quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"La Femme du Vème" (2011, Pawel Pawlikowski) Fantasia & Realidade colidem neste filme de horror sobre um escritor norte-americano em busca de si mesmo na encantadora "Cidade das Luzes"!

Tom Ricks (Ethan Hawke, novamente se saindo muito bem em um grande filme de horror) é um escritor norte-americano que chega a Paris obstinado em reconectar com esposa e filha. Pela dinâmica do reencontro, deduzimos que Ricks se separou da mulher em péssimos termos: ao bater à porta para ver a filha Chloe, a ex-mulher Nathalie reage furiosa e tenta fechá-la na sua cara. Mesmo insistindo que só deseja entregar um ursinho de pelúcia para a menina, Ricks precisa deixar o lugar com pressa, pois a mulher liga para a Polícia. O escritor ainda consegue falar com a filha na calçada, quando está chegando da escola. Aprendemos que recentemente Ricks enfrentou severos problemas psiquiátricos, pois a menininha pergunta se o pai ainda está doente. Ricks explica que melhorou e que, diferente do que a mãe contara, não esteve preso, apenas no hospital, por algum tempo. Exausto, Ricks cochila dentro do Ônibus, e ao ser acordado no final da linha, dá conta de que suas malas foram carregadas. De uma hora para outra, o americano vê-se numa "sinuca de bico", praticamente sem dinheiro algum na carteira. Ao entrar em um rústico café parisiense, que também serve de albergue, Ricks explica sua difícil situação ao Senhor Sezer (Samir Guesmi), o dono do estabelecimento, que concorda em acomodá-lo imediatamente e receber o dinheiro só depois, quando Ricks puder quitar seus débitos.

Ricks sofre com a ruptura da unidade familiar, mas sabe que é muito cedo para tentar nova reaproximação. Ao longe, assiste a pequenas miscelâneas da vida da filha, como quando a vê deixando o apartamento para a escola. Um dia, ao visitar uma pequena livraria, Ricks é reconhecido pelo dono como escritor de um romance de sucesso. Ele o convida a um encontro literário de artistas. Meio a contragosto, aceita um bilhete com o endereço e promete aparecer. Com o passaporte retido pelo Sr. Sezer até a quitação dos débitos, a sorte de Ricks muda para melhor quando o Senhorio acena com uma oferta de emprego: basicamente, tudo o que Ricks precisaria fazer seria monitorar imagens de câmeras de segurança, em uma salinha de um comércio particular, durante toda a madrugada, deixando aqueles que trazem a "senha" correta - "Vim ver o Sr. Monde" - entrar. Por 50 euros a noite, Ricks topa o desafio.

Ricks comparece ao sarau e se sente um pouco intimidado em meio a tantos intelectuais. Entediado, subitamente tem a atenção capturada por uma dama muito elegante (Kristin Scott Thomas) que também parece alheia às rodas de conversa, quase como um fantasma. Ele a segue ao terraço, que dá para uma vista fantástica da Torre Eiffel. Ricks se apresenta à dama, que parece ter subido à cobertura apenas para que conversassem mais reservadamente. Ela se chama Margit Kaddar, viúva de um escritor húngaro que fez muito sucesso na América, nos anos 90. O breve encontro é interrompido com um doce flerte, quando Margit lhe entrega seu número e pede que a procure, "Qualquer horário depois das 16:00", ela orienta.

Ricks redescobre a paixão para escrever, redigindo seus pensamentos em um bloquinho ao longo das exaustivas horas de trabalho na madrugada. O escritor aparece nas imediações da escola e durante o recreio consegue conversar um pouquinho com Chloe. Ania, uma jovem polonesa que trabalha no café do Sr. Sezer, aproxima-se do americano com a desculpa de lhe entregar as folhas que o escritor deixara no bar, e os dois começam a se conhecer melhor. Naquela semana, intrigado pelo convite de Margit, Ricks liga para o número fornecido, mas ninguém atende. No cartão, consta o endereço do apartamento, e assim sendo, Ricks resolve visitá-la.

Margit não parece surpresa quando ele bate à porta, como se já esperasse pela visita. Eles fazem amor, e quando Ricks a deixa, sabe que retornará. Ania aborda o americano uma manhã para contar que encontrou seu romance num sebo local. Ricks pede que Ania leia um trecho, e após esperá-la terminar, diz que o ritmo fica ainda mais lindo na língua polonesa. Ricks segue encontrando Margit, e por meio dessas visitas, vamos aprendendo mais sobre o que se passa por trás de seu silêncio. Ele revela que se sente como uma versão fictícia de si próprio, e que seu "verdadeiro eu" provavelmente ainda se encontre na América, levando uma vida comum ao lado da filha. O frágil estado psicológico do rapaz logo começa a desmoronar. Durante o turno da madrugada, passa a ser perturbado por barulhos vindos do corredor. Chegando ao albergue depois de uma noite estressante, é visitado por Ania. Ela o chama para um quarto vazio, para conversar, e os dois terminam se beijando.

Ricks e Ania passeiam sobre os trilhos, ao amanhecer, e namoram no bosque. Em mais uma discreta, reveladora cena, ao comentar a obra de Ricks, a moça diz que o escritor descreve sentimentos tão ricamente que lhe deve parecer difícil diferenciar realidade de fantasia. Ao retornar para o albergue, Ricks é acostado pelo morador mal encarado do apartamento ao lado. O homem lhe diz que os viu namorando, e que o americano nem imagina o tamanho da encrenca em que se meteu, pois Ania é esposa do Sr. Sezer. Ele chantageia o escritor, dando-lhe 24 horas para arrumar mil euros, senão Sezer, um homem explosivo, ficará sabendo da verdade. Na manhã seguinte, encontra um lembrete sob a porta "Mil euros, ou você é um homem morto". Ao encontrar-se com Margit na tarde daquele mesmo dia, Ricks desabafa, e lamenta "Você não imagina do que essa gente é capaz". Os dois fazem amor, e Margit profetiza "Eles é que não sabem do que você é capaz". Quando Ricks volta para o apartamento, encontra o vizinho barbaramente assassinado dentro do banheiro. A Polícia o questiona acerca do desentendimento entre os dois, e tendo encontrado digitais do americano na nota escrita pela vítima, detêm-no temporariamente. Ricks fornece o endereço de Margit, seu álibi para o horário em que o assassinato provavelmente se deu.

Ricks aguarda na cela por um novo interrogatório. Conduzido novamente à presença do inspetor, ele lhe exibe uma foto de Margit e pergunta se a reconhece. O escritor confirma que a mulher na foto é a mesma com quem vem se relacionando, para a incredulidade do inspetor, que revela que Margit Kaddar se suicidou em 1991, depois que o marido e o filhinho morreram atropelados, não sem antes ter degolado a garganta do motorista bêbado. Abalado, Ricks não compreende o que se passa, mas então é liberado quando a perícia identifica que a faca utilizada no homicídio pertence a Sezer. O dono do albergue é conduzido à delegacia aos gritos, acusando o americano de ter armado uma cilada para que "pagasse o pato". Ricks tem consciência de que seu estado psicológico vem se corroendo. Ao retornar ao endereço onde por todas as tardes fez amor com Margit, um cavalheiro, morador do mesmo prédio, declara que o apartamento encontra-se fechado há décadas.

Ricks espera anoitecer para vasculhar o lugar, e desta vez a encontra a sua espera. Confrontada com a acusação de Ricks, de que ela não pode ser real, Margit responde que é o amor mais real que o escritor encontrou em toda a vida, e tendo ambos perdido tanto, agora se pertencem. Assustado, ele pede que Margit mantenha-se distante. A trama complica-se quando Ricks é despertado por policiais, que o alertam que Chloe está desaparecida. O dia está amanhecendo, e ao ser escoltado pelos policiais pela calçada, Ricks vê a mulher no banco de uma das viaturas. Emocionado, pede que a ex-mulher abaixe o vidro, quando promete que recuperará a criança. Certo de que Margit tem alguma responsabilidade no sumiço, Ricks retorna ao apartamento, onde a confronta, suplicando para que devolva a menina. Indiferente ao desespero do americano, ela o aconselha a desistir da filha e da ex-mulher, o lugar de Ricks agora é a seu lado. Naquela mesma manhã, vemos que, felizmente, nada aconteceu à menininha: ela havia saído para passear, e se perdera no bosque. Um carro de Polícia avista a criança e a leva para a mãe. Ricks assiste ao feliz reencontro a uma certa distância, aliviado. Ao final, escreve uma carta à menina, despedindo-se. Ricks aceita que há um traço muito sombrio de sua personalidade que só coloca as pessoas a quem ama em risco, e portanto se afastará por tempo indeterminado. Ricks pede para que Chloe conserve consigo sua parte boa, a parte de si que enxerga a vida sob um prisma mais ingênuo e doce. Incapaz de dissociar-se de suas fantasias, Ricks desiste do relacionamento com Ania. O filme termina ao vermos o escritor ascendendo ao apartamento da misteriosa dama, para mais uma tarde de amor, sem respostas para as muitas perguntas que a história deixa.

Atmosférico filme de suspense que novamente aproveita o charme natural do ator Ethan Hawke no gênero, "La Femme du Vème" é uma raridade em meio a thrillers tão genéricos de hoje. Saudosos de uma época em que histórias misteriosas realmente absorviam as pessoas têm muito a comemorar com este envolvente suspense lançado no Brasil sob o título "Estranha Obsessão". Em termos de estilo, "La Femme du Vème" salta aos olhos como uma espécie de versão modernizada de "Inverno de Sangue em Veneza", de Nicolas Roeg. Mais alinhado ao estilo dos antigos film noir da década de 70, o diretor Pawel Pawlikowski criou uma obra intrigante que nos desafia a prever o próximo desdobramento, ao mesmo tempo que não temos a mínima ideia de onde parará essa empolgante valsa na escuridão. Hawke, um ator muito querido pela crítica, recentemente descobriu-se em casa no gênero Horror protagonizando com muita autoridade os ótimos e diversificados "Uma Noite de Crime" & "A Entidade". Aqui, empresta a sua persona de "herói relutante" estilo "Harrison Ford", a uma história igualmente assustadora, porém mais estilística e elegante. Apesar de refrescante em tom, é necessário saber o que esperar, porque as qualidades que o tornam especial são as mesmas que levaram algumas pessoas a ignorá-lo. Semelhante ao ocorrido com "Under the Skin", de Jonathan Glazer, - obra prima para uns, entediante para outros - "La Femme du Vème" não é um filme de terror, mas não duvidem que se trata de um filme aterrorizante, e sim, há uma diferença entre filmes de terror & aterrorizantes, muito embora algumas vezes confundam-se.

Coisas como "Ouija O Jogo dos Espíritos" & "A Entidade" ilustram o que há de mais interessante em filmes de terror, o tipo de programa que você precisa fazer no cinema acompanhado por amigos: não há nada mais divertido do que assistir a um bom filme no escurinho do cinema, uma experiência completa onde, juntamente ao restante da plateia, você reage ao que é apresentado conforme as direções que o diretor deseja te levar, de modo que você rói as unhas, pula na poltrona, assusta-se, até mesmo dá risadas e, no total, diverte-se pra valer!O que eu costumo chamar de filmes aterrorizantes são obras diferentes, vez que raramente exibidas nos cinemas, e por não caírem no gosto popular, sobre as mesmas pouco se escuta. A peculiaridade que diferencia filmes de terror de aterrorizantes é a forma como estes deixam um sabor amargo na boca, um gosto que leva tempo para deixar - às vezes, não há tempo no mundo que cure as marcas de algo tão psicologicamente devastador. Recentemente, o polêmico "Under the Skin", um "conto de fadas" sobre uma extraterrestre seduzindo homens nas rodovias da Escócia, assaltou como uma avalanche as salas do circuito alternativo, dividindo pessoas entre grupos daqueles que o amaram, o odiaram, e aqueles que até hoje não sabem ao certo como se sentir a respeito. Unanimemente, uma vez que se assiste ao trabalho de Jonathan Glazer, não há como se apagar tão cedo da cabeça a imagem de "Isserley", a extraterrestre andando entre nós, um "milagre do século XXI" tão espetacular quanto imperceptível em meio a manhãs nubladas e frias no centro monolítico de Glasgow. Há os filmes ainda mais raros que conseguem simultaneamente perturbar e reunir as qualidades de um grande blockbuster. O talentoso James Wan, diretor de "Invocação do Mal" & "Sobrenatural", cria cinema pipoca com o senso de estilo que imprime sua identidade ao frame, lançando obras claramente pessoais que também fazem centenas de milhões nas bilheterias. "Hellraiser" & "Hellbound: Hellraiser 2", do mestre do macabro Clive Barker, não apenas comprova a diferença acima, como revela lições interessantes sobre arte e a expressão da mesma a um nível muito pessoal. Quando os direitos sobre os personagens foram vendidos a produtores norte-americanos e novos roteiristas tentaram "retomar" de onde Barker havia parado com "Hellbound: Hellraiser 2", as continuações foram ficando gradualmente menos relevantes, por mais que "Hellraiser 3", por exemplo, tenha feito bom dinheiro nas bilheterias. O filme de Barker, a adaptação de seu romance "The Hellbound Heart", era uma jogada de risco, prova disso o orçamento reduzido que recebeu para rodá-lo. Quis o destino que o conto moral sobre um triângulo amoroso proibido, segredos inconfessáveis e fetiches sadomasoquistas caísse no gosto popular, por mais que as pessoas não soubessem pontuar ao certo o quê em "Hellraiser" & "Hellbound: Hellraiser 2" as havia cativado tanto. Quando os produtores americanos selecionaram um ou outro elemento do original para retomar a franquia - no caso, os cenobitas exclusivamente, deixando de lado os pontos verdadeiramente explosivos propostos pelos dois primeiros - criaram, a partir de "Hellraiser 3", filmes de terror que nem de longe pareciam igualmente perturbadores. Apenas aqueles que verdadeiramente saíram marcados pela obra de Barker reconhecerão que os cenobitas jamais foram os monstros da história. Eles eram apenas seres mágicos que faziam uma "participação especial" em um conto hedonista sobre amores não correspondidos, fetiches e desejos proibidos.

"La Femme du Vème" não pertence ao gênero Horror, todavia há elementos da história que o tornam um filme aterrorizante. Em termos de estrutura, faz-nos pensar bastante no antigo, excitante film noir de Alan Parker "Coração Satânico", com Mickey Rourke. Assim como o clássico de 1987, o protagonista de "La Femme du Vème" está em busca de respostas tão horrorosas que faria melhor não as encontrando. Contar uma história pela ótica de um protagonista emocionalmente instável é desafio para poucos diretores. David Cronenberg, por exemplo, fez bonito com seu "Spider", de 2002, um suspense desenrolado diante dos olhos de um homem esquizofrênico, personagem de Ralph Fiennes. Também digno de nota, ambos os filmes, "Coração Satânico" & "La Femme du Vème", oferecem um "saborzinho" de road trip, de uma viagem assustadora sem destino certo. Em "Coração Satânico", o detetive Harry Angel, personagem de Mickey Rourke, aceita rastrear o paradeiro de um desaparecido croner chamado Johnny Favourite, o que o arremessa a uma jornada de auto descobrimento que o leva de Nova York ao interior do Sul dos Estados Unidos, com o clímax em Nova Orleans, tudo no ano de 1955, menos de dez anos após o fim da Segunda Grande Guerra; em "La Femme du Vème", o escritor Tom Ricks busca reconectar com a ex-mulher e a filha na sempre romântica & misteriosa Paris, mas ao conhecer a enigmática dama vivida por Kristin Scott Thomas acaba por encontrar diante de si fragmentos do quebra cabeça de sua própria vida, elementos que preferiu descartar por muito tempo e agora se vê forçado a redescobrir. Ainda em comum, os dois film noir evocam como poucos um extraordinário feeling de se estar vivenciando uma outra época & lugar, "Coração Satânico" no Sul dos Estados Unidos dez anos após o fim da Segunda Grande Guerra & "La Femme du Vème" na "Cidade das Luzes" no começo da nova década, em 2010.

Pawel Pawlikowski não apenas rodou um impressionante suspense; talvez involuntariamente, tenha criado como poucos imagens muito impressionantes de Paris, fotografias que publicitários contratados pela Prefeitura teriam dificuldade de reproduzir tão bem para uma campanha turística. A saga de Ricks o leva desde o tenso desembaraço na Imigração no começo do filme aos cantos mais diversificados da "Cidade das Luzes", ora espaços pequenos e íntimos, ora grandiosos a se perder de vista, de mesas rústicas em pequenos cafés `as ruas e calçadas que aprendemos a amar por imagens em livros ou filmes, mas até as conhecermos pessoalmente, não nos damos conta de que são ainda mais maravilhosas do que pensávamos, e aí estou falando do Arco do Triunfo, Champs Elysées, o Castelo de Versalhes, a Catedral de Notre Dame… Nenhuma outra produção desde "Albergue Espanhol", de 2002, fez tanto pelo turismo de um local através de imagens.
"La Femme du Vème" é um convite explícito `a aventura na Europa. Backpackers, fiquem certos de que esse estiloso suspense dará aquele empurrãozinho extra de que precisam para vestir as mochilas e partir para se aventurar pelos cantos mais fantásticos deste enorme, belo mundo!Aproveitem bem, pois cada dia fica tarde demais.

Falando de Europa, não é de hoje que o astro Ethan Hawke se move com desenvoltura e autoridade em meio a cenários tão atemporais e repletos de história & significado. Se cada ator tivesse de ser lembrado por um único filme, seu melhor, a primeira imagem que viria `a mente quando se falasse de Ethan Hawke seria a de suas andanças ao lado de Julie Delpy pelos recantos mais românticos de Viena em "Antes do Amanhecer" (foto), a ode do diretor Richard Linklater ao amor jovem & eterno e a um mágico momento de nossas vidas - 20 e poucos, no auge da saúde & juventude, quando o mundo resume-se ao que está por vir, é só expectativas, sonhos em vias de se realizar - a que, mais tarde, uma vez o tendo perdido, tentamos reencontrar, sem sucesso. Em "Antes do Pôr do Sol", a continuação de 2004, dez anos depois do primeiro portanto, os dois heróis do original, agora aos trinta e poucos, tendo colecionado sua cota de desapontamentos e desilusões, reencontram-se novamente, desta vez na mágica Paris, o mesmo cenário que mais tarde serviria de plano de fundo para "La Femme du Vème", e no decorrer de uma tarde, precisam decidir se sós lhes restam as recordações daquelas férias em 1994 ou se têm um futuro a compartilhar. No mais recente, "Antes da Meia Noite", nós os reencontramos de férias na Grécia, ambos aos quarenta, pais de lindas filhas gêmeas, enfrentando - e vencendo - as pequenas crises que aparecem para qualquer casal e apenas os deixam mais fortalecido. "La Femme du Vème" dá a Hawke a oportunidade de caminhar por espaços semelhantes cruzados com Julie Delpy no segundo filme da série, dessa vez em uma história de amor sombria e misteriosa, porém igualmente impactante em termos de estonteante cinematografia.

O diretor Pawel Pawlikowski merece elogios pela maturidade com que lida com o material, a todo momento confiando no talento de seu elenco e na qualidade do roteiro e jamais se perdendo com violência gratuita ou excessos que não teriam beneficiado a história de modo algum. Há cineastas igualmente talentosos que precisaram de mais tempo para confiar no próprio talento para "largar as armas", ou melhor, os excessos. Tomemos como exemplo o francês Pascal Laugier, que rodou um dos filmes mais brutais de todos os tempos, o desnecessário "Martyrs", porém só foi criar algo humana & sentimentalmente relevante quando exercitou a compaixão e a elegância com o intrigante "The Tall Man - O Homem das Sombras", um filme tanto de terror quanto aterrorizante (pelas razões certas), com muita sensibilidade abordando questões difíceis sobre pais e filhos, adoção, e a falibilidade daqueles a quem crianças depositam toda a expectativa de proteção e segurança. Por alguns anos, o nome de Laugier esteve associado ao ainda não produzido remake de "Hellraiser"; por uma razão ou outra, as negociações entre a Dimension e o cineasta ruíram, definitivamente uma pena para aqueles que amam a obra de Clive Barker e compreendem que a adaptação de um romance tão complexo e psicologicamente intrincado precisa de um homem com sensibilidade por trás das lentes. O gótico "La Femme du Vème" podia valer a Pawlikowski um lugar entre os concorrentes para o cargo. Se produzido da maneira correta - ensaiando um retorno `as raízes melancólicas dos dois primeiros, devolvendo o enredo aos britânicos - Pawlikowski se sentiria em casa para realizar algo especial. Em meu amor pelo cinema, uma chama que remonta a minha infância, "Hellraiser" & "Hellbound: Hellraiser 2" são os dois filmes a que adoraria ter emprestado a minha visão, até pelo fato de o poder visceral dos dois derivar de uma época quando mais estamos abertos à "magia". E antes que os amigos digam agora, brincando, que "Agora vem a parte onde ele vai dizer que escolheria Jennifer Connelly para o papel de Julia", estão cobertos de razão!Se ela já é uma mulher fantástica e uma atriz talentosíssima, agora adicionem a tudo o encantador sotaque britânico que a Jennifer teria de fazer para o papel. Ela arrebataria vítimas muito antes que o primeiro golpe de martelo descesse sobre suas cabeças ou lhes desse o beijo que lhes drenasse sangue, nutrientes e vida juntos.


Aproveitando o mote de "Hellraiser" & Clive Barker, o enredo de "La Femme du Vème" muito se assemelha a um daqueles melancólicos, eletrizantes contos que Barker escreveu para suas coletâneas "Books of Blood". Em diversos momentos ao longo do filme de Pawlikowski, pensei em alguns de meus preferidos, como por exemplo "Novos Assassinatos na Galle Morgue", pelo fato de a história também se desenrolar na "Cidade das Luzes", e "Jaqueline Ess", no que importa `a presença misteriosa da dama vivida por Kristin Scott Thomas e a maestria com que Barker cria personagens femininas fascinantes em força e crueldade. Como admirador de sua obra, eu considero filmes estilo "La Femme du Vème" joias raras, pois mesmo sem ligação alguma com o escritor britânico, evocam um estilo próprio do mesmo. Recentemente, o novo horror de John Erick Dowdle, "As Above So Below", também capturou o feeling de uma autêntica obra gótica estilo Barker ou Edgar Allan Poe, e portanto subiu a minha lista dos melhores do ano. "As Above So Below" será o próximo filme sobre o qual espero falar no meu blog. Creio que o que as linhas de Barker e filmes como "La Femme du Vème" têm em comum seria a propriedade de nos absorver com tramas onde, por mais contraditório que pareça, muito acontece quando menos parece acontecer. Dos encontros de Rick & Margit emana uma peculiar quietude, pois mesmo isolados no mundo externo por cortinas muito vermelhas contra molduras de janelas, há um tipo de eletricidade antecedente à tragédia permeando o ar, e você simplesmente sente que o horror é eminente. Simultaneamente, assim como o anti herói, experimentamos os mesmos temores ao vê-lo circulando por entre pequenos cafés parisienses enquanto a inquietante historicidade daqueles prédios públicos imortais os torna o palco perfeito para um conto sobre amores proibidos, desejos inconfessáveis e memórias reprimidas.

A falta de resolução aproxima "La Femme du Vème" de seus pares - os chamados filmes aterrorizantes de arte que terminam sem nos dar explicações, estilo "Under the Skin". Seria Margit um segmento da imaginação de Ricks?E se Sim, como explicar que a mulher na foto apresentada pelo inspetor corresponda exatamente à forma como Ricks a idealizou, ainda mais levando-se em conta que jamais a conhecera?Qual a natureza dos problemas psiquiátricos que o levaram a permanecer por tempo indeterminado em uma instituição?Pawel Pawlikowski e Douglas Kennedy, autor do romance original, preferiram nos reservar a intrigante tarefa de preencher lacunas, por mais fantásticas que as perguntas soem, por mais incompreensíveis que as respostas pareçam. Talvez os motivos permaneçam encobertos pela parte do coração de Ricks que se permita tamanha perversão, o mesmo tipo de melancolia que, por exemplo, encorajou um sujeito chamado Frank a se apaixonar pela emocionalmente instável esposa do irmão e brincar com um certo quebra cabeça chamado Configuração da Lamentação...

Todos os direitos autorais reservados a Califórnia Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

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