas se beijando apaixonadamente na boca, e mais tarde apanhando a estrada, para fugir e viver o caso de amor que tanto desejavam. Atmosférico e de imagens poderosas, este foi o segmento mais vívido e impressionante de V/H/S, aflitivo e misterioso do começo ao fim, com a fuga na autoestrada deserta, à noite, o vento batendo forte, e as duas amantes realizadas após o homicídio do insuspeito marido.

A terceira estória adiciona ao conjunto a bizarra ficção científica dos filmes de alienígenas, que voltará a ser abordado em outro segmento de V/H/S. É como uma inesperada, incomum versão de Predador. Dois garotos e duas garotas organizam uma viagem para acampar em uma região muito bonita nas montanhas, a convite de uma delas. Quando já se encontram por lá, a menina revela que esteve por ali algum tempo atrás, e que seus amigos foram misteriosamente assassinados por uma força inexplicável. O grupo reage com incredulidade. A outra menina se afasta do grupo, com um dos rapazes. Subitamente, é atingida por um objeto pontiagudo que atravessa o crânio, arremessado por um ser invisível, bastante semelhante ao monstro do filme Predador. O rapaz é morto em seguida. A verdade é que a menina que os convidou procurava usá-los como isca, para atrair o alienígena a uma de suas muitas armadilhas previamente preparadas. Os seus amigos são assassinados, mas ela consegue apanhar o caçador alienígena invisível com uma armadilha de facas. Quando acha que tudo está ganho, descobre tarde demais que não há apenas um, mas muitos outros predadores invisíveis nas montanhas. Estes surgem da mata escura para trucidá-la de uma maneira horrorosa. Deste segmento, apreciei a ideia de utilizar a premissa de Predador, e experimentá-lo com uma estória típica de adolescentes perdidos na floresta. A moça que os convida para o piquenique também dá um grande desempenho. Desconheço o seu nome, mas chamou a minha atenção. É uma atriz muito bonita e talentosa, que veste muito bem a aura de mistério e perigo.

A quarta estória se dá inteiramente no espaço do Skype, o programinha que permite que duas pessoas conversem em tempo real, via vídeo, através do computador. O seu formato é interessante, e aqui os diretores continuaram a adicionar à mistura o tempero da temática alienígena. Uma moça e um rapaz, amigos desde a infância, moram em estados diferentes, e matam a saudade conversando todos os dias no skype. A menina explica que seu novo apartamento é mal assombrado, contudo, o amigo pensa pouco sobre os temores da garota, até que durante uma conversa online, testemunha fenômenos inexplicáveis, tais como um menininho entrando no quarto e disparando em carreira pelo corredor, para em seguida desaparecer. A jovem se queixa de um caroço no braço, que não consegue explicar. Encorajada pelo amigo, ela resolve filmar a sala de estar, à noite, para que veja se consegue identificar alguma manifestação. E em uma certa noite, ao investigar, a moça filma os invasores, estranhas crianças que subitamente aparecem e a fazem desmaiar ao emitir um facho de luz. Os visitantes são criaturas extraterrestres, e o caroço em seu braço nada mais é do que um sinalizador que lhes permitia segui-la ao longo de todos aqueles anos. Para completar, quando a moça desfalece, o amigo aparece na sala. Ele apenas afirmava que estava em outro estado, mas durante o tempo todo estivera morando ao lado, e fazia parte do esquema dos alienígenas para estudá-la. Ele realiza uma pequena cirurgia enquanto a menina está desmaiada, retira o que parece ser uma pequena criatura de dentro da jovem e então a entrega para os alienígenas. Algum tempo depois, ao conversar com o amigo no skype, a moça parece não se recordar de coisa alguma, e conta que os médicos a diagnosticaram com esquizofrenia paranoide. O amigo finge surpreso e procura ser atencioso, mas sabe que a verdade é muito pior. Este é o segmento mais bizarro, nonsense, inquietante em suas ideias sinistras, onde os realizadores procuraram homenagear os antigos filmes de horror sobre OVNIS e invasores de outros planetas, na verve do que o segmento anterior começara a propor pela via de Predador.

A última estória, a quinta, fecha V/H/S com chave de ouro. O diretor deste segmento fez bom uso de câmera e efeitos especiais, remetendo-nos à nostalgia do primeiro Poltergeist. É dia das bruxas, ano de 1998, quando quatro amigos se reúnem para ir ao que pensam que será uma divertida festa à fantasia, do outro lado da cidade. De carro, seguem pelas vias de um bairro afastado, atravessam os trilhos e finalmente conseguem chegar ao endereço combinado. Ao ali chegar, porém, não encontram a turma. Cheios de energia e virando latas de cerveja após latas de cerveja, os quatro parecem não se importar. Investigando a elegante casa abandonada, dão pela presença de uma figura feminina imersa nas sombras, que desaparece misteriosamente. Levados ao último andar, os amigos escutam gritos vindo do sótão, e ao entrarem, presenciam uma cerimônia de exorcismo, uma moça amarrada e alguns homens realizando o ritual. Não levam a sério e começam a fazer brincadeiras, no entanto, quando os homens são atacados por uma força invisível, veem que não se trata de festa ou exorcismo de mentirinha. Aterrorizados, desamarram a menina e tratam de correr. É neste instante que o segmento homenageia Poltergeist, jogando manifestações apavorantes por todos os lados – jarros que flutuam e são atirados contra os visitantes, mesas levitando, braços fantasmagóricos que saem das paredes para tentar pegá-los. Os quatro rapazes e a menina conseguem fugir, mas quando já se encontram no cruzamento dos trilhos, o carro inexplicavelmente dá o prego. Eles cometeram um grave erro ao resgatar a mulher, pois ela está possuída pelo demônio, o mesmo que os aprisiona aos trilhos para que o trem que se aproxima os apanhe em cheio.

Para os amantes do cinema, que cresceram nos anos 80, assustando-se com os filmes que a nova geração apenas conhece por causa das refilmagens ruins, V/H/S os presenteará com uma viagem no túnel do tempo, quando vocês poderão se recordar de quando os filmes de horror eram realmente espetaculares, e não havia nada melhor do que lhes assistir com as luzes do quarto desligadas, sob os lençóis. Procurem prestigiar e aproveitar V/H/S, pois joias assim são bastante raras de se encontrar.

Todos os direitos autorais reservados a Magnolia Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Catfish - Os estranhos que enxugam as nossas lágrimas.


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, tenho a satisfação de discorrer sobre um filme realmente extraordinário, que me parece bastante válido neste cenário de relacionamentos virtuais, ao propor os seguintes questionamentos: será que verdadeiramente conhecemos as pessoas com quem confidenciamos a nossa vida e os nossos segredos, online?Há uma distinção clara entre a vida real e a realidade que construímos no meio virtual?Será que as fotos de momentos felizes postadas em perfis de facebook representam honestamente a vida da pessoa cujos instantes restam imortalizados nos retratos?Inicialmente, eu gostaria de destacar que Catfish não é um filme de horror, muito embora o marketing da produção o venda como tal. Quando do lançamento, quem se permitisse levar pelo trailer pensaria se tratar de um suspense psicológico nas linhas de Atividade Paranormal, ou algo igualmente sinistro. Curiosamente, dado o sucesso de Catfish, os seus diretores foram convidados a dirigir os filmes da referida franquia, tendo comandado as partes 3 & 4.

Catfish não é, porém, um filme de horror. Ao contrário de Atividade Paranormal, é um documentário autêntico onde não há atores interpretando personagens, mas gente genuína que passou pela experiência e documentou os momentos mais importantes da jornada. Neste caso que se deu ao longo do ano de 2007 e início de 2008, as crenças e os princípios das pessoas diretamente envolvidas foram profundamente transformados. Cheio de reviravoltas, o documentário nos brinda, inicialmente, com momentos bem-humorados e românticos, subitamente se torna uma aventura misteriosa e atmosférica, e finalmente termina de modo agridoce e revelador, assertivo sobre a condição humana e até onde algumas pessoas estão dispostas a chegar para compensar a dor que a vida lhes infligiu. A execução perfeita se deve à magistral perícia de como os diretores cobriram a trama, e as reviravoltas que os vão lançando em suspense o tempo inteiro e nos arrastam com a mesma urgência. Nós somos companheiros de jornada do trio, e o saldo da jornada – aquilo que os rapazes aprendem sobre si e os semelhantes – é igualmente compartilhado, pois também reavaliamos conceitos e posicionamentos de vida no que importa a pessoas mais carentes as quais parecemos não enxergar no dia a dia.

O ano é 2007. Nev e Ariel Schulman, irmãos, vivem uma existência movimentada e invejável em Nova York. Os dois trabalham com fotografia e filmagens, em um estúdio que dividem com Henry Joost, o melhor amigo. Estes caras não têm mais do que vinte e cinco anos, todavia são os senhores absolutos de suas vidas. Independentes, solteiros e ambiciosos, o destino está a favor do trio, e os rapazes não têm do que se queixar. Uma fotografia muito encantadora de Nev ganha a primeira página de um grande jornal. Algum tempo depois, o rapaz recebe uma encomenda, uma pintura que reproduz a imagem fotográfica. O que o surpreende é a idade da autora da tela – uma menininha chamada Abby, de oito anos de idade, criança prodígio, que vive uma existência diametralmente oposta `a de Nev e seus parceiros. Nev é um garoto de Manhattan – agitações, trabalhos, amigos aos borbotões, uma realidade sofisticada – já Abby mora em Ishpeming, em Michigan, com os dois irmãos, a mãe e o pai, em seu mundo pacífico, interiorano e simplório, existência longínqua de todo o glamour e as luzes da cidade que jamais dorme. Ariel & Henry tomam como doce e admirável a relação entre Nev e Abby, e começam a registrar o progresso do relacionamento. Não custa a Nev ser introduzido virtualmente `a Ângela, a dedicada mãe de Abby, a Vince, o pai, e `a Megan Faccio, a irmã sedutora e misteriosa cujos olhos tristes fazem com que o pobre rapaz se apaixone de cara. Os e-mails se tornam ligações telefônicas, e bate-papo no facebook vira uma constante no dia a dia de Nev. Não custa ao rapaz se envolver emocionalmente com a interessante Megan, a linda moça que é a cara da atriz Elizabeth Berkley, e que diz sonhar morar em um rancho onde poderá criar cavalos e viver uma linda história de amor.

Megan envia uma música especialmente dedicada a Nev, por e-mail, de sua autoria, supostamente cantada pela própria, porém Nev, que até então vinha aceitando as informações que o pessoal de Michigan lhe fornecia sem nada questionar, resolve fazer uma pesquisa online. É o que o leva a descobrir a primeira mentira – a música não é de autoria de Megan Faccio, tampouco trata-se da voz de Megan: foi baixada de um seriado chamado One Three Hill. A descoberta desta primeira mentira desperta em Nev o senso de cautela, e o rapaz passa a ter o cuidado de cruzar as informações com dados sólidos. Descobre que as pinturas sensacionais de Abby, que consoante a mãe haviam sido exibidas e arrematadas em diversos leilões em Ishpeming, jamais foram de fato expostas em galerias, as pesquisas online não retornam informações concretas e substanciais.

É quando o trio vai fazer um trabalho de filmagem em um festival de música que se dará em uma cidade próxima a Ishpeming que a verdade começa a aparecer, já que os rapazes resolvem passar, na volta, pela cidadezinha, para descobrir o que há por trás das personagens do facebook, por trás da garota em quem Nev tanto se investiu emocionalmente, ao longo daquele quase um ano de vida.

A primeira metade do filme é leve e ingênuo, chega a ser prazeroso assistir a Nev e Megan se apaixonando, trocando mensagens que começam compungidas, e com o tempo adquirem nuance de declarações de amor e promessas de uma vida a dois no futuro próximo. Fotos vêm e vão por e-mail, as ligações se tornam mais frequentes. Nev chega a fazer uma doce homenagem, onde coloca, em uma mesma imagem, a sua própria figura e a Megan, lado a lado, como uma dupla. A última metade do filme, que vai do início das suspeitas até a descoberta da verdade, deixa os filmes de suspense de Hollywood no chinelo. A viagem dos amigos pelo interior de Michigan acontece em meio a muitas dúvidas, investigações e descobertas escabrosas. Em face de se tratar de um documentário, eu me senti como uma quarta pessoa, ali no carro com os rapazes, cruzando as estradas do interior de Michigan, pela madrugada, visitando cada ponto que marcou o namoro virtual de Nev (lugares para onde mandou cartões postais e cartas apaixonadas), na realidade endereços abandonados por onde ninguém realmente passou. A atmosfera tensa chega a ser palpável. A última parte da jornada destes garotos assume uma triste tonalidade existencial, e completa o arco de Catfish, como uma montanha russa que passou por todas as voltas, todas as emoções humanas existentes.

O título do filme é bastante emblemático do cerne moral dessa jornada. Catfish, um tipo de peixe, costuma ser adicionado aos tanques de pesqueiros, junto ao bacalhau. É que em razão da longa viagem dos Estados Unidos à China, o bacalhau tende a morrer nos tanques, de cansaço, de desinteresse talvez. Mas então, os pesqueiros adicionam ao tanque este tipo de peixe, catfish, que parece exigir algo a mais do outro, o bacalhau, mantê-los alertas, em movimento, vivos, ativos, aptos a sobreviver as agruras da viagem. E há pessoas assim, na vida. Pessoas que mesmo em um contexto platônico, permitem que enxuguemos lágrimas do rosto e sigamos em frente, mesmo diante das dores que a vida arremessa em nossos rostos a cada volta. Sylvester Stallone disse, uma vez, em uma entrevista a James Lipton, no programa Inside the Actor's Studios, Há duas coisas que nós passamos todas as nossas vidas fazendo. Nós passamos todas as nossas vidas lutando – por um objetivo, por um sonho, por nosso espaço no mundo – e nós passamos todas as nossas vidas correndo – correndo atrás de alguém, estendendo as nossas mãos para alcançar a alguém a quem amamos, a quem ainda não conquistamos.

A observação do artista tem tudo a ver com a essência deste documentário triste e sombrio, porque o que os rapazes descobrem em Ishpeming – uma dona de casa de meia-idade acima do peso, que cuida de dois rapazes que sofrem de problemas mentais, e que criou toda uma nova existência online para suportar a desilusão de todos os planos não realizados que um dia alimentou, quando jovem – é que, de certa forma, Nev foi o “catfish” da  “verdadeira Megan”. O rapaz bonito, enérgico, bem humorado, que vivia uma vida movimentada em Nova York, permitiu que Ângela, a dona de casa, suportasse a tristeza, e despertasse as manhãs, baseada exclusivamente na força que este amor platônico lhe gerava de dividendos, pelo simples fato de, mesmo através de uma mentira, sentir-se parte daquela vida diferente e sofisticada, onde lhe era possível voltar a ser jovem sem cometer os mesmos erros.

Claro que para a maioria, felizmente, nós perseguimos os nossos sonhos, e com um pouco de boa sorte, uma pitada de bons conselhos, e bastante trabalho, alcançamos este alguém e ocupamos o nosso espaço no mundo. Ocorre que para outras pessoas, aquelas que por um motivo ou outro jamais realizaram o seu maravilhoso potencial e se sentiram às margens da vida, o escapismo para a dor é o amor ingênuo e platônico que se nutre por algo ou alguém inatingíveis. Acontece que ainda assim, o amor incondicional permite que estas pessoas amenizem a dor e a solidão. Isso é o que os garotos descobrem, ao final: embora Nev se sinta traído ao descobrir todas as mentiras, desenvolve uma nova consciência e se redime, vez que conhece uma inesperada compaixão pela simplória estranha. Se há algo que Catfish faz, é promover a discussão sobre a solidão nestes dias de internet e cruzamento de informações velozes, e nos levar a refletir – dada a mesma situação, descobriríamos dentro de nós mesmos a mesma compaixão e compreensão em face de nossos semelhantes mais vulneráveis?

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Todos os direitos autorais referentes ao trailer acima pertencem a Rogue-Universal Pictures. O uso do vídeo é para efeito meramente ilustrativo desta resenha.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Pontypool - O seu mundo seguro vai cair por terra.


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, abordarei um filme de horror muito especial que lamentavelmente não recebeu a merecida guarida no Brasil, mas que pode vir a ser descoberto na internet ou DVD pelos fãs do gênero. Pontypool é uma produção independente canadense, brilhantemente executada, cujo charme reside no elenco afinado e no esmero com que o diretor do filme tratou a premissa, à primeira vista absurda (um vírus propagado... através da inflexão de palavras!). O filme oferece uma abordagem alternativa para os filmes de zumbis, já tão brilhantemente representados por produções como Madrugada dos Mortos e Extermínio. A proposta inovadora dividiu opiniões. As pessoas que preferem filmes de horror movimentados odiaram Pontypool, contudo os fãs abertos a novas experiências acolheram-no como uma das surpresas mais agradáveis de 2008, ano de lançamento do original.

Eu me lembro de um outro filme que assisti, chamado “Countdown to Looking Glass”, onde o possível cenário para a eclosão da Terceira Guerra Mundial nuclear era apresentado através de uma série de intervenções jornalísticas transmitidas do Oriente Médio. A estória se desenrolava pelo ponto de vista do âncora do jornal, em tempo real, que seguia fornecendo notícias cada vez mais perturbadoras oriundas do estreito de Ormuz, onde forças apoiadas pela União Soviética proibiam a passagem de petroleiros, e um porta-aviões norte-americano seguia à espreita no Golfo Pérsico, determinado a romper a barreira soviética. Submarinos nucleares por todos os lados, a tensão crescente cada vez mais grave, e o mundo inteiro em suspense, orando para que nenhuma das duas partes use mísseis nucleares primeiro... O filme apresentava um cenário muito real a toda a crise, quero dizer, você assistia a “Countdown to Looking Glass” e achava que aquela situação estava realmente se desenrolando. Era impossível não roer as unhas. Um dos filmes mais tensos que assisti, não há uma única cena de efeitos especiais - “Countdown to Looking Glass” apoiava-se exclusivamente em sua abordagem “Cinema Verdade” e na narrativa enxuta e seca. Neste sentido, causava o medo que as grandes produções fantásticas de Hollywood não conseguem reproduzir. Agora que não existe mais a União Soviética, e a Guerra Fria ficou para trás, é apavorante constatar o quão perto estivemos do confronto nuclear em grande escala. Quando Chernobyl aconteceu, em 1986, com a explosão do reator 04 e a disseminação de Césio-137 e Iodo radioativo por toda a Europa, pessoas morrendo de câncer na tireoide, foi como uma “palinha” do que poderia vir a a acontecer com o mundo, no caso de uma trocação nuclear com mísseis intercontinentais com ogivas nucleares nas pontas.

Pois bem. No caso deste filme, Pontypool, o cineasta Bruce McDonald resolveu oferecer uma abordagem semelhante à possibilidade de uma crise que trará o fim do mundo. O diretor esmiuça a trama através dos olhos de uma pequena equipe de uma estação de rádio na gélida cidadezinha canadense de Pontypool, em Ontário, Canadá, quando o que seria apenas um dia comum e entendiante se torna um surreal pesadelo, sugerido pelas informações cada vez mais contraditórias que chegam à estação pelas ondas retransmissoras, sobre essa epidemia de violência que parece ter acometido os cidadãos ordinários da cidade. Grant Mazzy (Stephen McHattie) é um disc jockey em fim de carreira, que queimou todas as pontes que tinha com os aliados, cortesia de seu comportamento irreverente, e agora se vê relegado a comandar a staff de uma simplória estação em Pontypool. A sua staff é composta por Sydney (Lisa Houle), a sua agente, e Laurel-ann (Georgina Reilly), a charmosa novata que adora flertar com Grant, o ex-astro.

É em uma madrugada de trabalho insuspeita que começam a chegar à estação relatos de pessoas desesperadas, com testemunhos sobre o comportamento bizarro disseminado entre os cidadãos de Pontypool. Inicialmente, fala-se em saque a comércios, mas logo se torna claro que os agressores parecem possessos e irracionais. Grant se recorda de que naquele dia, antes de chegar à estação, a caminho de Pontypool, pela vazia estrada deserta, durante a madrugada, quando teve de estacionar no acostamento por um momento para atender ao celular, uma estranha mulher subitamente bateu à janela do automóvel, balbuciando nonsense. Assustado com a aparição da mulher, Grant ainda baixou o vidro para procurar escutá-la melhor, porém a estranha desapareceu em seguida, engolida pela escuridão da noite, à beira da autoestrada gelada. O disc-jockey enxerga paralelos entre o inusitado comportamento da estranha e os relatos subsequentes que começam a se somar pelas ondas retransmissoras para compor um quadro aterrorizante: pessoas comuns subitamente cedendo à loucura, de um momento para o outro.

O drama é contado a partir do ponto de vista da staff da estação. Nós, espectadores, sabemos sobre o surto de loucura tanto quanto Grant e as duas colegas, e assim como o trio, nos sentimos igualmente dentro daquela estação escura enquanto a nevasca ruge do lado de fora. Neste sentido, Pontypool provoca o mesmo calafrio que “Countdown to Looking Glass”. Para os protagonistas, todo o mundo se resume ao espaço da estação, claustrofóbica, um tanto quanto sombria, aparentemente segura e isolada, dissociada do “mundo lá fora”, a verdade filtrada por relatos de terceiros. Simultaneamente, com as intromissões cada vez mais desesperadoras, e após a intervenção do Exército canadense sobre a cidadezinha, fica cada vez mais evidente que mesmo escondidos em um mundo à parte, logo mais, o horror e a loucura estarão batendo à porta, e não haverá escapatória.

O ponto mais forte de Pontypool consiste na atmosfera. Este não é um filme sobre zumbis, e sim uma obra sobre como um grupo de pessoas reage quando os pilares que regem a sociedade caem por terra. Os zumbis de Pontypool fazem apenas uma participação especial, pois quando chegam a aparecer, o fazem por um momento muito breve. Há ainda uma outra cena, apavorante, envolvendo uma pessoa tomada pela loucura, dentro da estação, arremessando-se contra o vidro à prova de som da cabine da rádio, espirrando sangue contra o vidro a cada investida, tentando chegar a Grant e a Sydney sem sucesso. Desconsiderando-se estas cenas pontuais, todavia, se o que você espera de Pontypool é o mesmo ritmo frenético de Madrugada dos Mortos e Extermínio, procure em outro lugar. Pontypool funciona mais como um filme de arte estilístico que oferece algo de refrescante ao gênero, nas linha de Orson Welles tocando o terror ao ler Guerra dos Mundos.

O elenco é sensacional. Apreciei o trabalho do ator principal, que constrói um personagem fácil de simpatizar. Grant é o tipo de cara cuja personalidade é maior do que a própria vida, irônico, descompromissadamente engraçado com as tiradas geniais. O ator nos brinda com uma dose adequada de irreverência, que parece balancear a tensão e a claustrofobia que permeia a estória. Sydney é o balanço perfeito à personalidade esfuziante de Grant – durona, mas ao mesmo tempo assertiva e sensível. Os dois parecem feitos um para o outro, muito embora briguem feito gata e rato!A performance excepcional de Pontypool cabe, porém, a Georgina Reilly. Não conhecia esta extraordinária atriz, mas posso afirmar que por todas as vezes em que esteve em cena, a sua presença fortaleceu o conjunto, levando o filme às alturas. De seus flertes inocentes com Grant, passando pelos instantes em que o contempla com olhares vagos e misteriosos, até o final, quando cede à loucura, e, tomada pelo vírus, tenta arrebentar o vidro da cabine para chegar a Grant e a Sydney, as sequências de Pontypool que restaram mais frescas em minha memória foram aquelas que a envolveram, direta ou indiretamente.

A direção é precisa, a fotografia deslumbrante. A cena inicial - Grant cruzando uma gélida, vazia autoestrada em Ontário, parando no acostamento, e a visão da mulher saindo da margem da estrada para abordá-lo à janela – dá o tom correto ao que está por vir, e após a brilhante introdução, o diretor Bruce McDonald, adaptando o romance original de Tony Burgess, Pontypool Changes Everything, não deixa a peteca cair. Pontypool o convidará a passar um dia misterioso e gelado dentro de uma escura, apertada estação de rádio, enquanto o mundo como você conhece é destruído e rearranjado por hordas de vítimas enlouquecidas. Apenas lembre-se que, por mais que pareça alheio ao mundo lá fora, por mais que se sinta seguro em seu microcosmo que é a estação, mais cedo ou mais tarde o perigo baterá na sua porta, e o horror externo, ameaçador e gigantesco, esmagará o seu frágil mundinho isolado.
Todos os direitos autorais reservados a IFC Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Chernobyl - Sinta a Radiação.


Olá, pessoal. Gostaria de falar sobre um filme de horror recente que usou como plano de fundo a maior catástrofe nuclear de que se tem notícia. Ironicamente, enquanto o filme possa ser considerado muito bom e divertido, a verdadeira história do desastre ocorrido às 01:23 da madrugada do dia 26 de abril de 1986 e os eventos a seguir são bem mais apavorantes do que qualquer produção faria supor. Inicialmente, permitam-me falar de Chernobyl – Sinta a Radiação, produzido pelo mesmo time por trás de Atividade Paranormal.

Em Chernobyl – Sinta a Radiação, três jovens norte-americanos (um rapaz chamado Chris, a sua namorada Natalie e a amiga Amanda) estão excursionando pela Europa, divertindo-se pelos pontos mais encantadores do Velho Mundo. O filme abre com uma montagem do trio, celebrando em meio aos monumentos mais notórios da Europa, tais como o Arco do Triunfo e o Big Bang. Na última porção da da viagem, o trio chega à Ucrânia, para visitar Paul, o irmão de Chris. A química deste quarteto é imediata: todos estão tendo a diversão de suas vidas, e Paul se interessa por Amanda. No dia seguinte, Paul explica que conhece um guia turístico para aventuras radicais, e antes que partam para Moscou, sugere um passeio especial. Os australianos Michael e Zoe se unem ao quarteto para o passeio.

Eu me lembro de uma reportagem que assisti, em um canal de TV, quase por acaso, tarde da noite. Abri a TV, comecei a assistir e não pude mais parar. Uma equipe visitava a cidade de Prypiat, fundada em 1970 para acolher os trabalhadores da usina nuclear Vladimir Ilich Lenin. Quando na madrugada do sábado dia 26 de abril de 1986 o Reator Número 4 explodiu, após um teste mal sucedido, os cidadãos tiveram de deixar as suas casas e vidas para trás. Inicialmente, Prypiat serviu como base para o pessoal destacado por Moscou para refrear a gravidade do acidente, todavia alguns anos mais tarde foi completamente abandonada. Prypiat encontra-se inserida dentro da Zona, uma área com raio de trinta quilômetros ao redor do epicentro da explosão nuclear, uma região deserdada pela vida, em estado de suspensão, uma versão moderna de Pompeia.

Hoje, vinte e seis anos após aquela fatídica madrugada em 26 de abril de 1986, agora que a União Soviética é apenas uma recordação, o governo da Ucrânia autoriza passeios turísticos monitorados à Zona, por algumas horas. Quando Uri, o guia, leva o grupo para as cercanias de Prypiat, os soldados no posto lhe explicam que visitas à cidade estão momentaneamente suspensas, por razões confidenciais. Inconformado, Uri se utiliza de uma rota alternativa para alcançar a cidade dos antigos trabalhadores de Chernobyl. Durante o passeio, Uri explica o que aconteceu no lugar, à época do desastre, quando os moradores tiveram de pegar as suas coisas e partir em centenas e centenas de ônibus, sob a promessa de que ficariam apenas três dias longe de casa, quando na verdade jamais retornariam.

Na história real, quando do acidente, o reator começou a expelir material radioativo tal qual um maçarico gigantesco. A estupidez das autoridades locais em não compreender a dimensão do acidente significou que a evacuação somente foi se dar trinta e seis horas após a explosão, quando por todo o sábado e parte do domingo os cidadãos já haviam sido bombardeados por todo aquele material venenoso. Sim, existiam boatos sobre chamas em um dos reatores da usina, porém a insistência dos soviéticos em manter as aparências significou mentir descaradamente aos cidadãos, ao custo de suas saúdes. Somente às 02:00 da tarde no Domingo, as autoridades iniciaram os trabalhos. Ainda hoje, é possível encontrar no sítio Youtube imagens dos trabalhos e do aviso que entrou nos sistemas de emergência de Prypiat. É material de arrepiar os cabelos da nuca, como uma cena aterrorizante de Resident Evil, sendo que se trata de vida real.

Durante o passeio do grupo pelos condomínios abandonados, o diretor nos presenteia com a melhor cena de susto, que envolve a inesperada aparição de um urso. Depois que as pessoas partiram, os animais selvagens tornaram os prédios novo lar. A alegria dos rapazes dura pouco, pois quando começa a escurecer e eles regressam ao transporte, veem que os circuitos foram destroçados. Inicialmente, Uri considera passarem a noite trancados na van, até a manhã seguinte. Caminhar até o posto militar à noite é arriscado, vez que a distância a ser coberta é enorme, e há a presença de lobos no bosque. Para a sua surpresa, nem mesmo na van se veem a salvo, pois logo começam a ser atacados por presenças misteriosas. Os lobos e a radiação são a última coisa com que terão de se preocupar, já que mutantes canibais estão à espreita prontos para devorá-los.

Chernobyl – Sinta a Radiação é muito bem executado, e de certa forma traz um formato já explorado muito bem anteriormente com Viagem Maldita (The Hills Have Eyes, 2006), do diretor Alexandre Aja. A seu favor, há a questão do cenário em que se desenrola. Aparentemente, Chernobyl já inspirou designers de jogos a desenvolverem toda sorte de games envolvendo a Zona, porém cineasta algum rodou um filme acerca do assunto. Chernobyl – Sinta a Radiação não explora a história da catástrofe, mas ao menos faz uso da mesma como ponto de partida para o suspense. Desta forma, o diretor Bradley Parker já ganha ponto por originalidade. Situar a estória de turistas desesperados em meio a uma região onde não há a menor perspectiva de resgate faz com que estes tenham de se salvar pelo próprio mérito. Quando durante a noite Uri desaparece, Chris é mordido por lobos ao tentar encontrá-lo, e o grupo se vê preso dentro da van como a única forma de proteção contra a hostilidade externa. A situação parece fadada à tragédia. Além da questão da radiação, existe a urgência de deixar imediatamente o lugar pelo fato de que Chris foi mordido por lobos selvagens e precisa de tratamento, especificamente o regime antirrábico de vacinas.

A situação exasperante somente escala para maiores problemas. Quando aqueles capazes de andar chegam a uma sucata que guarda uma infinidade de veículos abandonados usados durante a crise em 1986, descobrem marcas de balas nas ferragens. Pessoas já estiveram por ali, e provavelmente foram atacadas por alguma força desconhecida, tendo reagido com fogo. Antes do anoitecer, o grupo retorna para a van, porém a encontra revirada, e sem sinal de Natalie ou Chris. Logo, os sobreviventes estão sendo atacados por mutantes, e buscam sobreviver em uma fuga caótica pelo labirinto de blocos da usina nuclear.

O filme jamais mostra os mutantes em maiores detalhes. Eles avançam sobre o grupo como zumbis. De certa forma, Chernobyl – Sinta a Radiação me fez pensar em outros clássicos de sobrevivência, tais como Madrugada dos Mortos e Extermínio, com um grupo de pessoas comuns que precisam aprender a se salvar, e um mal maciço que ataca implacavelmente sem se deter. Não há novidades aqui, vez que esta fórmula já foi muito utilizada. Este é o ponto fraco do filme, pois depois que a ênfase em Chernobyl sai de cena, perde o fôlego, o que não diminui a importância de sua excelente primeira hora.

Espero que a história de Chernobyl faça mais do que servir como plano de fundo para jogos ou filmes de horror, e se torne o foco de uma produção caprichosa. A literatura dedicada aos eventos em 1986 me mostrou que a explosão do reator, as consequências imediatas para as pessoas comuns da Bielorrússia e da Ucrânia, que tiveram de ser remanejadas imediatamente, e as posteriores, para o restante da Europa, com o aumento absurdo de casos de câncer, especificamente câncer de tireoide, representam um horror incomensurável, impróprio de ser medido, tamanha a sua envergadura. Muitos documentários foram produzidos, e podem ser acessados no Youtube, entre eles Hora Zero Chernobyl e O Desastre de Chernobyl. São documentários que retratam com fidelidade o significado de tudo aquilo que estava acontecendo na então União Soviética, quando o mundo ficou refém do vazamento de material radioativo e, pior, da ameaça de uma segunda explosão que, se tivesse acontecido, teria vaporizado Minsk e Kiev, e tornado a vida na Europa impossível. Foi o sacrifício de homens comuns que evitou o pior. Os chamados “liquidadores” tinham as suas vidas drenadas de seus corpos pela radiação, mas seguiam limpando o teto do material radioativo, por vezes carregando os pedaços de grafite com as próprias mãos. Armadas de helicópteros se sucediam no céu, arremessando chumbo e areia no reator destruído, visando a refrear o vazamento de radionuclídeos. Um dos helicópteros bateu a cauda em um andaime, e despencou direto para dentro do reator. Pessoas passavam mal e chegavam ao hospital vomitando. Era o sinal da contaminação da radiação, que os queimaria por dentro até a morte.

Aqueles que não morreram imediatamente tiveram destinos cruéis. Os homens que voltaram para casa após a construção do sarcófago, a estrutura gigantesca que cobriu o reator 4, foram abandonados pelas suas mulheres, que não queriam se arriscar a ter filhos com mutações provocadas pelo Césio-137. Outros desenvolveram câncer. A nuvem radioativa chegou a alcançar o Sul da França, deixando um rastro de morte no caminho, e sobrevive até hoje em solos e animais, ao redor do mundo. O governo soviético chegou a gastar oitenta bilhões de rublos, o equivalente a oitenta bilhões de dólares, com a contenção e o tratamento das vítimas de Chernobyl. Alguns anos mais tarde, a União Soviética entrou em colapso e desmoronou com o Muro de Berlim. Piers Paul Read, em sua obra Ablaze The Story of the Heroes and the Victims of Chernobyl, nos explica que não há de se falar em um culpado apenas na tragédia. Sim, é verdade que foi o engenheiro chefe Anatoli Dyatlov quem insistiu no prosseguimento dos testes, mesmo com o reator em estado crítico, e sem as barras de controle inseridas no mesmo, o que veio a causar a explosão posterior, porém Anatoli era um produto do estilo soviético que vigorava à época – resultados a qualquer custo, corte nas despesas com segurança, a prepotência de que o homem domina a tecnologia nuclear. O modo soviético de administrar criou contradições que se somaram a arrogância e miopia individuais para causar o derretimento nuclear e o fim de uma era.

Simultaneamente, há coisas belíssimas a se pinçar de Chernobyl. Quando o sarcófago ficou pronto, alguns homens subiram a enorme chaminé que dava para o Reator 4, e hastearam a bandeira da União Soviética. Ali embaixo, centenas de trabalhadores se abraçavam e erguiam os braços em vitória e triunfo, registrando os seus nomes na tampa. O fotógrafo Igor Kostin diz que hastear a bandeira ali na chaminé guardava o mesmo significado e a mesma envergadura de quando os valentes soldados soviéticos haviam hasteado a bandeira no Reichstag, após a tomada de Berlim e a derrota dos nazistas, na Segunda Grande Guerra. É uma cena linda e real, exibida no documentário do Discovery Channel A Batalha de Chernobyl. Mesmo em meio à hora mais sombria de uma nação, as imagens nos lembram dos valores verdadeiramente importantes na vida – a solidariedade, a coragem, o amor ao próximo, a ausência de egoísmos. A bandeira tremulante que marcou a vitória sobre a radioatividade por aquela gente sofrida, pobre e humilde retrata a faceta mais bela do indômito espírito humano.

Quanto ao filme em análise, concluo que apesar de seus pontos fracos, os fortes os sobrepõem. O principal mérito de Chernobyl – Sinta a Radiação é reacender o debate sobre a mais aterrorizante catástrofe natural do século XX. Os eventos que se deram na usina Vladimir Ilich Lenin, em 26 de abril de 1986, e a batalha que seguiu, merecem um tratamento realista e responsável por um grande diretor. David Cronenberg emprestaria visões espetaculares ao assunto. Só nos resta torcer para que, um dia, Chernobyl se torne uma produção cinematográfica de primeira. O mais incrível é que, seja como for, qualquer filme que aborde o tema de forma realista, responsável e honesta será muito mais apavorante do que qualquer fantasia de horror imaginada por Hollywood. A realidade é mais estranha – e perversa – do que a mais delirante das ficções. 
Todos os direitos autorais reservados a Warner Brothers. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

A Entidade - existe coisa mais sinistra do que velhos filmes Super 8?


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, trago para vocês a minha opinião sobre A Entidade, o mais recente filme de horror produzido pelos mesmos profissionais por trás da execução do excelente Insidious. A Entidade (Sinister) é dirigido por Scott Derrickson e estrelado por Ethan Hawke. Eu conheço o trabalho deste diretor há algum tempo, mesmo antes de ter rodado O Exorcismo de Emilly Rose e O Dia em Que a Terra Parou. Um dos filmes sobre os quais eu falei neste blog, e a que amo profundamente, foi Hellraiser. Na minha resenha, expliquei que Hellraiser gerou apenas uma continuação digna de nota, Hellbound: Hellraiser II, todavia gostaria de aproveitar a oportunidade para fazer um adendo. Scott Derrickson dirigiu Hellraiser Inferno, em 1999, e de todas as sequências após Hellbound: Hellraiser II, sua contribuição foi a única digna de nota e que ofereceu algo a mais em termos de atmosfera e narrativa. Tratava da estória de um tira truculento e corrupto à caça de um serial killer chamado “Engenheiro”, e que ao longo do caminho deparava-se com pistas inexplicáveis e a configuração da lamentação. O filme não foi bem recebido pela crítica, sob a acusação de que em nada fazia lembrar a obra literária de Clive Barker. De fato, Hellraiser Inferno traz pouco das ideias bizarras de Barker, porém, como uma produção tomada individualmente, pode ser considerada um thriller noir de sacadas interessantes e muito bem executadas. Já ali, em 1999, via-se que este cineasta Scott Derrickson alçaria voos maiores. A Entidade consiste neste voo maior. É um filme de horror estiloso e cheio de mistérios a desvendar.

A Entidade conta a aventura de um escritor (Ethan Hawke) cujo último trabalho bem sucedido se deu há mais de dez anos. Desde então, enfrenta o ócio criativo e procura resistir ao álcool. O casamento não vai muito bem, e é perceptível a tensão entre marido e mulher. É quando se muda para uma nova cidade, com a esposa e os dois filhos, para uma residência cenário de um terrível homicídio, que a paixão por escrever e investigar renasce com força total. A família que morou na casa foi enforcada na árvore do jardim, e a filha menor desapareceu misteriosamente. Ellison, o escritor, encontra uma caixa com rolos de filmes caseiros, no sótão. Os filmes trazem imagens amadoras realizadas em Super 8, uma série de homicídios diferentes e aparentemente desconexos – o assassinato da família enforcada na árvore do jardim incluso. São imagens que remontam a diferentes épocas. Um dos assassinatos ocorreu nos anos 60, outro nos anos 70, há aquele que se deu nos anos 80...Observador, Ellison descobre posteriormente que em comum os cenários exibem a inexplicável presença de um ser vestido de preto mascarado, que aparece rapidamente ao fundo, e o fato de o filho mais novo de cada família ter sumido misteriosamente após os homicídios.

Há algo em antigos filmes Super 8 que causa arrepios, e é este o caso com A Entidade. O filme não traz variedade de cenários, em verdade o espaço parece limitar-se à casa, mais especificamente ao escritório onde o personagem principal vai montando as peças do quebra cabeça, no entanto, o excelente uso que o cineasta faz das imagens trazidas dos rolos antigos nos intriga, permite que nos sintamos como o escritor. Funciona como se estivéssemos descobrindo a verdade sob a mesma perspectiva do protagonista. Dito isto, o roteiro sustenta a atmosfera e jamais se torna entediante. À medida que Ellison mergulha nos casos, os fenômenos inexplicáveis parecem se mudar para dentro de casa e afligir a família. O filho que sofre de pesadelos noturnos tem uma das cenas mais assustadoras, em um de seus episódios de sonambulismo, engatilhado, é claro, pela energia sombria que pesa sobre a propriedade.

As imagens dos assassinatos revelados em Super 8 são muito sinistras. Não há violência excessiva ou efeitos surpreendentes. Ao contrário, tais cenas, em sua banalidade, provocam arrepios pela sutileza dos homicídios: o galho pesado do tronco da árvore caindo lentamente e a família inteira sendo atirada ao ar para morrer enforcada (esta, aliás, é a sequência que abre o filme, uma brilhante ideia do cineasta), ou mesmo a mais perturbadora, os membros de uma outra família, amarrados às cadeiras para banho de sol, arrastados para a piscina, para morrerem afogados. Acompanhando-as, uma melodia bizarra que eleva a esquisitice a enésima potência.

O ator Ethan Hawke é excelente, e sempre o respeitei bastante. Os seus melhores momentos se deram, sem sombra de dúvida, sob a batuta de Richard Linklater, em Antes do Amanhecer & Antes do Pôr do Sol, filmes memoráveis, de serena tristeza, que abordaram como poucos aquilo que entendemos como vida. Para o ano de 2013, Linklater fechará a homenagem ao amor jovem e eterno com Antes da Meia Noite, rodado na Grécia, reunindo Ethan Hawke e Julie Delpy pela última vez. Aqui em A Entidade, um filme de horror, Hawke se sai muito bem como o herói trágico e relutante. Apreciei ainda o trabalho do ator que interpreta o jovem policial que se aproxima do escritor e o ajuda na investigação, e o do especialista em oculto que descobre o significado por trás do símbolo pagão pintado nas paredes dos locais onde os assassinatos foram observados, gravuras que remetem a uma entidade chamada Bagul, um demônio que coloca sugestões nas cabeças das crianças e depois as abduz.

A partir deste parágrafo, abordarei alguns detalhes que revelam o desfecho desta trama, então se prefere descobrir por si, pare de ler a partir de agora. Quando li que os produtores deste filme eram os mesmos de Insidious, já pude prever um desfecho infeliz para os protagonistas, todavia eu me surpreendi com o final profundamente depressivo e desolador escolhido pelo cineasta. Não há salvação para estes personagens: com o auxílio de um jovem policial, o escritor descobre que as crianças jamais foram encontradas pois foram as próprias que filmaram as imagens dos crimes, e as mesmas que mataram os pais e irmãos. Após os homicídios, o demônio Bagul as abduziu para o outro lado da lente, para o filme, onde suas almas ficaram aprisionadas. O personagem descobre a verdade tarde demais, pois a filha o drogou, assim como fez com a mãe e irmão. Hawke e família são destroçados a golpes de machado, e ao final a garotinha é carregada por Bagul para o celuloide. Trata-se de um final pessimista, sombrio e chocante, e realmente foge ao clichê dos desfechos felizes e ensolarados.


A Entidade é uma excelente opção para os amantes de mistério, uma empolgante estória investigativa onde você vai descobrindo a profundidade dos segredos juntamente ao personagem principal. Com A Entidade, o cinema segue com a sua renovação do gênero horror, oferecendo entretenimento de qualidade que ao mesmo tempo traz algo de refrescante e original. 
Todos os direitos autorais reservados a Paris Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Área Q o pioneirismo do cinema brasileiro em sua melhor forma.


Olá, pessoal. É com imensa satisfação que venho falar de uma grata surpresa do cinema brasileiro, que pela primeira vez experimenta com a ficção científica, e o faz muito bem!Trata-se de Área Q, do diretor Gerson Sanginitto, estrelado por Murilo Rosa, Tania Khalil e o norte-americano Isaiah Washington. Lembro-me de quando o filme foi lançado nos cinemas, em meados de 2011, chamou-me a atenção a abordagem de um tema que muito me interessa, Objetos Voadores Não Identificados. Por uma ou outra razão, não tive a oportunidade de conferir a produção nos cinemas. Recentemente, procurei ler matérias a respeito de Área Q, e me deparei com algumas resenhas pouco generosas ao trabalho do diretor Gerson Sanginitto. Ainda assim, o trailer e a estória foram o suficiente para me convencer a comprar o DVD, lançado no Brasil pela California Filmes, para formar a minha própria opinião.

Inicialmente, gostaria de ser bastante categórico em minha assertiva: Área Q não é nem de longe o filme ruim que as resenhas apontam. Muito pelo contrário, tomo por uma insensível injustiça as palavras pouco generosas reservadas a Área Q. Acredito que o empreendedorismo de um cineasta brasileiro que se esforçou para trazer às telas uma obra de ficção científica sobre OVNI deveria ser enaltecida e apoiada, e não tripudiada. Li sobre a suposta má qualidade da produção, outro absurdo equívoco. Não sei se vocês se lembram dos antigos episódios de Linha Direta Mistério, onde crimes e acontecimentos notórios da recente história policial brasileira eram reconstituídos. A produção dos episódios era esmerada, boa fotografia, reconstituições de primeira linha, efeitos visuais caprichados. Pois bem, a qualidade técnica de Área Q nos remete aos melhores episódios de Linha Direta.

Que fique claro: se você vier assistir a Área Q esperando um arrasa quarteirão extravagante semelhante a Independence Day ou Contatos Imediatos do 3° Grau, se decepcionará. Área Q oferece uma trama sobre OVNI mais ponderada e contemplativa. O filme me fez lembrar de uma produção similar, que também discutia o tema sob um olhar místico e apaixonado, o filme italiano Blue Tornado, de 1990, com Patsy Kensitt e Dirk Benedict. Dito isto, Área Q não oferece cenas bombásticas de combates aéreos entre jatos e discos voadores, ou criaturas alienígenas trazidas à vida por efeitos digitais. Ao contrário, é muito melhor do que a mesmice, pois não escolhe a rota fácil. Área Q fundamenta-se em bom roteiro, caracterização, e construção de personagens. É um trabalho de amor por parte de seu cineasta e elenco, e a sua força reside na simplicidade.

Thomas Matthews (Isaiah Washington), um repórter norte-americano, afunda-se na depressão depois que o filho desaparece misteriosamente em uma pracinha. Algum tempo se passa, e Matthews encontra um pouco de conforto no fato de que a polícia não desistiu ainda de investigar. Quando o seu chefe lhe oferece um novo trabalho, Matthews reage a contragosto, mas acaba cedendo. O trabalho envolve viajar para o Brasil, mais exatamente para a cidade de Quixadá, no sertão cearense, para coletar depoimentos de pessoas que dizem ter sido abduzidas por OVNI. Uma vez ali, o pragmatismo de Matthews vai caindo por terra, à medida que fenômenos inexplicáveis passam a se suceder e, mais incrível, parecem guardar ligação com o desaparecimento do filho de Matthews, anos antes. Matthews é visitado pela aparição de João Batista (Murilo Rosa), um agricultor que em 1979 foi abduzido por uma luz muito forte, e desde então se tornou um personagem importante na mensagem que os seres mais evoluídos precisam passar para nós humanos, em nome da sobrevivência de nosso planeta. No final, quando as coisas finalmente fazem sentido, e o amor de Matthews pelo filho prova a invencível ligação entre os dois, confesso que fui levado às lágrimas. A conclusão é muito emocionante, um desfecho doce e esperançoso.

O ator principal Isaiah Washington construiu com precisão um personagem dividido entre incredulidade e fé. O desaparecimento do filho foi um duro golpe em sua espiritualidade, mas desde então é como se o seu personagem estivesse esperando por uma prova de Deus de que nada acontece por acaso. A atriz Tânia Khalil interpreta uma repórter brasileira em Quixadá que se envolve romanticamente com Matthews, e se sai muito bem. O melhor ator da produção, todavia, é Murilo Rosa, no papel do agricultor humilde transformado pela experiência da abdução, e que se torna o jogador principal dos eventos que virão a melhorar o estado das coisas no mundo.

O mais belo protagonista de Área Q, porém, é o visualmente poético município de Quixadá, neste filme exibido em profusão, em tomadas aéreas caprichosas e elegantes. Pontos turísticos tais como a passarela esguia no entorno do açude do Cedro, com a Pedra da Galinha Choca ao fundo, merecem a exploração das lentes do diretor, que se serve do potencial do lugar ao máximo. Os maciços de Quixadá, as formações monolíticas, tornam-no um espaço atemporal e encantado, o lugar ideal para se filmar uma produção sobre OVNI. Neste sentido, o diretor Gerson Sanginitto incorporou à mitologia do filme a geografia intocada como um dos personagens principais, nos moldes do que o grande Peter Weir fez com o seu seminal Picnic at Hanging Rock, em 1974.

A Califórnia Filmes está de parabéns pelo carinho com que tratou este filme. O DVD mereceu muitos extras, e a qualidade de imagem e som salta aos olhos. Área Q é visualmente estupendo de se assistir. A sequência onde Thomas interage com a esfera alienígena é de tirar o fôlego, principalmente por se dar com os monólitos de Quixadá ao fundo, estendidos até a onde a vista pode alcançar.

O filme é dedicado a um cavalheiro chamado José Rolim Gomes, “por sua imensa comemoração em tornar este projeto realidade”. Certamente, o senhor em questão se sentiria bastante honrado em ver dedicado a sua memória uma produção tão digna!