terça-feira, 20 de agosto de 2013

Uma Noite de Crime ("The Purge", 2013) - O único feriado do ano que você não vai querer perder!


O ano é 2022. Os Estados Unidos vivem o mais próspero período de sua História recente. O desemprego quase deixou de existir, e não há de se falar mais em criminalidade... A não ser por uma noite no ano. Neste futuro próximo, para contornarem a grave situação institucional que se abateu sobre o país, os novos constituintes elaboraram uma Carta Magna onde ficou sacramentado um novo feriado, quando aos seus cidadãos seria concedido o direito de “libertar a besta” dentro de si. O “expurgo anual” funciona mais ou menos assim: iniciando-se pela noite e estendendo-se até o começo da manhã seguinte, todos os crimes ficam impunes. Saques, estupros e homicídios bárbaros, não há limites para o “expurgo”. Se você precisar de ajuda, a polícia não te socorrerá, muito menos os hospitais estarão de portas abertas. Basicamente, é cada um por si. Quem for prudente provavelmente se trancará em casa; quem tiver contas a acertar, preparará as armas para o “expurgo”. De uma estranha maneira, o fato de pessoas comuns terem um dia para exteriorizar seus rancores e frustrações sob a bênção do Estado permite que ânimos exaltados e insatisfações permaneçam adormecidos por todos os outros dias do ano. A família Sandim - que de tão perfeita e bem sucedida parece um clichê norte-americano, ícone do que o “expurgo” representa– não apenas se habituou ao nefasto feriado como também prosperou. James Sandim (Ethan Hawke) é um talentoso projetista de sistemas de segurança, que graças ao temor imposto pela noite do "feriado" viu a empresa crescer. A demanda de clientes lhe valeu a colocação de “número um” entre os demais empresários do ramo. Em casa, ele é o pai dedicado de um casal de adolescentes, Zoey e Charlie, e conta com o suporte e a compreensão de sua devota esposa Mary (Lena Headey) para criá-los. Os Sandim não questionam a “moral” que envolve a noite do “expurgo”, o hiato de doze horas quando o Estado "deixa de existir", e toda a sorte de barbaridades está valendo. De alguma maneira, os Sandim se satisfizeram na “zona de conforto”, racionalizando os benefícios que o feriado traz para a sociedade como um todo. Para os Sandim, a perspectiva maior, o fato de no restante do ano imperar a ordem e a paz justifica a falta de compaixão que toma conta das ruas. Tragicamente, são os cidadãos que moram nos bolsões de pobreza que mais sofrem, as maiores vítimas do “expurgo”, já que, diferente da família Sandim, não gozam do benefício de morar em bairros seguros de classe alta, cercados por "gente de bem". Para o feriado deste ano, porém, o destino reserva à família Sandim uma lição...

O filme se inicia com curtos parágrafos explicativos, que “justificam” o “expurgo”, sobrepostos a imagens de violência capturadas por câmeras de segurança. A adição da suave melodia “Clair de Lune” dá à montagem uma qualidade surreal e contraditória: o “expurgo” salvou a América do Norte da recessão, suavizou as diferenças entre as classes, todavia as imagens brutais nos lembram a que preço tal “felicidade” foi conquistada. Na tarde que antecede o “expurgo”, James Sandim está voltando para a confortável mansão, tudo sob controle para a “grande noite”. Há uma certa euforia nas calçadas, os vizinhos cheios de planos para a noite. Alguns combinaram de se encontrar em uma festa e comemorar, outros estão preparando facas e rifles para “caçar” os desafetos. Na cozinha, James presenteia a esposa com um buquê de flores e os dois se beijam. Na televisão, um especialista tece considerações sobre o “expurgo”. Ele diz algo nas linhas de que a História tem provado que seres humanos são uma espécie violenta por natureza, e que quanto mais negarmos a dura realidade sobre nós mesmos, maiores serão os prejuízos, a longo prazo. O benefício que o “expurgo” oferece é o de reservar os nossos instintos mais macabros e primitivos para uma noite apenas, em uma catarse que nada mais é do que a canalização da agressividade que trazemos conosco, e que de outro modo jamais seria possível, que não de maneira destrutiva. Enquanto Mary escuta à reportagem com uma sombra de incerteza no rosto, seus olhos passeiam sobre as medalhas e prêmios que os filhos vêm angariando nos estudos e esportes. Por mais que deva se orgulhar da família, algo no fato de os Sandim abraçarem” o ”expurgo” sem questionamentos parece incomodá-la.

A dinâmica da família esconde alguns pontos nevrálgicos. No quarto de Zoey, ela está aos beijos com o garoto que descobrimos ser o namorado, um rapaz do bairro com mais idade. O namoro é interrompido quando o casal escuta o Sr. Sandim ganhando os degraus. Zoey diz que chegou a hora de o namorado partir, e que é melhor se apressar, pois dentro de algumas horas o “expurgo” estará começando por todo o país. Da bela vista da sacada da varanda, os adolescentes veem um dos vizinhos amolando o facão, preparando-se para a noite. Os dois se beijam, e o rapaz parece descer pelas grades ao jardim. À mesa, durante o jantar, há a natural tensão entre os pais e a filha adolescente rebelde. O pai lhe pergunta sobre como foi o dia e ela se sai com a desculpa de que não tem mais paciência para aturar aquele tipo de papo tedioso. Contemplando os monitores das câmeras de segurança, os Sandim observam os vizinhos se arrumando para o "expurgo" de maneiras diferentes, a maior parte das famílias do bairro chegando à opulenta residência dos Ferrin para a grande festa. Sandim aciona o sistema de segurança da mansão, e lâminas de aço lacram os acessos. Reunida na sala, a família acompanha o Sistema de Transmissão de Emergência entrando no ar para anunciar o feriado. Uma arrepiante e impessoal voz feminina sucintamente anuncia "Isso não é um teste. Este é o seu Sistema de Transmissão de Emergência, anunciando o início do expurgo anual, sancionado pelo governo dos Estados Unidos da América. Armas de classe 4 e abaixo foram autorizadas para uso durante o expurgo. Todas as outras armas estão proibidas. Aos oficiais do governo até o décimo ranking foi concedida imunidade, e não deverão ser machucados. Ao toque da sirene, qualquer e todo crime, incluindo homicídio, estará legalizado por doze horas contínuas. Polícia, bombeiros e serviços de emergência médica estarão indisponíveis até às sete horas da manhã do dia seguinte, quando o expurgo concluir. Deus abençoe os novos constituintes e a América, uma nação renascida". Após a transmissão, vem o assombroso chamado das sirenes. James diz aos filhos que todos ficarão bem. Zoey se retira para o quarto, ranzinza. Charlie surpreende os pais ao lhes perguntar por quê não participam do “expurgo”. James novamente se justifica, explicando que ele e Mary não precisam participar pois não sentem a necessidade de ferir os outros, mas que muitas pessoas guardam dentro de si rancor que pode acabar por envenená-las, e o fato de exteriorizarem as frustrações representa um melhor convívio, uma vez que quando o "feriado" termina, os caçadores voltam a se comportar como "pessoas de bem".

Tendo o “expurgo” iniciado, cada um dos Sandim vai cuidar de seus assuntos. Ao retornar ao quarto, Zoey toma um susto quando encontra o namorado. O rapaz não tinha ido embora. Ele retornara para o quarto quando Zoey havia descido para jantar. James cuida de documentos no gabinete, a televisão ligada ao fundo, com notícias sobre o feriado em diferentes partes do país. Como sempre, as discussões giram em torno da “validade” do “expurgo”. Um senhor questiona se o “expurgo” se trataria realmente da liberação da natural agressividade do ser humano, ou se apenas se travestiria daquela desculpa para mascarar o fascismo de uma estratégia maquiavélica para a eliminação de “párias” da sociedade: os pobres, os desajustados, os carentes, e os doentes, a erradicação dos “membros não contribuintes” para desafogar a economia. James parece escutar a tudo com uma expressão de incômodo. Assim como Mary, algo dentro do pai de família lhe diz que o fundamento sobre o qual a América do Norte "renasceu" é moralmente falido, malévolo e odioso. Enquanto James se ocupa com seus papéis, Mary se distrai fazendo esteira e escutando música. Enquanto namoram, o rapaz explica a Zoey que o real motivo de estar ali é para “pedir a mão” da moça ao pai. Ocorre que James não aprova a relação, pois o rapaz guarda uma relevante diferença de idade frente a filha. A garota responde que o plano não vai dar certo, que o pai não concordará, mas ele pede que tenha calma.

Naquele momento, Charlie, que estava entretido com imagens das câmeras de vigilância, vê um morador de rua entrando no bloco e suplicando por ajuda. “Estão vindo atrás de mim!Só preciso de um lugar seguro!”, o homem exclama, apavorado. Do fim da rua, chega a algazarra da turma que aparentemente está à caça do mendigo. Profundamente sensibilizado com  o sofrimento do homem, o garoto momentaneamente desarma o código de proteção da residência, e da porta que dá para o jardim grita para que entre logo. O gesto do menino acaba por salvar a vida do morador de rua. James fica furioso com a atitude do filho e apanha logo a pistola que deixou municiada para emergências. Em meio à confusão que toma conta da residência dos Sandim, que não compreendem o que aconteceu e por quê o filho deixou um mendigo entrar, o namorado de Zoey aparece no alto da escada e puxa um revólver da cintura. O plano do rapaz era aproveitar a oportunidade da noite do “expurgo” para “legalmente” liquidar o sogro, e se livrar do único obstáculo que o impedia de viver com Zoey. James consegue escapar dos disparos do “genro” e derrubá-lo com os seus. James não foi atingido, mas o namorado da filha, sim, mortalmente ferido. O morador de rua aproveita para se esconder na enorme mansão. James alberga a esposa e o menino no gabinete, e parte para a procura da filha. No quarto da menina, dá com o corpo do garoto. Quem acaba encontrado a menina é Mary. Zoey conta à mãe que não imaginava que o namorado faria aquilo, e Mary a consola.

Não demora a uma porção de estranhos mascarados aparecer no jardim dos Sandim. Parecem jovens universitários, no máximo vinte e poucos anos de idade, liderados por um bem vestido e educado rapaz de cabelos loiros. A família sobe para a sala de monitores, quando o líder da gangue aperta a campainha e se dirige aos Sandim olhando diretamente para a câmera de segurança e anunciando a intenção do grupo. O rapaz, que permanecerá inominado pelo restante do filme, explica que os habitantes do quarteirão contaram ao grupo que tinham sido eles, os Sandim, que tinham dado guarida ao morador de rua. Comparando o mendigo a um porco que precisa aprender a lição, o rapaz se descreve como semelhante a James, ambos membros da mesma “classe” privilegiada, e que moradores de rua como o homem a quem concederam asilo representam tudo o que há de errado na América. Aparentemente, quando atacado horas antes, o morador de rua reagiu e feriu mortalmente um dos agressores, e agora o grupo quer vingança. O líder diz que por mais bem protegidos que os Sandim se considerem, a turma tem os meios para derrubar os portões e “libertar a besta sobre ele (o morador de rua) e sobre vocês”, a não ser que o entreguem para o “expurgo” a tempo. Concedendo-lhes prazo para ponderarem a questão, o estranho e o grupo se despedem e prometem retornar dentro de algumas horas. O fornecimento de eletricidade da casa é cortado, mas o gerador mantém parte da energia para a operação de monitores.

James explica para a família que o melhor a fazer é dar aos estranhos o que estão buscando. O filho não concorda, mas o pai simplifica a questão: ou entregam o mendigo, ou então estarão se comprometendo, metendo-se na linha de fogo. De pistola e lanterna em mãos, Sandim parte pelos corredores e cômodos da mansão - que, uma vez mergulhada na escuridão, parece assustadora - mas não consegue achá-lo. O líder da gangue volta a bater na porta, e por uma abertura, tem uma conversa mais direta com Sandim, que lhe diz que nada tem contra o grupo ou seu direito de “expurgar”. Um dos membros intervém e começa a xingá-lo, demandando que entregue imediatamente o mendigo, quando, sem avisos, o líder puxa a arma e estoura seus miolos. Ele explica a Sandim que o rapaz que acabou de matar era um grande amigo, e mesmo assim não hesitou em atirar. Se foi capaz de matar um amigo, pede a James que imagine o que seria capaz de fazer com a sua família, vez que nunca os viu antes. O líder da gangue diz que está falando sério e a paciência está se esgotando.


Quando Sandim encontra o “hóspede”, não tem muita sorte. Ao tê-lo ao alcance da mira, este consegue agarrar Zoey e tomá-la como escudo. Sandim insiste que a gangue do lado de fora não lhe dá alternativas. Durante a dura troca de palavras entre Sandim e o invasor, Mary chega por trás do rapaz e o desequilibra. Inicia-se uma luta que termina com o morador de rua imobilizado. Os Sandim o amarram a uma cadeira, e se preparam para levá-lo para fora, para entregá-lo aos psicopatas que desejam “lhe ensinar uma lição”. A família está em vias de levá-lo, porém no último minuto Mary desperta para a insanidade da situação e questiona  a moral envolvida na escolha. James também tem a própria humanidade resgatada. O morador de rua pede para que os Sandim o levem para fora, a fim de acabar com o horroroso impasse, mas agora é James quem não aceita mais a chantagem da gangue. Ele diz ao morador de rua que não fará aquilo porque assim como os demais membros de sua família ainda acredita na justiça. O grupo se prepara para o confronto. James pede ao filho que se esconda no porão até a manhã seguinte. Ele e a esposa se armam até os dentes.

O líder do grupo começa a preparar a entrada. Os asseclas amarram correntes às barricadas da casa e as prendem aos carros. Ele avisa que se preparou para invadir. Os homens da gangue estão fortemente armados. Os carros arrancam e acabam levando junto os portões da mansão. Outros membros da gangue jogam pedras nas janelas. Dá-se início a um jogo de gato e rato, com os estranhos explorando a casa, enquanto os membros da família se escondem para preparar a resistência. O garotinho é pego por um dos estranhos, que o puxa pelos cabelos. Quando está para apertar o gatilho, é fuzilado pelas costas por James. Em um outro cômodo da casa, o líder da gangue tem a atenção capturada por uma foto de Zoey. Ele entra no quarto da menina, com estupro em mente, mas não a encontra. Zoey se escondeu sob a cama. James apanha de seu arsenal uma potente metralhadora, e mata mais um invasor. No salão de jogos, Sandim encontra por acaso mais dois estranhos, que parecem formar um casal. A moça porta um afiado machado. O casal ataca Sandim, o rapaz vindo primeiro, a menina em seguida, jogando um golpe com o machado, que James consegue deter, ao segurar a metralhadora diante do próprio peito. O rapaz segura James por trás e começa a enforcá-lo com a própria arma, mas o empresário consegue pôr as mãos em uma bola de bilhar e a arrebentar na cabeça do invasor. A moça vem com o machado, James se esquiva, vai ao chão e quando a garota pula na mesa de bilhar para preparar o golpe final, ele a explode com um potente tiro no peito. O companheiro da garota, que ainda está vivo, salta sobre Sandim, mas eventualmente James consegue dominá-lo, e termina de estraçalhar a sua cabeça, enfiando-a repetidamente em uma mesa de vidro. Novos perigos não param de chegar: um novo maníaco invade o salão de jogos, armado com uma pistola. Nova luta, e James se salva ao alcançar o machado a tempo de cravá-lo na espinha dorsal do inimigo. Com a adrenalina correndo pelas veias, o instinto de sobrevivência e masculinidade à flor da pele, Sandim apanha a metralhadora e termina de executar os três corpos aos seus pés, metralhando-os impiedosamente.

Lamentavelmente, James momentaneamente se esquece do líder da gangue, o estranho bem vestido com quem negociou a libertação do morador de rua. Este vem de supetão com uma faca e fere seriamente o pai de família. Os Sandim resistiram bravamente, porém os inimigos invadiram em maior número. Dois sádicos – um rapaz e uma moça - agarram Mary. A moça, a mais pervertida, se diverte fazendo cócegas na aterrorizada dona de casa, enquanto puxa o facão para fatiá-la, mas toma um tiro bem no meio da cara, e o companheiro é crivado pelas costas. Quem salvou Mary foi um casal de moradores do quarteirão, que em seguida entra no cômodo seguinte, sem nada acrescentar, para detonar o restante dos jovens da gangue. Mary encontra o marido, bastante ferido, e o consola. Ela chama por Charlie e Zoey, e somente o garotinho aparece. Aos pés da escada, a família se abraça, o "expurgo" próximo ao final agora que a manhã se aproxima, quando o sorridente líder da gangue aparece com uma escopeta. “Abençoada seja a América, uma nação renascida”, o rapaz entoa, mas quando levanta o rifle para finalizar a família, tem o pescoço varado por um tiro, e o peito fuzilado. É Zoey quem surge no último segundo para despachá-lo. Você seria levado a crer que o filme terminaria por aí, com a família finalmente reunida e em segurança, no entanto ainda há uma derradeira surpresa. No início do filme, na tarde que antecedeu o “expurgo” daquele ano em particular, o filme nos mostrou Mary interagindo com uma simpática vizinha, que a abordou e lhe deu biscoitos caseiros como sinal de gratidão e carinho. Esta senhora, juntamente com os demais cidadãos do quarteirão, aparecem na sala, e os Sandim ficam felizes ao revê-los, porém aí vem a grande surpresa. A simpática vizinha diz a Mary que eles, os Sandim, “são nossos, e não deles(os estranhos da gangue)”. O que os vizinhos fizeram foi matar os delinquentes para que eles, os vizinhos, pudessem ter a satisfação pessoal de os executarem. Mary e as crianças são amarradas, e quando a dona de casa pergunta à “amiga” por que pretendem cometer a maldade, a mulher lhe conta que quando viu os estranhos derrubando as barricadas, vislumbrou a oportunidade perfeita para “purificar o seu ódio”. O fato é que os solícitos vizinhos, que os Sandim julgavam conhecer tão bem, vinham requentando dentro dos corações, por todos aqueles anos, o nefasto sentimento da cobiça e inveja. O morador de rua que os Sandim salvaram da morte repentinamente surge na sala para virar o jogo. Ele fuzila um dos vizinhos, e ordena que os demais abaixem as armas, imediatamente. Os Sandim são desamarrados pelo mendigo, que concede a Mary o direito de julgá-los. “A escolha é sua”, ele decreta, a arma apontada para os vizinhos traiçoeiros. Mesmo após todo o caos e morte da noite, a inveja e o ódio não conseguem ser mais fortes do que o poder do perdão, e Mary os deixa ir. Um novo dia chega, e o “expurgo” termina. Com uma nova manhã, vem uma nova perspectiva de vida para os Sandim, que finalmente percebem a falsidade e a loucura que sustentam a suposta prosperidade norte-americana, bem como compreendem o quão pouco conhecem os “amigos” que os cercam, pessoas que frequentemente sorriem ao cruzarem seus caminhos pelos corredores do trabalho ou calçadas do bairro, porém que, por trás, lhes desejam gratuitamente o mal, apenas pela inexplicável e poderosa influência maligna da inveja e do rancor. A nova perspectiva também lhes permite observar quão cômodo e equivocado fora condenar “párias” e perdedores que por mais desprezíveis que um dia tivessem parecido, haviam feito a diferença e salvado suas vidas nos momentos mais delicados, na hora em que se viram mais vulneráveis e indefesos.


Interessante filme de suspense produzido pelo criativo time por trás de sucessos como Sobrenatural e Invocação do Mal, Uma Noite de Crime parte de uma intrigante premissa e traz à mesa questões pertinentes aos problemas morais que enfrentamos nos dias de hoje. Novamente experimentando um gênero onde vem se saindo muito bem, Ethan Hawke estrela no papel de James Sandim, e basicamente recicla o protagonista relutante que interpretou no ótimo A Entidade. Com o aclamado Antes da Meia Noite em vias de lançamento nos cinemas brasileiros, é um dos atores que mais se mantém ocupado, e o seu nome envolvido em um projeto sempre traz excelentes surpresas. Lena Headey se sai maravilhosa como dona de casa e devota esposa, em uma personagem que representa uma radical ruptura em relação aos papéis pelos quais se tornou notória, como a articulista de Game of Thrones ou mesmo a impiedosa mega traficante de drogas no excelente Dredd O Juiz do Apocalipse. Ela tem uma qualidade, que eu não saberia pontuar, acho que uma classe, uma melancólica elegância, uma aristocrática e renascentista beleza, que me faz pensar em Clare Higgins na época dos dois primeiros Hellraiser. Rhys Wakefield, um ator novato mais conhecido pelo papel de filho brigado com o heroico pai mergulhador na aventura Santuário, deixa uma forte impressão como o antagonista. Para sua sorte, o diretor James DeMonaco soube como utilizá-lo muito bem. Ele não o super expôs ou o banalizou, o personagem sequer recebeu um nome. As oportunidades em que aparece podem ser contadas nos dedos das mãos, mas sempre causam forte impressão. DeMonaco sabe como dirigir filmes de horror, onde "menos é mais". Eu li a resenha de um senhor que assistiu ao filme e também ficou impressionado com a performance de Rhys Wakefield. Ele traçou uma maravilhosa comparação, ao escrever que enxergou muitas similaridades entre a performance de Wakefield em Uma Noite de Crime e o personagem do Coringa no último filme de Batman, de 2008. Assistindo ao filme novamente, compreendi as semelhanças que o levaram a fazer a comparação, e devo dizer que os dois desempenhos são mesmo muito parecidos, dois personagens aterrorizantes em suas instabilidades. O grande destaque, porém, cabe a uma atriz que aparece justamente duas vezes durante o filme, no início e na conclusão. A atriz Arija Bareikis interpreta Grace Ferrin, a simpática e extrovertida vizinha dos Sandim, que na tarde que antecede o “expurgo”, chega para cumprimentar Mary, e graciosamente lhe leva biscoitos, todavia menos de vinte e quatro horas depois, dada a oportunidade de dar vazão às inseguranças e frustrações, mostra suas verdadeiras garras. Muito embora o diretor DeMonaco ilustre o grande vilão desse filme na figura do líder da gangue vivido por Rhys Wakefield, quem acaba por se provar o mais arrepiante ícone da falsidade do "expurgo" é a vizinha Grace. O fato de ela estar disposta a matar uma família que conhece e a quem sorri por anos muito nos fala sobre a natureza feia e desprezível da inveja. 

Trilha sonora e fotografia também são pontos fortes em Uma Noite de Crime. A melodia me fez pensar em um outro suspense similar, sobre pessoas sitiadas por inimigos fortemente armados, chamado Assalto ao 13ª DP. As fotografias também são semelhantes, pois ambos se passam à noite. A maior parte do enredo se dá em uma claustrofóbica madrugada, e o diretor pincela os corredores e cômodos com um atemporal, fantasmagórico azul. Acho interessante revisitar filmes antigos, do começo dos anos 90, por exemplo, que ambientaram os enredos no "futuro", justamente a época em que vivemos hoje, para comparar a visão exagerada com a realidade de nossos dias. Uma Noite de Crime transcorre no ano de 2022, porém não há sinais de exageros, não há visões extraordinárias de deslumbrantes tecnologias, apenas sutis indícios, aqui ou acolá, que ilustram as novidades do futuro próximo. O desenho das armas é um espetáculo à parte. O diretor claramente lhes deu um certo arrojo, sofisticação, que assim como o design dos carros, esboçam com sobriedade o que podemos esperar para a próxima década.


Se por um lado a crítica que faz à sociedade e à fatídica direção individualista que estamos tomando parece inédita, por outro, o formato que DeMonaco utiliza para ambientar o filme é bastante familiar, e ao assistir a Uma Noite de Crime, um suspense maravilhoso logo me veio à mente: Os Estranhos. O formato "personagens presos a um ambiente fechado e claustrofóbico assediados por uma terrível força do mal que bate às portas" pode ser muito arriscado, porque exige uma fantástica elaboração de atmosfera e fundamentalmente a sustentação pelo restante da fita. Tomemos o caso de Os Estranhos. O que o filme de Bryan Bertino fez muito bem foi criar uma misteriosa, intrigante meia hora inicial, antes que o trio de psicopatas começasse a efetivamente investir contra o casal em sua isolada cabine de campo. Por meio de eficientes sugestões, Bertino fez os cabelos da nuca eriçarem antes mesmo que os invasores empunhassem machados para invadir a propriedade. Quem assistiu a Os Estranhos, se recordará da cena em que o casal está se reconciliando, quando é interrompido por uma batida na porta (isso às altas horas da madrugada). Ao verificar de quem se trata, dão com uma bonita moça jovem e loira, ali de pé no alpendre, perguntando se "Tamara está". O rapaz tenta ligar a luz do alpendre para enxergá-la melhor, mas a lâmpada não funciona. O casal responde que ali não mora nenhuma Tamara, a garota insiste "Tem certeza?" e eles respondem que sim. A moça avisa "Eu os vejo mais tarde" e vai embora. Assim que a estranha se despede, o casal abre a porta e vai para o alpendre, onde encontra a lâmpada desatarraxada. Imediatamente, ambos têm uma péssima impressão quanto ao inusitado encontro, que parece definitivamente evidenciar uma cilada em andamento. O que Bertino consegue com maestria é nos provocar com uma amostra do que está por vir. Volta a fazer o mesmo em muitos outros momentos, como quando da janelinha do porão da cabine, o casal avista uma das visitantes, a mesma moça loira, agora mascarada, parada à distância em uma estradinha de terra batida, banhada pela lânguida e fria luz amarelada dos postes. Para nos brindar com pequenos e sutis momentos assim, Bertino precisou de algo em torno de meia hora. O problema de Uma Noite de Crime é que DeMonaco não teve muitos instantes semelhantes. Sim, há sequências sutis e tétricas, que realmente ficam na cabeça, como a família assistindo à transmissão do sistema de emergência, a voz feminina entrando para anunciar o começo do "expurgo", porém parece que logo chega a parte em que o morador de rua pede guarida e a gangue aparece à porta exigindo sua entrega. Isso não torna Uma Noite de Crime um filme menos eficiente, gostaria de deixar bem claro que muito o apreciei, contudo, ao compararmos os conceitos de criação de atmosfera e de sustentação de ritmo, a vantagem fica com Os Estranhos. Até o fato de em Os Estranhos a ameaça limitar-se a três pessoas - duas mulheres e um homem - beneficia o filme com uma bem vinda simplicidade, que permite forte caracterização de vilões, mesmo que pouco falem ou mesmo jamais tirem as máscaras durante a projeção. Vez que em Uma Noite de Crime a crítica social parece ser o foco do diretor, sabemos pouco sobre a família Sandim, e a presença de muitos vilões acaba por diluir o impacto que teria, caso estivéssemos falando de um trio, como em Os Estranhos. Ao contrapor as diferenças entre Os Estranhos & Uma Noite de Crime, acho que o primeiro filme alçou voos maiores pelo fato de ter primado pelos "detalhes". Eu gostaria de destacar que os pequenos pontos fracos de Uma Noite de Crime não o prejudicam substancialmente. Em que pese as minhas ressalvas, Uma Noite de Crime continua um excelente e sólido filme de suspense, altamente recomendável e que merece ser visto nos cinemas.


Uma Noite de Crime cumpre com louvor a missão a que se propõe, nos fazer pensar em que sentido estamos indo enquanto sociedade. No filme, a prosperidade sustentada à custa das vítimas da noite do "expurgo" nada tem de justa, pois por mais que se negue, são as pessoas que ficaram à margem dos sonhos as vítimas preferenciais do massacre, enquanto aqueles que prosperaram, os "cidadãos de bem", assistem a tudo de suas casas confortáveis, indiferentes e parciais, apegados à crença do Bem maior a qualquer custo, silenciando a fraca voz de suas consciências que ocasionalmente lhes sussurra que algo naquele conceito satânico, que mais parece saído da filosofia doentia de Ayn Rand, está errado. Uma Noite de Crime também nos obriga a enfrentar a parte mais feia que há dentro de praticamente todos, que não as verdadeiramente iluminadas e evoluídas, sobrepondo a ampla discussão sociológica com uma outra que se dá a um nível muito mais íntimo, pessoal e desagradável. Mais intrigante do que assistir a um filme sobre um momento na História da América do Norte em que os constituintes passaram tão macabra ideia, a do "expurgo", é encarar e aceitar a falsidade que como titereira rege a dinâmica das relações entre os membros de um mesmo meio. É muito revelador que a vizinha sorridente que cumprimenta Mary no início seja a figura que ressurja ao final para aproveitar a oportunidade do "expurgo" e lhe dizer que sempre teve muita inveja de seu casamento e sua casa, a ponto de precisar matá-la para se sentir menos triste quanto a miserável existência. Mais impressionante que a "transformação" de Grace é a constatação de que ao longo de todos aqueles anos em que alimentou os horríveis sentimentos de rancor e vingança, conseguiu conviver cordial e alegremente com a família ao lado, jamais exibindo a face feia escondida por trás da máscara da gentileza e educação.Diferente do que você possa vir a imaginar, todavia, Uma Noite de Crime não é um filme pessimista, pois da mesma forma que a inveja é um elemento importante desta aventura, também o é a generosidade inesperada e incondicional vinda de completos desconhecidos. Se não há nenhuma razão para o show de maldades que chega de "amigos", a manifestação do Bem, simbolizado na figura do morador de rua, não precisa de compensação alguma para neutralizar a força do Mal. O Bem é espontâneo, honesto e desapegado. A conclusão é moralmente redentora, pois com o fim da noite vai-se o "expurgo", e com a chegada do dia, a família, a salvo, assiste ao mendigo que salvou suas vidas partindo silenciosamente sob a gloriosa força do Sol Nascente. Os Sandim jamais chegam a conhecer o seu nome, mas isso não importa, pois já tiveram a sua lição. Para cada "amigo" falso e invejoso que nos cerca, há um "pária" desconhecido e honrado que não se vendeu.  
 
Todos os direitos autorais reservados a Universal Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha. 

domingo, 11 de agosto de 2013

V/H/S 2 - De cultos suicidas à abdução por alienígenas, este charmoso suspense tem de tudo!

A antologia de pequenos e criativos segmentos de horror V/H/S ganha uma bem vinda sequência com este intrigante e peculiar filme que reúne os mais novos e criativos cineastas do gênero para quatro inventivos e diferentes contos de horror. Desde abdução por alienígenas a ataque de zumbis, passando por fantasmas e cultos suicidas, V/H/S 2 emula com muito charme o espírito criativo e pioneiro do original, reciclando familiares elementos de clássicos de horror para melhor efeito, dando-lhes conotações ainda mais bizarras e surreais, fruto da combinação de estilos muito ousados e diferentes. Muito bem produzido, o filme também esbanja um frescor independente e marginal, diferente das produções caríssimas que chegam aos cinemas na época das férias, porém que de sofisticado nada trazem, vez que “precisam jogar seguro”, ou melhor, recuperar o dinheiro investido na empreitada. Assim como o anterior, as origens essencialmente independentes de V/H/S 2 o tornam uma excelente oportunidade para que os diretores possam exercitar as fantasias que bem entenderem. Talvez não por acaso, V/H/S 2 tenha sido concebido e distribuído comercialmente pela Magnet, a mesma produtora por trás de outros recentes e maravilhosos trabalhos de arte, tais como Monsters & Europa Report.

Um casal de detetives, que vive de flagrantes extraconjugais, investiga o sumiço de um rapaz, desaparecido sem deixar rastros. Os primeiros que deram pela ausência do garoto foram os colegas de faculdade, que então comunicaram a família sobre o ocorrido. Os detetives começam a procurar por informações e pistas em sua casa. No lugar, veem marcas de sangue na parede, os móveis revirados, e encontram um notebook  ligado a aparelhos de videocassete. Ao manipular os arquivos do computador, a moça descobre um documento de vídeo onde o garoto desaparecido fala de modo incoerente sobre ter conhecido o dono de uma loja de penhores na Armênia que lhe franqueara acesso a uma ampla coleção de fitas. Segundo o rapaz, o conteúdo dos snuff films que adquiriu é genuíno. Ele diz algo nas linhas de Nós somos todos apenas energia eletromagnética então essas fitas capturam imagens do sobrenatural. A detetive insere o primeiro tape no aparelho, para compreender sobre o que o rapaz se refere

O primeiro conto revolve um jovem que recentemente sofreu um acidente automobilístico, e perdeu a visão de um dos olhos. Uma arrojada técnica cirúrgica permitiu que os médicos restaurassem o sentido no olho danificado através da instalação de um dispositivo que não apenas lhe devolveu a capacidade de enxergar como também pode registrar as imagens. Após a consulta final com o médico, a caminho da saída, o rapaz nota uma moça parada no hall, que o encara de uma maneira muito estranha. Ele chega a sua casa, localizada em uma bela colina. Quando começa a se pôr à vontade, coisas incomuns passam a se suceder. Depois de dar uma pausa no jogo para preparar uma xícara de café, ao voltar à sala de estar, não encontra o controle, e, na cozinha, a chaleira é inexplicavelmente arremessada ao chão. O que começa estranho torna-se macabro quando ao passar para a suíte principal, vê claramente uma silhueta sob o lençol da cama. Ao puxar o lençol, não há ninguém, porém ao se virar, encontra um homem muito pálido e ameaçador, que não lhe dirige a palavra. Apavorado e incrédulo, o rapaz se tranca no banheiro. Mais tarde, encorajado a verificar o restante da casa, enxerga um novo visitante, o fantasma de uma menina. Desta vez, o visitante interage com o ambiente, pois depois que o homem procura refúgio no banheiro, a porta começa a bater do lado de fora, como se o espírito quisesse entrar. Exausto e aterrorizado, o rapaz acaba por dormir ali mesmo.

Na manhã seguinte, ao acordar dentro da banheira, destranca a porta e encontra a casa toda revirada. Naquela mesma tarde, a moça que viu no hall do hospital aparece na sua porta. Ela se identifica como Clarissa, e lhe pergunta se desde a cirurgia fenômenos incomuns têm acontecido.O rapaz fica surpreso - como ela poderia saber?Clarissa lhe explica que nasceu surda, e aos 16 anos se submeteu a uma operação para implante coclear. A cirurgia lhe deu a audição, e algo mais. Clarissa passou a sintonizar determinadas frequências nos ambientes que ninguém mais conseguia perceber - ela passou a escutar os mortos. Ela conta ao rapaz que assim que entrou, escutou uma menininha chorando, e novamente ele reage com choque, vez que realmente enxergou o espírito de uma garota na noite anterior. Clarissa pede para que tenha calma. Segundo a moça, a maioria das pessoas jamais se dá pela presença de espíritos. Quando muito, veem-nos uma só vez em toda a vida, e isso se estiverem abertas o suficiente para a experiência. Dar-se pelos espíritos pode ser perigosíssimo, pois uma vez que percebam a conexão, marcam as pessoas para o resto de suas vidas, atormentando-as com queixas e pedidos. Clarissa o avisa a não interagir com os visitantes, pois quanto mais lhes der atenção, mais suscetível se tornará ao assédio, mais fácil ficará para que os espíritos o machuquem. O rapaz pergunta se a retirada do implante o ajudaria, mas Clarissa o desencoraja: de certa forma, apenas deixaria de vê-los, pois os visitantes continuariam ao seu redor, incomodando-o.Quando o rapaz se distrai e olha pela porta de vidro que dá para a área da piscina, encontra um homem de meia idade nu, de aparência realmente assustadora, a boca ensanguentada, olhando-os com ódio. Clarissa dá com os ombros, como que esperando pela visita, e lhe revela que o homem assustador em questão é o falecido tio. Ela consegue ouvi-lo; já o rapaz, enxergá-lo. Procurando distrai-lo, vez que quanto mais atenção, pior o assédio, Clarissa tira a roupa e os dois começam a fazer amor. A estratégia parece funcionar!Os dois dormem abraçados, e o visitante desaparece. 

O rapaz acorda e constata que os cômodos ainda estão repletos de manifestações esquisitas. Na cama da suíte, identifica com muita clareza um pequeno volume dormindo sob os lençóis, e ao arrancá-los, a menina morta que o atormentou na noite anterior salta em sua direção. A partir deste momento, a situação, anteriormente discreta, torna-se caótica:da sala de estar, chegam os gritos de Clarissa. Quando o rapaz procura ajudá-la, vê que a moça foi arrastada para a beira da piscina. Ele tenta lhe dar a mão, mas forças invisíveis a puxam para a água. Clarissa acaba se afogando. Ao retornar para dentro de casa, o homem dá com a menina e o homem do dia anterior, e ao correr para o quarto, ao passar pelos corredores e cômodos, enxerga novos visitantes, mais agressivos. Certo de que a sua única saída é a extração do olho operado, o rapaz o arranca "na raça", porém, conforme Clarissa alertara, a retirada do olho pouco faz para salvar a sua vida. Os espíritos entram no banheiro e o matam de uma forma horrível. 

A segunda estória oferece uma nova perspectiva para a instigante estrutura dos filmes de zumbis. Desde que George Romero praticamente inventou sozinho o estilo em 1968 com A Noite dos Mortos Vivos, outros cineastas fizeram experimentos, em um leque de distintas e interessantes visões, sendo a de Danny Boyle com o seu eletrizante 28 Days Later a mais autêntica e artística derivação da premissa. Em razão do número de filmes semelhantes, seríamos levados a crer que a fórmula não teria muito a oferecer, apenas "truques" velhos e conhecidos, mas o criativo V/H/S 2 consegue construir algo de inusitado e refrescante.Neste segmento, acompanhamos um rapaz que vai passear com a bike na estrada do parque. Ele faz uma ligação para a namorada,e promete retornar cedo, logo que terminar a prática. Durante o passeio, uma moça subitamente emerge do bosque e se joga desesperadamente na sua frente. Ela foi mordida, e implora que o homem a ajude. Menciona alguma coisa sobre o namorado, mas antes que possa se explicar melhor, começa a vomitar sangue. O rapaz lhe dá algum espaço, e ao olhar em outra direção, enxerga algumas pessoas caminhando de maneira estranha e lenta, quase como se estivessem em transe. Ele se assusta com o que vê, e quando vai ajudar a moça a se levantar, para que ambos possam dar o fora, é mordido. Cambaleante, cai mais adiante na trilha para bicicletas. 

Um jovem casal o encontra, e dentro da mesma dinâmica do que aconteceu previamente, são mordidos ao procurar ajudá-lo. As pessoas no bosque parecem infectadas por um vírus semelhante ao da Raiva, só que potencializado. O tempo entre a mordida e a manifestação dos sintomas é exíguo, questão de segundos, e assim, logo o Mal se espalha entre os ciclistas e corredores na trilha das bicicletas. Mais adiante no parque, uma família celebra o aniversário da filha, alheia ao que se passa nas cercanias. A alegria é interrompida pelos gritos da menininha, que quando está para assoprar as velas, enxerga os zumbis chegando. Em uma cena brutal, a carnificina toma conta do lugar, com alguns pais sendo mordidos; outros, resistindo ao ataque dos zumbis e os enfrentando. Duas famílias conseguem fugir em seus carros. O rapaz do começo do segmento, o ciclista, é colhido por um dos carros, e ao ser atirado ao chão, acaba por discar involuntariamente para a namorada, com quem conversara antes de toda a confusão. Mesmo tomado pelo vírus, a voz da namorada parece resgatar um pouco da humanidade que resta ao infectado, e ao tomar conta de que se tornou um zumbi, consegue ter a lucidez para pegar um rifle que apareceu no meio da comoção, e se matar, pondo fim ao processo de transformação. 

O terceiro episódio é o melhor da coletânea. Dirigido por um maravilhoso cineasta que recentemente deixou o mundo boquiaberto com o cinético filme de ação The Raid - Operação Invasão, o segmento, intitulado Safe Haven, é o mais longo dos quatro, e funciona como um inexplicável, enriquecido e surreal pesadelo, onde cada peça é única e peculiar, mas cuja soma não faz sentido algum. Logicamente, o fato de as peças não se encaixarem levariam as pessoas a classificar o filme como incompleto, mas quando se compreende que a atmosfera do segmento é a de um esquisito sonho, a montagem faz perfeito sentido. Ademais, a força cinética esbanjada por Gareth Evans em The Raid - Operação Invasão dá as caras em Safe Haven, que em seus claustrofóbicos trinta e cinco minutos nos deixa em um estado de nervos que somente as melhores montanhas russas seriam capazes de reproduzir. Talvez não por acaso, os produtores tenham concedido a Evans maior espaço de tempo para explorar suas ideias, em um sinistro conto que envolve seitas religiosas, zumbis, apocalipse e a concepção do Anticristo. 

Na Indonésia, uma equipe jornalística composta por quatro pessoas - um casal de repórteres, o operador de câmera e som e o produtor - encontra-se em um restaurante com um recluso líder religioso a quem chamam de O Pai, para uma breve entrevista. O Pai é o mentor espiritual de um lugar conhecido como "porto seguro", recanto para pessoas de passado problemático, sedentas por aceitação e um novo começo. A nenhuma equipe jornalística foi franqueado acesso ao interior da comunidade. O Pai tem seus motivos para manter distância da mídia, pois acredita que suas convicções jamais seriam levadas a sério, e as pessoas os enxergariam como aberrações. Ele fala que o mundo como o conhecemos é passageiro, e que há uma ordem superior, um novo plano, onde só existem felicidade e paz para os fiéis que realmente creem em uma nova dimensão. O Pai conta que os fiéis estão convictos de que o momento de cruzar os portais para o paraíso se aproxima. Intrigada com as palavras do homem, a repórter lhe solicita uma entrevista mais aprofundada, a ser filmada dentro da comunidade. O Pai rejeita o pedido, mas a moça o vence pela insistência. Ela argumenta que compreende sua aversão à imprensa, mas promete que a abordagem da equipe se pautará pelo respeito às suas crenças - ela reafirma que apenas deseja lhes dar um espaço para colocarem as ideias da seita.

O "porto seguro" parece funcionar como uma típica comunidade isolada. Há câmeras instaladas pelos corredores e cômodos do complexo habitacional, erguido em um lugar remoto, distanciado da cidade. Os fiéis contam com o suporte de médicos e confortáveis salas de aula para as crianças. A equipe chega ao "porto seguro", e é recebida no portão por uma mulher e uma menina. Após a troca inicial de cordialidades, a garota presenteia a repórter com uma espécie de colar feito de raízes, e quando esta lhe pergunta se tem outras meninas com quem possa brincar na comunidade, a garota lhe diz que não é mais "menina", porque O Pai já a transformou em mulher. A senhora da seita imediatamente a silencia, e emenda um outro assunto. O momento sutil muito nos fala sobre a natureza da liderança e fascínio que O Pai exerce sobre as mulheres da comunidade. Nas entrelinhas, parece óbvio que O Pai costuma "purificar" as meninas e "transformá-las" em adultas, ou seja, ele é um maldito pervertido e as pessoas na comunidade são tão ou talvez mais doentes do que o guru. A equipe jornalística tem um mau pressentimento sobre a situação. 

Antes de serem levados ao encontro do Pai, a mulher os convida a um passeio através do complexo. No jardim, há crianças pulando corda, e em um dos salões, rapazes ajoelhados fazendo suas preces. Também visitam a sala para atendimento médico, o refeitório, e a sala de aula. Apesar da aparência de paz e tranquilidade, um clima tétrico e perigoso paira sobre o ambiente. O complexo é um lugar que muito embora sugira normalidade esconde segredos sujos. Já no gabinete do Pai, a equipe começa a preparar a entrevista. Ao prender o microfone na lapela da camisa do Pai, o operador de som vê manchas de sangue, e discretamente comenta o ocorrido com o repórter. Quando estão para começar a rodar a entrevista, a jornalista passa mal e se escusa. O jovem produtor diz ao repórter que a acompanhará ao banheiro, e que podem começar os trabalhos, pois não se demorará. A entrevista é desconfortável e tensa. O jornalista questiona O Pai sobre a delicada natureza do relacionamento entre o guru e as meninas do "porto seguro".

Caminhando enjoada pelos longos corredores vazios do "porto seguro" rumo ao toalete, a atenção da repórter é capturada pela sala de aula e as crianças, concentradas na atividade de rabiscar desenhos. Ela entra distraidamente, cumprimenta as crianças, mas então sofre um terrível susto quando, ao se virar, vê, paradas na porta e a observando com olhares analíticos e frios, a mulher mais velha e a menina que conhecera na chegada ao complexo. Ligeiramente assustada, a repórter procura amenizar a situação, com um comentário sobre o quão lindas são as crianças. A mulher responde com "Mas não tão lindas quanto a sua será". Esta cena é um dos instantes mais horripilantes do filme - nada de violento acontece, mas entonações de voz e olhares ambíguos deixam bastante explícito que toda a equipe de reportagem caiu em uma armadilha, e a comunidade do "porto seguro" tem planos para os visitantes. Há um truque de câmera, e se os amigo prestarem muita atenção compreenderão o efeito perturbador que o cineasta Gareth Evans procurou imprimir: quando a mulher e a menina se aproximam da repórter, com todo aquele papo esquisito de que "vai ter um filho muito especial", as duas parecem "deslizar" sobre o chão, parecem aproximar-se da moça sem caminhar, ao menos aparentemente. É um efeito muito sutil e discreto, que poucas pessoas vão perceber, mas que sem dúvida eriçará os cabelos de muitos, por razões que sequer saberão nominar. 

Para a sorte da repórter, o produtor chega à sala, perguntando se ela se sente melhor. Os dois deixam o lugar juntos para tomar um pouco de ar. A moça desabafa, emocionada, revelando-lhe que está grávida. Além da gravidez inesperada, confidencia que crê que o pai do bebê não seja o marido repórter, mas o próprio produtor: os dois mantêm um caso, obviamente desconhecido pelo marido. Neste ínterim, o repórter segue com a entrevista. O Pai justifica a íntima ligação com as crianças como uma forma de purificá-las para que possam atravessar límpidas os portais do paraíso. O rapaz retruca, perguntando como crianças, em sua inocência, teriam "impurezas" a serem corrigidas, porém O Pai insiste na mesma ladainha de paraíso e purificação. Enquanto O Pai defende inspiradamente a nobreza de seus ideais, o operador de som se inclina no ouvido do repórter e lhe avisa que a bateria está acabando. O jornalista explica o imprevisto técnico, e pede para que O Pai aguarde um pouco, pois irá apanhar novas baterias no carro, para que prossigam com a entrevista. Ao procurar por baterias na van, o repórter presta atenção a um dos monitores. A sua esposa tinha sido preparada com uma microcâmera no bolso da blusa, para capturar imagens aleatórias do "porto seguro" sem o conhecimento dos fiéis. Desavisadamente, quando começou a contar ao produtor sobre a gravidez e o romance extraconjugal, a moça não se atentou ao fato de que estava transmitindo a imagem, e para seu azar, o marido se encontrava na van, observando o monitor, bem no momento em que confidenciava seus temores e segredos. 

No escritório, O Pai usa o microfone para se dirigir aos fiéis pelo sistema de som do complexo. Ele diz que por todos aqueles anos foi a bússola de suas vidas, e que muito embora a espera tenha sido muito longa, a "hora" finalmente chegou. Mulheres da seita aparecem na sala de aula oferecendo copos d'água, e O Pai lhes diz para não hesitar, devem beber até a última gota. O operador de som, que até então escutara a tudo calado e perplexo, tenta conversar com O Pai, mas este ordena que se mantenha calado. Enquanto a transmissão chega aos corredores do complexo, o produtor acaba entrando em uma sala semelhante às de parto, e ao puxar o lençol sobre um volume, encontra o corpo de uma mulher com a barriga rasgada. Ele entra em pânico e sai correndo. No gabinete, O Pai entoa entusiasmado o seu sermão, e começa a se despir. Antes que o operador possa fazer alguma coisa, O Pai puxa um estilete e o mata. A repórter vê as crianças bebendo a água oferecida, e fica estarrecida quando começam a morrer. Ao fim do longo corredor, as mulheres da seita surgem vestindo máscaras antissépticas brancas e a dominam. 

O produtor, amante da moça, dá com as crianças mortas sobre as carteiras da sala de aula. Ele trata de correr para encontrar a repórter. Por seu turno, alheio à comoção que acontece dentro do complexo, o marido, bastante aturdido pela descoberta do romance extraconjugal, também retorna correndo para "porto seguro", e cruza com um grupo de rapazes bem vestidos de camisas brancas, de armas em punho. Após uma oração, estouram os próprios miolos. Um dos fiéis, rifle em punhos, tenta acertar a testemunha, mas erra o disparo. Inicia-se uma luta, o jornalista consegue tomar a arma e atirar no inimigo. A vitória, todavia, dura pouco, quando mais três homens entram no salão e conseguem rendê-lo.O produtor chega bem na hora em que o amigo está de joelhos, prestes a ser executado por um dos fiéis. Ele pede para que o homem não mate o colega, mas o jornalista diz para que o esqueça e vá atrás da mulher para tirá-la dali. O fanático aperta o gatilho e estoura os miolos do marido traído. Antes de voltar o cano contra a própria boca e atirar, despede-se do produtor "Foi um prazer conhecê-lo, senhor". 

Munido de estilete e completamente nu, coberto por sangue e dançando como um louco, O Pai lidera as mulheres da comunidade, que arrastam a repórter pelo corredor escuro em direção a um galpão onde O Pai promete que "passarão" pelos portões do paraíso. O amante apanha uma enorme barra de ferro, e espera que os fanáticos entrem no galpão para apanhá-los de surpresa. Ele está caminhando rumo ao galpão, quando as portas explodem, e uma espécie de demônio magérrimo e desengonçado surge pelo teto e sai em disparada, dobrando ao final do corredor e desaparecendo. Logo em seguida, aparece O Pai, declarando que o ciclo foi fechado. O rapaz se prepara para enfrentá-lo, porém O Pai implode, literalmente indo pelos ares. Galpão adentro, o produtor usa a barra para matar as fanáticas que seguram a amante em um leito de parto. Depois de vencê-las, trata de ajudar a moça, porém ela parece ter entrado em processo para dar à luz. A barriga move-se como se uma coisa forçasse o movimento por dentro. Desesperado, o rapaz insiste para que o acompanhe, para que deixem o lugar, mas a dor a impede de se mover. Repentinamente, a barriga explode. O produtor corre, mas ainda consegue enxergar uma enorme, monstruosa criatura, semelhante a um touro musculoso, saindo das entranhas da amante. 

À essa altura, a tensão e o horror custaram a sanidade do rapaz. Ele percorre desesperadamente os corredores, sobe e desce escadas, procurando pela saída do "porto seguro". Uma sirene de alerta arrepiante, parecida com aquelas que escutamos em filmes sobre guerra nuclear, passa a soar. No corredor que dá para a sala de aula, o produtor reencontra o amigo operador de som, o mesmo que fora esfaqueado até a morte pelo Pai. Agora um zumbi, o operador avança em direção ao rapaz, mas este consegue se desvencilhar. Na sala de aula, as crianças parecem estar aprendendo música, mas uma rápida constatação demonstra que também foram transformadas em mortos-vivos. Caminhando pesadamente, o furioso demônio/touro a que a amante deu à luz minutos antes surge esmurrando as paredes, fazendo-as tremer. Antes de alcançar o estacionamento, o produtor ainda precisa se desvencilhar de dezenas de zumbis, o último sendo o amigo a quem traiu e que teve os miolos explodidos. O fato é que eventualmente consegue subir os últimos degraus e chegar ao jardim. Ele quebra a janela do carro, entra e dá a partida. No caminho do portão, nós escutamos um horroroso rugido, o que nos leva a crer que o Minotauro se encontra nas imediações.

O carro corre em zigue-zague pelas estreitas vias do bosque, e por um momento acreditamos que o pior passou, até que uma violentíssima pancada no lado do motorista o joga para fora da via. O rapaz sobrevive ao acidente, mas está extremamente ferido. Ele tenta sair pela janela traseira, mas então o demônio ressurge. O Minotauro tem asas, e também chifres semelhantes aos de uma cabra. O demônio o reconhece e diz, com uma voz horripilante "Papai". O rapaz começa a rir descontroladamente, a mente completamente perdida para a loucura e o horror. 

Pela descrição do enredo, como os amigos podem perceber, há partes deste conto que não parecem fazer sentido, a não ser se as aceitarmos consoante a intenção do diretor: a de nos oferecer uma experiência a mais próxima possível a de um pesadelo. As peças jamais se encaixariam como um todo, todavia o "todo" jamais foi uma preocupação de Gareth Evans. Na verdade, o segmento é alavancado por momentos, por "peças", e da mesma forma que os mais terríveis pesadelos não fazem sentido, o filme passa longe de explicações. Nós temos de acatar o horror que nos é oferecido, sem respostas exatas, sem motivações fornecidas. Aqui, vale lembrar o que o grande Clive Barker disse, certa feita, em uma entrevista, ao discorrer sobre seu amor à pintura, que o ateliê tornara-se seu lugar preferido. Por quê?Nas palavras do próprio, o seu ateliê "(...) é um lugar onde me sinto seguro, e onde eu posso fazer as minhas criações sem ser questionado, sem que as pessoas me perguntem 'por quê'. O grande inimigo da arte é o 'por que', a arte deve ser a sua própria justificativa, a arte não requer perguntas, a arte não requer respostas, a arte é a sua própria resposta, e se não o for, então não é arte. Eis toda a minha filosofia sobre arte". Partindo da filosofia do extraordinário Barker, o segmento dirigido por Gareth Evans tem como razão de existir o sentimento de angústia e eletricidade, evocado em peças individualmente perfeitas - a melodia da sirene, o touro alado com chifres de cabra, os zumbis, o romance extraconjugal entre a mulher e o melhor amigo do marido - que, se montadas, não comporão um todo coeso, mas um aterrorizante caos imperfeito, material do qual pesadelos são feitos. 

Entre o terceiro e o quarto segmento, V/H/S 2 nos leva de volta à primeira estória do casal de detetives. O homem chama pela parceira, e a encontra morta no chão, em frente ao aparelho de televisão. Ele acha uma fita cassete onde a moça escreveu "Assista-me" com o batom. No último segmento, a garotada realiza filmes caseiros com uma câmera, acoplada ao cachorrinho da família, Tank. A família mora em uma confortável e espaçosa casa, com um celeiro à margem de um plácido lago. Partindo de férias, os pais se despedem dos filhos – uma adolescente e um garotinho – e pedem para que tomem conta da propriedade enquanto estiverem fora. Assim que os adultos partem, a garota traz o namorado e o restante da turma. O clima é de festa e brincadeiras. A galera tem a casa para si, e pretende aproveitar a liberdade com muitas festas. No píer, os amiguinhos do menino preparam pistolas d'água e provocam os mais velhos, “fuzilando-os” com jatos por todos os lados. O garoto que maneja a câmera portátil pula no lago, e por um momento, a câmera nos mostra, submersa, uma figura humanoide nadando em direção à superfície. A turma não percebe nada de diferente, e a atmosfera é de absoluta descontração e algazarra. Mais tarde naquele mesmo dia, os meninos arquitetam um plano para assustar a irmã e o namorado, que estão a sós e em clima de romance no quarto. A garotada invade o quarto com luzes estroboscópicas e música alta, interrompendo o namoro e enfurecendo o casal.

Quem prestar atenção nesta cena dará conta de um som semelhante ao gutural apito de um trem expresso, e a oscilação da tensão elétrica da casa. Os meninos, todavia, parecem não prestar muita atenção. A criançada deixa a casa correndo, o rapaz mais velho e a moça saem no encalço. Os meninos fogem para o píer no lago. Enquanto se escondem, os meninos notam luzes fortes elípticas do outro lado da margem, mas não conseguem identificar do que se trata. As luzes somem e os meninos são apanhados pelo namorado e a moça, que lhes tomam as câmeras. Mais tarde, o casal resolve se vingar e aprontar com a meninada. Eles chegam de mansinho pelo corredor e dão o flagrante nos garotos, que estavam assistindo a um filme de mulheres peladas. A brincadeira é interrompida por um breve flash de luz que vem do lado de fora, e novamente o som assombroso semelhante ao apito de um expresso. Aterrorizados, o grupo percebe a presença de silhuetas altas e magérrimas posicionando-se do lado de fora. O namorado deixa a sala e volta com um rifle em mãos.Quando sai para o alpendre para investigar, é implacavelmente atacado pelas figuras altas e magras, os "Cinzas".

Desesperada, a namorada do rapaz sai correndo em direção às estranhas figuras, que o estão arrastando para longe do alpendre. Os meninos também são sequestrados pelos "Cinzas" e arrebatados para a nave espacial. O irmão da moça e o cachorrinho se refugiam em um saco de dormir, porém também são puxados pelos "Cinzas". Os membros remanescentes os salvam, mas o garoto está desacordado. Enquanto a irmã realiza a respiração boca a boca, as luzes estroboscópicas mostram os "Cinzas" emergindo do lago e escalando o píer. Uma vez que o garotinho recobra a consciência, os sobreviventes correm para a floresta, para se protegerem por trás das árvores. Dali, assistem a luzes vermelhas e sirenes, à distância. Crentes de que a polícia chegou, deixam o esconderijo. Na verdade, as luzes e o som vinham da espaçonave dos "Cinzas". Mais sobreviventes são abduzidos, restando, por fim, somente a moça, o garotinho, e Tank, o cãozinho. Eles conseguem alcançar o celeiro, e a irmã insiste para que o garotinho suba com Tank, e se esconda no sótão. O garoto ainda enxerga a irmã sendo apanhada pelos alienígenas. Ele abraça o cachorro e procura não fazer barulho. A espaçonave estaciona logo sobre o celeiro, e o telhado é subitamente arrebentado. Garoto e cachorrinho são suspensos por uma força invisível, que os vai puxando pela altura, em direção à nave. O cachorrinho acaba escorregando das mãos do dono e cai de volta ao celeiro, enquanto o menino é abduzido e desaparece com os visitantes, engolido pelo céu escuro.  

O filme conclui com a estória do casal de detetives. Depois de assistir ao quarto segmento, o detetive também vê o último arquivo gravado pelo rapaz desaparecido. Seu discurso é confuso, e, diante da câmera, acaba colocando uma pistola sob a mandíbula e apertando o gatilho. O estrago arranca a arcada inferior, mas para a surpresa do detetive, que assiste ao vídeo, o cadáver se levanta e deixa calmamente o recinto com metade do rosto explodida. A companheira, agora um zumbi, subitamente o ataca, mas ele consegue quebrar seu pescoço. O zumbi continua avançando, e somente depois de fuzilá-la, o detetive consegue efetivamente detê-la. Antes que acredite que está tudo acabado, o corpo do garoto desaparecido ressurge na escuridão e o apanha por trás.  

Em um ano de excelentes filmes de horror, V/H/S 2 é mais uma bem-vinda adição ao recente renascimento do gênero, e uma pedida obrigatória para os fãs. Até onde sei, tanto o primeiro quanto o segundo V/H/S não foram lançados no Brasil, e eu lhes assisti em DVD importado, porém com o advento da internet, o acesso a todo esse excelente material tem se tornado mais simplificado. Os dois filmes possuem um charme a mais, eu diria que um "apelo marginal", quase como uma visita aos antigos clássicos de horror dos anos 70, feitos na base da "tática de guerrilha": eram produções rodadas a baixo orçamento, marginalizadas, tidas como arte de baixo calão, porém encontravam, no circuito alternativo e nos teatros de cinema mais pobres, um mundo só seu, onde podiam prosperar e ocupar o fértil imaginário dos fãs. Os dois filmes são bem produzidos e seu valor artístico é inquestionável, porém a abordagem seca e direta e os enredos bizarros nos fazem rememorar uma profícua época do cinema de horror, a era do "exploitation", que ficou definitivamente para trás e deixou saudades, quando Dario Argento e David Cronenberg eram seus Senhores absolutos. 

E, afinal de contas, qual é o melhor filme?O primeiro V/H/S ou a sequência?Uma pergunta difícil. Eu diria que ambos são excelentes, todavia o primeiro tem algo que o segundo não trouxe. Muito embora todos os segmentos do segundo tenham sido empolgantes, em especial o dirigido por Gareth Evans, o primeiro nos brindou com um segmento em particular que o elevou ao patamar de clássico. "Segunda Lua-de-Mel" era o episódio onde um jovem casal faz uma viagem pelas rodovias do Arizona, e entre motéis de beira de estrada e cidadezinhas turísticas que recriam o Velho Oeste, é assediado por uma misteriosa garota. O que esse segmento, ou melhor, o seu diretor, fez com maestria, foi sustentar a atmosfera e uma atemporal aura de mistério, que o tornou o ápice da série V/H/S. Eu sempre acreditei que "Segunda Lua-de-Mel" merecia mais tempo para que Ti West, o diretor, lapidasse seu talento em sustentar atmosfera e tensão, o que sempre faz de maneira sutil e elegante. Mesmo em sua curta duração, porém, foi perfeito. Assim, apesar de V/H/S 2 fazer parte do grupo dos cinco melhores filmes de horror do ano, faltou algo a mais, talvez um conto tão atmosférico e climático quanto "Segunda Lua-de-Mel", para superar o primeiro. Mesmo assim, o resultado final é excelente, e V/H/S 2 é a minha indicação para quem ama o horror, uma forma de segurar as pontas até que chegue setembro, quando o novo filme de James Wan, The Conjuring - Invocação do Mal estreará nos cinemas. Eu vi o filme de James Wan, sobre a investigação verídica do casal Warren em uma casa assombrada, e posso declarar: os amigos não encontrarão melhor filme em 2013. Foi Invocação do Mal que me fez ter a certeza de que esse rapaz é o melhor diretor de filmes em atividade no mercado. A minha próxima resenha abordará o filme. Um forte abraço e até a próxima!
 
Todos os direitos autorais reservados a Magnet Releasing. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Europa Report (2013) - Tão fantástico quanto "...um pássaro pintado por um esquizofrênico".


Em um futuro próximo, a NASA organiza uma missão para uma das luas de Júpiter, chamada Europa. Seu objetivo revolve investigar a possibilidade de vida alienígena em nosso sistema solar. Sondas não tripuladas haviam previamente apontado que sob a superfície glacial de Europa há um oceano similar ao de nosso planeta, o que incrementa as chances de existência de vida extraterrestre, mesmo que a nível monocelular. 6 dos melhores astronautas do mundo enfrentam riscos inimagináveis em uma longa viagem que tomará quase dois anos até as luas de Júpiter. Quando do começo do filme, a equipe acaba de completar 6 meses de jornada e já foi mais longe do que qualquer outra missão espacial. Os tripulantes da Europa Um parecem empolgados e confiantes. Quando uma inesperada tempestade solar arruína os meios de comunicação entre a tripulação da Europa Um e o controle da missão em Houston, a Terra deixa de acompanhar o avanço dos heróis em sua aventura. Um ano e seis meses mais tarde, o contato entre a nave e Houston é restabelecido. A Europa Um aterrissou nas geleiras da lua de Júpiter, porém o que deveria ser triunfo se torna pesadelo, quando um terrível segredo sob a geleira ameaça as vidas dos tripulantes. O controle da missão consegue acompanhar os últimos momentos dos astronautas. As aterrorizantes imagens revelam uma realidade muito mais estranha e inexplicável da que a tripulação poderia ter esperado.

Lançada durante o mais competitivo mês do cinema norte-americano, essa extraordinária ficção científica fadada a passar despercebida ironicamente se prova muito superior a todas as superproduções que farão dinheiro nas férias de 2013. Lamentavelmente, levará algum tempo até que as pessoas conheçam Europa Report. Estou convicto de que dentro de alguns anos, o filme terá se tornado um cult-movie de peso. Assim como os outros filmes lançados pela produtora independente Magnolia Pictures/Magnet Releasing, Europa Report é uma rara joia de horror, um trabalho muito pessoal para os envolvidos, que conseguiram reimaginar conceitos batidos para oferecer algo único e magnífico. Assim como V/H/S e V/H/S 2 fizeram anteriormente, Europa Report consagra a Magnet Releasing como uma das forças criativas do cinema independente. Os trabalhos lançados pela distribuidora representam uma lufada de ar fresco para os fãs de horror que desejam produtos mais desafiadores, ousados e incomuns. Assim como a britânica Vertigo, de onde vieram os excepcionais w Delta z e The Children, a Magnet se tornou recanto para os cineastas novatos cheios de criatividade e paixão, que sabem que jamais conseguiriam exprimir as suas ideias dentro do rígido controle dos grande estúdios, e escolheram orçamentos modestos e ampla liberdade de expressão, preterindo produções caríssimas de modelos superados. Os diretores talentosos que optaram por fazer os filmes com maior liberdade e menor orçamento vêm ganhando o respeito de um nicho de mercado, e o suporte posterior de estúdios maiores. É o caso de Gareth Edwards, que pela Vertigo, filmou o encantador Monsters, em 2008, e no ano passado (2012) foi convidado a rodar o novo e caríssimo filme Godzilla, com grande elenco, em vias de lançamento. O diretor Sebastián Cordero, realizador de Europa Report, terá um brilhante futuro profissional pela frente, desde que se mantenha fiel a seus instintos e a natural visão artística. 

Europa Report é um triunfo cinematográfico de story telling, um suspense atmosférico onde as situações vão escalando para uma breve, surreal conclusão que ficará em seus pensamentos por muito tempo. O diretor Cordero monta o filme como uma matéria jornalística, com direito a depoimentos, entrevistas e found fottage. Felizmente, Cordero foge da datada e cansativa armadilha das câmeras estremecidas, tão notória em filmes como A Bruxa de Blair. Assim como Renny Harlin fez recentemente com The Dyatlov Pass Incident, deixa-as frequentemente estacionadas, como câmeras em suportes, observadoras imparciais de tudo o que acontece com a tripulação durante a viagem às luas do planeta Júpiter. Europa Report nos remete ainda ao memorável Lake Mungo, o suspense australiano de 2008 que também adotava o formato de matéria jornalística/documentário, similar a episódios especiais do extinto Linha Direta, e contava o caso de uma família visitada insistentemente pelo poltergeist da filha, após sua morte na represa da cidadezinha de Ararat. Ambos os filmes também nos ofereciam conclusões racionais e sensatas para os grandes mistérios. A jornada da família em Lake Mungo, do luto à aceitação, parece familiar a todos, afinal viver também significa perder: você vai perdendo posses, mas, talvez muito mais importante, pessoas amadas. A seu turno, a obstinação que leva os astronautas da Europa Um a ir até às últimas consequências para responder a questão sobre se estamos ou não sozinhos no universo reflete temores que trazemos conosco desde a origem do mundo. Em Europa Report, o contato se sucede, porém não da maneira que os fantásticos filmes de ficção similares apresentam. O tipo de vida encontrada e a sua interação desastrosa com a tripulação representam o material do qual verdadeiros pesadelos são feitos.

Apesar de formatos similares, as propostas são diferentes: Lake Mungo, sobre o espírito atormentado de uma garota que somente encontrará paz se revelar um obscuro segredo; Europa Report, a ficção científica centrada na realidade, um amálgama de entrevistas e cenas registradas que montam o quebra-cabeça dos últimos meses para a tripulação da Europa Um, em sua jornada para estabelecer contato com vida alienígena. Resenhas têm enaltecido a fidelidade do diretor aos detalhes científicos envolvidos em missões espaciais. Enquanto há filmes absurdos e fantasiosos sobre aventuras no espaço e a busca por contato com vida inteligente extraterrestre, nessa produção, a tripulação da Europa Um comporta-se como profissionais treinados à altura da empreitada, e o desenrolar da jornada, embora conclua com o inusitado, não desrespeita as raias do que tomamos como possível, como Real. Desde o trabalho em equipe dos astronautas até sua sincronia com o pessoal do controle em Houston, o diretor recria a missão espacial de forma a nos levar a crer que o filme realmente se trata de um documentário, e não ficção científica. Assistimos às coletivas de imprensa dos diretores da operação em Houston, ao lançamento da nave no espaço, aos momentos iniciais da viagem, cada pedacinho uma peça do quebra-cabeça. A assombrosa realidade – o que ocorreu um ano e meio após a perda de contato entre Europa Um e Terra – surge apenas no final, revelando-nos o mais bem guardado segredo, a última peça a completar o quadro maior.

O talentoso artista Sharlto Copley deve ser o nome mais conhecido entre os seus maravilhosos colegas de elenco. Sharlto Copley se tornou famoso após a inesquecível performance em Distrito 9, no papel de um homem que trabalhava para o governo na triagem e suporte de alienígenas que haviam perdido o caminho de volta para casa e sido isolados em uma enorme favela em Johannesburgo. No filme, era um rapaz ambicioso, egoísta e alheio ao sofrimento dos extraterrestres, porém, por causa de reviravoltas no enredo, vê-se na mesma posição que os monstros, sempre implacavelmente humilhados e perseguidos. Por isso, desenvolve uma consciência, compreende a dor e o sofrimento das criaturas, e se redime, como um herói nobre, honrado e valoroso, a custo de enormes sacrifícios pessoais. Em Europa Report, o carismático ator interpreta Corrigan, o bem humorado e caloroso engenheiro de voo que em crucial momento sacrifica a própria vida para salvar a de um outro colega, após um trabalho de manutenção na superfície da nave Europa Um que dá terrivelmente errado. O papel é pequeno, mas Sharlto aproveita o tempo que lhe foi dado para nos brindar com uma atuação memorável, e sempre parece uma maravilhosa oportunidade interpretar um personagem heróico, disposto a arriscar a própria vida em nome das de seus amigos. A atriz Embeth Davidtz interpreta a Dr. ª Samantha Unger, a diretora da missão Europa Um em Houston, e surge em entrevistas como a narradora principal dos eventos. São as suas intromissões ao longo do filme que nos situam nos diferentes momentos da aventura, tais como em que ponto o contato foi perdido ou o instante da grande revelação. A atriz desempenha o papel muito bem, e a carga dramática que imprime à voz ao narrar os últimos instantes da Europa Um, aliada à melodia assombrosa e dramática que permeia todo o filme, cria uma das cenas mais eletrizantes do ano. Pena que poucas pessoas irão vê-la!

Visualmente, Europa Report é caprichoso, elegante, e surpreendentemente sóbrio. Como sabemos, o filme traz como plano de fundo a missão às luas de Júpiter, e as imagens são deslumbrantes (constantemente evocando as imagens poéticas do primeiro Solaris, de Tarkovsky, de 1972), mas o lado humano dos astronautas que estão vivendo a experiência jamais perde o foco. Assim, quando assistimos aos fins desses personagens, as suas mortes nos atingem a um nível emocional. É o caso de Corrigan, e o da oceanógrafa que tanto desejava encontrar resquícios de vida em Europa, que arriscou a vida para colher amostras nas geleiras sobre o oceano, e teve a segunda mais forte sequência do filme, quando a superfície sob os seus pés racha e é absorvida pelo oceano de Europa, enquanto os aterrorizados colegas assistem a tudo que acontece à cientista pela câmera que há dentro de seu capacete, impotentes. A representação de vida extraterrestre é tão inteligente e madura quanto a do trabalho de Gareth Edwards com Monsters. A criatura faz apenas uma "participação especial", mas quando invade a tela, pinta-a com tintas berrantes, uma fantástica, linda, luminosa, colorida e inesquecível fantasia, diferente de qualquer outra representação artística de vida extraterrestre, invadindo Europa Um com a força das marés. Assim como os extraterrestres de Monsters, a criatura não é o inimigo malévolo e cruel. Ao contrário, ataca para se defender, como qualquer animal o faria, movido unicamente pelo instinto de sobrevivência. Aqui não há nada de antagonistas perversos, mas pura e simplesmente uma criatura que traz dentro de si o instinto inerente a todas criaturas vivas, deste planeta Terra ou de quaisquer outros. A representação do alienígena do filme me faz lembrar de um conto de Clive Barker chamado The Skin of the Fathers, da coletânea Livros de Sangue. A extravagância de sua aparência é tão magistral quanto a das criaturas de Barker. Assim, não há melhor maneira para descrever o sentimento que o monstro de Europa Um evoca que não citando o trecho da obra de Barker, o homem que escreve sobre o fantástico como mais ninguém:

Fora da casa, Lucy tinha ouvido o diálogo. Abandonou o refúgio de sua choça, sabendo o que ia ver contra o céu deslumbrante, mas nem por isso menos atraída pelas monumentais criaturas que se reuniram em torno da casa. Sentiu angústia ao recordar as alegrias perdidas daquele dia, seis anos antes. Ali estavam todas aquelas criaturas inesquecíveis, uma incrível seleção de formas... Cabeças piramidais coloridas de rosa, torsos de uma proporção clássica, que caíam em franjas de carne murcha. Uma beleza chapada e acéfala cujos seis braços de madrepérola brotavam em torno de uma boca que ronronava e pulsava. Uma criatura parecida com uma onda de corrente elétrica, em constante movimento, que emitia um som doce e modulado. Criaturas muito fantásticas para serem reais, muito reais para duvidar, anjos caídos. Tinha uma cabeça que balançava para frente e para trás sobre um pescoço muito fino, como se fosse um pêndulo absurdo, azul como o céu de uma noite que chega antes de tempo, e salpicado de uma dúzia de olhos como outros tantos sóis. O corpo de outro pai se parecia com um leque que se abria e fechava de excitação, e cuja carne laranja se avermelhou ainda mais quando soou de novo a voz do menino.
– Papai!
À porta da casa estava a criatura que Lucy recordava com mais carinho (...). Devia ter uns seis metros de altura quando se levantava totalmente. Agora aquele ser estava agachado sobre a porta, com sua cabeça calva, bendita cabeça, parecida com a de um pássaro pintado por um esquizofrênico, inclinada sobre a casa para falar com o menino. Estava nu, e suas costas, largas e escuras, brilhava ao curvar-se. 

Todos os direitos autorais reservados a Magnet Releasing. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.