Resenhas de grandes sucessos da Sétima Arte. Sejam todos bem-vindos!
quinta-feira, 12 de novembro de 2020
"Um Monstro no Caminho" ("The Monster", 2016/ Diretor: Bryan Bertino/ Elenco: Zoe Kazan, Ella Ballentine, Scott Speedman). Estrelas: **** de *****.
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
"Perseguidos pela Morte" ("Mockingbird", 2014/ Diretor: Bryan Bertino / Elenco: Alexandra Lydon, Audrey Marie Anderson, Todd Stanshwick, Spencer List) Estrelas: *** de *****.
Em uma noite chuvosa no ano de 1995, três famílias têm suas vidas radicalmente transformadas quando, sem qualquer explicação, recebem na porta de casa caixas contendo câmeras, acompanhadas de uma orientação: a de não pararem de gravar. Os núcleos em torno dos quais se tecerá essa estória de horror são compostos por Tom e Emmy, um jovem casal que no começo da noite espera uma "trégua" para namorar, já que o tio levará as filhas para um rinque de patinação; Leonard, um rapaz irresponsável que mora com a mãe alcoólatra e sonha ganhar uma quantia capaz de lhe valer a independência financeira; e, por fim, Beth, uma jovem em vias de dar o primeiro passo à vida adulta, agora que começará os estudos da universidade e morará sozinha numa casa apartada do campus, geograficamente distante da mãe superprotetora. Inicialmente, eles creem que a surpresa se deve ao fato de terem sido sorteados por acaso graças a cupons preenchidos em supermercados; entretanto, não custam a compreender que se veem gradativamente isolados, sem comunicação com o mundo exterior e sob o assédio de um anônimo grupo de vândalos, um passo à frente de seus movimentos. A sucessão de horrores que ocorre em paralelo convergirá num trágico desfecho onde o encontro das vítimas revelará a estratégia por trás da aparente "aleatoriedade" dos assassinos.
Bryan Bertino, diretor do eficiente suspense "Os Estranhos", dirige "Perseguidos pela Morte", o projeto seguinte `a sua bem-sucedida estreia. Mesmo voluntariamente cingido pelas regras do "found footage", ele tirou proveito do paradigma ao criar um filme no qual os personagens acabaram "dirigindo" sua via crucis. Por executar a ideia com habilidade, ele realiza uma jornada tensa, claustrofóbica e, principalmente, muito esquisita. Nesse sentido, vale-se da maestria esbanjada em "Os Estranhos" e revisita o tema de pessoas ameaçadas dentro de casa por visitantes sem motivo aparente, aqui deixando de lado a direção mais cinematograficamente estilística de "Os Estranhos" e, conforme dito, reciclando a proposta sob a perspectiva do "found footage", ou seja, a ideia de que aquele evento verdadeiramente se deu e que o que nos é apresentado não é um filme, mas um genuíno documento dos homicídios. O filme também goza de elegante frescor graças à "esquisitice", cortesia de certas escolhas no modo de contar a estória e a sensibilidade de, mesmo em tão curto tempo, retratar os personagens com nuances que fazem dos mesmos protagonistas que deixam impressão. Sublinhando a autoconfiança do cineasta ao criar tão insólito espetáculo, especial menção vai aos detalhes que só ao serem percebidos após uma segunda ou terceira exibição revelam a complexidade do esquema das pessoas a unirem forças para criar aquele aleatório pesadelo nas vidas dos três núcleos.
Encabeçam as acertadas escolhas de Bertino dois aspectos: a opção por uma época em particular para emoldurar a trama, e o desempenho acima da média do elenco, formado por atores desconhecidos e talentosos. O filme abre com uma intrigante title card: "Era uma vez em 1995...". A introdução instila na trama uma charmosa melancolia nostálgica pela qual somos apresentados a vinhetas estreladas por gente ordinária, às voltas com os aborrecimentos e alegrias banais a perfilarem uma vida nos longínquos meados dos anos 90 - um casal determinado a manter o interesse romântico vivo enquanto lida com a criação de duas meninas sapecas e saltitantes; a senhorita cujo bom humor e entusiasmo escondem a vulnerabilidade de uma jovem que busca a vida adulta longe da mãe - e consideramos que em dado ponto, há vinte e cinco anos, tais dramas "existiram" e os personagens caminharam neste mundo, encafifados com suas circunstâncias, até terem o chão tirado de seus pés numa terrível noite de assassinato. Chama a atenção a sensibilidade do roteiro que, ao tempo que mostra tão casualmente os protagonistas, vale-se de certos artifícios para explicitar a fragilidade das pessoas visadas pelos vândalos. Dentre os arcos narrativos, o de Beth foi aquele que pareceu adequadamente delineado: sobre ele, é possível enxergar o cuidado do diretor em nos fornecer dados importantes. À primeira vista, ela surge como uma forte presença feminina, encantada com a surpresa da câmera, tomando-a como brincadeira de um possível pretendente; aos poucos, ao vermos a conversa com a mãe, entendemos de onde vem a serena tristeza. Não há muito tempo, ela sofreu uma desilusão romântica. À medida que os fatos passam a se suceder muito rapidamente, sua fortaleza psicológica vai abaixo, e a mente assume o estado de pura sobrevivência. Evidentemente, parecido processo se dá com o casal, o qual vai se afundando sob o peso de escolhas estúpidas tomadas em circunstâncias desesperadoras; outrossim, por contarem um com o outro, a situação não se desdobra tão freneticamente quanto a de Beth, aterrorizada por uma pletora de maldades, desde um boneco macabro sentado no jardim até o braço de um garoto que surge de uma gaveta acima, com uma faca de cozinha. Em peso, filmes de terror pecam ao não trabalharem muito bem a caracterização dos personagens. "Perseguidos pela Morte" atravessa a linha de chegada com louvor. Sendo um filme de terror atrelado às limitações do subgênero "found footage", faz da simplicidade sua melhor aliada, e pelo ponto de vista amador de câmeras, quando exibe nuances e detalhes daquela gente pelo ponto de vista desastrado da primeira pessoa, cria um singular clima de autenticidade e verossimilhança.
"Perseguidos pela Morte" não foi recebido com unanimidade. Parte das pessoas posicionou-se vocalmente contra a obra. As pessoas que não o apreciaram queixaram-se da incredulidade de semelhante manipulação sobre três casas distintas em um mesmo tempo. A reclamação, todavia, não se sustenta, afinal o elemento fantástico não pode desabonar os criadores, que da criatividade retiraram a matéria-prima do trabalho. Claro, para se arquitetar uma ação do tipo, os algozes precisariam de uma teia de envolvidos em número suficiente para "direcionar" as pobres vítimas ao fim em mente; entretanto, através de pistas, o diretor Bertino, também autor do argumento, sugere que, sim, aquelas pessoas anônimas eram coordenadas com sincronia, posicionando-se em pontos estratégicos da cidade, integrais a aquela noite de horror, de modo a garantir que o casal, a moça e o palhaço terminassem no salão cheio de balões da casa abandonada. Durante sua aventura pela cidade, quando Leonard estaciona em frente a um mercadinho como uma das etapas da "brincadeira", uma silhueta de um cavalheiro dentro do telefone público na calçada, por exemplo, sinaliza que a presença não se encontra ali por acaso: trata-se de um integrante do grupo, um dos muitos "olhos" com que o insólito, bizarro grupo de anônimos conta para antecipar os passos de pobres pessoas incapazes de se defender ou ao menos compreender as motivações por trás do ataque. No rinque de patinação, uma mulher se oferece para tirar a foto do palhaço com as duas meninas, filhas de Tom e Emmy: eis mais uma cúmplice do jogo misterioso. As coincidências integram-se escandalosamente a favor dos assassinos, mas, de modo geral, as reviravoltas não chegam às raias do absurdo. O mundo é um lugar imprevisível e estranho, apenas não tão improvável quanto a mente humana, de onde saem casos que fazem da trama de "Perseguidos pela Morte" uma estória banal, principalmente quando comparada aos fatos da vida real. A título de exemplo, na esteira desse filme sobre stalkers, procurem ler a respeito do homicídio da família Miyazawa, naquilo que ficou conhecido como "Setagaya Murders". Evento ocorrido na virada do século XX ao XXI, o caso foi objeto de um fantástico podcast disponível no Youtube e, mais do que nunca, lembra-nos de que por mais absurdo que seja o terror cinematográfico, o mundo real nos reserva pesadelos ainda mais impensáveis.
Conforme explicado acima, o diretor Bryan Bertino começou a carreira com "Os Estranhos", onde víamos o casal interpretado pelos atores Liv Tyler & Scott Speedman acuado por três mascarados - duas mulheres e um homem - em uma casa de campo isolada. Nos filmes seguintes - "Perseguidos pela Morte", "The Monster" e "The Dark and the Wicked" - percebe-se uma intrigante metamorfose no "rosto" do vilão de suas estórias. Aquilo que começara bem objetivo e sólido na figura dos três mascarados de "Os Estranhos" foi se diluindo num grupo anônimo que quase não se vê, até assumir uma conotação mais alegórica em "The Monster" (o "monstro" como metáfora para o alcoolismo e abuso infantil) e finalmente se dissolver perfeitamente no mal abstrato e metafísico de "The Dark and the Wicked" (o "monstro" agora como a voz que, nos momentos de dificuldade, nos impele ao suicídio), desprovido de qualquer nitidez, porém extremamente contemporâneo. O processo abstrativo do mal sinaliza a maturidade de um diretor ciente de que mais do que a mera presença física, é justamente na seara do invisível onde residem os horrores.
quinta-feira, 21 de maio de 2020
"Cemitério Maldito" ("Pet Sematary", 2019, Kevin Kolsch & Dennis Widmyer): O mais apavorante romance de Stephen King volta à vida trinta anos após o lançamento do filme original, e sua força reside na performance de uma atriz e algumas interessantes adaptações para nosso tempo.





























Quando assisti a "Starry Eyes" (foto), durante o filme e antes que a estória chegasse a sua parte mais sangrenta, eu já havia me impressionado com a sensibilidade dos diretores ao retratarem o aspecto humano da tragédia. Como a trama seguia a jornada de uma garçonete aspirante a atriz vivida por Alex Essoe, o filme tinha o dever de nos cativar com os dilemas e dramas experimentados pela protagonista. O "monstro" do filme não era algo tangível, mas nascia do apetite que as circunstâncias muito deprimentes tinham incutido no coração da moça, de maneira a galvanizar na sua mente a crença de que valia quaisquer sacrifícios pessoais pelo estrelato, até mesmo abrir mão da própria alma. Em vez de monstros ou efeitos especiais, os diretores apoiaram-se no pior dos antagonistas, abstrato demais para que se possa enfrentá-lo perfeitamente. No dia a dia de um grupo de jovens tão díspares e perdidos como átomos soltos, Kevin Kolsch & Dennis Widmyer passeavam suas câmeras pelo deck da piscina de um motel batido e deprimente onde iam desperdiçando suas vidas, através de antessalas de processos de audição para papéis em filmes B, através da cozinha de pequenas diners da parte mais periférica e pobre de Los Angeles, através das calçadas das glamourosas avenidas de Hollywood, que, à noite, denunciam a transitoriedade e mentira de tudo aquilo, estampadas nos rostos tristes e desencantados das almas errantes que passam vidas inteira ali, esperando o tão sonhado dia em que receberão uma ligação para um papel de cinema que lhes dará a felicidade do estrelato. No impecável tratamento dado ao verdadeiro monstro, Kevin Kolsch & Dennis Widmyer realizaram um feito e tanto, demonstrando uma visão tão afiada e inovadora quanto a do escritor Hubert Selby Jr., por exemplo, ao escrever sua evocativa obra literária "The Demon", a mais lúcida e realista descrição de um processo de obsessão diabólica, da qual tomei nota graças a Prof. Olavo de Carvalho ao ministrar o curso "A Consciência da Imortalidade". Além da assertividade dos cineastas, a magistral atuação do jovem elenco garantiu a "Starry Eyes" o status de clássico instantâneo. Cinco anos após "Starry Eyes", os diretores se reuniram para comandar "Cemitério Maldito", e ao se verem às voltas com a política de um grande estúdio mais preocupado com o tempo de projeção (que reflete no número de vezes que um filme pode ser exibido por um dia e, portanto, na bilheteria) do que com a autêntica, poética expressão artística, eles souberam que a melhor forma de tratar o projeto seria encontrando pequenas maneiras de instilar na produção pequenas, refrescantes sacadas e modo de pensar do cinema independente que dão ao filme uma elegância muito agradável, bem como tratando o Wendigo como um inalcançável mistério, notado exclusivamente pelos rastros deixados no mundo físico.


Tecnicamente, pessoas familiarizadas a "Starry Eyes" também notarão um interessante aceno dos cineastas ao filme. Como sabemos, "Starry Eyes" explora a lenta desintegração mental da protagonista. Ela "vende a alma" ao Diabo pelo estrelato. Durante a descida ao abismo, ela executa os amigos com quem coabitava a mesma casa, enquanto eles transitavam de audições a audições, à espera do sucesso. O assassinato mais chocante ocorria quando a personagem de Alex Essoe enfiava a lâmina em um rapaz aspirante a diretor de cinema, que por ela nutrira simpatia e até mesmo ajudara no começo da trama. Ela desfere uma estocada na barriga do rapaz e ele não tem tempo de reagir. O rapaz cai sentado na poltrona, em estado de choque, ao lado da assassina, enquanto a atriz sustenta a faca nas entranhas e vai adicionando insulto à injúria lhe falando imoralidades. Em "Cemitério Maldito", Kolsch & Widmyer imaginaram uma cena parecida, quando Ellie acerta Rachel com uma facada na espinha dorsal. Logo depois, enquanto Rachel agoniza, a vemos sentada no chão ao lado da mãe, agora sustentando uma segunda, mais violenta estocada em um dos flancos, um assassinato idêntico ao performado por Alex Essoe em "Starry Eyes". Em termos de mudanças propostas pelo time criativo, gostaria de tecer considerações a respeito de algumas delas. A mais explícita e corajosa deve-se à mudança da criança atropelada na pista. No romance, Gage era apanhado de frente por uma potente carreta ao deixar o piquenique e correr em direção à estrada atrás da pipa, num momento de desatenção dos pais. Essa versão de 2019 repete o horror da pista, e não obstante os diretores arquitetem a cena de forma a acharmos que será novamente Gage a criança colhida, uma fração de segundo muda completamente o desfecho, pois ao passo que o bebê é arrancado da "linha de fogo" por Louis, é a pobre Ellie quem recebe o pesado tanque deslizante. A proposta traz seus prós e contras, e, incrivelmente, tais pontos são exatamente idênticos, pois somente mudam ao sabor do ponto de vista. Ao escolher a menina mais velha como veículo para o demônio, os diretores abriram uma maior frente de ação. Agora, ao demônio são franqueadas ações impossíveis a um bebê. Dentro do corpo de uma criança de nove anos, o demônio pode se movimentar desenvolto e falar mais ameaçadoramente. De fato, na execução de Jud, Ellie causa arrepios pelos movimentos esquisitos com ombros e quadris, um jeito quase felino, realizado no alto da escada e, obviamente, pelo uso da máscara de gato. Ela também soa crível durante o homicídio da mãe, quando lhe fala palavras ruins enquanto a mantém em xeque graças à facada nos flancos. Simultaneamente, quando o romancista e a diretora do original escolheram o bebê como ferramenta do Wendigo, não podemos negar quão intrigante tornava-se o mistério da "ressurreição" e a forma como o demônio se relacionava com a mente da pessoa. A doçura da infância está para a malícia de um anjo decaído assim como água para óleo: não se misturam, não combinam. Justamente pela incongruência, a escolha do autor nos confundia e criava uma situação enormemente desconfortável e apavorante. Não podemos nos esquecer da cena do homicídio de Rachel pelas mãos do bebê Gage. Não testemunhamos uma cena tão gráfica quanto a do matricídio da versão recente, porém está para ser superada a contundência de uma mãe que abraça seu bebezinho, esperando confortá-lo só para tomar inadvertidamente os golpes de um afiado bisturi. Nesta refilmagem, Kolsch & Widmyer também parecem dar ao Wendigo uma "inteligência macabra" por trás da estratégia. Ao longo do filme, ações supostamente isoladas somam-se em estratégia, denunciando um propósito. O demônio deseja pacientemente apoderar-se das mentes de todos e arregimentar os Creed como ferramenta para se relacionar com o mundo material. Na qualidade de puro espírito, não tem como relacionar-se com nosso meio sem um corpo. O Wendigo não se satisfaz com Church. Logo, afia as garras para pegar os demais. Sua amplitude de ação se potencializa ao entrar em Ellie. A partir daí, fica mais simples arrastar os demais à armadilha. A impressão oferecida pela última cena, quando através do ponto de vista do bebê dentro do carro pontuamos a aproximação do trio e, em seguida, do gato que salta sobre o capô, é que o heterogêneo grupo resume-se à exata mesma entidade. Suas mentes perderam a individualidade. Eles viraram brinquedos manipulados pelo demônio por trás de suas ações aparentemente espontâneas. A fisicalidade dada por Kolsch & Widmyer ao demônio me surpreendeu pela maturidade. A dupla levanta possibilidades que apontam o quanto devem ter pesquisado e estudado durante o polimento do script. Eles desejaram compreender o mistério, e trataram o tema com o protocolo que confere com os fatos da vida. Retomo a passagem na qual Louis tenta salvar a vida de Pascow no ambulatório do campus. Ao permanecer para trás, sozinho com o cadáver, e ter seu nome chamado pela aparição sentada na maca, Louis vive seu primeiro contato com um aspecto do mundo para além da compreensão. No instante seguinte, uma enfermeira, presente ao ambulatório e alheia à cena, chama-o pelo nome, inteiramente imune à fugaz visão. Aqui, mesmo que insuspeitos, os diretores descreveram genialmente o modus operandi da psicologia demoníaca. Indiscutivelmente, Louis viu algo e não me refiro a uma invenção da mente. Sua cabeça não armou a visão, mas foi a plataforma pela qual a cena se desdobrou, ou melhor, para que fosse armada pelo demônio. "Nossa luta não é contra carne e sangue", afirma o apóstolo Paulo ao explicar como guerreamos contra "principados e potestades; contra os dominadores deste mundo tenebroso; contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes". Interpreto a cena como uma representação dramática impecável da ação demoníaca. A enfermeira porta-se normalmente, pois não enxerga o mesmo. Pascow falante com olhos injetados de sangue e cabeça estourada é algo real para o médico, mas só no âmbito da mente, o campo onde anjos decaídos fazem uso de nossas faculdades, inseguranças e medos mais enraizados para estabelecer um ponto de contato entre um âmbito superior que escapa de nossos olhos e o mundo físico onde efetivamente nos relacionamos. A colega de Louis não enxerga o "fantasma" pelo mesmo motivo que se você tirar uma foto de ondas de raio não as capturará - mas ondas de raio existem. Há uma qualidade espiritual ao mundo, porém como o próprio nome insiste, é espiritual. Nossos vícios e equívocos ao observar a coisa, por outro lado, nos frustram, pois nos levam a um absurdo viés, um beco sem saída onde a noção vira uma sugestão estapafúrdia digna de gozações. Perdemos tanto a acuidade do discernimento que ao examinarmos um caso como o do sr. Joseph Sciambra (foto), ao qual fui apresentado por um vídeo de Padre Paulo Ricardo, não conseguimos enxergar o mal justamente quando se encontra defronte de nossos olhos, tão explícito quanto Pascow com a cabeça estourada, avisando a Louis sobre não desrespeitar a barreira do bosque. Eu não escreverei detalhadamente sobre o caso Joseph Sciambra, pois encontrarão extenso material online acerca da história. Cristão renascido, o sr. Joseph Sciambra narra sua jornada através do inferno no livro "Swallowed by Satan: how our Lord Jesus Christ saved me from pornography, homosexuality and the occult", onde descreve como, por trás das aparências do cotidiano, a perversidade se insinua na mente e no coração sem qualquer tipo de extravagância ou espetáculo, razão pela qual a tentação é a mais insidiosa das armadilhas do demônio. Ela se traveste do banal, pois assim lança-se no tempo, ocasião na qual causa estragos às vezes irreparáveis. Sr. Joseph Sciambra era um garoto quando encontrou revistas de mulheres mal vestidas em poses sensuais nas gavetas do pai. Ele não passava de uma criança atrás de um propósito de vida, todavia o encontro ordinário estabeleceu seu primeiro contato com um mal que o acompanharia até a vida adulta e alteraria drasticamente seu caminho. Quando menos esperava, o apetite gerado pelas fotos reclamava um material mais explícito. Passou a buscar revistas com fotos mais agressivas explorando o ato sexual entre homem e mulher e, logo mais, apenas entre mulheres, e então entre homens. Aproximadamente na mesma época, o lançamento de vídeo-cassetes revolucionou a indústria pornográfica, estimulada a produzir e desaguar suas produções nas locadoras para atender a uma demanda crescente. Para abreviar uma longa, dolorosa história, detalhadamente descrita no livro, Joseph mergulhou no pesadelo que consumiu uma fatia considerável da vida, ensaiando nos coitos perigosos mantidos nos becos das ruas da Castro Street de São Francisco as cenas tenebrosas dos filmes pornôs que fervilhavam na sua mente desde a infância. De ator de produções marginais especializadas em fetichismo à prostituição, ele foi perdendo pelas calçadas a vivacidade e a própria alma. Isso durou até o dia em que, tendo desempenhado uma cena de sexo em grupo, voltou para casa com uma hemorragia e precisou sofrer uma intervenção cirúrgica. Enquanto a mãe chorava orando na sala de espera, pela primeira vez ocorreu-lhe rezar o Pai nosso. Durante a experiência de quase morte, sentiu a presença de dois demônios ao lado lhe instruindo: "abra!". Ao terminar a oração e ser trazido de volta pelos médicos, Joseph sentia que nascera pela segunda vez. Ele descreve a impressão dos primeiros dias como se uma névoa pesada tivesse se dissipado. Confuso, no ano seguinte à experiência, fugiu de São Francisco. Seu despertar e a aproximação ao Senhor são bem documentados no livro e no vídeo de aproximadamente uma hora de duração, disponível no Youtube, onde revisita locais e pontos fundamentais da jornada por Castro Street, ao longo de uma tarde ensolarada, e rememora episódios da época em que caminhara pelas mesmas calçadas. Assolado pelas recordações muito pesadas e gráficas, em certo momento ele se deixa ser avassalado pela emoção, e vomita e chora copiosamente. Muitos leriam sobre o caso e assistiriam ao documentário, e ficariam satisfeitos por terem conhecido a história. Simultaneamente, falhariam na tentativa de achar a conexão entre os eventos da vida de Joseph com o fenômeno da obsessão diabólica. Essas mesmas pessoas provavelmente leriam o livro de Hubert Selby Jr. e se indagariam, após fecharem-no, tendo concluído a leitura: "Bem, mas onde fica o demônio?". "Ele" não pode "ficar" em algum lugar, já que nem corpo tem para "entrar" ou "sair" do protagonista, Harry White. Nós é que, às vezes, "estamos neles". Desconsiderando casos raríssimos de assédio, nos quais se manifestam muito agressiva e visivelmente por consentimento da providência divina, como nas vidas de Santo Padre Pio ou São João Maria Vianney, sua ação preferencial e ordinária, a tentação, permeia-se nas mais diversas searas da vida. A psicologia de anjos decaídos é corretamente examinada numa analogia criada pelo pastor Neil T. Anderson ao narrar um episódio da infância. Quando criança, os passeios nas cercanias da fazenda com o pai e o irmão nunca eram uma ocasião de sossego, pois o cachorrinho da propriedade vizinha tinha por hábito correr atrás do garoto a ponto de lançá-lo numa escalada árvore acima, onde ele costumava esperar até que o bicho se fosse, depois de latir até cansar. Pai e irmão não prestavam atenção ao cachorrinho, que a eles não causava nenhum mal; entretanto, para o garoto, o bicho não lhe dava trégua, até o dia do pai o orientar: "Meu filho, apenas pare de fugir quando ele vier! Seja homem! Ele o deixará em paz!". Anderson assim procedeu, e adivinhem só? O cachorrinho avançou e latiu, mas ao se surpreender com o desprezo e a pouca importância com que o menino o recebeu, deu meia-volta e nunca mais o atormentou. Sr. Neil T. Anderson pergunta: "Afinal, que real poder tinha aquele cãozinho minúsculo e ridículo para me colocar no alto daquela árvore? Nenhum! Ele se serviu da minha mente, das minhas emoções, minha vontade e minhas pernas para me colocar em cima da árvore". Ele arremata, ao voltar à questão dos demônios: "Eles verdadeiramente não possuem poder algum, apenas aquilo que você dá a eles, e na realidade é tudo uma decepção, uma mentira essencialmente, ele é o pai da mentira, mas se você crê numa mentira, a mentira tem força para te devorar por dentro". Sr. Anderson aborda o perigo da sedução que essas coisas exercem sobre a curiosidade do homem comum e descreve a resposta adequada a questões do tipo: "Essas coisas já foram devidamente desarmadas na cruz, então, para nós, resume-se a reclamar a nossa autoridade sobre as mesmas e calá-las. Eu não preciso conhecer o inimigo porque ele só está comprometido com a mentira, e ele jamais é o mesmo, muda constantemente. É por isso que você não encontra quase nada nas Escrituras em termos de estrutura no que importa às táticas de Satanás, pelo simples fato de que ele é um mentiroso, ao passo que o oposto é verdade para o Senhor: Ele é o mesmo de ontem, hoje e amanhã, Ele nunca mudará, e é por causa de Sua consistência que eu tenho estabilidade na minha vida. Então, o fundamental não é aprender as táticas do demônio, não existe consistência nelas, a consistência se encontra em Cristo. Não é a mentira que eu tenho que buscar conhecer, é a verdade". Aprofundando-se na sua experiência com pessoas que sofreram obsessão, ele se vale de alguns casos para ilustrar pontualmente a ação ordinária do demônio, dentre eles o de uma mulher sobrevivente de abuso criada dentro do satanismo. Ela procurou sr. Anderson com a queixa de que vinha despertando com arranhões nas costas, braços e pernas, e não sabia explicar a origem do ataque. O pastor o nomina seu caso mais pesado: após investigar a fundo, descobriu que era a própria moça quem causava os hematomas no corpo. Ocorria que, assim como acontece à maioria de sobreviventes de abusos acontecidos na infância, ela desenvolvera DID (Dissociative Identity Disorder - Desordem da Dissociação de Personalidade, antigamente conhecida como Múltiplas Personalidades), e não entendia que uma "outra parte de si" vinha se manifestando à noite, mantendo-a naquele meio macabro, quase como em estado de sujeição demoníaca. Se você esperava uma surpresa extraordinária, pela qual o pastor rastrearia um demônio alado gigantesco assomado no meio da sala de estar, você tomaria o desfecho do caso como anti-climático. Muito pelo contrário, o desdobramento da história prova-se muito mais tenebroso do que a mais fértil das imaginações conceberia, principalmente por ser a verdade. Neil T. Anderson prossegue: "Se você vive enganado, você não passa de um instrumento do inimigo, mas ele ainda precisa de seus braços e boca e cordas vocais para agir, ele sozinho não pode, um anjo decaído não tem braços ou cordas vocais ou pernas, então, em essência, ele necessita de objetos animados para se relacionar com o mundo físico, daí casos onde, por exemplo, grupos de orações não conseguem rezar por causa de cães que começam a ladrar sem razão aparente justamente quando querem orar. Bem, demônios não conseguem ladrar, eles não têm boca, não têm cordas vocais. E por sinal, eis uma questão muito interessante, é muito, muito importante que você entenda: quando as pessoas me procuram dizendo que ouvem vozes, o que elas estão efetivamente ouvindo? Bem, para se ouvir, no mundo natural, você necessita de uma fonte de som, e aqui eu meramente descrevo um fenômeno físico, a contração e retração das moléculas no ar que 'batem' no tímpano, que por sua vez manda sinais elétricos para meu cérebro. Como eu vejo, no mundo natural? Eu preciso de uma fonte de luz que reflita um objeto material, e a informação chega aos meus nervos óticos que mandam os sinais elétricos para o meu cérebro. Agora, se eu apagasse as luzes, você não me veria, pois você precisa de uma fonte física de luz. Então quando pessoas me contam que estão vendo coisas horrorosas no meu gabinete, quando as atendo - e eu já testemunhei isso - o que elas realmente estão vendo? Porque eu olho para o mesmo canto e não vejo nada. 'Nossa luta não é contra carne e sangue'. O demônio não está lá fora, ele reside aqui dentro (e ele aponta para a cabeça), e a coisa usa sua mente para encenar toda a experiência". Este foi o primeiro aspecto muito interessante da representação de "Cemitério Maldito" para a ação demoníaca, pois para Louis, a experiência com Pascow no ambulatório se sucede explicitamente perante os olhos (na verdade, a mente); a enfermeira, entretanto, não enxerga o tenebroso cenário. Nessa toada, não há de se falar no "fantasma" de Pascow, e sim numa encenação, um estratagema da coisa para capturar a atenção do chefe de família, que àquele ponto já tem seus pensamentos embaralhados pela existência do evocativo poder do bosque. O outro aspecto que emoldura excelentemente o assédio se dá pelo viés da estratégia do Wendigo de "arregimentar" a família inteira. Refiro-me, claro, à tomada pela qual os diretores reúnem no mesmo frame os Creed caminhando em direção ao carro, a partir do ponto de vista da criança sentada do lado de dentro. Rachel, Louis e Ellie vão se achegando vagarosamente, e Church salta repentinamente sobre o capô. Eles vestem o mesmo olhar malévolo e faminto. Sendo uma obra de ficção, é lógico que os diretores se valeram do exagero da linguagem poética; entretanto, o frame em questão - um grupo de pessoas em relação simbiótica - também confere com a noção que se tem dos demônios na vida real. Se prestarem atenção à cena, concluirão que não obstante vejamos três indivíduos distintos - um homem, uma mulher e uma menina -, o trio, na verdade o quarteto, incluindo-se o gato, dá ao Wendigo o perfeito conduto para canalizar sua ação no mundo físico. Aquelas pessoas deixaram de existir individualmente; agora, viraram uma coisa só, uma mente demoníaca, e embora só tomemos consciência após certa reflexão, eis a cristalina imagem do Wendigo: pessoas dentro de um mesmo frame, um mesmo enquadramento, uma mesma frequência de ação. Antes de explicar a razão de meus elogios à sensibilidade da dupla de cineastas, devo falar sobre minha própria experiência. Escrevi claramente acima que viemos ao mundo para nos sairmos bem em dois flancos: amar a Deus no próximo & conhecer a verdade. "Renuncie a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e me siga", ordenou Cristo Jesus a quem quisesse ouvi-Lo, reafirmando, nas entrelinhas, um trecho da petição na oração de Pai nosso, quando pedimos para que não nos deixe cair em tentação e nos livre do Mal. Aprendemos que nos cabe rogar para resistirmos às tentações; entretanto, elas virão. O catecismo segue na mesma linha: "Embora Satanás atue no mundo por ódio a Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause graves prejuízos – de natureza espiritual e indiretamente, também, de natureza física – a cada homem e à sociedade, essa ação é permitida pela divina Providência, que com vigor e doçura dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério, mas nós sabemos que Deus colabora em tudo para o bem daqueles que O amam". De uma estranha forma, conforme diz Padre Marco Tosatti, em entrevista ao site de Padre Paulo Ricardo, sobre seu livro "Padre Pio contro Satana: la battaglia finale", o fato de lutarmos até o fim contra um inimigo tão misterioso nos torna pessoas melhores. Ele opina: "Vemos que Deus se serve do demônio, de forma misteriosa, como um instrumento, um instrumento estranho, vá lá, mas que serve à santificação das pessoas. É um mistério. É como ver um bordado pela parte de trás: parece-nos um caos, um emaranhado de fios e cores. Mas o bordador, que o vê de cima, costurando o desenho, sabe bem o que faz". Se durante nossa caminhada humana parte daquilo que nos ocorre se introduz sem que tenhamos compreensão de onde vieram, à medida que crescemos, não acumulamos somente tempo. A experiência de vida calibra o alcance dos olhos, também passamos a ver os detalhes. Do mesmo jeito que a cada um de nós há uma peculiaridade, uma regularidade para determinado problema ou drama que parece nos seguir, com o tempo eu vim a discernir essa presença na minha vida pessoal - e acerca do problema já escrevi esporadicamente -, algo bem identificável e concreto, chamado "transtorno de personalidade narcisista". Entrou na minha vida quando eu tinha cinco ou seis anos através da pessoa de uma mulher loira que, no seu primeiro encontro comigo, costumava me visitar à noite para tirar a minha blusa para me beliscar. Ela o fazia à noite porque podia agir mais livremente. Depois, conformou-se em me ameaçar e acuar, mas o que verdadeiramente desejava era me matar. Ela só não o fez por conta das complicações que teria. Se tivesse dependido da vontade, estou certo de que teria me matado com o travesseiro já naquelas duas ou três semanas nas quais convivemos pela primeira vez. Essa presença teve um período certo para me atormentar: foi de 1986 a 1991, salvo engano, quando nunca mais a vi, embora ela tenha descoberto o telefone da casa de minha avó e me procurado em 2003, a que foi completamente ignorada. Dela, eu me recordo dos abusos a que me submeteu, e o fato de que ela era a cara de uma atriz canadense chamada Deborah Unger no filme "Crash Estranhos Prazeres", de 1996, do diretor David Cronenberg. Pessoas vindas mais tarde repetiam o mesmo padrão comportamental. Por alguma razão, elas se viam atraídas por mim. Eu me recordo que minha avó, a pessoa a quem eu mais amei, parecia perceber aquele estranho, curioso fenômeno, porém, ao não compreender a natureza da coincidência, não sabia como me ajudar, a não ser me amando e protegendo. Foi somente anos depois, aproximadamente um semestre após o falecimento dela, há quatro anos, que chegou à minha atenção um artigo sobre o transtorno de personalidade narcisista. Intrigado, passei a ler os textos, a assistir aos vídeos. Ocorreu-me que o motivo de eu jamais ter me sentido bem-recebido em lugar algum, a não ser sob o teto de minha avó, podia ser rastreado ao transtorno, pois quase todos os adultos que de uma maneira ou outra haviam entrado e saído de minha vida exibiam os sintomas clássicos. Não apenas isso, o mais arrepiante consiste na realidade de que mesmo hoje, aos meus quarenta anos, a coisa parece não ter ido completamente embora. Ainda vejo em olhares traços daquelas representações da minha infância, e me lembro que antes de ler qualquer linha sobre a doença, ao encontrar tais olhos voltados na minha direção, eu costumava dizer para mim mesmo: "Rapaz, não pode ser, mas eu já conheço essa besta, esse monstro de algum lugar!". E por isso, quanto a "Cemitério Maldito", acho genial que Kevin Kolsch & Dennis Widmyer tenham colocado os Creed num mesmo frame para emprestar fisicalidade a um demônio abstrato e intangível, porém muito real e ativo. Conforme me ensina a experiência de vida, a mulher loira e as pessoas vindas nos anos seguintes até o dia de hoje são mais íntimas do que pensam, ainda que não tenham se relacionado anteriormente: elas são a mesma coisa. Quando a verdade se assomou e eu formei a convicção de que a natureza do inimigo transcendia psicopatas ou gente puramente hedonista, pus sob perfeito contraste a identidade da coisa que durante meu crescimento despertava-me à noite, da coisa cujo assédio minha avó não compreendia bem, mas que a preocupava o suficiente para que, quando me via distante de sua proteção, chamasse agoniada pelo meu nome na escuridão, perguntando-se se eu estaria bem, ao acordar de madrugada. Os céticos dariam com os ombros e me diriam, "Mas claro que a coisa existe, e a coisa tem um nome, não há nada de anormal! Chama-se transtorno de personalidade narcisista". Possivelmente, eu responderia com um aceno de cabeça para finalizar o assunto, mas no íntimo sei que aqui o senso comum não cabe, não fornece o quadro mais amplo. Aquela gente não se liga somente por conta de um mesmo transtorno psiquiátrico. Trata-se de algo muito abstrato e espiritual dotado de ascendência e magnetismo sobre suas cabeças. Por qualquer razão, entrou na minha vida lá atrás, aos seis anos, e me acompanhou por todos esses anos, até eu a ter visto. A coisa sempre me odiou e quis minha ruína e desgraça. Emblematizada no olhar assassino da mulher loira que erguia o indicador sobre os lábios para que eu me mantivesse calado enquanto me beliscava, se a coisa a tivesse possuído naquela noite no distante ano de 1985, ela teria me sufocado com um travesseiro. Não o fez pois sobre sua mente não exercia possessão, somente um curioso estado de sujeição. Quando a coisa notou que eu a via, trinta anos mais tarde, elevou o tom do ataque, o que fica atestado nas perseguições aparentemente aleatórias que sofro até hoje. Embora tenha atormentado minha vida, particularmente na época em que se escondia por trás das aparências, eu lhe devo gratidão, pois dela tirei grandes bênçãos. Não fosse a presença misteriosa da coincidência que liga esse elenco de pessoas, desde a mulher loira a aqueles em cujo soslaio do olhar eu ainda vejo a coisa, eu não teria conhecido o amor de minha avó. Ao tentar me proteger, ela me deu a definitiva prova de que ninguém me amou tanto quanto sua pessoa, e são pouquíssimas as pessoas amadas assim: os narcisistas mesmo jamais são verdadeiramente amados, e para eles este é o pior insulto, o insulto que os paralisa no tempo como crianças birrentas, arrogantes e cruéis. Minha história pode soar chocante para qualquer um que chegou ao artigo interessado no filme e agora lamenta ter lido até aqui, porque as coisas que escrevi o farão pensar sobre uma pletora de temas, mas você sabe que, no âmbito pessoal, também escuta o canto de sereia, a mentira diabólica que o prende ao problema do qual não consegue se desvincular. Pensar a respeito da mensagem trazida no artigo, todavia, poderá levá-lo a desejar a verdade, a única arma para se fazer frente `a palavra ilusória do demônio que te promete uma falsa felicidade. "Mas o que você vê?", você me perguntaria, louco para ler acerca da fisicalidade da "coisa". Bem, eu lamento decepcionar, não tenho surpresas. Eu não tenho adjetivos para descrevê-la, mas posso usar a analogia para ilustrar o caso: se em dado momento você amou alguém, se estabeleceu os pilares da vida em torno desse amor, então os bens que construiu ou juntou para viabilizá-lo puderam ser vistos e tocados em determinado ponto do tempo. Eles efetivamente existiram no mundo material; por outro lado, você nunca viu o seu amor. Você jamais viu um coraçãozinho vermelho sorridente de luvas brancas atravessando a faixa de pedestres, como aquele pessoal fantasiado dos parques de Walt Disney. O coraçãozinho jamais se assomou diante de seus olhos ou estabeleceu uma relação face a face; não obstante, entre vocês, existiu uma relação pessoal, e você empregou seu tempo no mundo para apostar todas as fichas em cima de um sentimento invisível pois parte de si soube o tempo inteiro que ele era mais real que os bens ao alcance dos sentidos. De fato, à medida que o tempo vai passando, são os bens aqueles que se esfarelam e desaparecem engolidos pela névoa, e as coisas invisíveis as que ficam fortes como rochedo. A constatação se explicita melhor se você prestar atenção a uma foto de si aos quinze anos e notar que aquela pessoa um dia foi você. Ao passo que nossas células foram trocadas a ponto de nenhuma delas ser a mesma de vinte anos atrás, a certeza da continuidade se manteve e jamais mudou. O mistério gira em torno da identidade do elemento constituinte o qual permite que ao nos recordarmos de um fato ocorrido aos quinze anos, por exemplo, ainda nos identifiquemos com a experiência. Não pode ter sido sua identidade social, sempre em perene transformação. Considere o que houve entre os quinze anos e hoje, e listará um leque de mudanças. Você se formou, casou, teve filhos, perdeu e ganhou dinheiro, mudou de trabalho... Seu "eu social" rotineiramente lhe causa angústia e preocupação, pois as transformações, mesmo quando para melhor, nos deixam inquietos perante o desconhecido: "Afinal, devo ou não aceitar tomar posse neste ótimo, novo cargo, mas distante de casa? Afinal, devo ou não seguir adiante e casar com fulano? afinal, devo...". No "eu social" jamais encontramos estabilidade, pois nessa constelação de símbolos inconexos nos vemos sempre nos adaptanto a circunstâncias inéditas, não pode ser ele o elemento de onde vem sua familiaridade com a foto antiga. Não deve ser o "eu presencial", pois ele tampouco oferece consistência, a não ser o recebimento dos estímulos exteriores filtrados pelo caráter seletivo da percepção presente e a resposta imediata aos estímulos. Agora, você presta atenção na leitura do texto, mas há meia hora fazia algo completamente diferente e o artigo não compunha um elemento de sua vida; daqui a meia hora, dificilmente se recordará do que leu, pois então outra coisa lhe ocupará a mente, enquanto tantas outras ocorrerão em simultâneo sem que jamais tenham parecido fazer parte do mundo. É verdade que o "eu presencial" sempre esteve aí, pois ninguém se recorda de "ter estado no nada", mas o "eu presencial" jamais se apresenta de maneira contínua. O conjunto de notas percebidas e desligadas umas da outras muda ao sabor do tempo. O "eu biográfico", descontínuo e pouco confiável, não elucida o mistério, pois ele também não conta a vida que transcorreu, mas a versão que demos a ela, uma versão dependente das narrativas que não conferem com a totalidade do ocorrido. Fora os enormes blocos perdidos de memória que não voltam mais, também prejudicam a percepção as pequenas coisas que não absorvemos no momento do acontecido, mas que mais tarde se mostraram importantíssimas. Cito minha experiência com os narcisistas malignos. Seus olhares voltados à minha pessoa a partir da infância até a vida adulta eram notados, contudo só se revelaram importantes à medida que conheci o transtorno da personalidade narcisista. Olhares que aquelas pessoas lançavam sobre mim chamavam-me a atenção pela malícia; entretanto, no minuto seguinte, eu já não pensava mais a fundo. Mais tarde, descobri que ali existiam votos pela minha desgraça e me encaravam daquela forma por se divertirem com meu desconhecimento do que estava em jogo. O mesmo houve quanto a olhares de afeto os quais eu não soube captar à época em que teriam feito toda a diferença; ali havia pessoas que tinham gostado muito de mim, e eu não pude reconhecer e retribuir o carinho por ignorância e imaturidade da juventude; na verdade, afastei-as. Recordo-me de quando tinha dezessete anos, em 1997, de uma ocasião na qual esperava ser buscado pela minha mãe, à noite, na porta do colégio pré-universitário, após um aulão de véspera. Uma menina da sala se aproximou com naturalidade e cortesia, e me cumprimentou. Seu único intento era introduzir uma conversa, ser minha amiga, alguém com quem eu pudesse contar. Eu dei uma resposta bem arrogante e cretina, e ela se afastou, pega de surpresa. Já ali, eu me senti absolutamente envergonhado. Perguntei-me, em pensamento, "Meu Deus, por que eu fiz isso?!". Foi tão aleatório e gratuito. Em todos esses anos, eu nunca consegui esquecer minha grosseria. Ela estudou, tornou-se médica, casou-se, provavelmente é uma mamãe, e nem deve se lembrar daquela noite, em 1997, mas eu jamais esqueci meu pecado. Faz tanto tempo, porém ocasionalmente penso nela, e espero que ela e a família estejam bem e felizes. Isso sem falar em momentos cruciais os quais não testemunhamos, mas que se consolidaram em nossas histórias pessoais. Você se recorda de ter nascido? A resposta é negativa, mas acredita nisso porque alguém te contou, ou seja, a ocasião do nascimento não foi parte de sua memória, mas da memória alheia, incorporada à sua. Os fatores com os quais você reconta sua jornada, em síntese, eliminam a pretensão de que ela pareça imutável e retilínea. Não foi seu passado que mudou, e sim a narrativa dos fatos. Os três "eu" acima compõem-se de fragmentos desconectados e sem nenhuma unidade efetiva, não nos ajudam a responder a questão porque não apontam a localização exata da experiência perene do "eu definitivo". Não sabemos de onde vem o sentimento da continuidade, não tem como ser reportado a outro fator que o constitua. Não há como o referirmos ao corpo, à linguagem, a nenhum outro elemento, a não ser ao próprio, a que chamamos de "eu substancial". Tudo depende do "eu substancial", pois ele é o verdadeiro senso de continuidade, diferente dos demais sentimentos picotados e inconstantes dos outros "eu", sublinhando-os todos, conectando os fragmentos descontínuos da percepção e os colando numa coesa e lógica unidade que, por exemplo, permite-nos, ao piscarmos, sabermos que ao abrirmos os olhos nos encontraremos no mesmo lugar, ou nos reconhecermos nos sonhos, ainda que inconscientes. Sua presença é inerente à existência do ser humano. Não sabemos de onde vem, contudo é coextensivo à nossa vida, inclusive no período pré-uterino. É como um rio sempre correndo por baixo da estrutura do mundo, ao qual podemos voltar quantas vezes quisermos. Esse rio é incognoscível, ele não é pensável, tampouco redutível a um mero conteúdo da mente. Não pode ser comportado por uma representação do pensamento, e corre para além de nosso alcance, sem poder ser detido. Tudo o que nos acontece, se dá dentro dele, escapando ao dogma da Psicanálise, segundo a qual o "eu" seria uma construção do inconsciente. Como o "eu substancial" não pode ser constituído por qualquer coisa, porque sua presença é pré-requisito para a de todas as outras, ele não é produto da mente, tampouco algo que a mente possa conhecer. A única maneira indireta de "conhecê-lo" é admiti-lo como algo que não temos como mentalmente dominar ou representar, porém emblematiza o que há de mais consistente em nós, e que só se conhece através da experiência do existir. Só Deus conhece o "eu substancial" de cada pessoa, e embora seja tão misterioso, não existe nada mais verdadeiro. O resto limita-se a um tecido de aparências costurado pela mente, cujo trabalho é apenas superficial e descontínuo e depende diretamente da firme estrutura ontológica do "rio corrente" que a acompanha, sustenta e sublinha, o "eu substancial", que mantém a coesão entre as formas físicas e psicológicas que você experimenta no decorrer do tempo, e onde verdadeiramente repousa sua força decisória. Por nos constituir em uma individualidade completa e irredutível, tornar-nos indivíduos perfeitamente reais, tudo o que podemos conhecer de Deus se dá através da aceitação dessa individualidade irredutível. Questões que tanto preocupam a humanidade - livre arbítrio, determinismo, Bem & Mal, pecado & graça - se reportam e são respondidas pelo "eu substancial", e não pelo binômio mente & corpo. Encontramos o "eu substancial" sempre que, diante da enormidade e imprevisibilidade da vida, nos perguntamos a razão de nos encontrarmos aqui. Como o "eu substancial" não tem o menor fundamento e, na verdade, estamos em queda livre no ar, como ele não é comportado por algo maior que o justifique, como o conhecemos só pelo dado de algo que está aí, e não como um processo causal que fundamenta minha existência, só há uma resposta: eu estou aqui porque Deus quis e nada pode revogar minha existência. Somos criaturas do amor divino. Ele não era obrigado a nos criar; no entanto, o fez. Vivenciar a nossa falta de fundamento é o momento em que falamos com Deus, a única experiência de Deus possível. Não avançamos um único passo além disso, a não ser que Ele avance em nossa direção. No frigir dos ovos, a história da jornada humana passa pela compreensão do "eu substancial"; nele reside a diferença entre salvação e danação, pois na resposta que seu "eu substancial" dará à constatação de que você é uma criatura sem fundamento algum, a não ser o amor divino, duas coisas podem acontecer: você se põe humildemente como um ser do amor divino ou você não o aceita e resolve ser seu próprio fundamento. Não aceitar o amor foi a queda, foi o "Não servirei" de Satanás, foi a guerra dos anjos que, conforme escrevi, não se deu com punhos ou espadas, mas no intelecto. No final, todas as coisas felizes ou tristes que o futuro nos reserva serão apenas isso, coisas que aconteceram. Por quanto tempo Cristo sofreu? Uma semana. Há quanto tempo ele goza da beatitude da contemplação de Deus? Não há comparação entre uma coisa e outra. E quanto ao fato de termos nos chafurdado tanto na lama a ponto de suplicarmos que nos tire esse "maldito livre arbítrio", já que somos uma sucessão de pecados e fracassos? Como nossa miséria humana se compararia à misericórdia divina de um Pai que, diante do erro do filho, age perdoando-o e trazendo-o para mais perto de Si, sendo suficiente que apenas se peça? Nossos pecados não definirão nosso destino final. Até o mais desgraçado dos párias pode, se quiser, levantar-se da calçada imunda da sarjeta como homem e se tornar um santo maior que Pedro, o príncipe dos apóstolos. Paulo mesmo foi um frio assassino de cristãos, até o dia em que caiu do cavalo. Por extensão, creio que tampouco as mais fantásticas realizações pesem tanto, pois apesar de agradarem a Deus, Ele não precisa da gente para nada. No instante decisivo, não se resumirá a uma questão de merecimento. Até o mais perfeito dos homens, alguém como Padre Pio, a meu ver o homem definitivo do século XX, não merece de per si a misericórdia divina. Acontece que Deus vai dá-la até ao pior dos párias, porque nos ama, e é isso. O que definirá a história será a resposta ao "eu substantivo". Se por um lado você pode abraçá-lo e saltar para a eternidade da contemplação de Deus, seja lá o que isso for, visualmente falando, por outro lado você tem a escolha de virar as costas e sair andando. E, tendo dado as costas a Ele, só resta deixar-se diluir no oceano de escuridão que é a mente diabólica.
"Cemitério Maldito" não é somente um filme de horror. Oriundo de um romance de escol psicológico, mesmo não tendo cumprido inteiramente o potencial, ele já dispara à frente de quase todos os filmes do gênero de 2019. Ao privilegiar a família como o centro da ação do Wendigo, o filme nos toca a um nível muito íntimo ao nos remeter à nossa própria família, intrigando-nos com desdobramentos a partir dos quais partem perguntas fundamentais: se fosse de seu conhecimento semelhante lugar, você teria sido levado pela mentira do inimigo e enterrado um filho ou a esposa no solo? Simultaneamente, na obra literária, "Cemitério Maldito" tempera o terror da ação demoníaca com episódios dramáticos da vida ordinária familiar, encantando-nos em momentos belamente descritos, razão pela qual, além de recomendar este filme dos srs. Kevin Kolsch & Dennis Widmyer, insisto para que leiam o romance. Dentre tantas bonitas passagens, recordo-me de quão genuínas soavam as conversas e momentos entre Louis e Rachel, detalhes e dilemas adoráveis que nos levavam juntos na aventura de dois seres humanos aos trinta e tantos anos, pais e parceiros românticos, certo que falíveis, mas singulares em sua boa vontade. Ambos reconheciam os respectivos calos. Próprio a amigos cujas histórias viemos a conhecer e participar, esse vibrante sentimento se encontra pulsante nas páginas do livro. A estória não termina após fecharmos o romance; os Creed seguem conosco para sempre, e no decorrer dos nossos dramas diários reais, vasculhamos as lembranças atrás dos quatro para estabelecer uma comparação criativa entre nossas escolhas e as de Rachel e Louis. O guia da intrigante jornada, obviamente, é o misterioso Church. Sendo um gato, não há melhores olhos através dos quais testemunharíamos os estranhos fatos na casa dos Creed tão afiadamente, mas devo dizer que Church não foi o primeiro felino a servir como testemunha da jornada humana. Em "Coraline & o mundo secreto", um inesquecível filme que somente de fachada é um desenho, mas no cerne trata-se de um drama sobre narcisismo maligno, a protagonista também é guiada por um misterioso gato preto que some e aparece conforme as necessidades, e a vai conduzindo no doloroso processo do despertar da consciência. Gatos também compuseram o pano de fundo da minha vida, eles sempre estiveram por perto. Eu os servia sempre, mas neste infeliz momento, vi-me forçado a me manter longe dos meus gatos da praia, a quem eu tinha por serviço dar comida nas sextas-feiras, sábados e domingos, na verdade um tributo à memória do bem-aventurado Carlo Acutis. Hoje, acompanho-os de longe, pois é a família da barraca que não lhes deixa faltar nada. Isso não durará para sempre, pois logo a pandemia terá se dissipado, e eu voltarei aos meus príncipes. Como sabem o tamanho de minha saudade, enviam-me pelo celular, ao fim do dia, vídeos dos gatos comendo a ração sobre a passagem que dá para a praia. De qualquer maneira, tudo o que eu fizer será muito pouco em comparação às lições que me ensinaram no silêncio e na naturalidade do agir. Meus insights ocorrem em momentos nos quais os observo lá de cima, da sacada, os gatos da minha quadra, aqueles que ainda posso alimentar nas manhãs e tardes, já que mais próximos. Eu pensava nas minhas palavras sobre o "eu substancial", sobre a única diferença entre danação & salvação, e, de repente, ocorreu-me a identidade entre algo infinitamente complexo e a singeleza e simplicidade de gatos que se movem e se relacionam ao longo de um quarteirão esvaziado de humanos. Ao subtrair as pessoas, as circunstâncias potencializaram o alcance da lente pela qual os compreendo tão intimamente. Vendo-os na lida social, ninguém faz política como os felinos. Eles formam parcerias, convivem na hora de comer porções de ração, protegem-se da chuva sob a segurança oferecida pelo terreno onde a construção de um edifício foi paralisada, triangulam o ataque aos pombos durante o comecinho da manhã... Quando desço do automóvel para servi-los, reforçam território, tramam uns contra os outros por domínio de espaço... Imagino que para eles, nas suas cabecinhas, esses pitorescos elementos cotidianos representem os dramas mais fundamentais do mundos. E, no momento seguinte, ao suave toque da noite, quando me posiciono na sacada muito acima e deles guardo visão mais abrangente, ao tempo que os observo se conduzindo conforme seus interesses, consoante a política dos gatos, para mim não há distinção. Por mais que entre si suas individualidades lhes valham a riqueza de imprevisibilidades que caracteriza suas breves existências, muitas vezes findas tragicamente, aos olhos daquele que observa de cima, a questão fica mais clara: não há diferença entre eles. Eu verdadeiramente os amo todos, e ora emocionando-me ao vê-los brincar, ora tentando apartá-los quando se metem em brigas territoriais, eu torço pelo melhor. Às vezes, eu me pergunto se nossas vidas neste mundo louco não seriam observadas da mesma maneira, do ponto de vista dessa miríade de anjos, os bons e os decaídos, e do ponto de vista de Deus. Pergunto-me se, ao tempo que experimentamos a vida achando que são as coisas do mundo as mais definitivas e importantes, Deus não estaria nos observando pacientemente, sem estabelecer diferenças, amando indistintamente e torcendo para que cheguemos lá. Dos anjos, não tenho certeza de onde ou como nos observam; agora, no meu caso, minha certeza de presença repousa sobre os gatos. Eles sempre estiveram por perto, mais me observando do que sendo exclusivamente observados de cima, já a partir de minha meninice, quando crescia sob o olhar de uma avó amorosa. Os gatos, permanecem de pé sobre uma espécie de ponte, ali ao lado da minha avó, ligando minha infância à conversão, por mais que desde aquele tempo, em 1995, ainda tão longe da verdade, minha mente de criança já pressentisse que ao subir na ponte eu cruzaria a fronteira a partir da qual as aparências passariam a se esfarelar até sumirem envoltas pela névoa, e os bens invisíveis se pronunciariam para fora dos sonhos, tão discerníveis quanto o tipo de verdade a qual não se pode negar.