domingo, 16 de junho de 2013

O Mestre das Ilusões ("Lord of Illusions", Clive Barker, 1995) - Em um mundo onde a magia é real, a morte é a derradeira ilusão.

Em 1982, no deserto do Mojave, um homem chamado Nix é o líder espiritual de uma reclusa comunidade. Ele se auto-entitula “O Puritano”, e parece dotado de poderes sobrenaturais. Na abertura do filme, vemos que os seguidores de Nix sequestraram uma garota, e estão prontos para sacrificá-la. Enquanto Nix prega aos seus discípulos, um grupo de ex-participantes da seita, liderados por Swann, o seu melhor e mais íntimo discípulo, está a caminho da comunidade para dar cabo da mesma. Durante o confronto com os membros do culto, Swann e seus companheiros conseguem impedir que a menina seja morta. Durante a confusão, a garota atira no feiticeiro. Swann e os amigos aprisionam o “Puritano” com uma máscara de ferro e o enterram no deserto escaldante. Os membros da seita que permaneceram fiéis ao feiticeiro prometem retaliação.

Treze anos mais tarde, o detetive Harry D'Amour está investigando um caso de fraude a seguros em Los Angeles. O detetive aproveitou a oportunidade para se distanciar do escritório e se recuperar emocionalmente – a sua última investigação, que acabou no apavorante exorcismo de uma criança, em Nova York, o deixou profundamente abalado, e tudo o que Harry quer agora é algo trivial e simples. Durante o trabalho de vigilância ao fraudador de seguros, D'Amour acaba em uma loja para “leitura de sorte”, que calha de pertencer a um homem que no passado foi um dos companheiros de Swann durante o confronto com o “Puritano”, no deserto do Mojave. O homem está amarrado à cadeira e perfurado por lâminas. Ao seu lado, um estranho de modos afeminados, metido em roupas apertadas e extravagantes, manipula as lâminas. Chocado diante da surpreendente cena, D'Amour é apanhado de surpresa pelo comparsa do estranho, um sujeito enorme de incomum força. Durante a luta, o estranho das facas escapa habilidosamente, e o homem enorme é arremessado pela janela por D'Amour, caindo de uma considerável altura. D'Amour procura socorrer o vidente, mas antes deste morrer, consegue apenas reunir forças para alertá-lo “O Puritano está retornando”. Harry reporta o incidente para a polícia, e para sua surpresa não encontra o corpo do homem arremessado da janela ao estacionamento.

Swann, hoje um famoso ilusionista nos moldes de “David Copperfield”, mora em Beverly Hills com a esposa, a bela Dorothea (Famke Janssen). Depois de tomar conhecimento da morte de seu antigo colega pelos jornais, o ilusionista alega à esposa que os prováveis responsáveis pela execução do homem foram os membros do culto do deserto do Mojave, e que ele pode ser o próximo. Harry é procurado por Valentim, assistente pessoal do ilusionista, que o sonda para um trabalho. Durante o enterro de Quaid, o vidente assassinado, Valentim apresenta D'Amour a Dorothea, que expressa a intenção de contratá-lo, para possíveis investigações quanto as circunstâncias da morte do antigo colega do marido. Encantado pela beleza e charme de Dorothea, D'Amour aceita o convite, e os dois comparecem juntos ao novo grande espetáculo do ilusionista. Durante o espetáculo, o mais arriscado truque de Swann, que envolve a queda de espadas afiadas enquanto precisa se libertar de amarras a tempo, dá errado, e, na frente de sua plateia, o ilusionista tem uma morte terrível. Durante a confusão que segue a tragédia, D'Amour avista a dupla que vira na cena da morte de Quaid. O homem de trejeitos afeminados, que parece o líder, chama-se Butterfield. Certo de que a dupla está igualmente envolvida na morte do ilusionista, D'Amour os persegue pelos bastidores do show, e volta a lutar com o mais forte, desta vez o matando, empalando-o em uma peça pontiaguda da cenografia do espetáculo.

Certo de que Dorothea e Valentim não estão lhe contando toda a verdade, D'Amour procura se socializar no Magic Castle, um lugar reservado ao reservadíssimo círculo de mágicos e ilusionistas, que se reúnem para confraternizar. D'Amour conhece um ilusionista veterano mais acessível, que confidencia impressões a respeito de Swann. Segundo o senhor, Swann parecia usar verdadeira mágica, e teria herdado o poder de um feiticeiro chamado “Nix”. D'Amour rastreia o paradeiro de Jennifer Desiderio, outra ex-colega da Swann que participara da execução do “Puritano” no deserto do Mojave, treze anos antes. Ela está internada em uma casa para repouso. Quando Harry menciona o nome “Nix”, Desiderio reage com confusão e diz que o Puritano pode encontrá-los onde estiverem. Ela sai correndo e infelizmente acaba colhida por um carro. D'Amour traz à tona o nome de Nix para Dorothea. Ela parece hesitar, mas finalmente lhe revela que é a garota que no passado foi salva por Swann. Ela lhe explica que se casou com o ilusionista por gratidão, pois sempre sentiu que lhe devia tudo. D'Amour e Dorothea fazem amor. Naquela noite, D'Amour e Dorothea são atacados por uma presença sobrenatural que se materializa em chamas. O detetive acha que a ilusão parece algo que somente alguém como Swann poderia reproduzir, e suspeita que a "morte" do mágico não passou de uma grande encenação. D'Amour crê que foi o ilusionista quem enviou as chamas, enciumado com o fato de o detetive estar se envolvendo romanticamente com a "viúva". De fato, ao examinar o caixão onde o mágico está sendo velado, descobre um boneco. O ilusionista apenas forjara a própria morte, com a ajuda de Valentim. O seu temor a Nix era tamanho que acreditou que se forjasse a própria morte, Butterfield e o restante da seita acreditariam no seu trágico destino e deixariam Dorothea em paz. Durante o funeral do ilusionista, D'Amour enxerga Swann à distância, acompanhando anonimamente a cerimônia, e o persegue, até alcançá-lo em um túnel abandonado. Lá, testemunha o poder do ilusionista, que chega a fazer um automóvel levitar sobre suas cabeças. O detetive o convence a ajudá-lo a pôr um fim ao “Puritano” e aos perigosos membros remanescentes do culto.

Butterfield invade a mansão enquanto Swann e D'Amour não se encontram, ataca Valentim e sequestra Dorothea, usando-a como trunfo para coagir Valentim a lhe mostrar onde exatamente o corpo do “Puritano” foi enterrado. Butterfield recupera o corpo e o leva à antiga casa no deserto. Os outros membros da seita, que depois da morte de Nix em 1982 tinham reconstruido as suas vidas e formado famílias, já estão presentes à propriedade para o retorno do “Puritano”. Assim que tinham ouvido falar da notícia do retorno de Nix, os fanáticos deram cabo de suas famílias e deixaram as próprias vidas para trás, tudo para aguardar pelo regresso do mestre. Butterfield remove a máscara de ferro e Nix recobra a consciência. Swann e D'Amour chegam a casa para salvar Dorothea e pôr termo aos planos do “Puritano”. Nix declara que somente Swann é digno de seus conhecimentos e poder, e então o chão sob os pés dos membros do culto adquire a consistência de areia movediça, engolindo todos. Nix abre um buraco no chão, e, segurando Dorothea, fica pairando sobre o abismo. D'Amour chega a tempo de impedir que o “Puritano” jogue Dorothea no abismo. Com a ajuda do poder de Swann, D'Amour consegue derrotar o feiticeiro, e dar o golpe que o desequilibra e o arremessa em direção à fenda, na verdade uma passagem para o inferno. Durante o confronto, Swann é fatalmente ferido, e morre nos braços da esposa. Consolando-a, D'Amour a conduz para fora da propriedade, e os dois deixam o lugar abraçados, caminhando pelo deserto, banhado pela fraca luz do luar, finalmente juntos e livres daquele pesadelo.

Lá se vão quase vinte anos desde a estreia de “Lord of Illusions”, e mesmo assim, a adaptação de Clive Barker para o seu conto permanece um dos filmes de horror mais sólidos de todos os tempos. Para qualquer filme, o tempo é um importante teste de longevidade. Alguns não se saem bem quando lançados ao julgamento do tempo, outras obras permanecem ainda mais atuais e provocantes do que nunca. É o caso não apenas de “Lord of Illusions”, como o de todas as demais obras dirigidas por Clive Barker. Escritor, pintor e diretor, este artista completo e prolífico reinventou o gênero horror em todas as suas mídias: em seus romances, a começar pelos “Livros de Sangue”, coletânea de contos fantásticos, e em seus filmes, a começar pelo primeiro “Hellraiser”, de 1986. Se o termo “artista” cabe como uma luva a alguém, este é Barker. Em todas as manifestações da expressão artística, exibiu incomum maestria, imprimindo a suas obras características muito pessoais, impossíveis de serem reproduzidas. A sua produção literária reminiscente dos trabalhos de Edgar Allan Poe traz a melancolia e o surrealismo das obras do falecido autor a estórias contemporâneas, gerando algo que mais do que aterrorizante parece inovador, diferenciado e, talvez principalmente, elegante. Seus contos ou filmes jamais são previsíveis, e sobre a aparência do ordinário pairam as ideias mais fantásticas e surpreendentes concebíveis. Para os fãs de filmes de horror, não familiarizados à obra deste extraordinário artista, recomendo a leitura de sua obra "Livros de Sangue", dividida em vários volumes, enorme coletânea de contos maravilhosos, onde o termo “horror” parece recuperar todo o significado para o qual foi originalmente cunhado. Deve-se aos “Livros de Sangue” a concepção de “Lord of Illusions”, pois o filme é a adaptação de um dos melhores segmentos da obra, chamado “The Last Illusion”. A leitura da obra literária de Barker nos leva a questionar por que os outro contos igualmente envolventes - tais como Life of Death, In the Hills The Cities e Jacqueline Ess - não foram levados às telas, vez que parecem visualmente encantadores, e a leitura dos mesmos nos investe de um sentimento quase cinematográfico, como se em nossas mentes já estivéssemos enxergando os filmes nas telas.

Além da mão segura de Barker nas rédeas da produção, a visão literária foi transportada para as telas com a mesma riqueza visual que emana das páginas do autor através de uma fotografia realmente encantadora que parece reconstruir em uma época muito atual os principais elementos do clássico film noir. A estória se aventura pela aridez do deserto do Mojave, leva-nos a uma Nova York chuvosa e abafada, dá o pontapé ao suspense ao deslocar o protagonista à ensolarada Las Vegas, onde a fotografia recria o mundo dos ricos e poderosos do entretenimento, com impressionante atenção a detalhes, e chega ao clímax devolvendo a ação ao mesmo deserto onde tudo começou, desta vez não mais em um dia ensolarado, mas na escuridão da noite. Produzido em um grande estúdio, “Lord of Illusions” talvez tenha dado a Barker a oportunidade de “brincar” com generoso orçamento e incondicional suporte técnico, sem a ingerência de terceiros. Quando ocupou a cadeira de diretor para “Lord of Illusions”, Barker havia acabado de sair de uma sofrida experiência com a 20th Century Fox, durante as filmagens de “Nightbreed”, um espetacular filme que, para a surpresa de nós fãs de Clive Barker, não o agradou, pois, conforme o próprio, não representou integralmente a sua visão original. Com “Lord of Illusions”, a Metro-Goldwin Mayer pareceu deixar que Barker satisfizesse a sua visão, e o resultado talvez seja o seu trabalho de direção mais bem acabado.

Quando da pré-produção, escalar a atriz que seria capaz de dar vida à personagem Dorothea prometia uma tarefa dificílima, porém Barker disse que ao passar a vista sobre as pastas com currículos de atrizes que pleiteavam o papel, e apanhar o dossiê de Famke Janssen, declarou, no ato, que aquela seria “a sua Dorothea”, uma escolha importante e acertada, já que uma das características de suas obras são as personagens femininas fortes e interessantes. Em um papel que teria ficado igualmente perfeito nas mãos de Jennifer Connelly, Janssen se conduz alternando vulnerabilidade e força, carência e desapego, compaixão e frieza. Em sua performance, traz à vida a femme-fatale imaginada por Barker para o conto “The Last Illusion”, porém são nos momentos quietos de sua atuação onde por vislumbre enxergamos o processo de pensamento de sua personagem Dorothea, quando compreendemos a maravilhosa atriz que é. Mais importante– e talvez por esta razão eu acredite que a personagem teria ficado perfeita nas mãos de Jennifer ConnellyBarker jamais usa o pretexto de sua ímpar beleza para vulgarizá-la ou expô-la. Sua sensualidade reside justamente na elegância com que mostra, em discretas nuances de performance, a sua classe, uma opção que faz da beleza apenas mais um dos acessórios que chamam a atenção a sua presença, e não o exclusivo.

Um filme de horror é tão eficiente quanto o vilão, e assim como aconteceu com a Julia de “Hellraiser”, Barker cria um outro memorável, na figura de Butterfield. Com o seu traje justo, as calças extravagantes cor de ouro, e os cabelos presos para trás, Butterfield faz parte do fértil e bizarro imaginário de Barker, que injeta o horror com os elementos mais inadequados, inesperados e incomuns possíveis. O ator Barry del Sherman faz um maravilhoso trabalho com o personagem, investindo graciosidade na forma como constrói o papel através de gestos, ilustrando-o com a ameaça elegante de uma suave e letal pantera. Ao mesmo tempo que parece sempre silencioso e quase imperceptível em seus calculados movimentos e modos afeminados, Butterfield é o tipo de vilão que na hora da necessidade saca a lâmina que guarda sob a língua para eliminar as vítimas que se põem em seu caminho. O que torna sua aparição incomum são os gestos muito graciosos na figura de um aterrorizante personagem, antagonista à altura do corajoso e perspicaz detetive interpretado por Scott Bakula.

Gostaria de reservar um espaço para discorrer algumas linhas sobre Clive Barker (foto). Quando menino, quando assisti ao primeiro “Hellraiser”, no começo dos anos 90, na época das fitas de vídeo, o filme me deixou uma fortíssima impressão pelo teor da sua trama adulta e psicologicamente devastadora que envolvia temas tão sérios quanto amores não correspondidos e adultério, pelas performances do elenco, em particular a da atriz britânica Clare Higgins no papel de Julia, e pela ousadia do diretor, que investia profundidade `a sua estória, algo incomum em filmes parecidos, se bem que até então nada remotamente semelhante a “Hellraiser” havia agraciado as telas. Mais tarde, conheci “Nightbreed”, o segundo filme de Barker, e depois, parte de sua produção literária. Foi somente depois da chegada da internet, todavia, em meados dos anos 90, que pude conhecer melhor esse artista tão singular, as suas outras obras, ter acesso aos seus principais romances, como “The Hellbound Heart”, a fonte original de “Hellraiser”, e, principalmente, enxergar o ser humano por trás da arte, pois sempre tive curiosidade de saber mais sobre Barker, ouvir o que tinha a dizer. Hoje, o que posso dizer é que Barker é um homem tão artisticamente talentoso quanto humanamente complicado, e muito embora com uma vida pessoal turbulenta e recentes sustos com a saúde (precisou remover nada menos do que vinte e cinco pólipos da garganta, em 2009), mantém-se mais produtivo do que nunca, pintando, escrevendo e desenvolvendo projetos para o cinema. A vida pessoal deste homem difícil e enigmático, que quando mais jovem parecia o ator Hugh Grant, de quem podemos esperar inesperadas e bizarras estórias de horror, não é feita apenas de polêmicas e escândalos, todavia. Lembro-me de um documentário de 1994 sobre as suas origens, quando os pais, autênticos velhinhos britânicos, foram entrevistados. Eles falaram com orgulho sobre o filho artista – não sabiam de onde vinha tanta imaginação, mas fizeram questão de dizer que sempre o haviam apoiado. Um momento doce foi quando Clive se recordou da estreia do primeiro “Hellraiser”, que dirigiu. Levou a mãe para a estreia, e disse que quando o seu nome apareceu na tela, tipo “Dirigido por Clive Barker”, a mãe, que estava sentada ao lado, o abraçou, emocionada de felicidade, orgulhosa do filho, e ele, brincando, sussurrou em seu ouvido “Mamãe, aproveite este momento de alegria, pois a partir de agora, que o filme vai começar, a senhora não vai gostar”. Referia-se, é claro, ao fato de “Hellraiser” ser mesmo um filme muito pesado e apavorante, um programa nada aconselhável para se levar a mãe!Na época, ele era essencialmente um escritor, um romancista, não tinha muita experiência com filmes, “Hellraiser” foi o primeiro. Teve uma coisa que disse, que retrata a grande aventura que foram as filmagens “Eu fui à biblioteca local para encontrar um livro sobre como dirigir filmes, e eles tinham dois, mas estavam todos alugados, e eu pensei 'Cara, eu estou em uma enrascada, nem mesmo livro para isso eu tenho!'”. Desde então, ele tem se consagrado como um nome de peso na indústria, em diferentes mídias, os trabalhos literários têm sido muito bem adaptados para o cinema, quando não pelo próprio, por outros diretores talentosos, principalmente nos últimos anos, como aconteceu com O Último Trem (Midnight Meat Train), de 2008, estrelado por Vinnie Jones, Brooke Shields e Bradley Cooper. No momento, encontra-se em pré-produção a adaptação de um de seus mais intrigantes contos, Pig Blood Blues. Mesmo tantos anos desde a estreia do primeiro “Hellraiser”, mesmo que a voz e a saúde não estejam 100% quanto em 1986, o seu espírito está, e isso é o mais importante. Para mim, foi muito importante ler mais sobre o homem por trás de todo aquele poderoso imaginário, e descobrir que, afinal de contas, por mais talentoso que fosse, era justamente isso, apenas um homem, tão falível e complicado quanto qualquer outro ser humano, com todas as limitações e defeitos compensados pelas qualidades.

Lançado em 1995, “Lord of Illusions” é um dos filmes daquele período em particular, 1994/1995, que mais me deixaram um sabor nostálgico. Assim como acontece com “Showgirls”, “Falando de Amor”, “A Força em Alerta 2”, “Fervura Máxima” e “Enquanto Você Dormia”, assistir a “Lord of Illusions”, ao menos para mim, funciona como uma pequena janela pela qual posso enxergar um momento saudoso de minha vida, quando tinha 15 anos de idade, quando assistir a filmes na tela grande do cinema realmente estava imbuído de charme e de fascínio. Com o passar dos anos e a maturidade, perdemos um pouco da ingenuidade que faz deste período em particular uma época tão especial, e de toda boa manifestação de arte uma experiência nada menos do que intrigante. A magia talvez resida nos olhos de quem lhe assiste e, mais importante, no momento da vida em que se assiste. O que parece intrigante é que, mesmo hoje tantos anos mais tarde filmes como os mencionados consigam conservar o impacto de vinte anos desde os seus lançamentos, em parte pelo mérito dos talentos envolvidos em suas concepções, em outra pelo carinho com que os conservamos em nossas lembranças, ao longo de todo esse tempo.  
 Todos os direitos autorais reservados a United Artists. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

domingo, 2 de junho de 2013

Os Escolhidos ("Dark Skies", 2013) - "Se formos apenas nós, será um tremendo desperdício de espaço".


Os Barrett – a mãe Lacy (Keri Russell), o pai Daniel (Josh Hamilton), o irmão mais velho Jesse (Dakota Goyo) e o mais novo Sammy (Kadan Rockett) – são uma típica família norte-americana de classe média, com os dramas e desafios inerentes a todas as outras. Daniel está fora do mercado de trabalho há algum tempo, e o seu desemprego adiciona uma carga de stress a mais à dinâmica da família, que está com o pagamento da hipoteca atrasado. Lacy divide o tempo entre o trabalho como corretora de imóveis, mãe e esposa, e mesmo em face das dificuldades, mantém-se otimista, dedicada ao marido, e devota aos meninos. Uma noite, ao despertar para checar os filhos, Lacy desce para a cozinha, onde se assusta ao encontrar a geladeira aberta e as coisas atiradas ao chão. Ela também encontra a passagem da cozinha para a área de serviço aberta. Na manhã seguinte, durante o café da manhã, a família conversa sobre o ocorrido, e Daniel não leva a questão adiante, responsabilizando a invasão a algum animal selvagem faminto que depois de devorar o que encontrou na geladeira, deixou a casa pela mesma porta.

Na noite seguinte, o que começou de maneira curiosa adquire contornos mais intrigantes. Lacy desperta à noite, como de costume, para checar os meninos e descer à cozinha, e desta vez encontra pacotes e latas empilhados em surpreendente precisão. Ademais, os arranjos interferem com a luz do lustre, de modo a projetar esquisitas formas concêntricas no teto. Quando a polícia é convidada a examinar a casa, os policiais levantam a suspeita de as crianças estarem pregando peças, ou mesmo de um dos meninos vir sofrendo de episódios de pesadelo noturno. Os fenômenos se sucedem: na próxima noite, o alarme de invasão é acionado, acordando a vizinhança, muito embora todas as janelas e portas encontrem-se bem fechadas. Técnicos da empresa de segurança examinam o sistema, e declaram que não houve invasão. Eles simplesmente não conseguem compreender o deflagramento do alarme, e o atribuem a algum mau funcionamento.

Em uma manhã, distraída com suas atividades diárias, Lacy se assusta quando um pássaro se choca à janela. Para seu horror, outros pássaros surgem, investindo com toda a força contra as demais janelas, como em um suicídio coletivo. Não há razões para o incomum comportamento das aves. Os cientistas que investigam o incidente explicam aos Barrett que os pássaros pertenciam a três correntes migratórias muito distintas, e que parecem ter sido “guiados” à casa, atraídos por algo que não sabem precisar o quê. Naquela noite, durante a visita aos quartos dos meninos, a mãe é surpreendida pela sombra de um visitante alto e magérrimo, parado ao lado da cama de Sammy. Quando Lacy grita, o “visitante” também se assusta e sai correndo. Daniel instala câmeras de segurança nos pontos que oferecem os ângulos mais abertos. Enquanto os inexplicáveis eventos seguem se somando, a família tem de lidar com a tensão extra do desemprego de Daniel, que persiste comparecendo a entrevistas de trabalho em companhias diferentes, mas não consegue convite para ocupar uma das vagas.

Para o horror de Lacy, durante a visita de uma família a uma das propriedades à venda, ela momentaneamente perde o controle sobre o corpo, e como que regida por uma força superior, vai à janela e a golpeia com a testa, até trincar o vidro. Depois, acorda na sua cama, sem se recordar de como parou ali. Lacy procura por respostas na internet, e em diferentes artigos sobre OVNIs, encontra semelhanças entre o seu caso e as histórias de famílias de pessoas abduzidas. Gravuras exibidas nos artigos conferem com as figuras que o filho menor costuma desenhar, e que afirma serem os visitantes. Daniel consegue uma concorrida vaga, e a notícia do emprego meio que recupera a moral dos Barrett, que ao menos julgam finalmente ter encontrado o rumo certo e parte das respostas, por mais inverossímeis que pareçam. Enquanto enfrentam os fenômenos misteriosos, os Barrett se veem cada vez mais isolados da comunidade. Durante o banho na piscina da comunidade, quando Sammy tira a camisa, os vizinhos ficam chocados ao encontrar terríveis manchas roxas no corpo do garoto, como se tivesse sido agredido por uma surra de cinto.

Lacy e Daniel encontram compreensão e suporte na pessoa de Edwin Pollard (J.K. Simmons, que dá a performance excepcional do filme), um especialista em OVNIs, no passado alvo do implacável assédio dos extraterrestres a quem chama de Os Cinzas. Pollard lhes explica que não há uma razão para o fato de terem sido escolhidos pelos Cinzas, apenas que, uma vez marcados, as criaturas perdurarão os visitando, até que levem o primeiro membro da família que deu pela sua presença. Daniel questiona Pollard se não há nada que possa ser feito, e ele lhes responde que a única linha de ação é resistir e lutar com tudo o que têm. Se a família impuser dificuldades aos planos dos Cinzas, Pollard lhes conta, talvez os visitantes percam o interesse e partam para a próxima. Depois da consulta ao especialista, os Barrett se preparam para a próxima visita dos Cinzas, adquirindo uma arma de fogo pesada, um cachorro, e barricando a casa. Daniel e Lacy não tiram a atenção de Sammy, a criança que já vinha dando sinais de enxergar Os Cinzas mesmo quando as manifestações se limitavam a traquinagens aparentemente inocentes e desconexas. Se as explicações de Pollard fazem sentido, então é o garotinho quem corre perigo.

Os Cinzas regressam no feriado de 04 de julho, a família albergada dentro de casa, preparada para lutar e se defender. À mesa, trocam comoventes reminiscências de dias mais felizes, quando Os Cinzas finalmente anunciam a sua chegada: a transmissão da TV, que até aquele momento exibia as explosões de fogos de artifício em diferentes pontos da América do Norte em comemoração ao 04 de Julho, é cortada, as luzes começam a oscilar, o cachorro a ladrar. Unida, a família procura resistir à avalanche de horrores do assalto dos Cinzas, porém quando menos esperam, veem-se cercados por muitos deles, figuras altas, e muito magras. Ao invés de Sammy, o filho menor, os Cinzas escolhem o irmão mais velho e o levam consigo para o desespero dos Barrett. Três meses se passam, e Lacy e Daniel já conseguem pensar mais claramente, a ponto de terem aceito o que aconteceu. Agora, se concentram em reavê-lo. A terrível experiência colocou o seu amor à prova, porém os Barrett saíram do confronto como uma família mais unida. Lacy não consegue compreender por que os Cinzas levaram Jesse, e não Sammy, já que pensa que foi o menorzinho quem os viu primeiro, até que, um dia, rememorando o filho mais velho, mexendo nas caixas com as suas coisas, descobre um caderno de desenhos do garoto, de muitos anos atrás. É quando descobre os desenhos que Jesse fez quando tinha a mesma idade de Sammy (ou quiçá mais jovem), onde aparece de mãos dadas a três figuras altas e magras semelhantes aos Cinzas. Lacy e Daniel compreendem, então, que os visitantes estão entre os Barrett há mais tempo do que imaginavam, e que, de fato, a explicação de Pollard provava-se correta. Os Cinzas levaram consigo o primeiro membro da família que os vira, sendo que não fora Sammy, como tinham anteriormente imaginado, e sim Jesse, muitos anos antes de o assédio dos Cinzas ter escalado a ponto de os Barrett terem dado pela sua presença. Lacy, Daniel e Sammy então escutam a voz de Jesse em uma frequência do rádio, como que vinda de muito longe. Eles acreditam que, um dia, reencontrarão o filho perdido.

Dos mesmos produtores de Insidious – Sobrenatural e Atividade Paranormal, chega mais um novo interessante e sólido filme, parte do recente renascimento do gênero horror. Nos mesmos moldes de Sobrenatural, em Dark Skies, uma família comum e unida é novamente o alvo de forças além da compreensão humana, a diferença sendo que, naquele, a natureza do mal se devia a um demônio cismado com um garoto capaz de fazer viagens extracorporais, e neste, são visitantes extraterrestres os algozes que levarão a família Barrett a um passeio pelo horror e insanidade. A fórmula dos filmes de casa assombrada, que sempre funcionou muito bem e gerou ótimos suspenses, é acolhida e de certa forma reinventada pelo diretor Scott Stewart, que adicionou à consagrada receita um novo ingrediente, na figura dos “Cinzas” e do conhecido fascínio do ser humano, sempre que dirige o olhar ao céu para imaginar se está sozinho no universo. Lembro-me da frase em um dos cartazes do filme Contato, quando de seu lançamento, uma bonita frase, que traduz o milenar encantamento da humanidade desde que aprendeu a olhar para as estrelas “Se houver apenas nós, será um tremendo desperdício de espaço”.

Tecnicamente caprichoso e artisticamente inventivo, Dark Skies é uma excelente pedida para os fãs de filmes de extraterrestres, em parte conservador no que toca a ideias que funcionaram muito bem em filmes similares no passado (tais como Sinais), em parte inovador ao romper com alguns clichês cansativos, fugindo de efeitos e se concentrando em desenvolvimento de personagens. Obviamente, o diretor teve ao seu dispor um orçamento apropriado para atender a demanda, e, talvez mais importante, o elenco certo para dar vida aos personagens bem escritos. Protagonizado por jovens artistas talentosos (Keri Russell e Josh Hamilton), Dark Skies também se beneficia da participação do competente ator veterano J.K. Simmons, em um pequeno e memorável papel. Cabe a Simmons a melhor cena do filme, mas isso será discutido alguns parágrafos abaixo. Josh Hamilton e Keri Russell se saem muito bem não apenas em suas performances individuais, mas também, e talvez mais significante, na maneira como interagem e se complementam. De muitas formas, atores principais em filmes de horror cuja temática revolve a união familiar precisam trabalhar como um time. A forma como alavancam um ao outro apenas enaltece as performances individuais, e as tornam mais interessantes. Foi o caso de Insidious – Sobrenatural, com Rose Byrne e Patrick Wilson, e Cemitério Maldito, com Denise Crosby e Dale Midkiff. Sentimos a dor destes personagens, pois os enxergamos pelos olhos do outro cônjuge que o ama. A dignidade e o suporte de Lacy compensam a autoestima sabotada de Daniel; a coragem e a autoridade de Daniel anulam a vulnerabilidade feminina de Lacy quando o perigo finalmente bate à porta.

O desempenho de Josh Hamilton, sutil e contido, permite-nos compreender a delicada posição deste chefe de família. Fora do mercado de trabalho há algum tempo, Daniel tem encontrado obstáculos para a reinserção. O impasse evidentemente mexe com seus brios, e no silêncio de alguns momentos enxergamos o conflito interno que se dá em sua mente, a autoconfiança sob a pressão da realidade amarga dos fatos. A sua performance muito equilibrada e honesta me fez pensar na atuação de Burt Reynolds em Starting Over, a comédia romântica de Alan J. Pakula indicada ao Oscar de Melhor Filme, em 1979, sobre um introspectivo professor recém-divorciado que procura refazer a vida sentimental, frequentando reuniões de homens recentemente separados, e se aproximando de uma tímida moça, traumatizada por relacionamentos amorosos fracassados, interpretada por Jill Clayburgh. Neste filme de Alan J. Pakula, Burt Reynolds exibia um lado vulnerável seu jamais visto nas comédias que protagonizou ao longo da década de 70, provando-se um excelente ator, não apenas um astro de ação. O personagem relutante de Josh Hamilton em Dark Skies revelou muitas semelhanças com o de Burt Reynolds em Starting Over, até mesmo, curiosamente, em termos de aparência física. Daniel é um pai de família aos seus quarenta e poucos anos, tentando fazer a coisa certa, procurando respostas e oferecendo incondicional apoio à família, mesmo que sua crença em si esteja abalada em face de seu desemprego; já Phil, o personagem de Burt Reynolds em Starting Over, é um professor aos seus quarenta e poucos anos tentando reencontrar a confiança em si para se reconstruir emocionalmente, mesmo que a sua autoestima tenha sido sabotada por uma ex-mulher ardilosa que primeiro o traiu e depois o deixou.  

Keri Russell se sai muito bem como a mãe Lacy. Ela constrói uma personagem sólida e forte, que por vezes precisa tomar as decisões racionais e fazer as melhores escolhas para o bem da família, vez que o mau momento de Daniel lhe furta a iniciativa e segurança para tanto. Nesta fase do renascimento dos filmes de horror, a sua “mãe coragem” honra a tradição de mulheres fortes e honradas, que vimos recentemente em Insidious – Sobrenatural, por exemplo, na forma do corajoso desempenho de Rose Byrne. Essa homenagem a personagens femininas honradas e fortes perdurará, a tocha passada para as mãos da atriz britânica Lena Headey, que protagonizará um filme de horror em vias de lançamento, chamado The Purge. Retomarei The Purge ao final da resenha.

O diretor Scott Stewart não é um autor como Brian De Palma ou David Cronenberg, não há peculiaridades em sua filmografia que nos permitam vislumbrar um estilo definitivo, no entanto é um ótimo cineasta que, embora não tão ousado quando os grandes nomes do suspense, sabe contar a estória, escolher bons takes, criar imagens visualmente bonitas, sustentar o ritmo e encorajar os atores a darem excelentes performances. Para isso, contou com o suporte do diretor de fotografia David Boyd, que previamente emprestara o seu rico olhar a “12 Rounds”, de Renny Harlin. Aqui, a fotografia de Boyd recria um típico bairro de classe média norte-americano, com as suas sossegadas ruas largas, as belas casas, as palmeiras nas calçadas arejadas. É um filme “gostoso” de se assistir. Não apenas de encantamento Boyd se encarrega, criando momentos de suspense igualmente atmosféricos. A sacada de filmar Jesse voltando de bicicleta à noite, para casa, pedalando em uma estrada erma, enquanto as luzes dos postes vão se desligando quando de sua passagem, prenunciando a chegada dos Cinzas, foi uma escolha visual muito interessante e charmosa.

A melhor sacada do filme, todavia, foi convidar o talentoso ator veterano J.K. Simmons para um importante papel, que tem se tornado recorrente em filmes do gênero. Em Sobrenatural, foi a atriz Barbara Hershey como a mãe do protagonista quem interpretou tal importante papel, em Atividade Paranormal, foi um senhor parapsicólogo que visita a casa para diagnosticar a natureza do problema. O papel importante a que me refiro refere-se aos personagens chaves que surgem aproximadamente após dois terços de filme para melhor explicar a natureza dos fenômenos que assolam os protagonistas. No filme do diretor James Wan, Sobrenatural, a personagem de Hershey tem as melhores falas, a melhor cena, quando explica ao filho e `a nora que a aversão do rapaz a fotos se deve à infância, quando em retratos que batia do menino, a mãe notara a presença, inicialmente distante, e com o passar dos anos cada vez mais próxima, de uma estranha mulher, na verdade um espírito que por alguma razão cismara com o garoto. Em Atividade Paranormal, o senhor parapsicólogo revela ao casal que eles estão lidando com um demônio, ligado à garota, e que quanto mais antagonizarem a entidade, mais tornarão tudo pior para suas vidas. Em Dark Skies, o personagem de Simmons, um senhor chamado Edwin Pollard, arremessa a dura realidade no colo dos protagonistas, que finalmente entendem a profundidade do problema em que se veem metidos. A cena é regida com perfeição pelo diretor Scott Stewart, mas quem comanda o momento é J.K. Simmons, com uma performance sutil, quieta e firme que causa arrepios pela melancólica resignação. Ele lhes explica que as pessoas guardam uma ideia equivocada sobre visitantes de outros planetas, que associam os extraterrestres a naves espaciais, invasões, destruição de grandes monumentos norte-americanos, entre outras bobagens. Pollard lhes conta que a questão se dá em um nível imperceptível, que a famigerada "grande" invasão já aconteceu, há centenas de anos, realmente, e que os Cinzas já representam um fato certo da vida, “assim como impostos e a morte”, ele complementa, brincando. Segundo Pollard, milhares de pessoas reportaram ter visto os Cinzas, a família Barrett não é a única que enfrenta o drama. Dar conta da presença dos Cinzas requer tempo, pois antes de se mostrarem, começam a testar as vítimas de forma incipiente. Primeiro, utensílios da cozinha desaparecem, e quando menos espera, uma família está dando o passo direto para um completo pesadelo. Questionado pelas razões de terem sido escolhidos, Pollard lhes diz que não existem motivos. Conforme o especialista, torturar-se sobre as razões da escolha dos Cinzas é como ratos de laboratório perguntando-se por que foram selecionados como cobaias. A explicação que Pollard dá ao casal, em seu apartamento, cujas paredes estão cobertas por recortes de jornais referentes a abduções, é o grande momento atmosférico, onde pouca movimentação acontece, porém o poder concentra-se na força das atuações e do horror de tudo o que se expõe.

Anteriormente, fiz menção a um filme chamado The Purge. Previsto para chegar aos cinemas no dia 07 de junho deste ano, The Purge é mais um exemplar da nova leva do cinema de horror, produzido pelas mesmas forças criativas por trás de Insidious – Sobrenatural, Atividade Paranormal, A Entidade e Dark Skies. O trailer já se encontra disponibilizado online, e o filme parece intrigante. Em razão dos níveis alarmantes de desemprego e crimes, o governo norte-americano sancionou uma lei pela qual uma vez ao ano e dentro de um período de doze horas toda atividade criminosa está liberada – saques, estupros, assassinatos. A polícia não aceita chamadas, os hospitais fecham as portas pela noite. A medida foi feita para permitir que pelo período de doze horas, as pessoas “encontrem uma válvula de escape”, e, uma vez terminada a "festa", não voltem a incorrer em crimes, vez que tiveram a chance de "acertar as contas". No filme, a medida parece funcionar, pois os índices de desemprego e violência decrescem acentuadamente. Neste contexto, The Purge foca em uma família encabeçada pelos personagens interpretados por Lena Headey e Ethan Hawke, duas pessoas comuns que aprenderam a enxergar a “noite do crime” como um mal necessário. Durante a "festa", eles se albergam em sua casa protegida e segura, e aguardam pelo término do feriado para que possam abrir as portas e retomar suas vidas normais. Ocorre que na “noite” deste ano em particular, um estranho aparece implorando por guarida. O filho mais novo assiste aos pedidos do estranho pelas câmeras e desliga momentaneamente o sistema de segurança, permitindo a entrada do visitante, um terrível erro, pois a pessoa em questão foge de uma apavorante gangue que veste máscaras sorridentes, e que não demora a aparecer por ali para exigir que a família entregue o estranho, sob pena de invadirem a casa para matá-los também. Recomendo aos amigos que procurem pelo trailer online, é realmente sensacional, o filme tem tudo para ser um dos grandes suspenses do ano. Considerando que além de The Purge há mais dois filmes do diretor James Wan para serem lançados, Invocação do Mal e Sobrenatural 2, os fãs de horror têm bons motivos para comemorar. Como alguém já disse, o melhor da festa é esperar por ela.


Todos os direitos autorais do trailer acima reservados a Universal Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ninja (2009) - Isaac Florentine é a melhor coisa que aconteceu ao gênero ação.


Casey (Scott Adkins) é um jovem norte-americano que, ainda criança, presenciou o suicídio do pai, que costumava surrar a sua mãe, e fugiu para o Japão. No Japão, Casey foi adotado pelo clã de Takeda (Togo Igawa), um velho guerreiro honrado e valente obstinado em manter vivo o legado dos ninjas. Sob a guarda de Takeda, estão a última armadura real dos ninjas e as suas armas de poderes lendários, entre elas a mortífera espada katana. Takeda promete que concederá o legado dos ninjas ao aluno que se provar imbuido dos melhores valores. Masazuka (Tsuyoshi Ihara), um guerreiro japonês que praticamente cresceu no lugar, julga-se detentor do direito natural à armadura e às armas, pois é veloz, perspicaz, destemido, em suma, um guerreiro forjado pela arte da guerra. Ocorre que Masazuka não reúne o caráter de Casey, que além de habilidades para combate, conduz-se com os mesmos valores inerentes aos verdadeiros ninjas: honra, respeito, compaixão, e coragem absoluta, mesmo sob as mais terríveis adversidades. Quando vê que Takeda o preterirá pelo estudante norte-americano, Masazuka fica cego pela raiva e, durante um treino de espadas, ataca Casey. Por seu descontrole, Takeda o expulsa do clã. Para Masazuka, não há punição pior. Dedicou toda a vida para se aperfeiçoar, para se tornar o último dos ninjas, e então, por um momento de descontrole emocional, pôs tudo a perder. O desapontamento o transforma em uma máquina de matar malévola disposta a acertar as contas com Casey, a quem culpa por toda a desgraça. Masazuka se torna um assassino perigosíssimo, a serviço de uma poderosa facção do crime organizado chamada O Círculo. Ele retorna para o dojo, para reclamar o espólio dos ninjas, mas Takeda se recusa a lhe entregar a armadura e a espada. Certo de que o ex-aluno voltará, o velho mestre incube CaseyNamiko, a filha, de levarem o baú para os Estados Unidos, onde o espólio dos ninjas poderá ser mantido bem distante das mãos de Masazuka. Conforme Takeda imaginara, Masazuka retorna ao dojo, mata os demais alunos e exige do mestre o baú. Quando Takeda recusa-se a ceder, mesmo sob a ameaça de morte, Masazuka o decapita. O assassino descobre que Casey e Namiko estão a caminho de Nova York, e parte para os Estados Unidos, para o confronto final entre os dois melhores ninjas do clã Takeda.

Este filme ágil e magistralmente executado revela os talentos de seu diretor Isaac Florentine e astros Scott Adkins e Tsuyoshi Ihara, todos destinados a grandes coisas em suas carreiras. Mesmo que filmado sob um orçamento modesto, dez milhões de dólares, o diretor Florentine, como de costume, parece multiplicar os recursos, criando um espetáculo de ação que parece maior do que o efetivo custo, de excelente fotografia, excitantes cenas de ação, e performances acima da média, algo incomum a obras do gênero. É impressionante a habilidade com que Florentine orquestra as cenas de luta, encantadoras aos olhos graças a suas diversificadas coreografias cinéticas e impossíveis. Arquitetar as lutas, todavia, não é sua única habilidade. Nos moldes de John Woo, Florentine imprime à ação impressionante sincronia, como se estivesse orquestrando um balé de violência, sendo várias as cenas em Ninja que provam a assertiva: a luta dentro dos vagões no metrô, o confronto com o ninja Masazuka sobre a cobertura de um prédio, e o tiroteio nas calçadas de Nova York, quando o herói por pouco escapa com a vida. Mesmo com o orçamento modesto, o olhar de Florentine traz muita beleza e energia, enaltecidas pelo efeito da câmera lenta, mais uma semelhança entre o cineasta e o grande John Woo. Novamente, Florentine se reúne ao astro principal Scott Adkins, com quem trabalhara no ótimo Undisputed II, e dele extrai uma carismática atuação. Um filme de ação é tão bom quanto o vilão, e aqui Florentine ganhou um valiosíssimo aliado em Tsuyoshi Ihara. Adkins é o herói, porém é Ihara quem se destaca. Filmes de ação tendem a valorizar exclusivamente as cenas movimentadas, as lutas, os tiroteios, não há muita atenção para construção de personagens, ou mesmo desenvolvimento. Com Ninja, a armadilha não se repetiu. O roteiro de Boaz Davidson tece uma trama um tanto quanto previsível, no entanto, são a habilidade do diretor e a atuação do elenco, mais especificamente de Ihara, o trunfo que alavanca o material a um mais sofisticado patamar. Deve-se ao talento e magnetismo de Ihara a capacidade de criar um personagem que nas mãos de um amador qualquer teria parecido um clichê redundante, mas que em suas mãos evolui para um vilão complexo e trágico. O seu Masazuka é um triste anti-herói. Ele encapsula o que há de mais letal na arte do combate mas seu senso de posse, de preferência quanto ao legado dos ninjas, desperta a inveja e a ambição que acabam por distanciá-lo do caminho dos verdadeiros guerreiros. Também dá profundidade ao personagem o fato de enxergar Takeda como pai, e portanto razão se sentir imperdoavelmente traído quando o mestre escolhe o norte-americano como o herdeiro da armadura e da katana. Ihara exala carisma e magnetismo no papel de Masazuka, parece letal em seus suaves movimentos, tais quais os de um tigre mortífero, e pelo desempenho impecável, força o que há de melhor em Adkins, que precisa estar à altura de tamanho desafio. Ninja foi rodado em Sofia, Bulgária, assim como a maioria das produções da companhia Nu Image. Olhos despreparados, todavia, não perceberão que o filme foi rodado na Europa, vez que sempre que a estória exige tomadas externas, supostamente nos Estados Unidos, o estúdio reproduz muito bem uma avenida novaiorquina. No momento (2013), encontra-se em pós-produção a continuação, Ninja 2,que felizmente foi regida por Florentine, e novamente estrelada por Scott Adkins. Se a contribuição original surpreendeu, só nos resta salivar de expectativa pelo lançamento da sequência. Procurem por Ninja nas locadoras. O DVD foi lançado sob o selo da California Filmes.

Todos os direitos autorais do trailer acima reservados a California Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Caçadores de Mentes ("Mindhunters", 2004) - Por um breve momento, Renny Harlin recupera a glória do passado.


Caçadores de Mentes” é a divisão do FBI que arregimenta profissionais habilidosos na arte de delinear os perfis e o modus operandi de assassinos em série. Buscando aperfeiçoá-los ainda mais nesta arte, o instrutor Jake Harris (Val Kilmer) os leva a uma ilha na costa da Virgínia, mantida pela Polícia Federal, que abriga uma cidade fictícia, onde uma série de diferentes cenários será arquitetada para testar o conhecimento e a habilidade dos jovens agentes. Harris elaborou todo um novo caso, envolvendo um serial killer que responde pela alcunha de titereiro, um maníaco que mata as vítimas e as dependura em ganchos, como se os mesmos fossem bonecos de ventríloquo. A tarefa dos agentes revolve compreender o modus operandi para apanhar o serial killerde mentirinha” através das pistas que as cenas dos crimes têm a oferecer. Depois que chegam a ilha, Harris lhes apresenta o lugar e parte no helicóptero, deixando-os por conta própria. Os agentes começam a investigar, e encontram, em uma típica diner, uma cena de homicídio forjada, um manequim “assassinado”, dependurado por ganchos no teto. Para a surpresa dos agentes, uma armadilha letal envolvendo nitrogênio líquido foi preparada, resultando na morte de um dos estudantes. Assustados, os agentes procuram pelo barco na doca, mas no momento em que correm pelo píer para apanhá-lo, a doca vai pelos ares. Agora, os mais habilidosos profilers do FBI se veem aprisionados à ilha, com um serial killer “de verdade”, e uma série de armadilhas desenhadas conforme as fraquezas de cada um. 

Este suspense dirigido pelo experiente Renny Harlin (“12 Rounds”, “5 Dias de Guerra”) não oferece nada de novo ao gênero, mas a habilidade do cineasta acaba provando-se o diferencial que torna o produto final mais atraente e empolgante do que os suspenses similares que chegam aos cinemas todos os anos. O elenco é formado por grandes nomes (Val Kilmer, Christian Slater, Jonny Lee Miller), mas é a atriz Kathryn Morris, mais conhecida pela série Cold Case (e aqui basicamente reciclando a mesma personagem), quem se sobressai entre os colegas, no papel da relutante protagonista, que mostra pouco de si, mas esconde muito. Devo mencionar que fiquei espantado com a semelhança entre Morris e uma artista brasileira muito talentosa chamada Babi Xavier. Confiram, elas são parecidas!Muito bem produzido, Caçadores de Mentes é visualmente rico e atmosférico. O diretor de fotografia Robert Gantz (“Assalto a 13ª DP”) empresta o seu olhar elegante e caprichoso à produção, criando uma ambientação simultaneamente atraente e traiçoeira, familiar e surreal: enquanto a cidade erguida pelo FBI assemelha-se a uma típica e pacata small town do meio Oeste norte-americano, há algo de incongruente no lugar, a sensação de tragédia iminente, talvez causada pela aura que remete aos anos 50. A cidade parece saída diretamente do passado, com o agravante do isolamento e abandono, suas ruas e calçadas acumulando folhas, a diner com sorridentes bonecos representando cidadãos sentados às mesas com suas refeições, o cinema local exibindo “O 3° Homem”, de Orson Welles, e uma série de outros detalhes que arruínam a primeira boa impressão sobre o lugar e te deixam arrepiado. Se o roteirista Wayne Kramer não ganha prêmio algum por originalidade, ao menos consegue sustentar o ritmo e amarrar a colcha de retalhos a serviço do diretor, familiarizado ao gênero ação.Kramer cria interessantes situações similares às engenhosas armadilhas da série Jogos Mortais. Lamentavelmente, a falta de profundidade dos personagens, de motivações, os torna um tanto quanto unidimensionais, exagerados, subtraindo do filme parte de seu charme e poder. O diretor Renny Harlin, um dos mais expressivos diretores de filmes de ação dos anos 90, que perdeu a mão depois de uma série de produções caríssimas medíocres, parece somente agora recuperar a velha forma, justamente após perder o posto entre os principais cineastas de Hollywood. A sua carreira é similar a do excelente diretor chinês John Woo. Woo chamou a atenção de produtores norte-americanos com as obras-primas que rodou em seu país de origem, entre elas o extraordinário “Fervura Máxima” (assisti a este filme aos 15 anos, em 1995, no circuito de filmes de arte, uma das experiências cinematográficas mais emocionantes e inesquecíveis de minha vida, equivalente a um violento passeio pela mais aterrorizante montanha russa concebível). Uma vez em Hollywood, Woo não se saiu bem ao filmar dentro de um novo modelo, e seus trabalhos pareceram fracos e sem brilho, muito diferentes dos dias de glória na China. Foi apenas nestes últimos anos, ao retornar para o país de origem e recuperar a liberdade criativa para fazer o que ama, que o velho John Woo de “Fervura Máxima” renasceu com força total, em filmes maravilhosos tais como “A Batalha dos 3 Reinos”. É o caso de Harlin, que somente nestes últimos anos, dirigindo filmes menos ambiciosos tais como “12 Rounds” e “5 Dias de Guerra”, pareceu realmente se divertir em um set de filmagem, ao recuperar a magia “do primeiro olhar”, a paixão pelo que faz, a criatividade, algo nas linhas do que Julie Delpy diz em Antes do Pôr do Sol, próximo ao fim, ao chegar na vila onde mora, com Ethan Hawke, e lhe mostrar o gatinho que cria “Sabe o que eu mais admiro neste animalzinho?É que todas as manhãs, ele olha para esse jardim com o mesmo encanto como se o estivesse vendo pela primeira vez”. O problema com estes grandes diretores me parece evidente. Acredito que os produtores enxergam o talento de um cineasta, convidam-no a rodar um filme, disponibilizam orçamentos estratosféricos, porém “podam” o diretor, a sua criatividade, suas ambições artísticas pessoais, em nome da “segurança” do investimento, sob a expectativa do retorno financeiro. Esta receita para o desastre me parece o destino comum a maravilhosos cineastas impedidos de realizar o filme que gostariam, em nome da necessidade de assegurar retorno financeiro nas bilheterias. Aconteceu com John Woo nos Estados Unidos, e Renny Harlin na segunda metade dos anos 90. Recentemente, o talentoso cineasta brasileiro José Padilha foi recomendado para a direção de RoboCop. Parece caso semelhante aos exemplos ilustrados acima, produtores de um grande estúdio enxergam a paixão e o talento de um cineasta, que fez dois filmes extraordinários, Tropa de Elite 1 & 2, chamam-no para dirigir o seu roteiro, oferecem centenas de milhões para um trabalho tecnicamente confortável, porém, na hora em que o diretor procura transbordar  sua criatividade, sua paixão nas telas, os produtores imediatamente o “refream”, frustram-no, procuram mantê-lo “no cabresto”, para que não “ouse demais”, novamente em nome da necessidade de se assegurar retorno financeiro ao investimento de centenas de milhões. Só nos resta esperar que os produtores deem a este grande diretor a liberdade para fazer o RoboCop que deseja fazer, e não aquilo que os produtores do estúdio esperam. Quanto a Renny Harlin, torço que o seu renascimento artístico continue. Harlin está para lançar um projeto interessantíssimo, baseado em um aterrorizante caso real ocorrido na ex-União Soviética, chamado The Dyatlov Pass Incident, envolvendo OVNIs... Mas este filme ficará para uma próxima resenha. 

Todos os direitos autorais do trailer acima reservados a Dimension-Sony Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Atividade Paranormal ("Paranormal Activity", 2007) - Boa noite, bons sonhos, e agarrem-se a seus lençóis.


Katie e Micah vivem juntos há três anos, desde que começaram a namorar. Ultimamente, passam a notar estranhos e inexplicáveis fenômenos na casa onde moram. Ocorre que, na infância, aos oito anos de idade, Katie fora “perseguida” por uma entidade que costumava se materializar ao pé da cama para aterrorizá-la. Uma vez superada a adolescência e a perda da casa da família para um incêndio de razões desconhecidas, as manifestações paranormais deixaram de perturbá-la. Com o tempo, Katie esqueceu-se de parte dos terríveis eventos da infância, mas agora os fenômenos paranormais estão reaparecendo. Micah, que jamais testemunhou manifestações semelhantes, prepara os principais cômodos com câmeras, para capturar qualquer movimentação fora do comum. O que começa de maneira inocente e interessante – uma porta se movendo sozinha durante a noite, Micah descobrindo, no sótão, uma foto de quando Katie era criança, e que a moça julgava ter sido perdida durante o incêndio muitos anos antes – escala para maciço e furioso ataque físico. Depois que consultam um parapsicólogo, que os alerta sobre riscos que correm, o demônio se torna mais ameaçador, sujeitando o casal a toda sorte de tormentos, desde os lençóis da cama arrancados de seus corpos enquanto dormem ao arrebatamento de Katie pelo pé, que é arrastada pelos corredores, para o horror do namorado.

Este inesperado sucesso de 2009 deu origem a quatro continuações (a última prevista para lançamento em 2013) e incontáveis imitações inferiores, e revelou o talento do diretor Oren Peli, que veio a produzir os mais interessantes filmes de horror dos últimos três anos, tais como Sobrenatural. Filmado com baixo orçamento, Atividade Paranormal é alavancado pelo roteiro minimalista e atmosférico, que possibilita momentos bastante perturbadores, sem a necessidade de excessos para tanto. Exemplar do gênero “found footage”, o filme foi rodado sob o ponto de vista do casal de protagonistas. Felizmente, ao contrário de produções similares tais como Cloverfield, o fato de as câmeras se apoiarem sobre tripés dá às imagens estabilidade, o que torna o filme mais aprazível aos olhos. Os efeitos especiais são discretos, já que não foi a preocupação primordial do cineasta a de oferecer uma experiência que se limitasse a visuais impressionantes. Quando os mesmos se fazem necessários, nas cenas de ataque da entidade demoníaca, por exemplo, provam-se muito bem feitos, porém nada extravagantes. O grande trunfo reside na atmosférica trama e na maestria com que o diretor vai descortinando os eventos. Há um termo próprio para isso, que os norte-americanos usam para expressar semelhante ideia: Atividade Paranormal é um “slow burner”, um filme que “pega fogo lentamente”, ou seja, um trabalho onde o diretor faz bom uso do tempo, sem pressas, sem atropelos, tudo para desenvolver o horror com precisão, condicionando o sentimento de medo ao tempo correto. O assédio da entidade demoníaca começa sutil, até que os ataques passam a tornar a vida do casal impossível. Ainda mais importante, entre implacáveis cenas de assédio a Katie e Micah no quarto, à noite, Oren Peli pontua a produção com pequenos momentos premonitórios que contribuem muito para o sentimento tétrico que permeia o filme. A melhor cena envolve a visita de um parapsicólogo, Dr. Fredrichs, que após passear pelos cômodos da casa e escutá-los atentamente, deixa claro que o que está perturbando os dois não se deve à obra de espírito, mas a um demônio, e que o demônio alimenta-se de energia negativa. Fredrichs é enfático ao aconselhá-los a não antagonizar a entidade, e a procurar por um colega seu, especializado em questões semelhantes. Ele diz que não existe uma forma de fugirem do problema. Se mudarem de casa, a coisa os perseguirá. A maneira como o momento se desenrola, como Katie narra a sua história e Dr. Fredrichs a aconselha, assemelha-se a um jogo de xadrez tensamente conduzido. Sem dúvida, o diretor imprime ao referido pequeno momento muito suspense e expectativa. A cena baseia-se em atuação e diálogo, porém é o melhor segmento, o mais atmosférico, aquele que fez os cabelos de minha nuca eriçarem. Depois da visita, ocorre-nos a forte impressão de que esse casal está destinado à tragédia, e não há nada que possa retardar o processo. Essa impressão ganha respaldo mais tarde, quando Micah realiza uma pesquisa sobre as manifestações na internet e encontra um caso muito semelhante ao da namorada, ocorrido nos anos 60, com uma outra garota, que terminou de forma horrorosa, em possessão e morte.

Assistindo a Atividade Paranormal, eu me recordei de um outro antigo filme igualmente intrigante, chamado A Casa das Almas Perdidas, baseado em fatos verídicos que envolveram uma família que se mudou para um duplex, em uma cidadezinha da Pennsylvania, e passou a experimentar toda sorte de ataques inexplicáveis: manchas escuras surgindo nas paredes, arranhões deixados nos móveis, a mãe carregando o cesto de roupas para a lavanderia, e escutando a voz da sogra a chamando do andar de cima, ela subindo os degraus para checá-la e então a mesma voz chamando-a da lavandeira, entre outras sutis e discretas manifestações que apenas se tornaram mais ousadas com a passagem dos anos em que permaneceram na residência, de 1974 a 1989. O caso da família Smurl deu origem a um best-seller chamado “The Haunted”, de Michael Curran, e ao filme A Casa das Almas Perdidas, brilhantemente executado e bastante fiel aos eventos. Curiosamente, a família Smurl era composta pelos pais, os avós paternos, duas meninas, e mais duas outras filhas geradas quando os Smurl já tinham se mudado para a propriedade. Usei o termo curioso pois a questão das filhas tem algum significado em casos de poltergeist: coincidindo com o período em que as meninas entraram na puberdade, as manifestações se tornaram mais voláteis, o que parece ser bastante comum a casos da natureza, a turbulenta passagem pela adolescência. Qualquer que tenha sido a natureza dos fenômenos que perseguiram a família Smurl sem dó por todos estes anos, a entidade parecia conectada às garotas, e não à casa. Tanto que quando os Smurl deixaram o lugar, a moradora seguinte afirmou que jamais chegou a presenciar espécie alguma de manifestação incomum. A foto que os amigos veem na cabeça deste parágrafo é da família Smurl em frente à casa onde sofreram por tantos anos. Consigo me lembrar de outros casos verídicos que dariam extraordinárias adaptações para o cinema. Há todo um charme em se assistir a filmes baseados em eventos reais, vez que mais importante que o contexto extraordinário em que os dramas se desenrolam, gostamos de assistir a como pessoas tão comuns como a gente atravessam instantes tão aterrorizantes e reagem aos mesmos, talvez por nos ajudarem a compreender a nossa própria natureza. Ocorrem-me vários exemplos, como os casos de manifestação de poltergeist em Enfield, Inglaterra (1977-1978), em Rosenheim, Alemanha, no final dos anos 60, e o caso da Bruxa de Bell, uma entidade misteriosa que aterrorizou cruelmente a próspera família de um fazendeiro entre os anos de 1817 e 1821, em Adams, Tennessee.

O poltergeist de Enfield foi observado no período de agosto de 1977 a setembro de 1978, e envolveu uma família composta por uma mãe recém divorciada e os quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Os estranhos fenômeno tiveram início na noite do dia 31 de agosto de 1977, de maneira suave, quando depois de pôr as crianças para dormir, a mãe viu a cama do quarto se movendo. Ela a empurrou ao lugar, mas a cama parecia manipulada por uma força invisível. Seguiu-se uma manifestação mais inocente, batidas leves nas paredes. A família reagiu com horror e chamou os vizinhos, para que testemunhassem a insólita situação. Naquela noite, os vizinhos escutaram as batidas na parede, e na manhã seguinte, quando a polícia foi convidada, uma oficial reportou que enxergou uma cadeira deslizar suavemente de um canto ao outro sem que ninguém a tivesse arremessado. À medida que as manifestações foram se intensificando, o interesse da mídia pelo drama da família alavancou o sensacional poltergeist às primeiras páginas do tablóide britânico Daily Mirror. Um fotógrafo do jornal afirmou ter sido atingido na testa por um bloco de brinquedo sem que nenhum dos presentes tivesse atirado a peça. Em resposta às súplicas da família, dois membros da Society for Psychical Research, Maurice Grosse e Guy Lyon Playfair, mudaram-se para a propriedade assombrada. O que era estranho ficou ainda mais bizarro quando Janet, uma das garotas, começou a entrar em transe e falar com uma voz autoritária e masculina, como que possuída por uma entidade. Quando incorporava a personalidade, afirmava que se chamava “Bill” e que morrera de derrame na poltrona. Janet xingava os interlocutores e pontuava a fala com palavras obscenas. Para a surpresa de Grosse e Playfair, posteriormente, os dois foram procurados por um rapaz, que se identificou como filho de um homem chamado Bill que de fato morrera de derrame naquela propriedade, alguns anos antes. Em setembro de 1978, os eventos refrearam e pareceram deixar a casa, porém as vidas de todas as pessoas envolvidas já haviam sido profundamente transformadas. Janet, a maior vítima do assédio do poltergeist, jamais conseguiu levar uma vida normal na fase adulta. Particularmente para Grosse, o caso foi emocionalmente devastador. O investigador perdera a filha um ano antes do caso, e naturalmente se afeiçoara às meninas da casa alvo do poltergeist. Grosse foi bastante criticado quanto à condução do caso, pois lhe teria faltado a objetividade para observar e compilar os fatos fria e analiticamente, até porque parecia querer acreditar de qualquer maneira na existência da vida após a morte, talvez movido inconscientemente pela dolorosa perda da filha, que jamais veio a superar. Guy Lyon Playfair escreveu um intrigante livro sobre o caso chamado This House is Haunted (“Esta Casa é Assombrada”).

Um outro caso que daria um suspense assombroso é o do poltergeist de Rosenheim, acontecido no Sul da Alemanha, tendo se iniciado no verão de 1967 e se prolongado a janeiro de 1968, no escritório de advocacia de um cavalheiro chamado Sigmund Adams. Durante a crise, lâmpadas ligavam e desligavam repetidamente até queimar, telefones chamavam insistentemente, em um ritmo que parecia improvável, sem que houvesse alguém do outro lado da linha quando atendidos, gavetas das escrivaninhas abriam-se frequentemente abertas sem serem tocadas, as lâmpadas rodavam nos soquetes e explodiam, quadros eram atirados no ar. Contas telefônicas apontavam dezenas de chamadas para o serviço horário, feitas em momentos em que não havia gente no escritório. Policiais, funcionários da companhia elétrica e telefônica e até mesmo mesmo cientistas do instituto Max Planck passaram pelo escritório para investigar, e foram os últimos que fizeram a conexão entre as manifestações e uma personagem peculiar, uma moça chamada Annemarie Schaberl, a secretária solteira de dezenove anos de Sigmund Adams. Por meio de câmeras, os cientistas registraram que bastava que Annemarie se encontrasse no escritório, para que as lâmpadas começassem a oscilar, e os telefones a chamar. Os fenômenos cessaram quando Annemarie saiu de férias. Quando retornou, o chefe preferiu dispensá-la. Foi reportado que por todos os lugares onde veio a trabalhar, os fenômenos a acompanharam. Quando o noivo terminou a relação durante um jogo de boliches, o painel de escores sofreu um colapso elétrico. Quando ela finalmente conheceu outra pessoa e se casou, o poltergeist cessou em definitivo.

De todos os casos que conheço, todavia, nenhum conseguiu me marcar mais do que o da “bruxa” que atormentou a família Bell entre 1817 a 1821, e somente pareceu se extinguir depois que conseguiu matar o patriarca, o fazendeiro John Bell. Tão notória a história, vários livros foram escritos sobre o caso, e em 2005 um filme chamado An American Haunting (Uma Assombração Norte-Americana) foi lançado nos cinemas, com Sissy Spacek e Donald Sutherland. Ainda assim, para as pessoas que leram sobre a “Bruxa de Bell”, o consenso foi o de que, em celulóide, o caso não foi tratado à altura. O caso original é tão rico de vida que somente algo épico honraria os fatos originais, e no caso do filme An American Haunting, lamentavelmente, os produtores pareceram se focar exclusivamente nos elementos de horror da história, deixando de fora um mundo de detalhes emocionalmente ricos e recompensadores que teria tornado a adaptação muito melhor. A história da “Bruxa de Bell” oferece de tudo. Além de um impressionante documento histórico sobre os Estados Unidos no início do século XIX, o caso pulsa de mistérios, tristezas, amores proibidos, aventuras, e reencontros, que nem mesmo as mais brilhantes mentes teriam a propriedade de conceber. O caso é respaldado por inúmeros testemunhos, registrados em manuscritos, conservados até os dias de hoje, e compilados em diários sobre os eventos. No início do séxulo XIX, John Bell mudou-se com a família da Carolina do Norte para Red River, recanto de Robetson County, Tennessee, que mais tarde veio a ser conhecido como Adams. Bell adquiriu muita terra e construiu uma confortável e grande casa para a família. Ao longo dos anos, Bell seguiu comprando mais terras para plantação, e prosperou. John e Lucy tiveram três filhos depois da mudança para Tennessee, Elizabeth (Betsy), nascida em 1806; Richard, em 1811; e Joel, em 1813. Os bizarros fenômenos a envolverem os Bell iniciaram sem sobreaviso, em um dia aparentemente normal de 1817. John Bell estava passeando pelo milharal quando encontrou um estranho bicho, o corpo assemelhado ao de um cachorro, a cabeça, à de coelho. John atirou na criatura, mas pareceu não acertá-la, e o animal desapareceu. Naquela mesma noite, os Bell começaram a escutar batidas nas paredes externas da casa.

A frequência e a intensidade das batidas escalavam a cada noite, porém todas as vezes em que Bell e os rapazes corriam para o alpendre, não encontravam o “travesso”. Nas semanas que seguiram, os eventos se agravaram. As crianças começaram a acordar aterrorizadas, reclamando de ratos que roíam os pés das camas. Também afirmavam que os lençóis e travesseiros eram atirados para fora das camas por uma entidade invisível. A ameaça desenvolveu voz própria, que os Bell inicialmente  identificaram como semelhante a sussurros muito baixos de uma mulher que parecia cantarolar uma modinha qualquer. À medida que a entidade foi ganhando força, identificou-se como um quarteto de espíritos, chamados “Blackdog”, “Mathematics”, “Cypocryphy” e “Jerusalém”. “Blackdog” falava com uma voz feminina autoritária, materna, e deixava claro que era ela quem mandava nos demais, “Mathematics” e “Cypocryphy” também tinham vozes femininas, mas as suas pareciam as de duas adolescentes, “Jerusalém” falava com o tom de um garotinho. A “Bruxa”, na verdade o quarteto de vozes desencarnadas, nutria ódio mortal pelo patriarca John Bell e a filha Betsy, uma jovem muito bonita, inteligente e cheia de vida, que se destacava entre as outras garotas da região. Eu li um dos melhores livros sobre o caso, The Bell Witch: The Full Account, de Pat Fitzhugh, há aproximadamente três anos. Depois de lê-lo, eu o dei de presente a meu irmão, no entanto, me lembro de boa parte da história. Uma das passagens que perduraram em minha memória se dá quando, passeando pela propriedade com uma amiga, Betsy Bell enxerga uma família – uma mulher, duas meninas e um garotinho – descansando casualmente pelos lados das cercas. Ela se aproxima, cumprimenta-os, mas não recebe uma resposta. Depois, os visitantes desaparecem. É um instante tétrico e misterioso porque, muito embora possa ter sido apenas uma família de imigrantes de passagem pelas cercanias da propriedade, você se lembra de que depois que a “Bruxa” se manifestou, ela o fez como o quarteto de vozes – a mãe (Blackdog), as duas adolescentes (Mathematics & Cypocryphy) e o menininho (Jerusalém). Até hoje, pensar nessa passagem me dá calafrios, porque é o exato e único momento em que Betsy pode muito bem ter enxergado a “Bruxa”.

O professor Richard Powell era onze anos mais velho do que Betsy, mas pela garota nutria muito amor. Lamentavelmente, seu sentimento jamais poderia ser correspondido, pois Betsy estava envolvida romanticamente com Joshua Gardner, um rapaz de família rica e influente, dona de uma das fazendas da região. Peculiarmente, a “Bruxa” mantinha conversação com as pessoas da casa através das vozes desencarnadas, e insistia para que Betsy não se casasse com Joshua Gardner, pois afirmava que jamais seria plenamente feliz. Em dezembro de 1820, após três anos de abuso nas garras do demônio ou fosse o que fosse o quarteto, John Bell adoeceu e não conseguiu mais deixar a cama. Uma manhã, a família o encontrou morto, e na ocasião do enterro, os familiares e amigos escutaram a algazarra, os gritos e gargalhadas da entidade, comemorando a morte. Em abril de 1821, a entidade visitou Lucy Bell, a viúva, e lhe avisou que partiria, mas regressaria sete anos mais tarde. Em 1828, conforme prometido, a “Bruxa” retornou, e visitou a casa de John Bell, Jr. por toda uma tarde, quando conversaram sobre uma série de assuntos, desde política à origem da vida. Nesta conversa, a “Bruxa” fez premonições impressionantes, tais como a eclosão da Grande Guerra Civil. Ao dizer adeus, a entidade prometeu regressar para visitar os descendentes da família Bell dentro de cento e sete anos, contudo, em 1935, data prevista para a visita, nada foi reportado pelos descendentes diretos de John Bell, Jr. Ainda hoje, fenômenos luminosos esquisitos e bizarros podem ser observados no lugar onde séculos atrás existia a propriedade dos Bell. Dizem que se você tira fotografias na caverna da “Bruxa”, os filmes jamais saem claros ou nítidos.

Depois de discorrer sobre todos esses casos, eu recomendo que leiam sobre as histórias tratadas e procurem por A Casa das Almas Perdidas. Assisti ao filme quando criança, no começo dos anos 90, em fita de vídeo. O filme jamais foi lançado em DVD, porém creio que deva ser fácil encontrá-lo na internet. Apesar da temática perturbadora, é um filme elegante e bem feito, memorável e arrepiante, sem a necessidade do barato expediente de cenas de violência ou derramamento de sangue. O filme também conclui com a importante mensagem de que somente a união em família a tudo suporta e os maiores obstáculos transpõe. Há uma cena interessante que encapsula a grande mensagem – e, por que não, de todos estes notórios casos - quando o pai conversa com o padre sobre as razões de aquela entidade estar assediando impiedosamente a família, e o padre responde nas linhas de O amor que vocês têm uns pelos outros e a sua fé em Deus são as coisas que o Mal mais gostaria de arruinar, pois são exatamente as únicas coisas que podem vencer o Mal. Se você analisar o caso da Bruxa de Bell, a mensagem parece a mesma, a conquista do amor sobre todas as adversidades e coisas malévolas. Ao final do livro de Fitzhugh, o que também me chamou a atenção foi o fato de que, uma vez que se consegue enxergar além dos elementos aterrorizantes e espetaculares do caso, o que resta da narrativa é uma tocante história de amor, porque o professor, Richard Powell, nutria um sincero e belo sentimento pela garota, Betsy Bell, e realmente queria vê-la bem. A diferença de idade e classes sociais (ele era pobre) distanciavam seus mundos. Quando ela se torna noiva de Joshua, o namorado da adolescência e bom partido de Red River, Powell escolhe partir, para não sofrer e não a atrapalhar. Ele inclusive chega a se despedir da moça e do rapaz e lhes deseja toda a sorte do mundo, durante um piquenique à beira do córrego que os amigos de Betsy haviam organizado para celebrar o anúncio do noivado. O professor parte para uma outra cidade, dando as costas para toda a confusão – os extraordinários eventos relacionados à “bruxa”, o amor incondicional não correspondido pela menina. Depois que vai embora, ele se envolve romanticamente com uma outra mulher, e anos depois, prospera como político. O que eu acho tocante é que em nome de seu sentimento, Powell abdica da própria felicidade em razão da felicidade da garota, como o heróico e trágico protagonista escrito por Dickens em A Tale of Two Cities. Mais tarde, quando a moça amadurece e compreende que também se sente da mesma forma pelo professor, ela deixa o noivo rico, e parte para encontrar o único homem que um dia realmente a amou incondicionalmente, sem sentimentos de posse ou ciúmes. Aqui, eu estou escrevendo sobre o caso em linhas muito resumidas e amplas, porém, no livro de Pat Fitzhugh, e na versão romantizada An American Haunting, de Brent Monahan, parece uma história de amor tão extraordinária, tão rica em detalhes peculiares a grandes sagas de amor, que me vem à mente filmes dramáticos e românticos como Diário de uma Paixão. Se você analisar o caso em toda a sua extensão, desde os elementos mais aterrorizantes ao fim da jornada, quando a “Bruxa” vai embora, passando por todos os encontros e desencontros enfrentados por duas pessoas que queriam ficar juntas, o que chama a atenção é a história de amor que há por trás do fantástico poltergeist. Acredito que uma adaptação fidedigna aos eventos, que não se concentrasse exclusivamente nos detalhes espetaculares do poltergeist que assombrou os Bell, seria melhor servida por um maior escopo, e se pareceria com algo semelhante ao filme Diário de uma Paixão, com o diferencial dos elementos sobrenaturais e aterrorizantes, que tornariam o produto final mais sombrio, melancólico e nostálgico. Consigo imaginar Rachel McAdams no papel de Betsy Bell e Rupert Friend como Richard Powell. Ainda, no que se refere à história real, acho importante registrar que Powell e Betsy casaram-se, permaneceram unidos, e tiveram oito filhos. Assim como verdadeiros casais fazem, aproveitaram ao máximo os anos felizes, e foram unidos e corajosos nos menos prósperos. O amor os ajudou a vencer novos desafios, tais como a morte de quatro das oito crianças, e as dificuldades financeiras. Betsy permaneceu ao lado do marido como esposa devota e honrada, mesmo depois que ele sofreu um derrame e ficou inválido. Após a morte de Powell, Betsy vestiu o luto até o fim da vida. Estudiosos do caso acreditam que a “Bruxa” era produto de ressentimentos e traumas da infância de Betsy, que havia ganhado “voz própria” e, por que não, dissociado-se da moça e criado vida própria. Quando o quarteto a atormentava para não se casar com Joshua Gardner, era como se o poltergeist estivesse dando voz a um sentimento que já existia dentro de Betsy, a sua parte que amava o professor e sabia que jamais seria feliz com outro homem apenas pela fortuna. Sabe-se que, muito idosa, foi morar com uma das filhas, Eliza Jane Powell, que se recusava a falar sobre o assédio da “Bruxa” ocorrido entre os anos de 1817 a 1821, e que jamais dormia sozinha ou na escuridão. Betsy Bell morreu aos oitenta e dois anos de idade, mas a sua história com Richard Powell é um testamento sobre o poder do amor e sobrevive até hoje, época em que não se encontram mais exemplos parecidos.

Gostaria de concluir minha resenha enaltecendo o serviço que o time de Oren Peli tem prestado para o gênero, nos últimos anos. Após o sucesso de Atividade Paranormal, a dedicação ao gênero por parte de Peli e Jason Blum, seu co-produtor habitual, tem permitido que obras refrescantes como Insidious – Sobrenatural e A Entidade imprimam nova força ao horror nas telas dos cinema. Para cada temporada, a dupla guarda uma interessante novidade, e basta o rápido exame dos projetos dos dois para que fiquemos bastante empolgados pelo que está por vir. Em especial, gostaria de fazer referência às produções cujas datas de estreia não estão muito distantes: Dark Skies – Os Escolhidos e The Conjuring – Invocação do Mal. As temáticas dos filmes divergem, porém os arrepios comuns às obras de Oren Peli decerto estarão presentes. Em Dark Skies, uma família – os pais e dois meninos – é assediada por estranhos eventos, que assim como em casos de poltergeist começam de maneira incipiente (um alarme de segurança que soa à noite sem que ninguém tenha invadido a propriedade, por exemplo), porém logo se tornam extremamente agressivos. Diferente dos demônios em Atividade Paranormal e Insidious – Sobrenatural, o horror advém de visitantes extraterrestres que “cismaram” com aquela família em particular. O filme é estrelado por uma atriz muito talentosa, conhecida pela série Felicity, e deve estrear no Brasil em julho de 2013. Em The Conjuring – Invocação do Mal, o diretor James Wan traz às telas os eventos de uma investigação paranormal conduzida por Ed e Lorraine Warren nos anos 70, quando uma família que se muda para uma casa de campo em Rhode Island passa a ser assaltada por manifestações sobrenaturais. O novo filme do diretor James Wan estreia nas salas brasileiras em setembro de 2013. Estes filmes darão aos fâs do gênero o que esperam, aquilo que o grande Clive Barker comentou sobre o apelo de obras do tipo: convidar-nos a lidar com o horror de uma "forma segura", participar apenas como observadores da experiência, enquanto os personagens na tela são os únicos assaltados pelo Mal. A menos que estejamos falando sobre os casos verídicos tais como o dos Smurl ou dos Bell, onde - e essa é a parte assustadora - o horror começou aleatória e inocentemente, sem avisos.

Boa noite, bons sonhos, e agarrem-se a seus lençóis.