quarta-feira, 11 de novembro de 2020

"Perseguidos pela Morte" ("Mockingbird", 2014/ Diretor: Bryan Bertino / Elenco: Alexandra Lydon, Audrey Marie Anderson, Todd Stanshwick, Spencer List) Estrelas: *** de *****.

Em uma noite chuvosa no ano de 1995, três famílias têm suas vidas radicalmente transformadas quando, sem qualquer explicação, recebem na porta de casa caixas contendo câmeras, acompanhadas de uma orientação: a de não pararem de gravar. Os núcleos em torno dos quais se tecerá essa estória de horror são compostos por Tom e Emmy, um jovem casal que no começo da noite espera uma "trégua" para namorar, já que o tio levará as filhas para um rinque de patinação; Leonard, um rapaz irresponsável que mora com a mãe alcoólatra e sonha ganhar uma quantia capaz de lhe valer a independência financeira; e, por fim, Beth, uma jovem em vias de dar o primeiro passo à vida adulta, agora que começará os estudos da universidade e morará sozinha numa casa apartada do campus, geograficamente distante da mãe superprotetora. Inicialmente, eles creem que a surpresa se deve ao fato de terem sido sorteados por acaso graças a cupons preenchidos em supermercados; entretanto, não custam a compreender que se veem gradativamente isolados, sem comunicação com o mundo exterior e sob o assédio de um anônimo grupo de vândalos, um passo à frente de seus movimentos. A sucessão de horrores que ocorre em paralelo convergirá num trágico desfecho onde o encontro das vítimas revelará a estratégia por trás da aparente "aleatoriedade" dos assassinos.

Bryan Bertino, diretor do eficiente suspense "Os Estranhos", dirige "Perseguidos pela Morte", o projeto seguinte `a sua bem-sucedida estreia. Mesmo voluntariamente cingido pelas regras do "found footage", ele tirou proveito do paradigma ao criar um filme no qual os personagens acabaram "dirigindo" sua via crucis. Por executar a ideia com habilidade, ele realiza uma jornada tensa, claustrofóbica e, principalmente, muito esquisita. Nesse sentido, vale-se da maestria esbanjada em "Os Estranhos" e revisita o tema de pessoas ameaçadas dentro de casa por visitantes sem motivo aparente, aqui deixando de lado a direção mais cinematograficamente estilística de "Os Estranhos" e, conforme dito, reciclando a proposta sob a perspectiva do "found footage", ou seja, a ideia de que aquele evento verdadeiramente se deu e que o que nos é apresentado não é um filme, mas um genuíno documento dos homicídios. O filme também goza de elegante frescor graças à "esquisitice", cortesia de certas escolhas no modo de contar a estória e a sensibilidade de, mesmo em tão curto tempo, retratar os personagens com nuances que fazem dos mesmos protagonistas que deixam impressão. Sublinhando a autoconfiança do cineasta ao criar tão insólito espetáculo, especial menção vai aos detalhes que só ao serem percebidos após uma segunda ou terceira exibição revelam a complexidade do esquema das pessoas a unirem forças para criar aquele aleatório pesadelo nas vidas dos três núcleos.

Encabeçam as acertadas escolhas de Bertino dois aspectos: a opção por uma época em particular para emoldurar a trama, e o desempenho acima da média do elenco, formado por atores desconhecidos e talentosos. O filme abre com uma intrigante title card: "Era uma vez em 1995...". A introdução instila na trama uma charmosa melancolia nostálgica pela qual somos apresentados a vinhetas estreladas por gente ordinária, às voltas com os aborrecimentos e alegrias banais a perfilarem uma vida nos longínquos meados dos anos 90 - um casal determinado a manter o interesse romântico vivo enquanto lida com a criação de duas meninas sapecas e saltitantes; a senhorita cujo bom humor e entusiasmo escondem a vulnerabilidade de uma jovem que busca a vida adulta longe da mãe - e consideramos que em dado ponto, há vinte e cinco anos, tais dramas "existiram" e os personagens caminharam neste mundo, encafifados com suas circunstâncias, até terem o chão tirado de seus pés numa terrível noite de assassinato. Chama a atenção a sensibilidade do roteiro que, ao tempo que mostra tão casualmente os protagonistas, vale-se de certos artifícios para explicitar a fragilidade das pessoas visadas pelos vândalos. Dentre os arcos narrativos, o de Beth foi aquele que pareceu adequadamente delineado: sobre ele, é possível enxergar o cuidado do diretor em nos fornecer dados importantes. À primeira vista, ela surge como uma forte presença feminina, encantada com a surpresa da câmera, tomando-a como brincadeira de um possível pretendente; aos poucos, ao vermos a conversa com a mãe, entendemos de onde vem a serena tristeza. Não há muito tempo, ela sofreu uma desilusão romântica. À medida que os fatos passam a se suceder muito rapidamente, sua fortaleza psicológica vai abaixo, e a mente assume o estado de pura sobrevivência. Evidentemente, parecido processo se dá com o casal, o qual vai se afundando sob o peso de escolhas estúpidas tomadas em circunstâncias desesperadoras; outrossim, por contarem um com o outro, a situação não se desdobra tão freneticamente quanto a de Beth, aterrorizada por uma pletora de maldades, desde um boneco macabro sentado no jardim até o braço de um garoto que surge de uma gaveta acima, com uma faca de cozinha. Em peso, filmes de terror pecam ao não trabalharem muito bem a caracterização dos personagens. "Perseguidos pela Morte" atravessa a linha de chegada com louvor. Sendo um filme de terror atrelado às limitações do subgênero "found footage", faz da simplicidade sua melhor aliada, e pelo ponto de vista amador de câmeras, quando exibe nuances e detalhes daquela gente pelo ponto de vista desastrado da primeira pessoa, cria um singular clima de autenticidade e verossimilhança.

"Perseguidos pela Morte" não foi recebido com unanimidade. Parte das pessoas posicionou-se vocalmente contra a obra. As pessoas que não o apreciaram queixaram-se da incredulidade de semelhante manipulação sobre três casas distintas em um mesmo tempo. A reclamação, todavia, não se sustenta, afinal o elemento fantástico não pode desabonar os criadores, que da criatividade retiraram a matéria-prima do trabalho. Claro, para se arquitetar uma ação do tipo, os algozes precisariam de uma teia de envolvidos em número suficiente para "direcionar" as pobres vítimas ao fim em mente; entretanto, através de pistas, o diretor Bertino, também autor do argumento, sugere que, sim, aquelas pessoas anônimas eram coordenadas com sincronia, posicionando-se em pontos estratégicos da cidade, integrais a aquela noite de horror, de modo a garantir que o casal, a moça e o palhaço terminassem no salão cheio de balões da casa abandonada. Durante sua aventura pela cidade, quando Leonard estaciona em frente a um mercadinho como uma das etapas da "brincadeira", uma silhueta de um cavalheiro dentro do telefone público na calçada, por exemplo, sinaliza que a presença não se encontra ali por acaso: trata-se de um integrante do grupo, um dos muitos "olhos" com que o insólito, bizarro grupo de anônimos conta para antecipar os passos de pobres pessoas incapazes de se defender ou ao menos compreender as motivações por trás do ataque. No rinque de patinação, uma mulher se oferece para tirar a foto do palhaço com as duas meninas, filhas de Tom e Emmy: eis mais uma cúmplice do jogo misterioso. As coincidências integram-se escandalosamente a favor dos assassinos, mas, de modo geral, as reviravoltas não chegam às raias do absurdo. O mundo é um lugar imprevisível e estranho, apenas não tão improvável quanto a mente humana, de onde saem casos que fazem da trama de "Perseguidos pela Morte" uma estória banal, principalmente quando comparada aos fatos da vida real. A título de exemplo, na esteira desse filme sobre stalkers, procurem ler a respeito do homicídio da família Miyazawa, naquilo que ficou conhecido como "Setagaya Murders". Evento ocorrido na virada do século XX ao XXI, o caso foi objeto de um fantástico podcast disponível no Youtube e, mais do que nunca, lembra-nos de que por mais absurdo que seja o terror cinematográfico, o mundo real nos reserva pesadelos ainda mais impensáveis.

Conforme explicado acima, o diretor Bryan Bertino começou a carreira com "Os Estranhos", onde víamos o casal interpretado pelos atores Liv Tyler & Scott Speedman acuado por três mascarados - duas mulheres e um homem - em uma casa de campo isolada. Nos filmes seguintes - "Perseguidos pela Morte", "The Monster" e "The Dark and the Wicked" - percebe-se uma intrigante metamorfose no "rosto" do vilão de suas estórias. Aquilo que começara bem objetivo e sólido na figura dos três mascarados de "Os Estranhos" foi se diluindo num grupo anônimo que quase não se vê, até assumir uma conotação mais alegórica em "The Monster" (o "monstro" como metáfora para o alcoolismo e abuso infantil) e finalmente se dissolver perfeitamente no mal abstrato e metafísico de "The Dark and the Wicked" (o "monstro" agora como a voz que, nos momentos de dificuldade, nos impele ao suicídio), desprovido de qualquer nitidez, porém extremamente contemporâneo. O processo abstrativo do mal sinaliza a maturidade de um diretor ciente de que mais do que a mera presença física, é justamente na seara do invisível onde residem os horrores.

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