sábado, 1 de março de 2014

Outlander - Guerreiro versus Predador ("Outlander", 2008) Brutais guerreiros vikings adoradores de Odin. Um impiedoso dragão alado assassino. Um nobre herói determinado a salvar o nosso mundo. Uma valorosa princesa por quem o herói vem a se apaixonar. Combates sanguinolentos a ferro e fogo. Outlander tem tudo isso e muito mais, meus amigos!

709 anos depois de Cristo. Uma nave espacial avariada despenca dos céus, e cai em um enorme lago da Noruega, na Era dos Vikings. Durante a queda, o rastro de fogo que risca a noite escura é avistado por um camponês local. Dois astronautas de armadura emergem da água, um deles gravemente ferido. O único sobrevivente do desastre acaba por ser Kainan (Jim Caviezel), um soldado extraterrestre envolvido em uma guerra secular contra gigantescos e perigosos dragões conhecidos como "Moorwens". Na manhã que se segue ao acidente, Kainan mergulha nas águas geladas para recuperar parte de seu equipamento de navegação. Ele enterra o capitão, e com o sofisticado aparato de inteligência alienígena, descobre que está na Terra, possivelmente para todo o sempre, vez que a única maneira de regressar a seu mundo consiste na nave, agora destruída e coberta pelo lago. Ainda assim, o guerreiro aciona o transponder com a esperança de que o sinal cruze o universo e seja capturado e compreendido pelos seus companheiros. Kainan recupera a sua sofisticada arma, semelhante a uma pesada espada que, se manuseada corretamente, transforma-se em um canhão super potente. O seu pior temor se torna realidade, quando em suas andanças se depara com uma vila completamente destruída, e todos os seus habitantes mortos. No meio da vila, a surreal presença das carcaças de uma baleia. Um dos dragões "Moorwen" acoplou-se à nave e, quando da queda, veio junto com o guerreiro para a Terra. O monstro começou a deixar o seu rastro de destruição pela costa da Noruega, aniquilando animais e gente. A chegada de dois novos e inesperados visitantes de outro planeta trará consequências desastrosas a já instável região, marcada pela beligerância entre dois povos, liderados pelos Reis rivais, Hrothgar & Gunnar (Ron Perlman).

Perdido em meio a aquela hostil terra na Península Escandinava, rica em montanhas e um emaranhado de entradas para o mar, Kainan é capturado por guerreiros vikings chefiados por Wulfric (Jack Huston), que pelo invasor vem a nutrir uma instantânea antipatia. Na luta pela captura, o guerreiro alienígena acaba por perder a sua arma, vital para o confronto com o dragão. Intrigado pela diferente figura de Kainan, Wulfric o denomina "Forasteiro" ("Outlander"), e o leva à fortaleza comandada pelo Rei Hrothgar (John Hurt). No castelo, o Rei treina a sua valente filha Freya (Sophya Miles), única descendente, na arte das espadas. Pai e filha vivem um impasse, pois apesar de Hrothgar insistir para que case com o valoroso Wulfric, pelo guerreiro a moça não alimenta qualquer sentimento de afeto. O machista Wulfric interrompe a sessão de treino, para contar ao Rei sobre o "Forasteiro". Adianta que a vila mais próxima, sob a autoridade do Rei Gunnar, foi saqueada, que e não há sinal de corpos, ignorante quanto a natureza da criatura que desencadeou a carnificina.

Questionado violentamente por Wulfric, que tem certeza de que foi Kainan o responsável pela destruição que assolou a vila nas terras de Gunnar, o alienígena acaba por revelar que está à caça de um implacável dragão voador. Com a sua confissão, só acaba provocando mais animosidade e ceticismo por parte dos vikings. À noite, machucado e aprisionado, Kainan faz uso de um pedaço de ferro em brasas para romper as cordas que o aprisionam a uma coluna. A filha do Rei visita o prisioneiro para cuidar de suas feridas, e parece ficar encantada com o "Forasteiro". Com a chegada de um novo dia, Hrothgar expõe para Wulfric a sua preocupação. Ele avisa ao sobrinho que precisam dar um jeito para que Gunnar compreenda que seja qual for a natureza da catástrofe que se abateu sobre a sua vila, não foi o pessoal da fortaleza de Hrothgar que provocou tão impiedoso e mortífero ataque. Wulfric não é simpático a entendimentos com Gunnar. O rapaz acha que o mesmo foi responsável pela morte do pai, e defende que as suas tropas deveriam aproveitar a sua momentânea vulnerabilidade para surpreendê-lo e massacrar a sua fortaleza. A voz da razão, Hrothgar posiciona-se claramente contra qualquer provocação, pois crê que a guerra não é a resposta. "Não é a sua espada que te tornará Rei, mas sim a forma como lida com a sua cabeça e o seu coração", ensina o Rei para o sobrinho.

Freya está tratando os ferimentos causados pela surra de Wulfric, quando nota que Kainan apenas finge estar de mãos atadas. Naturalmente, assusta-se e grita, o que atrai um dos guerreiros, o enorme Bjorn. Pela primeira vez, vemos as habilidades de Kainan em combate, que não apenas se esquiva muito bem de um golpe de machado, põe Bjorn para dormir com uma bem dada cotovelada. Ele fica com o machado de Bjorn e procura fugir na calada da noite. Wulfric e os demais soldados estão no paredão da fortaleza, à espera de alguma provocação por parte dos homens de Gunnar. Não sabem que estão sendo estudados pelo dragão, escondido por entre as árvores do bosque circundante. Quando um dos homens encarregados da vigília é morto pelo dragão (que usa a cauda muito afiada para degolar as vítimas), os habitantes da fortaleza acordam em polvorosa. Todos sobem os paredões e ocupam o adarve, o caminho no topo das muralhas. Ao invés de encontrarem o exército de Gunnar, só veem as árvores do bosque tomadas pela névoa. Não há sinal de inimigo. Novos gritos, quando um outro soldado é perpassado pela cauda da criatura, que agora está dentro da fortaleza. Os soldados estão atônitos, não conseguem identificar por qual flanco estão sendo atacados. Os cavalos saem do estábulo aterrorizados, e logo a construção é consumida por chamas. O dragão está ali dentro. Espadas comuns nada podem fazer diante da fantástica criatura. Quando Bjorn tenta feri-la com um forte golpe, tudo o que consegue é quebrar a lâmina. Kainan ainda assiste ao monstro saltando em toda a sua glória sobre a muralha, levando uma das vítimas consigo. Por ora, o confronto entre os dois centenários inimigos terá de ficar para depois, e o dragão alça voo. 

Dentro da fortaleza em chamas, Kainan é recapturado, e o pessoal está com a paciência esgotada. Estupefatos com os vergalhões nos corpos de seus compatriotas, Wulfric e Hrothgar discutem quanto ao que seria capaz de causar ferimentos semelhantes. Assistindo à tristeza que toma conta do povoado, que acaba de perder seus membros mais queridos, cerca de dez homens brutalmente mortos, Kainan não tem como deixar de pensar na sua própria história. O passado de Kainan nos é mostrado através de flashbacks. O guerreiro vem de um planeta onde homens e dragões enfrentaram-se pela hegemonia sobre um distante planeta. A raça a que Kainan pertence, uma avançada e belicosa civilização extraterrestre, conquistou o mundo dos Morweens e lá estabeleceu as suas colônias, expulsando os dragões, os habitantes originais daquele terreno selvagem. Apesar de em um primeiro momento a civilização ter conseguido vencê-los, os novos exploradores da colônia jamais gozaram de paz, já que os dragões remanescentes declararam guerra aos invasores. Quando Kainan deixa esposa e filho para partir para novas conquistas, um dragão sobrevivente arma uma nova e letal investida, e massacra a todos, a família de Kainan incluída. Movido por um senso de vingança pessoal, Kainan se voluntariou para capturar a besta, o que conseguiu fazer. No retorno para o seu planeta, todavia, o monstro se soltou, avariou a nave, e ambos caíram na Terra, na Península Escandinava.

Na manhã seguinte, Kainan acorda com um garotinho ajoelhado na sua frente, observando-o com curiosidade. Ele se chama Eric e é órfão. Simpático à presença do "Forasteiro", divide a sua comida com Kainan, porém é afugentado por alguns soldados que estão de passagem e assistem à cena. Hrothgar está reunido com o conselheiro Boromir, o sacerdote e demais homens de valor, cada qual com uma ideia diferente para o que se deu. Kainan é conduzido à presença de Hrothgar, que lhe concede a oportunidade de falar a respeito do dragão que tanto apregoa existir. À distância, os "Morween" parecem "borrões de luz na escuridão", pois de seus corpos emanam fulgor avermelhado e charmoso, utilizado para atrair as suas vítimas. Wulfric fala que não existe criatura semelhante naquela região, e Kainan responde que é compreensível, vez que o dragão veio do espaço, quando da queda do nave, no lago.

Incrédulo, o intrigado Rei Hrothgar acaba acatando a sugestão de Kainan para que ao menos permitam que os acompanhe, quando partirem para caçar o dragão. Antes de montar o cavalo, tem os pulsos amarrados, e ao protestar que não terá como lutar de mãos atadas, um dos soldados lhe avisa que não é considerado "um deles", e fará parte da cavalaria apenas para orientar e assistir. O exército de Hrothgar avança bosque adentro, e em determinado momento, o Rei e Kainan começam a conversar. "O que ele (o monstro) fez com a sua vila, ele fez com a minha", Kainan avisa. Vergalhões em troncos de árvore sinalizam a presença do monstro, e os homens resolvem se separar, o que Kainan diz ser uma péssima ideia. Aqui, cabe escrever que todas as cenas ao ar livre são de tirar o fôlego, dadas a fotografia belíssima e a riqueza do intocado cenário que alterna colinas e cachoeiras. Apesar de um orçamento apenas razoável, a equipe técnica poupou muito dinheiro ao ambientar a história em um meio que não precisa de muitos efeitos para retratar a Noruega da época dos Vikings. De muitas formas, assistir a "Outlander" remeterá os amigos às lembranças de quando viram "O Senhor dos Anéis" pela primeira vez: o diretor Howard McCain não mediu esforços no que se refere a visuais grandiosos, e o seu filme é mesmo uma festa aos olhos.

Separados dos demais, Hrothgar e Boromir seguem a trilha de sangue, e encontram um dos cavalos dilacerados. Gritos vindos de uma caverna deixam todos de alerta. Dentro da gruta, é Kainan quem salva a vida de Hrothgar, quando um urso muito grande os ataca. Depois de juntos matarem o enorme animal, os homens "fazem pouco" do "dragão", atribuindo ao urso todos os problemas. Ao menos, Kainan ganha o respeito e a confiança dos demais. Hrothgar desce a espada em um golpe perfeito que rompe as cordas que mantêm os punhos de Kainan atados. À noite, uma grande festa é organizada, e o urso, servido como banquete. Kainan é recebido como herói e senta-se ao lado do Rei. Durante a festa, Freya descobre que foi por causa do "Forasteiro" que o seu pai escapou da gruta com vida. Kainan acaba fazendo amizade com o garotinho que lhe dera comida anteriormente. Wulfric convida Kainan a um jogo onde competidores correm por sobre filas de escudos, erguidas pelos companheiros, por sobre os ombros, até que um deles caia.Assistindo e torcendo, parece óbvio que Freya está se apaixonando por Kainan. Em uma conversa, Kainan avisa a Freya que apesar de todos estarem convictos de que os problemas acabaram, não foi o urso o responsável pelas mortes, mas sim o dragão "Morween".

Naquela mesma noite, são os soldados de Gunnar que chegam para trazer o terror. Conforme pressentira, a presença do dragão na região apenas trouxe instabilidade, e agora, no meio de todo o problema, tribos rivais declaravam guerra uma a outra. Os guerreiros partem para o confronto direto, encontrando-se em uma carnificina sem igual, ambos os lados sofrendo grandes perdas. Gunnar é o mais feroz de todos. Ele é um gigante que faz uso de dois enormes martelos para lutar. Gunnar e Hrothgar se enfrentam, e Kainan interfere bem no momento em que Gunnar ia desferir o golpe de morte em Hrothgar. O exército de Gunnar acaba retrocedendo, e deixando derrotado a fortaleza.Ele promete a Hrothgar que só descansará depois de arrancar o seu coração. 

Não custa a Gunnar entender que a ameaça não vem dos seus antigos rivais, mas de uma criatura cuja natureza escapa a compreensão. Um de seus homens é morto à beira do lago, depois de atraído pelo fulgor vermelho que emana do monstro. Logo em seguida, um a um, os sobreviventes do exército de Gunnar são arrematados do chão, como se nada fossem. Certo de que enfrenta uma ameaça incomum, Gunnar regressa à fortaleza de seu inimigo, que abre  as portas e o deixa entrar. Kainan pede para que não se enfrentem, e os chama para o passo da muralha, onde todos assistem aterrorizados a um dos homens ser suspenso pelas altíssimas árvores, por um ser iluminado, capaz de se camuflar. "Isso aí não é um urso", Boromir murmura, atônito.

Todos se reúnem dentro do castelo de Hrothgar, para discutir o que fazer. Kainan escuta com ceticismo as bravatas de Wulfric, que ainda não percebeu que os guerreiros não tem como derrotar uma criatura tão poderosa apenas com espadas e ladainhas de encorajamento. O "Forasteiro" e Wulfric começam a discutir, e Rei Hrothgar declara que apesar de Kainan não ser nórdico, a razão cabe ao "Forasteiro". Eles não tem como matar diretamente o dragão. A ideia gira em torno de aprisioná-lo. Assim, constroem uma armadilha capaz de comportar o monstro. Eles enchem o poço com óleo de baleia, um inflamável natural que será utilizado para atear fogo ao dragão. Mais tarde, Hrothgar explica a Kainan que se quiser, depois que tudo estiver acabado, poderá permanecer naquela terra. 

À noite, Freya e Kainan conversam e se conhecem melhor, e ele tem a oportunidade de explicar as suas origens. Ele narra a chegada de sua civilização ao planeta dos "Morweens", e sobre como destruíram milhões de dragões com o uso de bombas. Por este viés, Kainan consegue compreender o revanchismo dos dragões, e sente-se envergonhado pela natureza beligerante de seu povo, que foi quem efetivamente começou a guerra, apenas para se apoderar de uma terra que jamais fora sua. Kainan fala sobre o filho e a esposa, e sobre como a família precisou pagar com a vida pela sua inconsequência, quando ao deixar o planeta, o "Morween" sobrevivente retornou para devastar a colônia.

Todos os guerreiro estão de tocaia, sobre as muralhas, observando por entre os vãos dos parapeitos, à espera do dragão. Wulfric e Kainan abrem o portão principal munidos de tochas, oferecendo-se como iscas. Pressentindo que o dragão está pelas cercanias, Kainan arremessa a tocha longe, e quando a mesma cai pelos lados da ponte, revela muito brevemente o rosto assustador do dragão. A enorme criatura começa a avançar implacavelmente, e Hrothgar ordena que os arqueiros fiquem de prontidão e esperem pelo momento correto para atirar. Subitamente, o sacerdote surge entoando uma oração em latim, e acaba sendo o primeiro a morrer. Wulfric e Kainan jogam as suas tochas contra o "Morween", e a guerra começa. Conforme esperavam, ao correr em direção à dupla, o monstro derruba as tábuas do piso falso da armadilha e o seu extraordinário peso o faz afundar no fosso cheio de óleo de baleia. A Besta é aprisionada, todavia os arqueiros não podem ainda atirar as suas flechas inflamadas, pois Wulfric caiu junto com o monstro, e Kainan tem de tirá-lo o quanto antes. Kainan lhe dá a mão, arranca o colega do buraco, e no mesmo instante os soldados atiram as flechas. Uma enorme explosão faz a construção irromper em chamas. Os soldados da fortaleza comemoram, crentes de que está tudo acabado. A aventura está apenas começando.

Há um segundo "Morween", um pouco menor do que o primeiro, o seu filhote. O dragão adulto, mesmo envolto em chamas, emerge cheio de fúria do fosso, investindo como um touro contra as casas e as pessoas. Freya protege Eric do dragão menor, e Hrothgar chega a tempo para ajudá-la no combate. O Rei acaba gravemente atingido, e não resiste aos ferimentos. Wulfric e Kainan enfrentam juntos o dragão maior, mas não conseguem fazer muito contra a fera, que novamente se retira para o bosque. As baixas foram enormes. Agora, Kainan explica que a única saída consiste em vencer a Besta no seu esconderijo. Para isso, precisam de armas melhores, e portanto recomenda que retornem ao lago onde a nave de Kainan caiu, mesmo que precisem buscar nas profundezas geladas pelos itens necessários para o derradeiro enfrentamento. Freya se candidata a ir junto, mas Kainan recusa o pedido. Ela não aceita a negativa. O monstro matou o pai, então se sente no direito de acompanhá-los. A contragosto, Kainan finalmente acata o pedido.

Kainan, Wulfric e Freya remam até o ponto onde a nave afundou. Kainan mergulha, enquanto os dois permanecem à espera no barco. Enquanto está vasculhando os destroços sob a água, o "Morween" menor passa nadando nas suas costas, e Kainan começa a subir freneticamente para avisá-los de que os dragões estão por perto. Ao chegar à superfície, encontra Wulfric desacordado sobre destroços de barco, mas nenhum sinal de Freya. Kainan resgatou de dentro de sua nave um incomum tipo de metal, que o ferreiro usa para forjar uma espada diferente de todas as outras. Ao empunhá-la, Kainan corta uma barra de aço como se a mesma fosse de papel. Com essa lâmina, poderá matar os dragões e resgatar Freya. Distante dali, a princesa desperta na toca onde o monstro estoca os corpos de suas vítimas. Estranhamente, nenhum dos "Morween" lhe fez mal. 

Kainan, Wulfric, Boromir e mais dois homens exploram o complexo de túneis da caverna. Cheia de fossos, a gruta é o lar perfeito para os monstros. Um dos homens é arrebatado do chão e carregado pelo "Morween" menor por entre os passos do complexo. Kainan, Wulfric e os demais sobem a gruta e chegam ao seu alto nível, onde encurralam a criatura. Boromir é mortalmente ferido, restando somente Wulfric e Kainan para completar a missão. Aos gritos, Freya atrai os guerreiros ao seu paradeiro, mas também o "Morween" menor. Ela consegue matá-lo com a espada que Kainan lhe atira. Ainda resta o grande dragão, que ao encontrar o filhote morto, fica enlouquecido. O trio segue em direção a luz do dia. A saída os leva a uma pequena plataforma em um altíssimo paredão, que dá para uma cachoeira, o rio muito distante abaixo. Eles estão a uma inacreditável altura. Wulfric luta para ganhar tempo para que os amigos fujam. O dragão abocanha Wulfric no quadril, e o sacode como a um boneco de pano. O guerreiro consegue feri-lo também. Kainan empunha a espada forjada do metal de sua nave e parte para o confronto. A luta implacável os leva à beira do precipício, quando a criatura consegue se segurar à borda. As suas garras se fecham no braço de Kainan: se é para morrer, o instinto o move a querer levar o guerreiro junto. Com a espada, Kainan decepa o braço do dragão, que despenca paredão abaixo, carregado pela cachoeira, desaparecendo em meio ao turbilhão de água.

Antes de dar o último suspiro, Wulfric, sucessor natural do Rei Hrothgar, reconhece o valor do "Forasteiro", concedendo-lhe o brasão de monarca e pedindo para que reine como um soberano justo e correto. O "Forasteiro" e Freya sobem a escarpa e enxergam a esquadra de barcos vikings que levam os habitantes da fortaleza abandonada. Agora que o dragão foi vencido, poderão voltar à fortaleza e às suas vidas. Kainan e Freya se beijam apaixonadamente.Antes de assumir o seu lugar como rei daquela gente, Kainan regressa ao lago. Naquele exato momento, uma nave extraterrestre oriunda de sua civilização está sobrevoando a órbita do planeta Terra, atraída pelo sinal do transponder. Kainan destrói o dispositivo com a espada, pois sente que ali é a sua nova casa. A nave deixa a Terra sem o "Forasteiro", que se torna Rei, tendo Freya como devota esposa. No final, à beira da cachoeira onde o horror de suas vidas foi vencido, todos se reúnem para a cerimônia de adeus aos heróis mortos na batalha. Os corpos de Rei Hrothgar e Wulfric são dispostos em esteiras e depositados em um barco viking. Quando o barco se encontra a uma considerável distância, levando os dois heróis mortos, Kainan faz mira e atira uma fecha em chamas nas velas da embarcação, anteriormente banhada por óleo. O barco é imediatamente envolvido pelo fogo, e os corpos cremados. Todos ficam muito emocionados com a despedida, mas certos de que os seus heróis poderão descansar em paz, e que a existência material neste mundo é apenas uma etapa de um longo caminho rumo à eternidade, alcançada somente pelos melhores.

Inventivo e incomum filme de ficção científica, "Outlander" é um trabalho muito pessoal para o seu diretor Howard McCain, que começou a escrever a premissa quando ainda era estudante, fascinado pela origem dos Vikings. Inicialmente uma história baseada em elementos exclusivamente históricos, McCain logo se convenceu a acrescentar elementos fantásticos ao enredo, quando o roteiro finalmente começou a ganhar substância e chamar a atenção de grandes nomes do cinema, que leram a história e se candidataram rodar a versão para as telas. O talentoso Renny Harlin foi um desses cineastas interessados. A concepção do projeto cinematográfica remonta a 2005, quando o ator Karl Urban, que recentemente fez um maravilhoso filme chamado "Dredd O Juiz do Apocalipse", ainda era a primeira escolha de McCain para viver Kainan. Quis o destino que na última hora, fosse preterido por James Caviezel, um ator que diferente de Urban, traz vulnerabilidade ao papel, o que contribui para a construção de um herói hesitante, a chave para a identificação com o público. Como os grandes heróis do cinema, Kainan experimenta medo, apanha, sofre, mas ao final do filme, triunfa sobre as adversidades. O herói relutante cria maior empatia que o estoico implacável que durante a projeção não sofre um único arranhão, um ponto que resta sacramentado se analisarmos cuidadosamente a carreira de Steven Seagal. Grande ícone da ação mesmo hoje em que seus filmes são rodados em menor escala, a questão que refreou um pouco a sua carreira foram os roteiros que apesar de virem recheados de suspense e aventura, insistiram no equívoco de não se preocuparem com uma caracterização mais enriquecida para os seus personagens. Vilões mal chegam perto, Steven Seagal os elimina com impressionante destreza e facilidade. Isso não representa exatamente um problema, devemos respeitar o seu estilo, e eu sempre apreciei todos os filmes de Steven Seagal, sobretudo os rodados direto para o mercado de DVD, onde se goza de maior liberdade criativa. Sou levado, todavia, a me recordar de um comentário que um cavalheiro fez, na internet movie database, quando nos dizia como seria maravilhoso, se Steven resolvesse tentar algo diferente: ao invés de um herói silencioso e imbatível, por que não um ex-policial corrupto e alcoólatra, um ser humano falível, que deixou a família há anos, e então descobre estar com câncer, por exemplo?A doença o ajuda a reavaliar a própria vida, e como consequência, retorna para a cidade natal, para tentar reatar os laços com a esposa e o filho. Ao voltar, encontra a sua comunidade sob o jugo de uma gangue, e resolve fazer justiça com as próprias mãos, usando o pouco tempo que lhe resta para livrar o bairro dos traficantes e mostrar à mulher e ao filhinho o quanto se sente mal pelos seus erros, os ama e deseja uma nova oportunidade. Eis uma premissa interessante e dramaticamente enriquecida, que não apenas permitiria a Steven seguir fazendo o que conhece de melhor, a ação em sua forma mais explícita, como o desafiaria com algo novo, um leque de cenas puramente emocionais e psicologicamente difíceis, que traria à tona o que há de melhor dentro de si, como artista, não exclusivamente como astro de ação. Muitas pessoas iriam querer assistir a este filme. Como não odiá-lo, quando ele vive um ex-alcoólatra que tinha muitas amantes, batia na mulher, negligenciava o filho, recebia propina, e chegou a abandonar a própria casa?Como não amá-lo, ao final, quando retorna como um homem mudado, amoroso, esposo e pai dedicado, que com absoluto altruísmo lança-se sozinho em uma cruzada de um homem só, contra traficantes perigosíssimos, livrando a comunidade dos bandidos, a custa da própria vida, e se tornando um herói aos olhos do filho, ao longo da aventura?Eu estou certo de que o próprio Steven Seagal gostaria de receber roteiros semelhantes.

O diretor Howard McCain raciocina de maneira semelhante, e portanto foi cuidadoso ao criar um herói que, apesar de valoroso, enfrenta, ao longo do filme, questionamentos, dramas e incertezas ao longo do filme, o que nos convida abertamente a investir emocionalmente e nos envolver com a sua jornada. Jim Caviezel, que interpretou Jesus Cristo, tem um certo tipo de profundidade, de dor e de nobreza em seu olhar, que o torna o homem com o perfil correto para interpretar protagonistas trágicos e valorosos que alcançam o impossível mesmo cercado por adversidades. Mesmo que não inteiramente destrinchados em suas complexidades, os personagens secundários beneficiam-se do elenco de talentos que os habita. John Hurt desempenha o seu papel com a autoridade de um monarca, e mesmo com um material de ficção científica, onde diálogos soam mais simplórios, entoa as suas linhas com o profissionalismo e a dedicação de um artista veterano de primeira grandeza, que não dá nada menos do que o seu melhor tanto em filmes de arte quanto em aventuras de ficção científica semelhantes. Surpreendentemente, Ron Perlman acaba mal aproveitado. O seu personagem, Rei Gunnar, é uma das sacadas mais interessantes do filme, um colosso munido de duas marretas, monarca do clã rival. As suas poucas cenas só nos fazem lamentar o fato de o diretor McCain não ter encontrado uma maneira de usá-lo mais. Teria sido fantástico vê-lo em mais cenas de ação, principalmente enfrentando os dragões. Inesperadamente, Rei Gunnar sai de cena quando o dragão o decepa com a cauda, um destino muito decepcionante para um guerreiro tão enorme quanto o monstro que enfrenta. É possível que a agenda de Perlman não tenha permitido que ficasse no set de filmagem por muitos dias, o que explicaria a sua participação limitada. Sua adição ao elenco contribuiu em muito, porém por sua sub utilização, fica um gosto de desapontamento.

Para reconstituir a Península Escandinava da Era dos Vikings - muitas ilhas, e uma área continental caracterizada por montanhas, platôs e fiordes - o diretor rodou o filme em Bay of Islands, Newfoundland, uma província às margens do Oceano Atlântico, de paisagens lindas e selvagens, onde ao longo da costa se encontra a diversidade que vai de icebergs a baleias. Tomando como base uma autêntica embarcação da Era Viking, exposta no museu de Oslo, o time reproduziu uma réplica idêntica, que é utilizada na cena da cremação de Rei Hrothgar, no desfecho. A fortaleza é fiel a gravuras de livros históricos sobre a Era dos Vikings, tendo custado à equipe três meses para levantá-la. "Outlander" é um encanto visual, sustentado por uma fotografia belíssima capturada por tomadas aéreas de tirar o fôlego, que fazem cada take de terreno selvagem um quadro, uma obra de arte para se admirar.

Não há como se fazer uma resenha sobre "Outlander" sem falar sobre o impacto do "Morween". Cortesia da criatividade do designer Patrick Tatopoulos, o dragão parece ter inspirado um outro grande cineasta chamado Gareth Edwards, diretor do maravilhoso "Monsters" (2010), que teria usado conceitos visuais semelhantes, dois anos mais tarde. Foi da mente de Tatopoulos que saíram outras agressivas, impressionantes imagens do cinema moderno, tal como a da noiva vampira hidrófoba, tão pálida quanto neve, vivida por Sadie Frost, em "Bram Stoker's Dracula". Em "Outlander", o que mais chama atenção é o fato de na criatura coexistir tão equilibradamente ameaça e elegância, horror e beleza. O monstro tem como mais interessante característica a bioluminescência, então por mais que pareça assustador, a cena em que suspende, por exemplo, uma vítima defronte as árvores de um bosque, e emite uma fria luz avermelhada no processo, consegue provocar o sentimento de encanto, como se a existência de tão extraordinário monstro parecesse tangível. Outra tomada belíssima é a da Besta pendurada no passo, à beira do precipício, e então sendo arrastada pela cachoeira rente ao paredão. Dificilmente imagens tão lindas são encontradas em produções independentes menores. Edwards "pegou emprestada" a bioluminescência para as criaturas de sua obra-prima. Este recente clássico do cinema de horror, que catapultou Edwards ao panteão dos cineastas atuais mais interessantes (Edwards acaba de dirigir o esperadíssimo remake de "Godzilla"), muito deve a "Outlander", porém poucos devem saber disso.

"Outlander" chegou a ser lançado sem alarde nas salas de cinema dos Estados Unidos, em 2009, mas foi no mercado de DVD onde encontrou sucesso. No Brasil, o filme foi disponibilizado pela Imagem Filmes, no começo de 2010, comercializado a um preço muito justo, R$ 12,99, fazendo desta ficção científica uma aquisição obrigatória aos fãs de filmes de horror que procuram descobrir joias que talvez tenham deixado passar desapercebidas quando do lançamento original. Muito embora ignorado pelos esnobes, o filme terá um lugar todo especial nos corações das pessoas que cresceram nos anos 80 e viveram a era dos VHS, quando filmes de horror semelhantes eram disputadíssimos, e tinha de se colocar o nome nas listas de espera das locadoras. O fato de "Outlander" ter sido rodado recentemente é a prova concreta do carinho com que tais filmes até hoje são lembrados pelos seus fãs, hoje adultos, pais de crianças que provavelmente têm a mesma idade que possuíam ao descobri-los em fitas de vídeo. Quando os seus criadores o fizeram, foi pela mesma razão que em convenções de filme, pessoas comuns vestem-se como os seus personagens preferidos - elas sentem falta. E não há nada tão capaz de manter lembranças muito presentes e atuais quanto a saudade.

Todos os direitos autorais reservados a Imagem Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Segredo do Lago Mungo ("Lake Mungo", 2008, Austrália) Nos moldes de "Dear Zachary", chega mais um impressionante filme sobre o luto.

Dezembro de 2005. Os Palmer, uma família tipicamente unida e feliz, estão experimentando uma idílica tarde de tranquilidade e diversão na represa de Ararat, Austrália, quando a filha adolescente, Alice (Talia Zucker), avisa que vai mergulhar. Ela não retorna. Depois que Russell (David Pledger), o pai, e Mathew (Martin Sharpe), o irmão, procuram pela menina na água, e então no mato ao redor, e não a encontram, June (Rosie Traynor), a mãe, liga para os bombeiros, em pânico. As buscas duram toda a madrugada, os Palmer recusando a recomendação da polícia para voltar para casa e descansar. Apenas dois dias mais tarde, o corpo é encontrado, e a certeza da tragédia os acerta como um golpe devastador. Uma vez de volta a casa, a realidade da perda custa a se assentar. A maneira como o quarto da menina foi deixado, bem arrumado e caprichoso, dá a impressão de que Alice regressará a qualquer momento. Naquela primeira noite após o afogamento, Russell recorda-se de ter deixado as luzes do alpendre ligadas a madrugada inteira. "Em caso de ela voltar", ele explica. Russell foi o único membro da família que se deparou com a realidade da morte, pois foi o responsável pela identificação do cadáver. O fato de June e Mathew não terem visto Alice por uma última vez trará consequências que se provarão posteriormente desastrosas. É época de Natal, e os cidadãos de Ararat precisam lidar com a trágica morte sem sentido de uma jovem menina da comunidade. Mathew comenta que foi um período em que família e amigos se sentiram atônitos. Durante o processo da liberação do corpo ao enterro, os acontecimentos pareceram bem irreais.

Dez dias depois, portanto em janeiro de 2006, os parentes começam a perceber fatos estranhos dentro de casa. Barulhos chegam do telhado, às vezes do lado de fora, através das janelas. No quarto de Alice, gavetas parecem ser remexidas. Céticos, os Palmer pensam se tratar de ratos, porém mesmo após as devidas providências, continuam a ter as noites interrompidas por portas que repentinamente se fecham com força, e os usuais ruídos vindos do quarto da menina. Uma das amigas de June comenta que até chegar próximo à casa lhe causava uma sensação ruim, como se houvesse algo de errado com o lugar. June é atormentada por sonhos desagradáveis e muito reais, o mais terrível e recorrente aquele onde Alice regressa da represa, ainda pingando de encharcada, de pé ao lado da cama, silenciosa e aterrorizada, encarando-a. Quando fevereiro chega, os pesadelos se tornam tão frequentes que June passa a evitar o sono, e para se distrair, começa a fazer caminhadas pelo bairro, ficando fora por horas. June está tão confusa que começa a invadir as casas dos vizinhos, de madrugada, apenas por escapismo, para dormir em suas salas, e sentir-se inserida em uma outra realidade, absolvida de toda a dor. A seu turno, Russell, um talentoso arquiteto, mergulha no trabalho para sublimar a perda, o que chega a causar algum constrangimento entre os colegas de escritório, que não sabem como ajudá-lo. 

Uma noite, em fevereiro, depois de voltar para casa, Russell está tomando solitariamente um cafezinho na cozinha, quando escuta o barulho vindo do quarto de Alice. Ao investigar, encontra a própria filha, `a escrivaninha, como se nada tivesse acontecido, distraída com alguma coisa. Quando a menina o vê, levanta-se e vai em direção ao pai, gritando "Saia, saia". Russell corre, assustado. Com a comoção, acorda esposa e filho, que o encontram aos prantos, no corredor. Mathew segue cada dia mais isolado e distanciado. Quando marcas estranhas começam a aparecer pelo corpo, os pais o levam ao médico, que o testa para todas as doenças possíveis e não chega `a conclusão alguma. Algum tempo depois, as marcas somem.

Mathew procura um cavalheiro que é profissional de imagens e fotografias, louco para aprender técnicas de manipulação de filme. O senhor o admite como uma espécie de estagiário, e logo o rapaz se prova de enorme valia. Pelos últimos quatro anos, como hobby, de três em três meses, Mathew costumava fotografar o quintal de casa, sempre do mesmo ângulo, capturando as mudanças ao longo do tempo, as colinas de Ararat ao fundo. Naquele ano de 2006 em particular, a foto registra um curioso fenômeno: de pé e mais próxima `a cerca, se você prestar muita atenção, enxergará uma menina que parece ser Alice. Depois de levar a imagem aos pais, os ânimos melhoram. A imagem da filha meio que reacende as esperanças dos Palmer. Simultaneamente, ao registrar em fotos a beleza do lugar, um cidadão de Ararat chamado Bob Smeet, `a passeio pela represa, acaba por capturar, da outra margem do lago, a imagem de uma garota de cabelos compridos, de pé, ao lado de um tronco. Os Palmer convencem-se de que Alice ainda está viva. Eles conseguem obter autorização para a exumação do corpo, para a realização de exame de DNA, de modo a comprovar se seria mesmo o corpo de Alice que tinham enterrado. Resultados comprovam que o DNA bate com o de Alice. Fica a pergunta "E as imagens nas fotos?".

A família continua a escutar barulhos pela madrugada. Mathew resolve preparar a casa com câmeras, de maneira a capturar o que está se sucedendo. O resultado das filmagens é perturbador: uma pessoa cruzando o enquadramento, deixando a sala em direção `a porta principal, aparecendo muito brevemente pelo corredor. June decide procurar pelos serviços de Ray Kemeny (Steve Jodrell, dando a performance excepcional do filme), um senhor conhecido pela habilidade em contatar os mortos. Kemeny tem um programa de rádio e é uma espécie de celebridade em Ararat. Os cidadãos têm ideias muito diferentes sobre sua pessoa, alguns o chamando de charlatão, outros certos de que Kemeny os ajudou como ninguém mais conseguiria. Ray é muito procurado por pessoas que perderam entes queridos, ou mesmo aquelas que estão para morrer e desejam um pouco de conforto quanto ao "outro lado". Kemeny tenta fazê-las entender que a morte não é um amargo fim, mas "o começo de algo novo". June faz uma consulta preliminar com Ray, que a hipnotiza. June se vê diante do próprio alpendre, a voz de Ray a orientando a entrar. June entra e encontra a sala vazia. Segue até ao quarto da filha, e encontra o seu tênis do lado de fora. June empurra a porta, e a encontra sentada na cadeira ao lado da cama. Em seu rosto, traz uma expressão muito triste.

June leva Ray para casa, e apesar de reticente, Russell o trata com educação e cordialidade. Os Palmer fazem uma oração com Ray, e Mathew deixa a câmera sobre o tripé, filmando o encontro. Kemeny não consegue contatar Alice, todavia é apenas no dia seguinte ao examinar a filmagem que o menino descobre a irmã, assistindo a tudo, triste e silenciosa, ao final do corredor. Os pais ficam abismados, pois o rosto é claramente o de Alice. Mesmo Ray reage com desconcerto, porque até então, apesar de lidar com o mundo espiritual, jamais vira um espírito com tamanha riqueza de detalhes. Com a ajuda do rapaz, Kemeny instala três câmeras permanentes, por ângulos apropriados a cobrir os principais cômodos da residência. `Aquela altura, os amigos dos Palmer, até mesmo a senhora da força policial de Ararat que acompanhou a família das buscas pelo corpo ao luto, nutrem sérias dúvidas quanto a intenção do investigador. Ainda assim, Ray traz `a unidade familiar algo semelhante a uma reconfortante amizade, e não custa a se tornarem unidos, Ray participando da festa de aniversário do rapaz, em julho do mesmo ano. As câmeras fazem novos registros fantásticos. Uma delas, colocada no quarto da menina morta, revela a imagem de Alice penteando-se diante do espelho. Os Palmer mal têm tempo de processar o ocorrido, pois antes de pensarem a respeito, nova reviravolta põe o caso de ponta cabeça. 

Os Wither são um casal de Ararat. Eles estavam na represa em abril, no mesmo dia em que Bob Smeet capturou a foto do fantasma de Alice. Os Wither registraram os bons momentos `a beira da bonita represa. Meses depois, ao revisitarem as imagens, dão pela presença, ao fundo, do cavalheiro que fez a foto. Como cidadãos de Ararat, os Wither estavam a par de toda a questão a envolver os Palmer e a foto tirada `a beira da represa. Um pouco mais adiante, na fita de vídeo, os Wither percebem uma outra pessoa, da outra margem do lago. Após manipulação de brilho e contraste, o senhor Wither conclui que havia outro visitante, e que não era uma menina, tampouco um fantasma, mas o próprio Mathew Palmer

Quando Bob Smeet tirou a foto, o que se pensava ser o fantasma de Alice não passava de Mathew, vestido com peruca e uma das roupas da irmã, para forjar a presença do espírito inquieto de Alice. Mathew também tinha amplo conhecimento de manipulação de imagens e fotografias. As filmagens e os retratos haviam sido adulterados pelo próprio garoto, que o fizera para dar alguma esperança `a família e, de certa forma, ajudá-los a sentir Alice novamente próximo. Mathew compreende que ao procurar ajudar, acabou por tornar as coisas piores para June, que acabou devastada e com as esperanças estraçalhadas. 

Preocupados com o filho, os Palmer permitem que o menino acompanhe Ray em uma viagem de três dias para consultas em algumas das cidades mais próximas a Ararat. Ray se tornou uma espécie de "tio mais velho" camarada, com quem o rapaz se sente mais `a vontade para se abrir. Apesar de muitas pessoas terem reserva quanto a natureza do trabalho de Ray, ele é essencialmente um homem de bem. Durante a viagem, até pelo tipo de trabalho de Kemeny, Mathew percebe o quanto sente falta da irmã morta. Ele finalmente está se permitindo enfrentar os estágios  iniciais do luto. Antes de partir para a estrada com Ray, Mathew deixa novas câmeras ligadas, comprometendo-se com os pais a jamais adulterar as imagens novamente. Ao retornar para Ararat, em 22 de agosto, o rapaz checa os tapes, e para o choque de todos, captura uma verdadeira presença dentro da casa e ao longo dos corredores. Pela primeira vez, os Palmer veem um registro muito autêntico do que parecer ser o espírito da menina afogada. A novidade inspira os Palmer a revisitar os velhos tapes. É claro que agora sabem que muita coisa foi manipulada por Mathew, mas com a ajuda do filho, buscam filtrar algo que talvez não tenham percebido anteriormente. E eles tinham razão, pois em uma fita de julho, ao reverem a imagem de uma figura passando ao final do corredor, e Mathew deixar claro que não se trata de efeito adicionado, percebem que algo ou alguém de fato vinha rondando a casa. Trata-se de uma pessoa autêntica, "dando uma volta" pela residência dos Palmer, em plena madrugada. Com muito horror, June reconhece no invasor a fisionomia de Brett Toohey, o vizinho. "O que esse homem está fazendo na minha casa, no quarto da Alice, mais de seis meses após a sua morte?", é a pergunta de June. A mãe vasculha o quarto da garota, em busca de respostas, e as encontra, na forma da maleta da filha, onde escondia o diário e uma misteriosa fita de vídeo. O conteúdo da fita mostra uma realidade que os Palmer jamais poderiam imaginar.

Os Toohey eram velhos conhecidos e amigos da família Palmer. Alice costumava tomar conta dos dois menininhos, de cinco e nove anos, filhos do jovem casal, desde 2002, um trabalho que manteve pelos dois anos e  seis meses seguintes, ou seja, muito próximo `a época do afogamento na represa. Não havia nada no comportamento do casal, cidadãos acima de qualquer suspeita, que sugerisse o segredo imundo revelado pelas imagens da fita. Os jovens do bairro lembram-se dos Toohey como "pessoas legais", que estavam sempre promovendo churrascos `a beira da piscina e se comportando de maneira jovial e gentil. Em uma das cenas mais fortes do filme, o conteúdo do tape é exibido: vemos Alice ligeiramente "alegre" (bêbada), após a festa, conversando em cima da cama com a mulher. Em seguida, chega o homem, que havia deixado a filmadora no tripé, preparada para gravar o encontro. Ele diz "Estou vendo que começaram sem mim". Inicialmente, não compreendemos do que está falando, mas então no frame seguinte, estão todos sem roupas agarrando-se, Alice praticamente "devorada" pelo casal, em uma cena que apesar de não mostrar muito graças `a qualidade da fita guarda força em seu  inegável poder da sugestão, quando são o choro e a inércia da garota, devassada na cama pelos Toohey, que mais tornam o segmento uma revelação aterrorizante, perturbadora e memorável. Em uma fração de segundo, escutamos um gemido semelhante a uma risadinha, ou a um choro, vindo de Alice, e o mais perturbador é jamais sabermos do que se tratou.

"Por que vocês acham que Alice guardou o tape?", o entrevistador pergunta, e Russell responde, sem vacilar, "Porque ela não queria que eles o tivessem". Na opinião dos pais, Alice vinha mantendo encontros sexuais com o casal porque talvez tivesse se apaixonado por um dos dois, o homem ou a mulher. Eventualmente, despertou para o fato de que os Toohey estavam, em última análise, usando-a psicológica e fisicamente, e que o seu único trunfo residia na fita de vídeo. Foi por isso que os Palmer escutavam os barulhos vindos do quarto de Alice, de madrugada, logo após a morte: Brett Toohey estava desesperado para descobrir onde a menina deixara o VHS, pois sabia que se os Palmer descobrissem, ele e a esposa estariam em maus lençóis com a Lei. Até onde sabiam, tinham cometido estupro, pouco importando o consentimento de Alice, menor de idade à época do início dos encontros sexuais. O fato de a menina ter somente quinze anos quando do começo das "sessões" já consistia prova suficiente para o crime de estupro. Brett e Marissa Toohey se mudaram de Ararat seis meses após a morte de Alice, e quando o tape é encontrado pelos Palmer, não há muito a fazer.

Há mais uma surpresa. Ao folhear o diário de Alice, June encontra o cartão de Ray Kemeny: a menina o procurara pouco antes da morte para uma consulta, e Ray jamais revelara o encontro aos Palmer. A data no diário aponta para julho de 2005, praticamente um semestre antes do afogamento na represa. Na fita da consulta, vemos Alice e Ray `a mesa, conversando. Alice pergunta se Kemeny consegue interpretar sonhos, pois vem tendo pesadelos terríveis. Ray conduz uma sessão de relaxamento & hipnose, e pede para que se concentre e feche os olhos. Ele a instrui a se imaginar no jardim de casa, e é isso que Alice faz. Ele pede para que abra a porta, entre tranquilamente pelo alpendre, e lhe diga o que vê e sente enquanto adentra na residência. Ray explica que quando foi procurado pelos Palmer não contou sobre a sessão por uma questão de sigilo profissional. Ele queria ajudar a família, e acreditava que se tivesse avisado que a menina requisitara seus serviços, estaria apenas atrapalhando a missão de conduzi-los através do luto. June diz que depois da descoberta, perdeu a confiança em Kemeny. A família rompe contato com o psíquico. Ray atribui o ressentimento ao fato de não ter conseguido prever a morte da menina, dali a cinco meses no futuro. 

No diário, novos indícios de que de alguma maneira a menina pressentia a própria morte. June lê um trecho muito perturbador "Tive um sonho ontem `a noite. Estava molhada e com frio. Sentia-me pesada, como se tivesse sido drogada, e quando acordei, a sensação não desapareceu. Sentia-me enjoada e confusa, e estava começando a me assustar, precisava ver mamãe, para conversar com ela. Cambaleei até a seu quarto, e enquanto estava de pé a seu lado, observando-a, fui assaltada por uma intensa tristeza, que se tornou medo, quando percebi que não havia nada que meus pais pudessem fazer por mim. Nunca me senti tão só na vida. Tudo parecia errado: meu corpo, a maneira como as coisas pareciam. Então compreendi que havia algo de errado comigo. Comecei a chorar, ao pé da cama".

A menina ocupou uma folha inteira do diário com menções a "Lago Mungo", uma enorme paisagem desertificada que de muitas maneiras se assemelha a uma infindável praia, situada no sudeste de New South Wales. Alice esteve em "Lago Mungo" com as amigas do colégio, em uma excursão, dos dias 2 a 5 de agosto de 2005. Segundo June, quando a filha voltou para casa, parecia feliz, afirmando que tinha se divertido bastante, apesar de ter perdido o celular, o bracelete e o relógio. Kim, a melhor amiga de Alice, fez registros com o celular da noite do dia 05, no "Lago Mungo". Ela e o ex-namorado de Alice procuram pelos Palmer para exibir as imagens de Kim. Não há nada de incomum, no entanto, nas imagens, Alice parece definitivamente angustiada, e é vista enterrando um invólucro que contém celular, bracelete e relógio. Algo nas imagens convence os Palmer a visitar o "Lago Mungo". Os pais precisam saber o que incomodara a menina a ponto de ter enterrado as próprias coisas nas dunas.

Estamos em fevereiro de 2007. Os Palmer visitam o "Lago Mungo", e começam a cavar pelas dunas. Quando menos espera, June encontra o saco plástico onde Alice escondera as posses. É quando a família vai averiguar as imagens feitas no celular que encontra uma imagem assombrosa (o mais eletrizante momento do filme, uma das cenas mais perturbadoras já levadas `as telas). A filmagem daquela noite, anos atrás, começa de maneira inocente, Alice passeando solitariamente pela imensidão entre dunas, as amigas brincando em algum outro lugar. Alice começa a se aproximar de uma figura que está parada mais à frente, aparentemente uma menina da excursão. `A medida que se aproxima, Alice vai revelando melhor a natureza da "visitante": o que está vendo é a si mesma, morta, afogada, com a mesma expressão com que seu cadáver seria de fato retirado da represa. Alice filma o seu próprio fantasma, portanto, vindo do futuro, provavelmente para lhe avisar que a morte estava chegando. Apesar de breve, a cena faz o coração saltar pela boca, um grande triunfo do diretor, que construiu todo o filme em torno deste único instante, cuja força, mesmo seis anos após o lançamento, parece incomparável. Ao assistir `as intrigantes imagens, os Palmer finalmente encontram a resolução para os mistérios que revolviam a morte de Alice. Quando a menina enterrou o celular, o bracelete e o relógio, fê-lo simbolicamente, certa de que a morte estava para ocorrer dali a alguns meses. Alice sabia que ia morrer, apenas não quando, e queria deixar o material para trás, para que um dia, talvez, os pais o desenterrassem.

Em um curto espaço de tempo, os Palmer descobriram o que se sucedeu `a filha nos braços de Marissa Toohey, o segredo da consulta com Ray Kemeny e a filmagem misteriosa em "Lago Mungo". Quando retornam para Ararat, sentem-se emocionalmente exaustos, porém felizes. Pela primeira vez, a casa lhes parece diferente, mais suave e arejada. June diz que a filha finalmente retomou a jornada rumo à eternidade, em paz com o fato de os pais terem descoberto seu mais inconfessável segredo, e ainda assim, amarem-na incondicionalmente. Não demora aos Palmer começarem a se sentir novamente uma unidade familiar e retornar a suas vidas de onde as haviam deixado. Seis meses se passam, até que Ray liga para os Palmer, e avisa que estará passando por Ararat pelos próximos dias, a trabalho. A família meio que superou os ressentimentos, e aceita reencontrá-lo. Eles o recebem muito bem, retomando a amizade, sem qualquer tipo de mágoa. Nós os vemos fazendo um piquenique juntos.

Decididos a seguir em frente, o próximo natural passo é vender a casa e procurar por um novo lugar para recomeçar. Os Palmer fazem uma animada festa de despedida, e os ânimos parecem ótimos. O filme conclui com uma última consulta psíquica de June com Ray. Nesta cena, o diretor Joel Anderson contrapõe dois momentos muito distintos: assistimos `a última consulta de June com Ray, entrecortada pela consulta de Alice, quando viva. Concentrada, June "entra na casa" e chega `a porta do quarto da filha. Ela abre a porta, encontra o quarto muito bem arrumado. June diz que Alice não está mais lá. Simultaneamente, o diretor Anderson nos remete `a consulta de Alice com Ray. Na consulta, feita um ano antes, a menina também foi submetida à hipnose, e estava "visitando a casa". Ao contrário de June, porém, que nada viu, Alice diz a Kemeny que enxerga a mãe, e que ela parece não se dar pela sua presença. Alice inclusive a vê deixando o quarto, tranquilamente. Este momento nos mostra que o amor de mãe e filha foi tão espetacular que as duas tiveram como dobrar espaço e tempo, mesmo por um ínfimo momento, para encontrar-se em um mesmo lugar, graças `a ajuda de Ray. Todos estão em paz. Agora, Alice pode seguir em sua jornada em direção `a luz, e os Palmer, fazer de suas vidas o melhor possível, a dor da tragédia definitivamente superada, substituída pela doçura das recordações de dias mais felizes.

Nos créditos finais, o diretor Anderson exibe novamente as imagens manipuladas por Mathew. Desta vez, aprendemos que muito embora o menino tenha acrescentado a irmã em algumas das filmagens, em todos aqueles momentos, o verdadeiro fantasma da menina sempre estivera presente. Anderson nos mostra com um destaque circular as vezes em que o real espírito atormentado de Alice aparecera para pedir ajuda, em uma montagem arrepiante que nos mostra que desde o começo, a menina afogada estivera entre os entes queridos, que haviam se distraído com as montagens de Mathew, quando de fato tentava se comunicar. 

Lançado com pouco alarde em 2008, não custou a "Lake Mungo", um surpreendente, psicologicamente enriquecido ensaio sobre as consequências da morte em família e do luto, ganhar a atenção de público e crítica nos festivais de cinema especializados em Horror. O suspense, dirigido pelo novato Joel Anderson, chegou aos Estados Unidos em 2010, no conceituado After Dark Horrorfest, que sempre nos traz extraordinárias novidades do cinema independente, tais como "Dread", adaptação do conto de Clive Barker, e "Mulberry Street", mas já havia feito fama anteriormente, em importantes competições em Sydney, na Austrália, e no Reino Unido. Há alguns anos, os produtores da refilmagem de "O Chamado" compraram os direitos sobre o enredo original, todavia o novo filme jamais deixou o papel. Uma vez que se esteja familiarizado com a trama, parece compreensível por que a refilmagem jamais saiu das fases muito iniciais de concepção.

É difícil imaginar que um remake consiga capturar a magia do original. Visualmente, o filme é um esplendor, mas isso não é mérito exclusivo do talentoso diretor de fotografia John Brawley. O deslumbre se deve a uma de suas grandes estrelas, a encantadora Austrália. Brawley pincela noites e madrugadas com um azul aquoso, místico e nostálgico, e captura o espaço com lentes de ângulos bem abertos, para nos dar uma ideia da envergadura do outback australiano. As cidadezinhas são lindas e tranquilas, ruas muito espaçadas, igrejas e comércios que evocam um saboroso sentimento de familiaridade, de se viver em comunidade e se estar em casa. Ao mesmo tempo, há um sabor de "road movie" pela maneira como o diretor Joel Anderson filma auto estradas e colinas, sempre ao fundo. "O Segredo do Lago Mungo" é um dos filmes mais esteticamente lindos que já vi, e se levarmos em conta o pequeno orçamento que a equipe teve para contar a história, renderemos a devida homenagem a esses espetaculares profissionais, os diretores de fotografia, os homens que dão o tom correto`as fantasias. Até o momento, "O Segredo do Lago Mungo" é o momento profissional mais destacado da carreira do Sr. John Brawley, mas pelo seu olhar romântico e nostálgico, afirmo sem titubear que o seu nome merece figurar ao lado do de Morten Soborg como um dos gigantes de seu ofício.

As performances também são espetaculares, e fui pego de surpresa por não reconhecer nenhum destes maravilhosos atores australianos. Talia Zucker oferece algo de soturno e misterioso com sua beleza diferenciada, uma melancolia muito semelhante à de Selma Blair, por exemplo. Com o expressivo olhar, compõe a tragédia que cabe com perfeição à personagem da pobre menina afogada. David Pledger sai-se muito bem como Russell, o pai. Acreditamos no seu desempenho, e não há dúvida de que reconhecemos esse mesmo personagem de tantos outros filmes, ou mesmo da vida real: o pai correto, honrado, trabalhador e gentil que procura fazer o melhor para manter a família unida, dadas as circunstâncias. Steve Jodrell rouba o filme como Ray Kemeny. Os seus modos muito amenos, o olhar conhecedor, o compreensivo e resignado sorriso, os variados elementos da performance compõem o veterano de bom coração que entende como poucos as contradições da condição humana, e que portanto parece ser o único capaz de oferecer alguma paz à família em luto. Espero vê-los em muitos outros filmes!

Há dois tipos muito distintos de horror. Quando assistimos aos filmes do grande James Wan, que reúne as principais qualidades de um "jovem Steven Spielberg", podemos ficar assegurados que teremos duas horas de muitos sustos, algum humor para suavizar a tensão do "passeio de montanha russa", e, principalmente, mensagens positivas que reforçam o otimismo com que o cineasta enxerga o mundo e o potencial individual para o Bem. Quando assistimos (ou lemos) as obras de Clive Barker ou os filmes de Cronenberg, De Palma, Argento, Rob Zombie, quando assistimos a uma produção estilo "Session 9" ou "Hellraiser", o "passeio na montanha russa" segue um script imprevisível e muito diferente do que aquele oferecido por Wan. Estes trabalhos ficam conosco graças ao incomum impacto psicológico que pouquíssimos artistas conseguem canalizar, e ainda menos pessoas estão dispostas a "suportar". Se você procurar "divertir-se" assistindo a algo como "Lords of Salem", por exemplo, pode crer que tudo o que conseguirá será se sentir incomodado, desafiado e cheio de angústias. Ao final, porém, perceberá que mesmo tendo "sobrevivido" a duas horas de puro castigo psicológico, conferiu uma obra que te fez pensar, e ficará martelando a cabeça por um bom tempo. Não há entretenimento propriamente dito, mas sim um desafio, uma "montanha a ser transposta". Há uma satisfação incomum em se "sobreviver" a filmes tão psicologicamente densos e exigentes.

"O Segredo do Lago Mungo" cabe `a segunda categorização. Não tem muito a oferecer em termos de sustos ou entretenimento, mas é um filme sutil, tétrico e de atmosfera carregada e eletrizante, que estimula a pensar, e permanece conosco muito tempo após seu desfecho. "O Segredo do Lago Mungo" segue o estilo "mockumentary", ou seja, é apresentado como uma história real, um "documentário". Assistindo ao filme, não tive como deixar de me lembrar do extinto "Linha Direta", o programa que sempre trazia duas tristes histórias de crimes terríveis por episódio. Através de entrevistas com familiares, reconstituições e todos os demais expedientes jornalísticos, "Linha Direta" chegava a parecer, ao menos a meus olhos, mais incômodo do que os mais fantasiosos filmes de horror. Se vocês apreciam este estilo de story telling, "O Segredo do Lago Mungo" é uma pedida certa, quase como uma versão mais adulta e assustadora do "Linha Direta". 

Ao longo de seus noventa minutos de projeção, há apenas uma única cena que te fará "saltar da cadeira". Acontece lá pelo terço final, e meio que "amarra" as pontas soltas da história, mesclando interessantes conceitos sobre morte, viagem no tempo e a propriedade de se enxergar, mesmo que por alguns segundos apenas, o que o destino nos reserva logo mais `a frente. Apesar de o filme contabilizar somente uma cena de franco susto e horror, todo o restante é permeado por uma sensação de aflição, tristeza e incômodo, gradualmente mais intensa `a medida que a presença muito sutil, sempre velada, do espírito da menina, vai se tornando mais perceptível, embasada por fotos e filmagens de deixar os cabelos da nuca eriçados. Tão marcante quanto a sugestão de um espírito insatisfeito procurando contatar a família para um último momento de desculpas e despedida, são as reviravoltas que tornam segredos muito humanos os maiores horrores dessa história "de fantasmas". Uma vez que o tape dos Toohey é  exposto em toda sua crueldade, a alma de Alice deixa de se tornar a nossa principal preocupação, e vira um triste, quase inaudível grito do passado, um instante de dor, uma voz muito distante e sem forças que só evoca pena, e clama pela redenção e perdão dos pais. Mais intrigante que a sua alma entristecida, é o fato de ter sido secretamente apaixonada por Marissa ou Brett Toohey e sexualmente usada e manipulada, pela pouca idade ou falta de experiência quanto as maldades da vida. 

Apesar de tortuoso e de difícil assimilação, o diretor conclui "O Segredo do Lago Mungo" com uma nota otimista. O amor de família é capaz de superar os mais temerosos segredos, e não há falta alguma capaz de eclipsar a maneira doce e amorosa com que os pais a enxergavam e com que continuarão a se recordar da filha. Eles a perdoam pelos seus deslizes, e se lembram de Alice pelos grandes, melhores momentos, diferente da maneira como nos comportamos, muitas vezes, em nossas vidas: tendemos a nos recordar de alguém pelo seu último momento, jamais pelo melhor momento. Tanto em relacionamentos amorosos quanto amizades, por mais que duas pessoas tragam o que há de mais valoroso uma da outra, quando ao fim, nada daquilo parece importar, restando somente a "parte má", pela qual passamos a associar seja quem for que tenha feito parte de nossa história. Neste filme, aprendemos que somos uma soma de momentos, não nos resumimos a um mau instante apenas, e que mais importante do que os deslizes, acabam por ser as grandes atitudes aquelas que realmente nos definem. Pelo fato de Alice ser uma jovem com tudo pela frente, quando no início se vai tão tragicamente, a morte nos acerta em cheio com a inconstância do destino. Percebemos que devemos abandonar o conceito preestabelecido de que estaremos garantidamente aqui por um bom tempo, e ter em mente que estamos aqui, isto sim, por um tempo bom. Precisamos fazer o melhor com os anos que nos são concedidos, muito ou pouco, buscando a felicidade, através do investimento pessoal, crescimento profissional, estudo, verdadeiras amizades, contribuindo para que os mais vulneráveis também tenham a mesma oportunidade de encontrá-la. Apesar de sermos o convidado principal para esta festa chamada vida, jamais sabemos quando vai se acabar. Talvez seja a transitoriedade de tudo que a torne tão espetacular, um presente que não se deve desperdiçar.A vida chega fácil, vai embora fácil.
Todos os direitos autorais reservados a Lionsgate. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.