sábado, 31 de janeiro de 2015

"As Above So Below" (John Erick Dowdle, 2014) Dentro de catacumbas logo abaixo de Paris repousa o segredo para a vida eterna.

Scarlett Marlowe (Perdita Weeks) é uma ambiciosa arqueologista movida pela missão pessoal de reparar o legado do pai, um respeitado pesquisador que dedicou a vida para encontrar a lendária Pedra Filosofal, tendo se suicidado ao fracassar. Rezam os escritos que a Pedra Filosofal é uma substância capaz de transformar metais em ouro, bem como conceder vida eterna a quem dela se apoderar. Na Alquimia, a Pedra Filosofal representa o objetivo maior entre os estudiosos, por séculos consumindo as vidas dos aventureiros obcecados em sintetizá-la. Conforme registros históricos, somente um homem, um francês chamado Nicolas Flamel, a teria formulado e alcançado a imortalidade. No início do filme, acompanhamos a corajosa Scarlett entrando clandestinamente na fronteira do Irã, determinada a explorar um complexo de túneis onde estaria a Pedra de Roseta, um fragmento em rocha essencial para a tradução dos símbolos mais complexos da Alquimia Clássica. Com a ajuda de Reza, um morador da região, ela tem acesso a uma passagem secreta para o complexo de túneis das escavações, justamente às vésperas de o governo iraniano pretender implodir o lugar.

Scarlettt consegue encontrar parte da Pedra de Roseta, onde restam traduzidos os símbolos da Alquimia. Alarmes de sirenes os alertam para a iminente implosão dos túneis, e vez que o governo iraniano desconhece a presença dos dois intrusos, Scarlett e Reza correm graves riscos permanecendo no local por muito tempo. O formato da estrutura - grafada em aramaico associado aos símbolos da Alquimia - os deixa assustados, uma estátua em tamanho real de um touro. Reza insiste que o tempo se esgotou, e terminarão soterrados na caverna se não voltarem de imediato pela passagem. Scarlett realiza filmagens da estátua do touro, de modo a registrar todo aquele "compêndio" em aramaico para posterior análise, e por pouco escapa com vida do complexo, no exato minuto em que a passagem acaba soterrada pela explosão das dinamites. Inexplicavelmente, durante a comoção, Scarlett enxerga o corpo de um homem oscilando na forca, uma referência a seu pai suicida. Estaria enxergando coisas?Prova do suspense por vir, o diretor John Erick Dowdle abre o filme em grande tensão. A combinação de lanternas vermelhas predominantes ao longo das passagens na caverna, a busca de Scarlett pela saída a tempo e os avisos intermitentes pelo sistema de alarme do complexo durante a contagem para a implosão os colocará roendo as unhas!

O filme corta para um sítio de escavações em Paris. Scarlett dá um depoimento para a câmera, quando temos a oportunidade de conhecer melhor suas impressionantes qualificações - entre doutorados em Arqueologia & Simbologia, o domínio de quatro línguas faladas e duas mortas e a faixa preta em artes marciais - e de onde vem a vocação para a aventura. Desde criança, escutava as fantásticas histórias contadas pelo pai sobre Nicolas Flamel e sua Pedra Filosofal, e agora mulher adulta, pretende suceder onde o pai fracassou. Acompanhada pelo operador de câmera, Scarlett realiza um tour pela pequena rua da residência onde Flamel teria sintetizado a Pedra Filosofal e alcançado vida eterna. A arqueologista explica que após a morte do alquimista, ladrões haviam vilipendiado o túmulo em busca da substância mágica, tendo encontrado somente um sepulcro vazio, o que definitivamente fortaleceu a aura de mistério em torno de Flamel e a Pedra Filosofal. No cemitério de Paris, Scarlett nos conduz ao mausoléu do Alquimista para exibir a placa que o próprio preparara para si quando em vida. Há símbolos muito distintos que estudiosos de sua obra jamais conseguiram compreender. Essa revelação faz um link com a sequência inicial, pois deduzimos que ao filmar a Pedra de Roseta nas escavações do Irã, Scarlett buscava por um "dicionário" para pôr fim ao mistério do "recado" deixado por Flamel. Ela crê que os símbolos tragam um "passo a passo" de como mapear a localização da Pedra Filosofal.

Scarlett sabe que não conseguirá atingir seus objetivos sozinha. Ela precisa do suporte do velho amigo George (Ben Feldman), ainda ressentido pela "última aventura", que acabou lhe rendendo uma estadia em uma prisão turca. A moça o encontra na catedral de Paris. George tem como hobby invadir sorrateiramente as mais famosas igrejas europeias apenas pela satisfação pessoal de consertar suas torres de sinos, e depois, do alto, testemunhar o encanto das pessoas quando os mesmos voltam a soar ao meio dia. Quando Scarlett o rastreia até a essa catedral em particular, George acabou de finalizar mais uma obra. Eles saem pelo paço da torre, e da beirada, assistem à alegria dos transeuntes ao sabor da oscilação dos sinos, de volta à ativa depois de 284 anos parados. Diante da insistência da amiga, George topa ajudá-la a traduzir a placa de Nicolas Flamel. Com a ajuda de George, Scarlett tira a pesada placa do suporte, e fazendo uso de produtos químicos próprios, livra a superfície de uma película invisível, o que acaba por lhes revelar um texto. George fotografa a pedra, para que possam proceder ao trabalho de tradução longe dali, mais tranquilamente.

Scarlett e George traduzem o texto, e tentam fazer sentido da confusão. Depois de discutirem diferentes interpretações, concordam que já que os alquimistas acreditavam que 741 era o número do Diabo, e que a Pedra Filosofal estaria a meio caminho entre Céu, Terra e Inferno, ou seja, a uma distância de 370,5 pés abaixo da terra, deveriam se preparar para "cavar". Paris oferece as condições ideais para se penetrar 370,5 pés abaixo da terra graças às catacumbas, um labirinto de mais de 200 quilômetros abaixo da "Cidade das Luzes", guardando os restos mortais de seis milhões de cadáveres. A 370,5 pés abaixo do túmulo de Flamel, portanto, repousa intocada a Pedra Filosofal.

Scarlett e George justapõem dois mapas: o da cidade, onde fixam o túmulo de Nicolas Flamel no cemitério de Paris, e o do complexo de catacumbas. A justaposição indica que os túneis chegam muito perto, mas não passam exatamente sob o epicentro desejado, o túmulo de Flamel. Ao repassar o histórico sísmico daquela região metropolitana, alvo de 3 colapsos registrados ao longo dos últimos séculos, e que no entanto manteve Paris firme e forte acima, o rapaz conclui que deva existir uma câmara oculta não prevista por mapa algum. Em uma "missão de reconhecimento", Scarlett e George visitam o trecho das catacumbas acessível aos turistas, quando a historiadora lhes conta mais sobre a origem dos túneis. Foi no começo do século XVIII que por questão de saúde pública os cadáveres precisaram ser desenterrados do velho cemitério e relocados para as catacumbas. O passeio é assustador, paredes inteiras ornamentadas por crânios humanos. Scarlett comunica a seu operador de câmera, Benji, que precisam encontrar um caminho para a área fora dos limites turísticos. Um rapaz os aconselha a procurarem por um cara de nome Papillon em um clube parisiense chamado La Vitrine. Scarlett momentaneamente se distrai quando a guia pede que não se afaste do grupo, e ao olhar para trás, não encontra mais sinal do misterioso estranho.

Naquela mesma noite, Scarlett, George e Benji prestam uma visita ao Le Vitrine, uma casa noturna às margens do Rio Sena. Na entrada, Benji tem a atenção capturada por uma moça de olhar muito penetrante que chega a desconcertá-lo. Ele não tem tempo para lhe dirigir a palavra, pois a estranha deixa a Le Vitrine a passos rápidos. Ao perguntar por Papillon, o grupo é dirigido ao lounge do nightclub, onde encontra o único homem conhecedor de quase todos os segredos das catacumbas. Inicialmente, Papillon opõe alguma resistência, declarando não ser nenhum guia turístico. Scarlett retruca perguntando-lhe se parecem os turistas usuais. Scarlett cita a câmara oculta, e desperta o interesse do explorador ao falar sobre as riquezas que por ali se encontrariam preservadas.

Papillon reúne o time habitual, e na manhã seguinte, partem para as imediações que dão acesso `as catacumbas. Uma série de detalhes merece atenção, desde os riscos de contato com morcegos `a falta d'água. Debaixo da terra, qualquer deslize pode levar `a morte. Com o senso de dever cumprido, George se despede de Scarlett e lhe deseja sorte, mas a moça insiste que os acompanhe. `A margem do túnel de acesso, o grupo veste as lanternas frontais. Subitamente, os guardas chegam e os surpreendem. Sem opção, George, que não queria se envolver, acaba tendo de seguir os demais para dentro das catacumbas, para não ser preso. Após o entrevero, George agora definitivamente faz parte de uma jornada rumo ao desconhecido. Em um discreto momento entre Benji e Scarlett, ela explica ao operador de câmera que o rapaz evita cavernas em razão de um trauma de infância: quando pequeno, seu irmãozinho se afogou em uma gruta, deixando-o marcado. Pessoas aversas a lugares apertados não se divertirão. A partir desse ponto, "As Above So Below" se passa exclusivamente dentro de passagens muito estreitas, grutas muito apertadas. A sensação de sufoco é muito pesada, e assistindo ao produto final, não temos como deixar de imaginar as dificuldades enfrentadas pelo diretor John Erick Dowdle e seus atores para rodar o filme.

Os primeiros túneis revelam pichações, algumas feitas pelo próprio Papillon, registrando sua passagem por ali quando de outras incursões. Apesar de arriscado, aquele ponto do labirinto ainda é um lugar visitado por exploradores experientes, ou seja, em que pese o aperto de corredores e o desconforto de se caminhar por poças sujas, ainda há a possibilidade de se voltar pela passagem e encarar a Polícia. Movidos pela missão de encontrar a Pedra Filosofal, todavia, a turma segue com a descida. No caminho, em uma das grutas, encontra uma seita misteriosa orando reservadamente. Depois de um prolongado tempo de descida, o grupo chega a uma encruzilhada, onde enxerga diante de si dois caminhos distintos que em tese desembocariam no mesmo lugar, um deles aprovado por Papillon, outro preferido por Scarlett. Papillon crê que o túnel sugerido pela moça seja uma péssima aposta, declarando que outras pessoas que se meteram pela passagem jamais foram vistas novamente. Ele cita o caso de "La Taupe", um ex-integrante da equipe que resolveu descer sozinho pela rota alternativa, apenas para desaparecer misteriosamente. O discurso de Papillon tem um forte efeito sobre os demais, e acaba acordado que seguirão mesmo pela rota mais longa, todavia mais segura.

A rota segura acaba por se revelar problemática. De uma estranha maneira, o grupo liderado por Papillon não a encontra do jeito que a haviam explorado antes, por mais que haja grafites com a assinatura do explorador nas paredes. Ele jura que não se recorda do túnel com aquela configuração. Para deixá-los ainda mais confusos, chamados insistentes de um telefone passam a ecoar pelos túneis. Papillon afirma que há cinquenta anos a Prefeitura retirou as linhas telefônicas do subterrâneo, e portanto não há explicação lógica para o fenômeno. Mais adiante, George aponta para Scarlett a indicação esculpida nos blocos, "Barriere d'enfer", o ponto onde os prédios desabaram e centenas de pessoas caíram para suas mortes no século passado. As surpresas inusitadas apenas começaram, porque um pouco mais adiante, o grupo encontra um piano bem no meio da cripta. Alguém chega a sugerir uma explicação lógica, racionalizando que seria um piano pertencente a um dos prédios, que acabou permanecendo ali. George se surpreende com a semelhança entre o piano e aquele onde ele e o irmão costumavam brincar quando crianças, mesmo que não soubessem tocar. George menciona uma determinada tecla que não funcionava, e então dá conta de que assim como o piano de sua recordação, aquele também traz a mesma tecla falha.

Seguindo os chamados do telefone, assim como ocorreu com o piano na cripta anterior, o grupo encontra um aparelho em outro ponto do complexo. Ao atender, Scarlett choca-se ao escutar a voz do falecido pai lhe perguntando por que deixaram de conversar. Quem eles encontram os observando, ali parado na escuridão, é "La Taupe", o desaparecido membro do time de exploração, tido como morto pelos demais. "La Taupe" avisa que o grupo cometeu um erro ao se aventurar pelas catacumbas, e acusa Papillon de jamais ter vindo procurá-lo. Antes que possam pedir mais explicações, os exploradores precisam seguir "La Taupe" de imediato, pois o instável túnel começa a trincar. "La Taupe" afirma algo enigmático, "A única saída é para baixo". "La Taupe" lhes mostra um poço muito profundo entre os sistemas leste e sul do complexo, que dá para o lugar onde Scarlett calculou existir a câmara oculta. Só ao descer pelas cordas os exploradores dão pela real profundidade. Durante a descida, Benji quase despenca, porém felizmente só machuca a mão.

Scarlett e os rapazes chegam ao ponto onde deveria existir a câmara oculta. Inicialmente confusos ao encontrar um beco sem saída, as dúvidas logo se dissipam quando Scarlett traduz os sinais grafados nas paredes. George e a amiga creem que a câmara se encontre, isso sim, escondida por trás de uma parede falsa, no mesmo estilo que as civilizações antigas faziam com os túmulos dos faraós nas pirâmides. O texto soa como um teste de raciocínio lógico, algo que somente duas pessoas altamente estudiosas teriam como decifrar. Scarlett e George unem forças para solucionar o teste, e chegando a uma resposta plausível, arrancam um determinado bloco que acaba por revelar uma passagem secreta para a cripta de mais de 500 anos. Em uma impressionante revelação, deparam-se com o corpo de um cavaleiro templário, preservado ao longo dos séculos, deitado sobre o mausoléu. Scarlett pede que desliguem as lanternas, o que lhes permite enxergar uma superfície translucida do outro lado da gruta, acessível por um lago interno. Conforme esperado, a passagem dá para uma cela cheia de barras de ouro e a pedra filosofal, um objeto semelhante a um amuleto. Tão encantada com a descoberta, Scarlett não percebe quando os demais exploradores começam a saquear todo o ouro que conseguem carregar. Ela ainda exclama para que não toquem no tesouro, mas já é tarde. A parte superior da gruta desmorona sobre suas cabeças.

Surpreendente prova do poder da pedra filosofal, Scarlett esfrega o amuleto nas palmas das mãos e depois aperta o braço machucado de uma das moças participantes da equipe. Os ferimentos imediatamente cicatrizam. Embora tenham supostamente encontrado a pedra filosofal, o desmoronamento os obriga a procurarem por uma saída alternativa. De fato, existe tal passagem, onde restam declinados trechos próprios da Alquimia. "Assim no Céu como abaixo" significa que embora desejem voltar para a superfície de Paris, a única porta existente encontra-se a seus pés. Os exploradores descobrem mais um poço, que os leva ainda mais pelas entranhas da terra. George interpreta o aviso na entrada, "Abandone toda a esperança, vós que entrais aqui". De acordo com a mitologia, a mensagem está escrita na entrada do inferno. Ao adentrar pela "passagem", a garota membro da equipe é atacada e morta, a cabeça repetidamente batida contra a rocha por "La Taupe" (ou seu fantasma). No caminho para as profundezas, o grupo segue descendo por infindáveis poços. Benji é o próximo a morrer, empurrado em um buraco pela moça misteriosa que nos lembramos de ter visto no início, quando Scarlett, George e Benji visitaram o La Vitrine. À medida que exploram o complexo, compreendem que o lugar usa seus segredos mais inconfessáveis para desestabilizá-los. O rapaz que sugeriu a Scarlett o nome de Papillon como candidato a guia ressurge. Aprendemos que é um fantasma do passado de Papillon, um garoto que morreu tragicamente dentro de um carro em chamas, acidente causado não intencionalmente pelo guia. Nós o vemos ardendo dentro de um carro envolto em chamas, e ao se deparar com a surreal cena, Papillon grita que a culpa não foi sua. O guia é arrastado por sombras demoníacas que o carregam para dentro do fogo enquanto protesta inocência. George é atormentado por aparições do irmãozinho afogado, mas Scarlett procura lembrá-lo de que as catacumbas estão usando seus traumas para mexer com a cabeça.

A esta altura, só restam três pessoas nas catacumbas - George, Scarlett e Zed, o "Segundo em Comando" de Papillon. Com o cerco das trevas se fechando, George se abre para Scarlett e lhe confessa que a semana que passou a seu lado na Turquia foi a melhor de sua vida. O labirinto não custa a afetar a cabeça de Zed também. Na sequência mais apavorante, o trio se depara com uma criança metida em capuz, sentada em uma cadeira. Zed a reconhece como um filho indesejado: no passado, engravidara a namorada, porém despreparado para as responsabilidades, preferira deixar o bebê sob os cuidados da mãe, deixando ambos para trás. Agora, o remorso voltou para consumi-lo. Gárgulas assustadoras ganham vida, uma delas mordendo George no pescoço, a ponto de tirar carne. Seriamente ferido, George precisa do milagre da Pedra Filosofal. Ao usar o amuleto em vão, Scarlett percebe que foi vítima de um ardil. Ela apanhou um amuleto falso, não a verdadeira Pedra Filosofal. Ela suplica que Zed cuide do companheiro enquanto retorna pelo labirinto, para a cripta original, de onde pretende encontrar a verdadeira Pedra e assim salvá-lo. A sequência do retorno de Scarlett pelo labirinto rivaliza com outro excelente filme de John Erick Dowdle, "Quarentena", sobre o vírus da Raiva em um condomínio fechado tornando os moradores zumbis. O puro desespero também merece os mesmos elogios que o segmento "Safe Heaven", de "V/H/S 2" (quem assistiu ao filme ou leu minha resenha a respeito entenderá do que estou falando). O labirinto canhoneia a exploradora com imagens sinistras, a mais bizarra quando encontra uma figura balançando sob a corda, e ao retirar o capuz pensando tratar-se do pai vê a si mesma. Ela acaba encontrando a verdadeira Pedra Filosofal através do reflexo de um espelho, e cumprindo o intento do desafio - rezam os símbolos inscritos na tumba "Pela retificação, encontrarás a pedra escondida" - finalmente fazendo as pazes com o passado ao se deparar com o corpo do pai e lhe pedindo desculpas por não ter atendido o telefone na noite em que se suicidou, tornando-se legítima possuidora da Pedra Filosofal.

Scarlett consegue voltar pelo labirinto ao ponto onde deixou George. Ela o beija apaixonadamente, e repentinamente todo o sangue e as feridas desaparecem. Há uma única saída somente, um profundíssimo poço que parece não ter fim. Scarlett explica que os três precisarão saltar, mas antes precisam se perdoar pelos eventos do passado. Ela revela a George que o rapaz só consegue enxergar o irmãozinho porque algo na morte do mesmo o atormenta, e agora precisa confessar o que exatamente aconteceu para efetivamente se libertar. "Quando meu irmão ficou com a perna presa, eu prometi que voltaria com ajuda, mas me perdi no caminho e ele se afogou", George confessa, cheio de dor. Zed desabafa sobre o filho abandonado e o quanto se arrepende por jamais ter sido o pai que o garotinho precisou. Libertados pelo poder da verdade, saltam no poço, uma queda vertiginosa e imprevisível. Milagrosamente, eles saem por um bueiro nas calçadas de Paris, vivos e gratos pela Segunda Chance. Depois de todo o Horror, só a verdade foi capaz de tirá-los das trevas. O trio se abraça emocionado, cada um com uma longa missão de reparar os equívocos do passado pela frente.

John Erick Dowdle, diretor de "Poughkeepsie Tapes", mantém vivo o estilo "found footage" com mais uma inventiva, original obra, um mix curioso de intriga internacional com tonalidades sobrenaturais. Prova da maturidade de Dowdle, "As Above So Below" mostra um cineasta bem mais à vontade e menos afoito, seguro de si e do potencial do intrigante roteiro escrito pelo próprio, que em uma única oportunidade costura elementos de grandes sucessos tão queridos, como "Os Caçadores da Arca Perdida" & "O Código Da Vinci" em um cenário semelhante ao de "O Exorcista". As pessoas apreciadoras de envolventes intrigas em torno de releituras de fatos históricos se fascinarão com essa interessante fantasia sobre a busca da Pedra Filosofal. Entusiasta confesso do estilo "found footage", Erick Dowdle, que vinha aperfeiçoando a técnica com "Poughkeepsie Tapes" & "Quarentena", realiza seu melhor trabalho até agora dentro do sistema dos grandes estúdios. Apesar de inferior a "Poughkeepsie Tapes", seu primeiro e mais impressionante filme, "As Above so Below" disputa acirradamente o "primeiro lugar de 2014" com outra obra "found footage" igualmente relevante, o fantástico "Afflicted", de Clif Prowse & Derek Lee. Não apenas rodados conforme a proposta "found footage", ambos os filmes também se parecem em termos de ambientação, com protagonistas aventurando-se em tramas internacionais cheias de mistério; "Afflicted", com seus dois melhores amigos viajando pela Europa até um deles ser mordido e virar vampiro, "As Above so Below" com a heroína na busca pela Pedra Filosofal que a leva de cavernas no Irã aos encantos da eletrizante "Cidade das Luzes", e depois `as catacumbas. 

A atriz britânica Perdita Weeks dá vida à protagonista com a entusiasmada energia de quem reconhece como um papel poderá alavancar sua promissora carreira. Mais conhecida pela performance no aclamado "The Tudors", Perdita Weeks recebeu de John Erick Dowdle seu primeiro papel de envergadura na grande tela. Aqui lembrando-me uma jovem "Katherine Heigl britânica", Perdita oferece uma performance digna de nota ao fugir de armadilhas fáceis, interpretando a personagem com modos mais suaves, agradáveis e elegantes. Em filmes parecidos, onde as rédeas acabam nas mãos de personagens femininas, os diretores tendem a construi-las como super heroínas capazes de empunhar armas de fogo ou realizar movimentos acrobáticos em cenas de luta irreais. O clichê torna-se cansativo. O diretor John Erick Dowdle e sua atriz principal evitaram a cilada, com uma protagonista que jamais soa artificial. Ao contrário, a doçura com que Perdita dá vida à Scarlett talvez represente a verdadeira "Pedra Filosofal" de Dowdle, que definitivamente contou com a pessoa e o desempenho corretos para capitanear a produção.

John Erick Dowdle ganhou uma chance no sistema dos blockbusters graças a seu inquestionável talento. Apesar de pouco visto (até hoje inédito em DVD), seu "Poughkeepsie Tapes" se tornou a lenda sobre a qual fãs de horror cochichavam. Ironicamente, foi esse pequeno filme de horror "maldito" de 2007 que despertou a atenção de gente como M. Night Shyamalan, que o escolheu a dedo para rodar "Devil". Mesmo se tratando de sistemas de trabalho tão distintos - filmar uma produção independente diverge completamente de realizar um blockbuster para a Universal -  há algo de "Poughkeepsie Tapes" que sobrevive nas incursões de Dowdle pelo cinema comercial, como "Quarentena", "Devil" e "As Above so Below", talvez o amor do diretor por clássicos do passado, impresso em discretos pequenos instantes de seus filmes, como quando em "Poughkeepsie Tapes" a melhor amiga de Cheryl Dempsey diz algo nas linhas de que "foi difícil me recordar da garota que eu amava e conhecer a mulher que voltou", que nos faz pensar em quão bons e intrigantes eram os suspenses de nossa infância, e constatar a maestria com que Dowdle sabe endereçar semelhantes sentimentos. Não apenas com suas raízes cinematográficas fincadas firmemente no fértil terreno das décadas de 70&80, quando Cronenberg, Barker, De Palma e Argento eram Reis, Dowdle se expressa com um rebuscado sabor a mais, provavelmente a melancolia tão inerente a quem ama o gênero.

Ao situar boa parte da história de "As Above so Below" no labirinto abaixo de Paris, John Erick Dowdle parece prestar uma homenagem a um clássico muito querido do passado, "Hellbound: Hellraiser 2". Assistindo ao sufoco vivido pela turma liderada por Scarlett, recordei-me da violentíssima última hora de "Hellbound: Hellraiser 2", quando as protagonistas exploram o domínio de Leviathan, o inferno descrito como um estéril, cinzento labirinto, um "coliseu infinito" perenemente mergulhado nas sombras, sobre o qual paira girando o Leviathan, uma figura gigantesca e indiferente em forma de tetraedro. Embora haja mais espaço para fantasia e imaginação no filme dirigido por Tony Randel e produzido por Clive Barker, "As Above so Below" também recaptura a claustrofobia de se penetrar em um reino onde regras de Lógica e Física não se aplicam. Em ambos os filmes, ainda mais em "Hellbound: Hellraiser 2", pesando sobre as imagens delirantes, um clima tétrico e pesado acompanha os personagens ao longo da "descida". Não obstante o diretor Dowdle mirar nos blockbusters mais clássicos estilo "Os Caçadores da Arca Perdida", "As Above so Below" quase ensaia o impacto de "Hellbound: Hellraiser 2". Mesmo quase trinta anos após o lançamento, todavia, a crueldade e a força de suas imagens simultaneamente gráficas e erotizadas ainda estão para ser rivalizadas, e talvez ciente disso, Dowdle nem tentou, limitando-se a discretamente a acenar com o chapéu para um dos clássicos que definitivamente fizeram parte de sua formação de cineasta.

O "rebuscado sabor a mais" a que me refiro alguns parágrafos acima se destaca na primeira metade de "As Above so Below", antes da descida às catacumbas. Como poucos diretores conseguem, Dowdle aproveita ao máximo as oportunidades que a ambientação da história permite. Há algo no Velho Continente, em cidades tão românticas quanto Paris, que faz o gênero se ver "em casa" novamente. Não só dos antigos filmes de Dario Argento me recordei, como também experimentei um tipo de eletricidade que revisito todas as vezes que leio a coletânea de Clive Barker "Books of Blood". De certa forma, "La Femme du Vème" foi outro suspense recente que também reuniu as qualidades que o aproximaram das tintas do mestre britânico do Horror. As catacumbas podem parecer o último lugar que você gostaria de visitar se fosse fazer turismo em Paris, mas então por que virou ponto turístico a ponto de atrair backpackers de todos os cantos do mundo?Existe um estranho apelo romântico na coexistência de um lugar que há séculos serviu de morada final para as pessoas vitimadas pela Peste & as delicadas ruas com pequenos, antiquíssimos prédios, seus cafés e tabacarias, a ideia da Morte convivendo harmoniosamente com a criativa boemia artística e os encantos da "Cidade das Luzes" acima.

Os dois contos que mais têm sua linguagem traduzida para celuloide são "The Life of Death" & "New Murders in the Rue Morgue". As catacumbas como pano de fundo remetem a "The Life of Death", uma gótica história sobre uma mulher aos seus 30 e tantos chamada Elaine, que recentemente teve o útero extirpado para livrar-se de um tumor. Profundamente deprimida, evita a companhia dos colegas de trabalho e rechaça as investidas do ex-noivo, que deseja reatar. Quando o tumor no útero havia sido descoberto, ele terminou o relacionamento, justificando-se no desejo de ser pai e a impossibilidade de realizar o sonho agora que o problema no útero a impediria de gerar vida. Apesar de arrependido, seu remorso não basta para demovê-la do ressentimento. Mesmo livre do câncer, Elaine se mantém distante e reservada, e os colegas constantemente a flagram de olhos marejados. Uma manhã, ela é atraída pelo rumor de trabalho da Prefeitura, demolindo uma antiga igreja de uma pracinha, no centro de Londres. Curiosa, Elaine visita o cenário e conhece um cavalheiro muito educado, que lhe conta que ali se encontra para visitar o lugar por uma última vez, pois logo a Prefeitura interditará a praça por uma questão de saúde pública: os trabalhos de demolição instabilizaram a fundação, e abaixo da igreja, há catacumbas usadas na época da Peste Negra para guardar os mortos. Naquela noite, intrigada com a conversa sobre catacumbas, Elaine retorna à pracinha, e tirando proveito da distração dos funcionários, ultrapassa as faixas e desce até às mesmas. Ao enxergar os restos fossilizados daquela gente, descobre que a Morte não é tão chocante assim. Inesperadamente, após a experiência, retorna para casa revigorada e até mesmo feliz. Ela redescobre o prazer de viver, permite aflorar a sexualidade, e vez ou outra, ao regressar `a pracinha, encontra seu admirador, com quem segue conversando e paquerando docemente. Enquanto Elaine volta à vida com muita saúde e disposição, os colegas do trabalho passam a cair, um a um, vitimados por uma estranha doença semelhante à Peste. Barker jamais responde a questão proposta, mas nos guia sutilmente à conclusão de que o cavalheiro galanteador não seria nada menos do que A Morte. Vários elementos da escrita de Clive Barker me deixam boquiaberto, talvez os mais impressionantes a habilidade para sustentar suspense a ponto de tornar duas mídias tão distintas - literatura & cinema - praticamente a mesma coisa, a naturalidade com que mescla o absolutamente fantástico aos dramas banais do cotidiano, e a maneira apaixonante com que escreve personagens femininas. Barker afasta as fórmulas fáceis, com seu jeito de escrever mulheres inesquecíveis, jamais vulgares, sempre contradições vivas. Ao ler "The Life of Death", praticamente vi passar diante de meus olhos o "filme" que Barker estava "rodando". Enxerguei nitidamente a atriz Naomi Watts como "Elaine Ryder", a interação desajeitada mas contraditoriamente confortável e asseguradora entre a Elaine e o cavalheiro, quando se conhecem pela primeira vez, e o desenrolar da trama, a cada página mais intrigante, mais atmosférica. Não apenas o espírito melancólico evocado por Dowdle ao filmar "As Above so Below" juntou as peças na minha cabeça, como também a questão das catacumbas, tão proeminentes em ambas as histórias, uma escrita & a outra contada por imagens em movimento. A influência de Edgar Allan Poe sobre o imaginário de Clive Barker jamais foi questionada pelos estudiosos de sua obra; em "New Murders in the Rue Morgue", o escritor britânico escancara a admiração pelo artista do macabro que o antecedeu readaptando um de seus mais conhecidos textos, "Os Assassinatos na Galle Morgue", sobre um detetive que investiga uma série de bizarros assassinatos a golpes de navalha, e vem a descobrir que o maníaco era um pobre e confuso gorila, que perdera o controle ao encontrar uma navalha. Em "New Murders in the Rue Morgue", Barker contava a história de três amigos - dois homens e uma mulher - que haviam passado a melhor época de suas vidas, a juventude, na Paris pré-guerra, e agora se reencontravam na "Cidade das Luzes" muitas décadas após as férias que tinham mudado suas vidas, em circunstâncias sombrias. Lewis, o protagonista, jamais deixara se apagar a centelha do amor por Catherine, irmã de Philippe. Muitos anos mais tarde, agora aos 73 anos, Lewis é procurado por Catherine. Philippe foi preso, acusado de estraçalhar a golpes de navalha a jovem amante. Ao mergulhar fundo nas investigações e escutar histórias sobre um cavalheiro encorpado e monossilábico que fede à excesso de perfume, Lewis descortina lentamente a horrorosa verdade. Philippe crescera com as histórias de Lewis sobre o conto de Edgar Allan Poe, "Os Assassinatos na Galle Morgue", na cabeça. Ele costumava escutar eletrizado à maneira como o amigo falava sobre o gorila e a navalha, o que semeara na sua mente perturbada a ideia de tentar a mesma empreitada. Paciente e secretamente, treinou um gorila para portar-se como cavalheiro, criando um monstro nos moldes da criatura descrita por Edgar Allan Poe. Dado a moças novas, Philippe se apaixonou por uma sedutora estudante parisiense de Medicina, para quem arrumou um apartamento para os encontros amorosos. Quando o gorila - agora uma besta de natureza travestida, metido em trajes de cavalheiro vitoriano e capaz de articular frases menos complexas - assistiu ao amor de seu mestre pela mulher, ficou enlouquecido, estraçalhando a estudante de Medicina e dando início ao massacre, assassinando muitas prostitutas da região conforme o mesmo modus operandi. O proveito magistral de Paris e seu clima de mistérios e magia salta das páginas, e pelas lentes de John Erick Dowdle, na primeira metade de "As Above so Below", salta das telas, colocando-nos de imediato bem no meio dessa melancólica jornada que poderia muito bem ter saído da mente angustiada de um poeta tão atormentado quanto Barker ou Poe. Quando Scarlett e os exploradores descem às catacumbas, um certo desânimo abateu-se sobre minhas expectativas, pelo menos por um breve momento. Eu temia que a parte fotográfica tão maravilhosamente capturada por Dowdle, como na cena entre Scarlett e George ao alto da catedral, assistindo ao encanto dos parisienses quando os sinos voltam a bater, ou o ritmo ágil de empolgação e mistério deixassem saudades, ficassem para trás. Felizmente, Dowdle sustentou o ritmo, mas não há como negar a supremacia da primeira parte sobre o segmento final.

Para quem jamais se esqueceu daquelas saudosas aventuras sobre tesouros e civilizações perdidas e também "aprecia o prato" com uma pitadinha de Horror, "As Above so Below" é o filme da vez, um motivo de celebração. Filmes do tipo acontecem raramente. Adicionem ao desinteresse dos grandes estúdios a marcação cerrada que fazem sobre "diretores artísticos", ou seja, cineastas que prezam por imprimir identidade à obra, por maior que seja a escala de produção, e compreenderão o milagre da existência de "As Above so Below". O mesmo diretor deve lançar seu próximo filme em breve, "The Coup" (ou "O Golpe"), estrelando Owen Wilson, sobre uma família norte-americana viajando por um país estrangeiro, de férias, quando um golpe de Estado derruba o governo e causa caos, os rebeldes executando sumariamente os estrangeiros. Aproveitando o ensejo, 2015 deverá ser um ano maravilhoso para o gênero, que segue na curva ascendente graças à nova geração de diretores que trouxe consigo o melhor dos mestres do passado. Entre os diversos filmes interessantes, há os de lançamento mais imediato, e outros a que só nos resta aguardar. Entre os mais próximos, eu acho que "Unfriended" deixará uma forte impressão, sobre seis adolescentes perseguidos pelo fantasma de uma moça que se suicidou um ano atrás, depois que os amigos a haviam filmado alcoolizada, postado o vídeo na internet como brincadeira e a chamado de palavras de baixo calão. De muitas maneiras, a proposta se assemelha `a do ótimo "Ouija O Jogo dos Espíritos". Mais distante, no grande esquema das coisas, há "Jacqueline Ess", a adaptação de um dos melhores contos de Clive Barker, um veículo para a atriz Lena Headey, a Cersei de "Game of Thrones", que viverá a heroína da história, a "Jacqueline Ess", uma mulher que somatiza as frustrações do casamento e as traições do marido no poder telecinético sobre a matéria. Barker jamais escreveu com tanta propriedade sobre mulheres excepcionais. Resta imaginar se o diretor da adaptação enxergará os detalhes que tornam o escritor - e as mulheres concebidas por sua mente - tão singulares.

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