domingo, 16 de dezembro de 2012

Chernobyl - Sinta a Radiação.


Olá, pessoal. Gostaria de falar sobre um filme de horror recente que usou como plano de fundo a maior catástrofe nuclear de que se tem notícia. Ironicamente, enquanto o filme possa ser considerado muito bom e divertido, a verdadeira história do desastre ocorrido às 01:23 da madrugada do dia 26 de abril de 1986 e os eventos a seguir são bem mais apavorantes do que qualquer produção faria supor. Inicialmente, permitam-me falar de Chernobyl – Sinta a Radiação, produzido pelo mesmo time por trás de Atividade Paranormal.

Em Chernobyl – Sinta a Radiação, três jovens norte-americanos (um rapaz chamado Chris, a sua namorada Natalie e a amiga Amanda) estão excursionando pela Europa, divertindo-se pelos pontos mais encantadores do Velho Mundo. O filme abre com uma montagem do trio, celebrando em meio aos monumentos mais notórios da Europa, tais como o Arco do Triunfo e o Big Bang. Na última porção da da viagem, o trio chega à Ucrânia, para visitar Paul, o irmão de Chris. A química deste quarteto é imediata: todos estão tendo a diversão de suas vidas, e Paul se interessa por Amanda. No dia seguinte, Paul explica que conhece um guia turístico para aventuras radicais, e antes que partam para Moscou, sugere um passeio especial. Os australianos Michael e Zoe se unem ao quarteto para o passeio.

Eu me lembro de uma reportagem que assisti, em um canal de TV, quase por acaso, tarde da noite. Abri a TV, comecei a assistir e não pude mais parar. Uma equipe visitava a cidade de Prypiat, fundada em 1970 para acolher os trabalhadores da usina nuclear Vladimir Ilich Lenin. Quando na madrugada do sábado dia 26 de abril de 1986 o Reator Número 4 explodiu, após um teste mal sucedido, os cidadãos tiveram de deixar as suas casas e vidas para trás. Inicialmente, Prypiat serviu como base para o pessoal destacado por Moscou para refrear a gravidade do acidente, todavia alguns anos mais tarde foi completamente abandonada. Prypiat encontra-se inserida dentro da Zona, uma área com raio de trinta quilômetros ao redor do epicentro da explosão nuclear, uma região deserdada pela vida, em estado de suspensão, uma versão moderna de Pompeia.

Hoje, vinte e seis anos após aquela fatídica madrugada em 26 de abril de 1986, agora que a União Soviética é apenas uma recordação, o governo da Ucrânia autoriza passeios turísticos monitorados à Zona, por algumas horas. Quando Uri, o guia, leva o grupo para as cercanias de Prypiat, os soldados no posto lhe explicam que visitas à cidade estão momentaneamente suspensas, por razões confidenciais. Inconformado, Uri se utiliza de uma rota alternativa para alcançar a cidade dos antigos trabalhadores de Chernobyl. Durante o passeio, Uri explica o que aconteceu no lugar, à época do desastre, quando os moradores tiveram de pegar as suas coisas e partir em centenas e centenas de ônibus, sob a promessa de que ficariam apenas três dias longe de casa, quando na verdade jamais retornariam.

Na história real, quando do acidente, o reator começou a expelir material radioativo tal qual um maçarico gigantesco. A estupidez das autoridades locais em não compreender a dimensão do acidente significou que a evacuação somente foi se dar trinta e seis horas após a explosão, quando por todo o sábado e parte do domingo os cidadãos já haviam sido bombardeados por todo aquele material venenoso. Sim, existiam boatos sobre chamas em um dos reatores da usina, porém a insistência dos soviéticos em manter as aparências significou mentir descaradamente aos cidadãos, ao custo de suas saúdes. Somente às 02:00 da tarde no Domingo, as autoridades iniciaram os trabalhos. Ainda hoje, é possível encontrar no sítio Youtube imagens dos trabalhos e do aviso que entrou nos sistemas de emergência de Prypiat. É material de arrepiar os cabelos da nuca, como uma cena aterrorizante de Resident Evil, sendo que se trata de vida real.

Durante o passeio do grupo pelos condomínios abandonados, o diretor nos presenteia com a melhor cena de susto, que envolve a inesperada aparição de um urso. Depois que as pessoas partiram, os animais selvagens tornaram os prédios novo lar. A alegria dos rapazes dura pouco, pois quando começa a escurecer e eles regressam ao transporte, veem que os circuitos foram destroçados. Inicialmente, Uri considera passarem a noite trancados na van, até a manhã seguinte. Caminhar até o posto militar à noite é arriscado, vez que a distância a ser coberta é enorme, e há a presença de lobos no bosque. Para a sua surpresa, nem mesmo na van se veem a salvo, pois logo começam a ser atacados por presenças misteriosas. Os lobos e a radiação são a última coisa com que terão de se preocupar, já que mutantes canibais estão à espreita prontos para devorá-los.

Chernobyl – Sinta a Radiação é muito bem executado, e de certa forma traz um formato já explorado muito bem anteriormente com Viagem Maldita (The Hills Have Eyes, 2006), do diretor Alexandre Aja. A seu favor, há a questão do cenário em que se desenrola. Aparentemente, Chernobyl já inspirou designers de jogos a desenvolverem toda sorte de games envolvendo a Zona, porém cineasta algum rodou um filme acerca do assunto. Chernobyl – Sinta a Radiação não explora a história da catástrofe, mas ao menos faz uso da mesma como ponto de partida para o suspense. Desta forma, o diretor Bradley Parker já ganha ponto por originalidade. Situar a estória de turistas desesperados em meio a uma região onde não há a menor perspectiva de resgate faz com que estes tenham de se salvar pelo próprio mérito. Quando durante a noite Uri desaparece, Chris é mordido por lobos ao tentar encontrá-lo, e o grupo se vê preso dentro da van como a única forma de proteção contra a hostilidade externa. A situação parece fadada à tragédia. Além da questão da radiação, existe a urgência de deixar imediatamente o lugar pelo fato de que Chris foi mordido por lobos selvagens e precisa de tratamento, especificamente o regime antirrábico de vacinas.

A situação exasperante somente escala para maiores problemas. Quando aqueles capazes de andar chegam a uma sucata que guarda uma infinidade de veículos abandonados usados durante a crise em 1986, descobrem marcas de balas nas ferragens. Pessoas já estiveram por ali, e provavelmente foram atacadas por alguma força desconhecida, tendo reagido com fogo. Antes do anoitecer, o grupo retorna para a van, porém a encontra revirada, e sem sinal de Natalie ou Chris. Logo, os sobreviventes estão sendo atacados por mutantes, e buscam sobreviver em uma fuga caótica pelo labirinto de blocos da usina nuclear.

O filme jamais mostra os mutantes em maiores detalhes. Eles avançam sobre o grupo como zumbis. De certa forma, Chernobyl – Sinta a Radiação me fez pensar em outros clássicos de sobrevivência, tais como Madrugada dos Mortos e Extermínio, com um grupo de pessoas comuns que precisam aprender a se salvar, e um mal maciço que ataca implacavelmente sem se deter. Não há novidades aqui, vez que esta fórmula já foi muito utilizada. Este é o ponto fraco do filme, pois depois que a ênfase em Chernobyl sai de cena, perde o fôlego, o que não diminui a importância de sua excelente primeira hora.

Espero que a história de Chernobyl faça mais do que servir como plano de fundo para jogos ou filmes de horror, e se torne o foco de uma produção caprichosa. A literatura dedicada aos eventos em 1986 me mostrou que a explosão do reator, as consequências imediatas para as pessoas comuns da Bielorrússia e da Ucrânia, que tiveram de ser remanejadas imediatamente, e as posteriores, para o restante da Europa, com o aumento absurdo de casos de câncer, especificamente câncer de tireoide, representam um horror incomensurável, impróprio de ser medido, tamanha a sua envergadura. Muitos documentários foram produzidos, e podem ser acessados no Youtube, entre eles Hora Zero Chernobyl e O Desastre de Chernobyl. São documentários que retratam com fidelidade o significado de tudo aquilo que estava acontecendo na então União Soviética, quando o mundo ficou refém do vazamento de material radioativo e, pior, da ameaça de uma segunda explosão que, se tivesse acontecido, teria vaporizado Minsk e Kiev, e tornado a vida na Europa impossível. Foi o sacrifício de homens comuns que evitou o pior. Os chamados “liquidadores” tinham as suas vidas drenadas de seus corpos pela radiação, mas seguiam limpando o teto do material radioativo, por vezes carregando os pedaços de grafite com as próprias mãos. Armadas de helicópteros se sucediam no céu, arremessando chumbo e areia no reator destruído, visando a refrear o vazamento de radionuclídeos. Um dos helicópteros bateu a cauda em um andaime, e despencou direto para dentro do reator. Pessoas passavam mal e chegavam ao hospital vomitando. Era o sinal da contaminação da radiação, que os queimaria por dentro até a morte.

Aqueles que não morreram imediatamente tiveram destinos cruéis. Os homens que voltaram para casa após a construção do sarcófago, a estrutura gigantesca que cobriu o reator 4, foram abandonados pelas suas mulheres, que não queriam se arriscar a ter filhos com mutações provocadas pelo Césio-137. Outros desenvolveram câncer. A nuvem radioativa chegou a alcançar o Sul da França, deixando um rastro de morte no caminho, e sobrevive até hoje em solos e animais, ao redor do mundo. O governo soviético chegou a gastar oitenta bilhões de rublos, o equivalente a oitenta bilhões de dólares, com a contenção e o tratamento das vítimas de Chernobyl. Alguns anos mais tarde, a União Soviética entrou em colapso e desmoronou com o Muro de Berlim. Piers Paul Read, em sua obra Ablaze The Story of the Heroes and the Victims of Chernobyl, nos explica que não há de se falar em um culpado apenas na tragédia. Sim, é verdade que foi o engenheiro chefe Anatoli Dyatlov quem insistiu no prosseguimento dos testes, mesmo com o reator em estado crítico, e sem as barras de controle inseridas no mesmo, o que veio a causar a explosão posterior, porém Anatoli era um produto do estilo soviético que vigorava à época – resultados a qualquer custo, corte nas despesas com segurança, a prepotência de que o homem domina a tecnologia nuclear. O modo soviético de administrar criou contradições que se somaram a arrogância e miopia individuais para causar o derretimento nuclear e o fim de uma era.

Simultaneamente, há coisas belíssimas a se pinçar de Chernobyl. Quando o sarcófago ficou pronto, alguns homens subiram a enorme chaminé que dava para o Reator 4, e hastearam a bandeira da União Soviética. Ali embaixo, centenas de trabalhadores se abraçavam e erguiam os braços em vitória e triunfo, registrando os seus nomes na tampa. O fotógrafo Igor Kostin diz que hastear a bandeira ali na chaminé guardava o mesmo significado e a mesma envergadura de quando os valentes soldados soviéticos haviam hasteado a bandeira no Reichstag, após a tomada de Berlim e a derrota dos nazistas, na Segunda Grande Guerra. É uma cena linda e real, exibida no documentário do Discovery Channel A Batalha de Chernobyl. Mesmo em meio à hora mais sombria de uma nação, as imagens nos lembram dos valores verdadeiramente importantes na vida – a solidariedade, a coragem, o amor ao próximo, a ausência de egoísmos. A bandeira tremulante que marcou a vitória sobre a radioatividade por aquela gente sofrida, pobre e humilde retrata a faceta mais bela do indômito espírito humano.

Quanto ao filme em análise, concluo que apesar de seus pontos fracos, os fortes os sobrepõem. O principal mérito de Chernobyl – Sinta a Radiação é reacender o debate sobre a mais aterrorizante catástrofe natural do século XX. Os eventos que se deram na usina Vladimir Ilich Lenin, em 26 de abril de 1986, e a batalha que seguiu, merecem um tratamento realista e responsável por um grande diretor. David Cronenberg emprestaria visões espetaculares ao assunto. Só nos resta torcer para que, um dia, Chernobyl se torne uma produção cinematográfica de primeira. O mais incrível é que, seja como for, qualquer filme que aborde o tema de forma realista, responsável e honesta será muito mais apavorante do que qualquer fantasia de horror imaginada por Hollywood. A realidade é mais estranha – e perversa – do que a mais delirante das ficções. 
Todos os direitos autorais reservados a Warner Brothers. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

2 comentários:

  1. O filme é muito bom, e a história de Chernobyl é fascinante.

    www.vestigiodelivros.com.br

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  2. Escreve muito bem, fascinante!!

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