terça-feira, 14 de outubro de 2014

Hotel da Morte ("The Innkeepers", Ti West, 2011) Por trás de todo fantasma existe uma história sobre corações partidos.

Tido como um dos locais mais assombrados da América, o Yankee Pedlar Inn é um hotel de envergadura histórica. Localizado em Torrington, Connecticut, foi erguido em 1891 por um imigrante irlandês, e mesmo hoje sobrevive imponente em sua nostálgica arquitetura colonial remanescente de Nova Inglaterra. De seus 52 quartos, crê-se que o cômodo onde mais aconteça atividade paranormal seja o de número 353, onde a mulher do proprietário faleceu. Entre os rumores, existem relatos sobre aparições misteriosas e vozes desencarnadas atormentando os hóspedes. Em reconhecimento ao charme dessas histórias de fantasmas, os atuais proprietários zelam pela fama do Yankee Pedlar Inn: logo no lobby, foi deixada a cadeira de balanço usada pela esposa morta. Reza a lenda que a mesma pode ser casualmente vista balançando. É claro que uma história tão fantástica como essa não custaria a atrair um cineasta apaixonado pelo gênero Horror, o que nos leva a Ti West e o seu Hotel da Morte.

Sara Paxton, uma excelente atriz que lembra uma jovem Reese Witherspoon, estrela essa misteriosa história de fantasmas como Clare, uma das duas últimas pessoas do staff do Yankee Pedlar Inn, em seu último fim de semana de operações. O filme é dividido em 3 capítulos, e o primeiro se chama O Longo Fim de Semana. Vemos Clare chegando ao hotel para seus dois últimos dias de trabalho. Ela encontra o amigo Luke, o segundo membro restante. Ambos são fascinados pelo sobrenatural, e Luke preparou microfones com a esperança de capturar manifestações de EVP no curso dos próximos dias. Luke prega uma peça ao pedir que Clare assista a um fantástico vídeo que encontrou na internet, e quando ela vai ver, toma um baita susto, pois se trata de uma pegadinha de fantasmas!Prova do declínio do outrora luxuoso hotel, em seu último fim de semana, só há registros de um único hóspede. Os dois amigos revezam turnos no atendimento do lobby, e Clare sobe a seu quarto para descansar e se trocar. A caminho do quarto, conhece os hóspedes sobre os quais Luke falou, uma mãe e seu filho pequeno.

Luke & Clare recebem uma visita inesperada na forma de Leanne Rease-Jones, uma atriz decadente que um dia fez muito sucesso em um seriado de TV, na cidade para atender a uma convenção qualquer. A garota a reconhece imediatamente e fica encantada com sua presença. A atriz também parece gostar instantaneamente da menina, pois quando Clare sobe para entregar toalhas, recebe uma bela gorjeta. A noite chega, e Clare assume seu turno. Navegando na internet, procura se entreter, mas às altas horas da madrugada, fica sugestionada ao vasculhar o blog de Luke, dedicado a histórias do Yankee Pedlar Inn. Luke recheou o blog com fotos e vídeos feitos pelo próprio. O blog também conta as histórias por trás das principais assombrações do lugar, mais especificamente a de Madeline O'Malley, uma noiva que se suicidou muitas décadas atrás ao ser abandonada no altar. O relato enerva a garota, que se assusta ainda mais ao escutar barulhos que parecem vir do salão. Ao investigar, toma um terrível susto, mas não por causa de fantasmas: o desavisado Luke subitamente aparece às suas costas, perguntando o que aconteceu, dando risadas pela surpresa causada.

Capítulo 2. Madeline O'Malley. Enquanto a mãe está ocupada com qualquer coisa em seu quarto, o menininho hospedado escuta às histórias de Clare sobre os mais famosos "moradores" do lugar. Ela conta ao impressionável garotinho o caso de Madeline O'Malley. Aprendemos que Madeline se enforcou no dia do casamento após ser deixada pelo noivo. Certos de que a notícia seria um duro golpe para a fama do hotel, os proprietários da época esconderam o corpo no porão por 3 dias, antes de levá-lo para a baía. Quando os cidadãos da cidade descobriram o que havia acontecido, ficaram escandalizados, forçando os donos a venderem o lugar. O Yankee Pedlar Inn permaneceu fechado até a década de 60, quando foi comprado e reaberto. Desde então, as pessoas dizem ter visto o fantasma de Madeline O'Malley perambulando pelos corredores, buscando pelo noivo.

Quando a mãe do garotinho desce e a vê contando histórias de assombrações, consola o assustado garotinho e a cobre com desaforos. Sobra até para Luke, ao fuzilá-lo com cobranças sobre as toalhas para o quarto 225. Entediados, Luke e Clare lancham na abandonada cozinha do hotel, onde a garota lhe pergunta o que o fantasma de Madeline ainda desejaria no Yankee Pedlar Inn. Luke leva na brincadeira, afirmando ter desistido de tentar compreender mulheres, principalmente as mortas!Ele afirma já ter visto muito casualmente a noiva, mas ressalta que não se recorda muito do arrepiante encontro. Clare está determinada a gravar alguma evidência da existência de Madeline O'Malley antes que o Yankee Pedlar Inn feche as portas. Naquela noite, ao levar sacos de lixo para fora, a garota dá pela presença de Leanne na janela do quarto, a observando, pensativa, enquanto traga o cigarro.

Ao voltar, barulhos a atraem ao velho porão. Ali, descobre o antigo depósito do estabelecimento, mas o breu a dominar o lugar a deixa relutante em explorar. Clare retorna ao Yankee Pedlar Inn, e aí sim começa a investigar. Munida de microfones, começa pela lavanderia, onde espera capturar vozes desencarnadas. Seu primeiro encontro com o sobrenatural se dá no salão, onde enxerga o piano dedilhado por mãos invisíveis. Estupefata, ainda consegue escutar o rumor de vozes distantes, quase um chiado. Aterrorizada, golpeia a porta de Luke para contar a descoberta. O rapaz acredita que a amiga apenas foi vítima da própria sugestão, e a tranquiliza. Clare retorna resignada para o posto no lobby, quando cruza com Leanne no corredor. A atriz a convida a entrar, e lhe explica que poderá ajudá-la em sua busca. Ela explica que deixou a carreira de atriz há muitos anos e hoje se dedica a comunicar-se com espíritos. Clare pede à atriz que a ajude a contatar Madeline O'Malley. Leanne a ajuda a relaxar e pede a Clare que direcione suas perguntas diretamente à entidade. Leanne parece sentir a presença de espíritos, três deles para ser mais exato. A atriz segue em transe, vocalizando aquilo que os fantasmas lhe passam: houve uma tragédia no Yankee Pedlar Inn, algo relacionado ao porão. Clare faz a associação ao caso de Madeline O'Malley e passa a acreditar que um dos espíritos só pode ser mesmo o da noiva morta. Leanne a aconselha a jamais descer ao porão. Você não pode mais ajudá-la, eles tentaram, não conseguiram, a atriz murmura, antes de despertar do transe.

Asmática e impressionável, Clare precisa fazer uso daquelas bombinhas para não perder o fôlego. Tendo terminado o turno, ela procura relaxar tomando um banho quente e se recolhendo à cama. Em dado momento, ao se sentar sobre o colchão por um motivo qualquer, não repara quando uma figura sob um véu muito branco parece deslizar ao seu lado. Ao dar pela entidade, o véu escorrega de modo a revelar a figura da noiva suicida. Clare salta da cama e abre as luzes, mas não há sinal algum de Madeline O'Malley. Bastante chocada, desce as escadas à procura de Luke, não se dando conta de que ainda se encontra de camisola!A mulher chata do quarto 225 está na recepção, e ao vê-la em roupas íntimas, dá um novo escândalo. Para mim já chega, nós vamos voltar para seu pai! Ela resmunga para o garotinho, deixando os dois atendentes constrangidos no meio do saguão.

Capítulo 3. A Hóspede Final. Aqui o terror começa a ficar mais explícito!Luke prepara uma xícara de café para a amiga. Apesar de acreditar na moça, insiste que ao investigar fenômenos parecidos, a pessoa pode se envolver a ponto de enxergar coisas que não estão lá. A conversa é interrompida quando a campainha chama. Luke vai na frente atender o novo hóspede, enquanto Clare permanece sentada no escritório. Trata-se de um senhor de idade em busca de um quarto para passar a noite, até aí nenhum problema. Quando o senhor faz questão de ficar no quarto 353, Clare se intriga. Luke responde que os cômodos do terceiro andar foram desocupados há muito tempo, de modo que não há como atender o pedido. A insistência do idoso pelo 353, porém, não lhes dá outra alternativa. Há algo de enervante na pessoa do visitante. Ele explica que veio de muito longe para dormir no cômodo em questão. Os dois acabam cedendo, e Clare o acompanha ao 353. Antes de entrar, o senhor comenta com Clare que ali foi onde devia ter passado a lua de mel com a esposa, e que se sentia estranho ao voltar a um lugar que jamais julgara ter deixado.

Leanne chega da convenção um pouco depois na mesma noite, e Luke a convida a se juntar aos dois enquanto consomem algumas latinhas de cerveja. A atriz agradece mas se recusa, e o rapaz faz um comentário impróprio sobre ter escutado que Leanne era chegada em álcool. Clare não aprova a gracinha do colega, e deseja uma boa noite à atriz. A dupla inicia mais uma sessão para capturar EVP, e ao visitar o salão do piano, Luke sente o gostinho do próprio remédio quando é a amiga quem lhe prega uma peça, surgindo sob um lençol e o assustando por um brevíssimo momento!Levemente "altos" após as latinhas, os dois espairecem um pouco sobre as almofadas do lobby, quando Clare esboça um desenho de Madeline O'Malley e lhe pergunta se ele a acha mais bonita. O momento nos revela que Luke nutre pela colega um sentimento muito bonito que a garota parece não notar. Ele fala sobre o quanto a acha bela e especial. O rosto de Clare se ilumina ao ter uma ousada ideia: visitar o porão proibido do Yankee Pedlar Inn.

Uma vez no porão, a dupla visita o quarto onde o corpo da noiva teria sido escondido. Sentados no chão, Clare & Luke procuram contatá-la. A ampulheta do microfone oscila, indicando um rumor muito distante. Clare pergunta por que seu espírito não consegue descansar em paz. Agora em que estão à beira de um genuíno encontro com Madeline O'Malley, Luke se descontrola e sai correndo, Clare no seu encalço. Ela pergunta qual é o problema, mas Luke está decidido a partir. Convicto de que não quer mexer com forças que não compreende, o rapaz pega as coisas e antes de deixar o Yankee Pedlar Inn, abre o jogo e revela que jamais viu o fantasma de Madeline. Só costumava contar histórias da noiva porque sabia que a colega apreciava, e apenas queria agradá-la. Agora quando tudo leva a crer que o espírito da mulher morta realmente habita o porão, percebe que já levou o interesse pelo sobrenatural longe demais.

Agora que Luke se foi, Clare recorre à única pessoa capaz de ajudá-la. Leanne pede à jovem que a leve ao local onde sentiu a presença. Uma visita basta para que a sensitiva tome ciência do risco que ambas estão correndo no Yankee Pedlar Inn. Ao encontrar apressadamente a menina no corredor, ordena que arrume suas coisas para deixarem o lugar. Enquanto arruma a mochila, Clare se lembra do idoso no quarto 353, e grita para a sensitiva que a aguarde no saguão, pois também precisa avisá-lo. Ela bate à porta, e como ninguém responde, resolve entrar. Clare não o vê de imediato, mas segue explicando a gravidade da situação, até encontrá-lo morto, com pulsos cortados, dentro da banheira. A crise de asma volta com toda força. Em pânico, ainda enxerga o fantasma de Madeline O'Malley enforcado em meio ao breu, antes de descer as escadas.

Ela encontra Luke no saguão, e, histérica, atropela-se ao tentar contar sobre o fantasma de Madeline e o homem morto dentro do quarto. Luke voltou até ali para pedir desculpas por tê-la deixado tão subitamente. Ele pede que o espere, pois subirá para chamar Leanne, para que possam ligar para a polícia e deixar juntos o hotel. Ao deixar a vulnerável colega sozinha, o rapaz comete um grave erro. Ao escutar a uma voz gutural chamando-a pelo nome, Clare vai investigar, sendo atraída a uma das escadas de acesso ao enorme porão. Tomado pela escuridão, procura enxergar algum sinal de vida dentro do espaço com a lanterna, do topo da escada. Ao se virar, dá com o velho morto, de pé às suas costas. O susto a lança escada abaixo, e Clare se machuca na queda. Tomada pelo pavor, não consegue raciocinar direito, e se perde no emaranhado de corredores poeirentos e apertados do porão. Ela ainda vê o espírito do velho lhe abrindo os braços, ao fim do corredor, o que a lança ainda mais a fundo naquele labirinto. Eventualmente, Clare encontra a escada que leva a uma saída, todavia é a vez do fantasma de Madeline O'Malley surgir da escuridão. Pela primeira vez, a garota guarda uma imagem clara da tétrica aparição, uma figura triste e solitária, sob véu e grinalda, olhos muito escuros e grandes, lábios tomados por algo semelhante a um forte batom preto. Clare luta para subir os degraus, mas depara-se com a porta trancada. A crise de asma a apanha com toda a força, seu coração não resiste e ela sucumbe. Ao final, a jovem acabou se tornando a hóspede definitiva do Yankeee Pedlar Inn.

Epílogo. É um novo dia. A ambulância está ali para recolher os corpos do senhor e de Clare. Abalado, Luke relata a um dos oficiais suas lembranças sobre o ocorrido. O rapaz ainda chegara a ouvi-la golpeando a porta, mas não fora forte o suficiente para abri-la. Silencioso, o Yankee Pedlar Inn agora parece um lugar ainda mais triste. Luke entra no hotel por uma última vez, para chamar Leanne e recolher os pertences. Os dois ainda têm uma breve conversa, quando Leanne lhe diz que nada poderia ter sido feito para evitar a tragédia. Agora com o hotel abandonado, um take nos leva ao longo de um deserto corredor até o quarto, onde a câmera estaciona por algum tempo antes de os créditos rolarem: se vocês prestarem muita atenção, poderão ver uma figura atravessando o cômodo. O fantasma de Madeline O'Malley? 

Ti West segue o sucesso de House of the Devil com O Hotel da Morte, um filme de fantasmas feito por quem/para quem ama coisas do tipo!Os cinéfilos que conhecem a sua obra - The Sacrament, VHS - sabem pelo que esperar, pessoas que ainda não se familiarizaram com seu estilo farão melhor lendo esta resenha antes de alugar o DVD. Parte da nova geração de cineastas de horror que começou a se firmar no circuito independente no final da década passada, Ti West cresceu assistindo aos antigos clássicos de horror dos anos 70/80, muito antes das facilidades de nossos tempos. Na sua época, assistir a filmes de horror, ao menos aos olhos de uma criança, representava um grande evento - lembrem-se que não existiam DVDs e internet - não apenas pela dificuldade de se conseguir pôr as mãos nas fitas mas também pela qualidade das produções. Eu faço parte da mesma geração de West, e sei que o diretor também deve ter se encantado com histórias de fantasma estilo A Dama de Branco, de Frank LaLoggia, ou clássicos como O Exorcista & Terror em Amityville (o primeiro, com James Brolin & Rod Steiger) & Hellraiser. Rodados em um período onde efeitos visuais ainda engatinhavam, diretores e roteiristas precisavam escrever histórias cujos "monstros" estivessem a serviço do absorvente drama principal, e não a tendência contrária de hoje, onde o espetáculo é sua própria justificativa.

Na mesma linha do que fez anteriormente com House of the Devil, West se preocupa em dar ao horror feições mais familiares, por mais fantástica que toda a premissa pareça. Tanto House of the Devil quanto Hotel da Morte flertam com o extraordinário, com a magia, no entanto o esmero com que o diretor roteiriza seus personagens e as situações pelas quais desenvolve o horror dão a suas obras um refrescante gostinho de ordinário, impossível de se reproduzir em filmes maiores ou produzidos dentro do esquema dos grandes estúdios. Ao contrário, Ti West imbui seus filmes da personalidade que lhe valeu um nome e lugar entre os novos cineastas mais promissores desta nova Era do Horror. Recomendei a leitura desta resenha às pessoas desconhecedoras de Ti West para que não levem "gato por lebre". Há os fãs que preferem o Horror mais extravagante, histórias de fantasmas cheias de reviravoltas, embates épicos entre forças do Bem & Mal. Aqueles que procurarem por semelhante espetáculo em Hotel da Morte darão com os burros n'água, por outro lado cinéfilos que guardam nostalgia pelos antigos clássicos dirigidos por Tobe Hooper terão uma grata surpresa. A impressão é a de que Hotel da Morte pode muito bem ter sido um filme rodado no começo dos anos 80, digamos, e somente agora lançado nos cinemas. O seu ritmo e o cuidado com atmosfera reportam-se especificamente a um tempo quando diretores não precisavam de sustentação forçada para segurar o interesse.

Tenho lido críticas desfavoráveis sobre Hotel da Morte, pessoas perguntando onde raios está a Madeline O'Malley durante a maior parte do filme, por que demora tanto a surgir. Os críticos carregaram nas tintas e adjetivaram-no como chato e lento, entre outros termos menos generosos. Eles parecem se esquecer que o enxergam por uma ótica que jamais interessou a West. Hotel da Morte não é uma história de fantasma, mas sim uma história com um fantasma - ela existe, mas faz apenas uma participação especial. De maneira surpreendente, a história transita por recantos mais familiares e humanos, parte história de amor não correspondido, parte história de pessoas à deriva, parte história de findas glórias do passado... Não por menos, custo a me recordar de outro filme de horror com semelhante bagagem de tristeza. Histórias comuns sobre fantasmas parecem colocar seus personagens a serviço de suas assombrações, mas aqui não. Madeline O'Malley soa como um eco distante e sem força de um tempo perdido, um pouquinho de mistério para testar a frágil relação entre personagens emocionalmente vulneráveis e feridos. Impressiono-me em como após a conclusão o filme nos deixa tantos pontos misteriosos a serem debatidos.

Um grande mestre de storytelling, West sabe como manter seus filmes envoltos em mistério, e consequentemente interessantíssimos. Um exemplo?Assistindo a Hotel da Morte, não tive como afastar um estranho pressentimento quanto ao senhor idoso que aparece justamente no último fim de semana de operações do Yankee Pedlar Inn, para repousar no quarto onde Madeline O'Malley originalmente se enforcou. Os amigos se recordam da breve história de Madeline O'Malley?Ti West não nos revela muito, porém solta algumas informações aqui e acolá. Sabemos que ela se suicidou no hotel, após deserdada pelo jovem noivo no altar. Poderia ser o velhinho o rapaz em questão?Será que teria retornado ao hotel consumido pela culpa, na expectativa de se redimir e finalmente se juntar a Madeline?Por que ao conversar com Clare menciona que foi ali onde devia ter passado a lua de mel?West não dá a resposta, mas sem dúvida brinca com a sugestão. Quando visto pela segunda ou terceira vez, Hotel da Morte nos intriga ao nos convidar a refletir se há mais por trás da história que ocupa o primeiro plano. O filme jamais impõe um ritmo energético ou incessante, e mesmo ao final, permite duas interpretações. É bem possível que o Yankee Pedlar Inn reúna muita energia ruim graças ao ocorrido com a tal noiva, mas também não podemos descartar a possibilidade de a figura assombrosa de Madeline O'Malley existir exclusivamente dentro da mente sugestionável de Clare.

Quando assisti ao estupendo Session 9, de Brad Anderson, me encantei com a habilidade do cineasta em nos apresentar aquela gente - os membros da equipe de HazMat em sua fatídica semana de trabalho no abandonado hospital psiquiátrico de Danvers - como pessoas de nosso convívio, com dramas comuns à nossa realidade. Aqui, Ti West também criou personagens providos de camadas e mais camadas de complexidade, divertindo-se com o processo de nos fazer enxergar as suas contradições muito humanas. Ao examinar os personagens que no curso do fim de semana passam pelo Yankee Pedlar Inn, percebemos que todos apresentam em comum uma certa vulnerabilidade perante a vida. Por alguma razão, a sorte lhes pregou peças de modo a deixá-los em posições que os tornaram vulneráveis às forças do hotel. Aos seus trinta e tantos anos, Luke deixou a formação acadêmica por um trabalho menor no hotel que agora está em vias de fechar as portas, e por amor a Clare, prestou-se a contar uma porção de histórias impressionantes sobre encontros onde teria visto a noiva morta (mentira) apenas para despertar o interesse da colega; Leanne teve seus dias de glória ao atuar em um seriado de muito sucesso, todavia não lhe resta muito da fama do passado, e agora precisa se reinventar como médium para resgatar uma pequena parcela da evidência de outra época; a mãe e o filho encontram-se naquele limbo pois estão "fugindo" de casa; e a impressionável Clare é tão fragilizada quanto leva a crer sua figura de menininha magrela e assustada. Não podemos nos esquecer de um outro importante personagem, o Yankee Pedlar Inn. Nos seus tempos áureos grandioso e elegante, há algo na forma como o vemos encravado atemporal naquela esquina - ruas sempre muito vazias aos pés de suas calçadas, semáforos suspensos sacudidos muito discretamente ao sabor do vento, sinalizando para carros que mal passam mais por ali - que inspira um contundente sentimento de abandono e oportunidades desperdiçadas. Ti West consegue tirar máximo proveito do local, mais uma semelhança entre este filme e Session 9. Lembro-me do que Brad Anderson disse sobre todas as manhãs pegar a estrada a caminho da universidade em Boston, onde lecionava, e enxergar ao longe a imponente, abandonada silhueta do Hospital Psiquiátrico de Danvers. O apelo da tristeza evocada pelos prédios o afetou tanto que começou a escrever uma história em torno do lugar, e o mesmo deve ter acontecido a West quanto ao Yankee Pedlar Inn.

Por fim, não podemos deixar de falar sobre a convidada de honra, Madeline O'Malley, figura que apesar de ocupar o pôster e os materiais de publicidade não faz mais do que uma casual aparição, uma metáfora para as vidas sem rumo daquela meia dúzia de verdadeiras almas perdidas que se cruzam nos corredores do Yankee Pedlar Inn no curso do fim de semana. West ama tanto filmes de horror antigos que ao personificar a "aniversariante" da festa, foge de quaisquer clichês ou exageros. Ao contrário, é a sua aparência macabra mas contraditoriamente singela que surpreendentemente nos parte o coração. Com olhos tristes e pidões, metida em seu empoeirado e carcomido vestido de noiva tal qual uma boneca de pano abarrotada e deixada de escanteio, ela se tornou "residente fixa" da história do Yankee Pedlar Inn. Ao percorrer silenciosamente corredores que exibem apagada glória do passado, não oferece ameaça alguma, e sua razão de ser resume-se à ação de vagar até que os estilhaços de seu coração partido se reencontrem, única forma de silenciar ecos de uma história de amor mal resolvida que terminou tragicamente no dia em que seu noivo não apareceu. A atriz Brenda Cooney (foto) merece aplausos por ter feito de seu pequeno papel a força motriz de toda a mitologia envolvida, roubando a cena da mesma forma que Danielle Bisutti o fez em Sobrenatural 2. Ela divide o mérito com o diretor, que soube representá-la muito bem para a linguagem cinematográfica, repelindo efeitos especiais, fiando-se em uma proposta praticamente artesanal e eficiente. A imagem dessa "boneca de pano de olhos tristes" permanecerá nas cabeças dos senhores por um bom tempo!

Hotel da Morte é uma boa pedida para os cinéfilos que ainda não conhecem a obra de Ti West. Desde o seu primeiro filme, House of the Devil, o diretor tem formado uma base de fãs e se mantido consistente, com produções cada vez mais ambiciosas e surpreendentemente pessoais. O seu estilo jamais lhe valerá a direção de uma superprodução, porém assegurará uma posição confortável no circuito independente, onde poderá rodar filmes conforme seu gosto. Eu sempre acreditei que por trás de histórias de assombração, sempre existe um elemento de tristeza, de nostalgia. As demandas do público moderno têm tornado os novos filmes cada vez mais aleijados de sensibilidade. O fato de Hotel da Morte ter sido produzido sinaliza uma bem vinda abertura ao retorno de um estilo lamentavelmente incompreendido pela turma mais jovem. Mesmo modesto em sustos ou surpresas, deixa a sua marca, força da melancolia que esbanja, um peculiar charme de elegância decadente tão ressoante quanto a trágica história de amor de sua "boneca de pano" silenciosa e triste.
Todos os direitos autorais reservados a PlayArte. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

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