sexta-feira, 26 de setembro de 2014

7500 ("7500", Takashi Shimizu, Japão, 2014) O diretor de Almas Reencarnadas oferece uma interessante interpretação para o momento da morte neste misterioso suspense aéreo.

Na noite de 12 de maio, o Boeing da Vista Pacific 7500 decola do aeroporto internacional de Los Angeles rumo a Tóquio, em um voo previsto para durar cerca de dez horas, a se dar em sua maioria sobre a imensidão do oceano Pacífico. Somos apresentados a uma variedade de personagens, desde membros da tripulação a divertidos passageiros. Os profissionais de bordo envolvem a solícita Comissária Laura (Leslie Bibb), sua melhor amiga aeromoça Suzy Lee (Jamie Chung), e o Comandante Haining (Johnathon Schaech), por quem a Comissária é apaixonada; entre os passageiros, o jovem casal Pia & Brad (Amy Smart & Ryan Kwanten), que apesar de um dia apaixonados hoje se encontram a um passo da separação, Liz & Rick (Nicky Whelan & Jerry Ferrara), outro jovem casal, o oposto do exemplo anterior (acabaram de se casar e estão cheio de "estrelas nos olhos" quanto ao futuro que imaginam para si), a garota gótica Jacinta (Scout Taylor-Compton), que crê que Morte e Vida estão intrinsecamente ligadas, a jovem Raquel (Christian Serratos), atormentada por uma gravidez inesperada e a perspectiva de se tornar mãe solteira, o aventureiro cínico metido a Don Juan Jack (Ben Sharples), que não dá a mínima, e Lance, o passageiro caladão e misterioso que traz consigo um caixote onde guarda uma grande surpresa para a turma do voo 7500.

Já na primeira hora de voo, Lance sofre um mal súbito, e mesmo socorrido pelo paramédico Brad e as aeromoças, não consegue resistir ao que parece ter sido um ataque cardíaco fulminante. Com cerca de oito horas previstas sobre o Pacífico, o Boeing não tem como retornar para a costa, e o corpo é removido para a Primeira Classe. O que começa tenso se torna pior quando o avião sofre despressurização durante turbulência, corrigida pelo habilidoso Comandante, que baixa de altitude para permitir a recuperação da aeronave.

Não custa a fenômenos inexplicáveis se sucederem a uma velocidade tal que nem mesmo as preparadas aeromoças têm como processar seu significado. Jack, o passageiro sem noção, sobe escondido para a Primeira Classe para tirar um selfie com o cadáver do homem morto. Enquanto faz gracinhas para a câmera, não nota o corpo se movimentando sob o lençol, e é o primeiro a morrer. Por uma das janelinhas, Laura enxerga luzes, e acredita que o avião está sendo escoltado por caças F-16. Brad coloca fones para procurar relaxar com o filme exibido, mas fica chocado quando vê que está assistindo a um antigo episódio de Além da Imaginação, estrelado por William Shatner, sobre um homem que tem horror à avião e durante o voo acredita que um monstro está tentando comer a turbina.

Raquel se recolhe ao banheiro para fazer o teste rápido para a gravidez, e o chão a seus pés é tomado por uma névoa muito densa que a envolve e a leva. Quando lhe reportam sobre o sumiço do corpo e de Jack, Comandante Haining ordena que a Comissária de Bordo e a aeromoça realizem uma varredura por todos os compartimentos do avião. Brad, Rick, Liz e Pia se encontram próximo à cozinha para trocar impressões sobre os esquisitos acontecimentos. Brad afirma ter visto a imagem do homem morto no telão, Liz diz ter testemunhado a mesma coisa no reflexo do notebook. O quarteto percebe que os estranhos eventos a bordo parecem ligados à pessoa morta, e assim Brad sugere que vasculhem sua bagagem de mão para ver o que descobrem.


Ao abrirem o caixote, eles encontram uma boneca. Jacinta lhes explica que se trata de uma boneca Shinigami, "Anjo da Morte". Consoante a tradição japonesa, a função da Shinigami é ajudar o espírito a se desapegar de bens e dramas que ainda o prendem ao mundo dos vivos. A boneca se faz necessária em casos de mortes inesperadas, quando a pessoa não teve tempo para contemplar a transitoriedade da vida, desapegar dos valores materiais e se aproximar daquilo que é verdadeiramente essencial. Uma vez que o espírito alcança a evolução, Shinigami o ajuda a realizar a passagem para "o outro lado". Os passageiros ainda não conseguem entender o motivo pelo qual a boneca se encontra a bordo.

A Comissária Laura desce ao compartimento de carga, e a vemos sendo capturada por uma aparição que sai de uma das malas. Comandante Haining é visitado por uma entidade que também o leva. Suzy Lee é puxada para dentro do compartimento sobre as poltronas. Não custa aos passageiros enxergarem a versões de si mesmos, inertes nas poltronas, para compreenderem que estão mortos. No telão, assistem a um pronunciamento ao vivo dos assessores da Vista Pacific, anunciando o que realmente ocorreu: após a turbulência, o avião sofreu despressurização, e Comandante Haining estabeleceu contato com a empresa declarando emergência. Pouco depois, todas as comunicações por parte da aeronave foram cessadas, e jatos F-16 foram enviados ao Pacífico para reportar a situação. Pelas janelinhas, os pilotos dos caças reportaram que passageiros e tripulantes pareciam mortos por conta da descompressão. Como não há nada mais a ser feito, o porta-voz da empresa declara que os jatos acompanharão o Boeing sobre o Pacífico por mais um tempo, até que inevitavelmente caia nas águas. Todo o drama vivido pelas pessoas após a turbulência no início do filme não passou de uma provação no limbo, quando já haviam morrido, todavia precisavam aceitar a sua nova condição para partir de vez "para o outro lado".

Não por menos, desde o início, o diretor Takashi Shimizu nos mostra que cada uma daquelas pessoas luta com seu próprio dilema. A Comissária Laura ama o Comandante Haining, no entanto ambos parecem pessoas tristes e frustradas graças a compromissos com terceiros que jamais permitiram a concretização da história de amor. Comandante Haining é casado e gosta muito da mulher, a última coisa que quer fazer é magoar os filhos; Laura inicialmente celebra a viagem a Tóquio, cinco dias ao lado do rapaz, todavia percebe que após o feriado, inevitavelmente terão de voltar à rotina, e a história de amor jamais poderá ser vivida livre de culpas ou obstáculos. Suzy Lee viu a irmã casar com um homem de valor, e ficou feliz pela garota, no entanto passa a se perguntar o que será de si, agora que está noiva há um ano e meio e não se sente confiante em dar o passo rumo ao casamento. Chorosa, lá pela parte final do filme, Suzy Lee tem esse bonito instante com Laura, quando desabafa e menciona um antigo namorado, na verdade seu primeiro, dos tempos da adolescência, quando o mundo resumia-se ao que estava por vir, tão grande quanto castelos de areia formados por expectativas e grandes sonhos. Quando esse cara a beijou pela primeira vez, seus joelhos chegaram a trepidar tamanha a emoção. Com os olhos marejados, Suzy Lee confessa que desde então procura sem sucesso pela mesma eletricidade nos namorados que vieram depois, e agora em Nick. Ela jamais se sentiu tão confortável novamente em toda a vida. Pia, a seu turno, parece reavaliar a história com Brad, e se sente péssima por todos as vezes em que brigaram. Ela conclui que o fizeram por motivos muito tolos, em uma época quando tinham todos os motivos do mundo para serem felizes e aproveitarem cada momento juntos.

Rodado pelo habilidoso cineasta japonês Takashi Shimizu (diretor de O Grito & Almas Reencarnadas), 7500 é um interessante, altamente recomendável híbrido de filme de horror ambientado em avião e a típica história oriental de fantasmas. Nas mãos de um diretor menos sensível, em face de seu brevíssimo tempo de duração (menos que oitenta minutos), o filme passaria por um mediano episódio de Além da Imaginação, porém sob a batuta de Shimizu, torna-se um eficiente conto sobre a inevitável jornada que um dia todos faremos, e sobre como nos conduzimos como se jamais fôssemos partir. O diretor escolheu acertadamente relegar o suspense, os fantasmas, à segundo plano, em favor do drama de seus personagens ao confrontarem a própria derradeira viagem.

Conforme já escrito por mim em resenhas anteriores, há algo próprio a filmes japoneses que produções norte-americanas jamais conseguiram traduzir. Talvez, a sensibilidade com que lidam com temas tão banalmente explorados pelo Cinema Ocidental dê peso e profundidade que se fazem sentir tão eletrizantes ao assistirmos obras como Oodishon. Vejam o caso de Imagens do Além, baseado em um ótimo suspense tailandês. Produzido pela 20th Century Fox, Imagens do Além foi concebido sob forte pessimismo, mas quando de seu lançamento em 11 de abril de 2008, no Brasil, tomou o grande público de surpresa. Ao contrário do que os cínicos esperavam, apesar de ter diluído um pouco o forte impacto do original, o remake conseguiu oferecer uma reimaginação antenada com o que o grande público desejava, e ainda assim preocupada com o tipo de caracterização e sentimentos que vestiram-no com uma incomum atmosfera de tragédia, que geralmente se perde quando da refilmagem. No filme, um jovem casal americano interpretado por Rachael Taylor & Joshua Jackson viaja para o Japão, onde o rapaz, fotógrafo, assume uma posição excelentemente remunerada em uma firma de moda em Tóquio. Uma vez em Tóquio, reconecta com seus dois melhores amigos dos tempos de juventude, e entra com o pé direito em uma nova, próspera fase da vida profissional, até que passa a ser assombrado por uma presença feminina que guarda relação com trágicos segredos de seu passado. O filme foi dirigido por Masayuki Ochiai, que o imbuiu de valores tipicamente orientais, tornando-o um maduro suspense "com o coração no lugar certo", com seu enredo intrigante porém simultaneamente humano e trágico, e personagens cujas escolhas conseguimos compreender. A própria ambientação em Tóquio já lança o filme à frente de histórias similares. O Japão tem mais de 11.000 anos, e por trás de cada gesto parece haver significado. Por suas vias largas e movimentadas, tecnologia de última geração convive com lendas e histórias trágicas de fantasmas sobre amores não correspondidos. Não por menos, não há quem melhor conte histórias de assombração como os orientais!7500 certamente não teria tanto a oferecer, não fosse pela mão segura de Takashi Shimizu, que mesmo em um tempo de projeção reduzidíssimo e espaço confinado (o filme se passa exclusivamente dentro do Boeing), propôs uma discussão muito pertinente, tão antiga quando a humanidade, quanto ao maior de todos os mistérios - mas e depois da morte, o que vem?Dizer adeus é tão fácil quanto parece?Por que nos comportamos como se houvesse tempo para reparar os deslizes que cometemos diária e constantemente?

Para os fãs do horror oriental e conhecedores da obra de Takashi Shimizu, 7500 parecerá um exercício em comedimento, em contenção - aliás, em muita contenção, afinal de contas Shimizu é o cara por trás de coisas como o tenso Marebito. Para os apreciadores do gênero que não se opõem a uma aventura mais inofensiva, 7500 representará grata surpresa. Satisfeito com o mero flerte com o sobrenatural, o filme jamais intenciona competir no "fator choque". Basta-lhe sustentar suspense através de sugestão e atmosfera, e isso realiza muito bem. Também de maneira sutil, discute questões que fazem parte de nossas vidas, sem jamais soar moralista. Assim como acontece a seus protagonistas, que em um primeiro procuram fazer sentido do mistério a bordo e, mais tarde, ao descuido com que lidaram com suas próprias vidas e a deixaram escorrer como uma porção de areia entre dedos, ao sabor do tempo, o filme conclui nos deixando tão pensativos quanto seus heróis, interpretados por atores em momentos inspirados. Os grandes destaques ficam para Johnathon Schaech, que aqui me faz lembrar um jovem Warren Beatty,e a maravilhosa Scout Taylor Compton. Conheci a Scout Taylor Compton graças a dois filmes do talentoso Rob Zombie, Halloween 1 & 2, realizados na segunda metade da década anterior (2007 & 2009, respectivamente). Ainda tão jovem, ela me encantou com sua forte presença, uma scream queen nos moldes de Jamie Lee Curtis. Pois não é que ela se tornou uma mulher tão diferente nestes cinco anos desde Halloween 2 que demorei a reconhecê-la em 7500?!Ela interpreta a gótica!Ao assistir ao filme pela segunda vez, prestei mais atenção a sua personagem, e reconheci o brilho no olhar que me fez repará-la pela primeira vez. Há algo mais sobre essa atriz que me faz realmente gostar de sua presença, apreciar vê-la em cena; algo mais que poucas possuem. Desta nova geração, a outra atriz por quem guardo simpatia natural é a Kristen Bell: você assiste a um filme com a Kristen, e por mais que esteja tendo um dia terrível, ela ilumina o restante da tarde. É talentosa, charmosa, bem humorada, espevitada, maluquinha, não se leva tão a sério, e eu jamais escutei nenhuma palavra que a desabonasse. Notória por tratar os fãs com muito carinho (em sua maioria pessoas que gostam de Kristen desde a série de TV Veronica Mars), ela lida com a vida pessoal com semelhante competência. Está casada com o ator Dax Shepard, e há pouco tempo se tornou mamãe!Ela ainda será maior do que Sandra Bullock, vocês verão. Você assiste a toda essa gente nos filmes e passa a gostar deles como se fossem pessoas de seu convívio. Fico muito feliz quando vejo toda essa galera se saindo tão bem.

7500 é uma boa alternativa para aqueles que gostam do gênero, mas não de excessos. Sensível e elegante, o filme pode até mesmo não chocar, mas em suas sutilezas eriçará os cabelos de sua nuca, coisa que poucos fazem. Nesta oportunidade, aproveito para recomendar Almas Reencarnadas, do mesmo diretor. Em Almas Reencarnadas, Shimizu teve maior amplitude (um tempo de projeção mais generoso, variedade de locações) para explorar seus temas e experimentar com o medo através da sugestão. Mais à vontade, Shimizu rodou Almas Reencarnadas em Tóquio, com o elenco inteiramente Oriental, de modo que este filme melhor encapsula as ideias do cineasta, o que não impede que 7500 seja por si um ótimo suspense, o ponto de partida para aqueles que desejam se aprofundar em um horror japonês mais puro.



Gostaria de levantar um último ponto: Takashi Shimizu realmente me surpreendeu com sua segurança nos momentos mais humanos, como quando a aeromoça menciona esse namorado e como jamais conseguiu se sentir tão arrebatada depois em sua vida, uma vez que a juventude foi ficando para trás. 7500 traz uma forte influência japonesa, e envolve aeronaves. Pois bem, não tive como deixar de me recordar do acidente do JAL 123. As pessoas mais novas não se recordarão; JAL 123, ou Japan Airlines Flight 123, foi um voo doméstico que deixou o aeroporto de Haneda em Tóquio rumo ao de Osaka, na manhã de 12 de agosto de 1985, quando apenas doze minutos após a decolagem, e ainda alcançava altitude de cruzeiro, sofreu um gravíssimo rompimento no selo traseiro de pressurização e perdeu o estabilizador. Com a perda hidráulica, o Boeing 747 entrou em uma oscilação pêndulo que o deixou semelhante a uma montanha russa nas alturas, até se chocar contra o Monte Osutaka. 520 pessoas perderam suas vidas. Durante os 32 minutos de horror em que o Boeing esteve no ar, muitos passageiros escreveram cartas de despedida para suas famílias, encontradas pelas equipes de resgate. O acidente do JAL 123 é considerado o mais mortal desastre aéreo envolvendo uma aeronave. Há um drama chamado The Unbroken (foto), de 2009, estrelado por Ken Watanabe no papel do diretor de uma grande companhia aérea que precisa lidar com os efeitos horrorosos da queda de um Boeing lotado de passageiros. O filme jamais mencionada o nome da Japan Airlines, mas foi claramente roteirizado a partir dos eventos (no filme, o avião decola do mesmo aeroporto e horário do JAL 123, o mesmo número de mortos, etc). Por que não um novo filme, talvez, que se mantivesse o mais fiel possível ao acidente e às pessoas envolvidas?Uma produção que prestasse respeito a todas essas corajosas pessoas mortas naquele dia?Takashi Shimizu seria um excelente candidato à direção!

Todos os direitos autorais reservados a Vertigo Entertainment. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

2 comentários:

  1. Belo texto. Texto que li antes de assistir Voo 7500 neste 7 de agosto de 2015. O filme só estreou ontem no Brasil. Achei ótima a lembrança do episódio de Twilight Zone, que foi refilmado no longa de 1983 com Vic Morrow no papel que foi de William Shatner. Decididamente, não é um filme para se ver a bordo, pois não?

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    1. Obrigado, Antonio Americano, pelo valioso comentário. Espero que tenha gostado do filme, que apetecerá mais aqueles habituados ao ritmo e gestação do horror japonês. Voo 7500 é um interessante experimento: o estilo oriental de se contar um conto de fantasmas somado a um elenco ocidental e roupagem de blockbuster.

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