sábado, 8 de dezembro de 2012

Phenomena - O começo da estória de sucesso de Jennifer Connelly.


Olá, pessoal. Nesta resenha, aproveitarei a oportunidade para falar sobre um dos diretores mais originais que o cinema europeu teve para oferecer ao gênero horror: Dario Argento. Os fãs de terror o reconhecerão pelos thrillers italianos apoteóticos dos anos 70 & 80. Clássicos do gênero, tais como “Suspiria” e “Profondo Rosso”, refletem as peculiaridades da mente deste cineasta apaixonado e talentoso. Quando da entrada dos anos 90, Dario Argento pareceu “perder o toque”, e seus trabalhos a enfraquecer gradualmente, ano após ano. Ainda assim, mesmo que o ápice criativo pareça coisa do passado, o diretor ainda é tratado com muita reverência e carinho pelo público e crítica europeia. Eu me lembro de algo que o meu artista preferido Burt Reynolds disse ao diferenciar os críticos da Europa dos norte-americanos “Eles (os europeus) pensam que você é tão bom quanto o seu melhor filme, e os americanos acreditam que você é apenas tão bom quanto o seu último filme”. Ele quis dizer que por mais que um artista não venha bem e os seus últimos filmes pareçam fracos, os europeus sempre o tomarão pelo seu melhor instante, o melhor trabalho, pouco importando quanto tempo tenha se passado desde então. Foi um comentário cheio de classe e bastante assertivo. Nos Estados Unidos, lamentavelmente, um ator de cinema vale tanto quanto o dinheiro que o seu último filme fez nas bilheterias, e isso é desrespeitoso para as pessoas que vivem da arte e criatividade.

“Phenomena” é um suspense italiano estiloso e encantador. O visual do filme, uma festança aos olhos, o torna absolutamente delicioso de se assistir. Foi filmado nos Alpes suíços, e somente um cineasta com fogo e paixão na alma como Argento poderia pincelar a tela com fantasia imersa em cores, exageros justificados pela magia. Agregando ao filme, adivinhem quem faz o papel da mocinha?Aquela cujos olhos sempre parecem tristes e misteriosos, de uma beleza melancólica e difícil de desvendar – Jennifer Connelly. Em “Phenomena”, Jennifer Connelly tinha 15 anos de idade, ainda uma menina, mas já se via que estava destinada a feitos extraordinários. Dito e feito, 16 mais tarde, já uma mulher, merecidamente recebia nas mãos o prêmio da Academia enquanto o seu pai assistia a tudo e aplaudia da cadeira.

Jennifer Connelly interpreta uma menina rica, inteligente e estudiosa, enviada pelo pai a um conceituado colégio para garotas nos Alpes suíços. Ela é sonâmbula, e guarda especial conexão com insetos. Quando uma série de homicídios põe termo `a tranquilidade da cidade, Jennifer alia-se a um perspicaz entomologista (interpretado pelo veterano Donald Pleasence) e faz uso de seu dom para descobrir o culpado, enquanto é hostilizada pelas colegas e vigiada de perto pela sinistra e misteriosa diretora do colégio (Daria Nicolodi), a sua vida correndo riscos a cada nova descoberta. Mal imagina ainda, a personagem de Jennifer descobrirá o papel da diretora nos homicídios, engatilhado por um evento brutal de seu passado sombrio, a envolver o estupro nas mãos de um paciente de um hospital psiquiátrico, uma década antes.

Jennifer está excelente, como de costume. Muitas vezes, ocorre de um artista jovem fazer um filme de sucesso, e nos encantar com o talento, todavia não conseguir suceder na transição para a fase adulta da carreira e se deparar com fracasso profissional: os cineastas deixam de convidar o artista, os roteiros bons deixam de chegar a suas mãos com frequência. Isso aconteceu com um rapaz chamado Corey Haim, que nos anos 80 atuou em filmes de sucesso como Os Garotos Perdidos e A Inocência do Primeiro Amor. A sua persona foi explorada em comédias românticas, e por algum tempo, foi muito requisitado e ganhou bastante dinheiro. Com o dinheiro, vieram os parasitas, que o cercaram com promessas e sugaram seu tempo e dinheiro. Infelizmente, com a chegada dos anos 90, os papéis rarearam e a vida pessoal entrou em colapso. Corey Haim morreu há alguns anos atrás, em 2010, pobre e esquecido. Eu assisti a uma reportagem sobre a sua vida. Havia um segmento, uma entrevista que concedera no final dos anos 80, em que dizia que se imaginava, dali a vinte anos no futuro, morando com a família, em uma ilha, brincando com golfinhos, fazendo filmes legais, algo muito doce e ingênuo que somente uma criança poderia imaginar. A realidade, como se sabe, não poderia ter sido pior. Nos últimos anos de vida, Corey Haim não recebia convites para filmes, e morava com a mãe, recentemente diagnosticada com câncer de mama, em um apartamento modesto de um condomínio para atores iniciantes em Los Angeles. Não tinha sequer carro. Um reality show mostrava a sua dura realidade. O desfecho da vida de Corey Haim me assombrou, deixou uma marca muito forte em minhas lembranças. Sempre penso em como estaria hoje, se não tivesse perdido a vida ainda tão jovem, aos 38 anos de idade.

Assim, é maravilhoso saber que semelhante destino não foi o da Jennifer Connelly. Ela procurou o aperfeiçoamento profissional, aproximou-se de pessoas positivas, compreendeu que a beleza cabe a um momento e é fugidia, passa muito rapidamente. Jennifer fez uma transição suave para os papéis adultos, ganhou um prêmio da Academia, os diretores a convidam para participar de projetos maravilhosos. Ouvi falar, dia desses, que atuará em um filme sobre a história da Arca de Noé, dirigido pelo premiadíssimo cineasta Darren Aronofsky, com grande elenco! Ademais, na vida pessoal, ela triunfou. É a mãe dedicada de dois garotos e uma menina, e esposa devota para seu marido, o conceituado ator britânico Paul Bettany. Ela merecia mesmo uma vida feliz, e foi o que aconteceu. Deste modo, assistir a “Phenomena”, quando ainda era uma adolescente de 15 anos, sabendo de antemão o futuro extraordinário que lhe esperava, me faz me sentir muito bem. Muitas pessoas plantam o bem, porém colhem apenas desapontamentos e tristezas, a vida pode ser extremamente cruel com almas generosas e bondosas desavisadas. Felizmente, não foi o caso da Jennifer Connelly, e a sua carreira e vida pessoal de sucesso são provas do cuidado que reservou a si.

Dario Argento exerce controle absoluto sobre o filme. Quem conhece sua obra sabe que é um artista do cinema fantástico. As suas tramas são férteis, e “Phenomena” não foge à regra, com monstros deformados, macaco munido de navalha, um assassino à solta, pessoas que conversam com insetos, e por aí vai!A produção é de primeira, Argento obviamente contou com muito dinheiro para realizar as tomadas mais tecnicamente complicadas e grandiosas. Os efeitos especiais são muito originais – a equipe reproduziu uma nuvem enorme de moscas através da queima de pó de café, entre outras proezas interessantes!

Se você não conhece Dario Argento, “Phenomena” é o pontapé ideal para começar, pois muito embora ilustre o seu imaginário peculiar, o que para os desavisados pode parecer muito bizarro, é o seu filme mais “acessível”, uma alternativa para quem procura outra coisa no gênero, e não efeitos especiais e estórias que já foram repetidas e reformuladas n vezes. Como eu aprendi assistindo às obras de artistas geniais tais como Dario Argento, David Cronenberg e Clive Barker, o horror exige paixão e personalidade. Um cineasta ou um escritor que pretenda produzir algo no gênero precisa extrair de dentro de si o desejo de expressar as fantasias e os temores de seu ego, com muito amor e originalidade, sem reservas ou vergonhas. Fico feliz em dizer que Dario Argento é um homem que ama os filmes e deseja deixar uma marca indelével através de suas tramas macabras. Os meus aplausos vão para o Sr. Argento e, claro, para Jennifer Connelly, que aqui ensaiou os seus primeiros passos e veio a se tornar uma atriz talentosa e, talvez o mais importante, uma mulher excepcional.
Todos os direitos autorais reservados a Anchor Bay. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Session 9: as vozes de Mary Hobbes e os demônios de Gordon Flemming


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, discorrerei sobre aquele que a meu ver foi um dos melhores filmes de horror que conheci em toda a vida, um trabalho à altura de clássicos imortais tais como w delta z e Hellraiser. Classificá-lo como “filme de horror”, todavia, parece-me desmerecedor, porque a trama a ser abordada transcende um gênero específico, é muito mais do que um mero filme de terror. “Session 9” é um triunfo cinematográfico incomum, raro caso de convergência de elementos distintos e afiados que se somam em torno de um objetivo comum. O resultado é este filme, pelo qual o seu diretor Brad Anderson e o seu artista principal Peter Mullan serão para sempre lembrados.

Quando lecionava na faculdade de cinema, antes de começar a rodar filmes, o diretor Brad Anderson apanhava a Rodovia 93 para chegar ao campus mais rapidamente. No caminho, chamava-lhe a atenção o Hospital Psiquiátrico de Danvers, sempre ao longe, escondido entre colinas, silencioso e imponente. Anderson refletia sobre como o lugar parecia apropriado para sediar um filme de horror psicológico, principalmente em suas condições atuais, abandonado e decadente, mais semelhante a uma recordação distante, um gigante inerte e nostálgico, retrato dos tempos quando não se sabia como se tratar as pessoas que sofriam de transtornos mentais. Brad agregou ao seu desejo de filmar em Danvers uma história contemporânea verídica, um terrível homicídio ocorrido em Boston, alguns anos antes, em 1994, perpetrado por um homem absolutamente comum, um cavalheiro chamado Richard Rosenthal, vendedor de seguros, casado, um cidadão socialmente impecável. A esposa havia sofrido um aborto, e a perda do filho pareceu agravar o stress emocional advindo do trabalho como vendedor. Um dia, ao chegar em casa, e descobrir que a mulher havia queimado o jantar, ele a atacou violentamente e a esquartejou. Depois, distribuiu os membros pelos cantos da casa. Após o homicídio, deixou a casa como se nada importante tivesse acontecido, e retomou o dia a dia corrido da empresa. Insuspeito, Rosenthal apenas cessou de dormir em casa para passar as noites em um motel, como se tudo o que tivesse acontecido resumisse-se a uma costumeira briga de marido & mulher. Quando finalmente foi apanhado, afirmou que realmente não conseguia se lembrar do momento em que a executara e desossara. Havia enterrado o instante dentro de si, e sublimado os eventos. Era como se no momento do ódio, a faceta desconhecida de sua personalidade tivesse mostrado as garras feias, com as quais retalhou a esposa e pôs tudo a perder em um momento de insanidade absoluta, para depois retornar à obscuridade, quando a sua "parte normal" recuperou as rédeas da fachada.

Brad Anderson incorporou todos os elementos dramáticos e humanos deste horroroso caso da vida real, e a partir da premissa – elementos da história de Richard Rosenthal somados ao legado do Hospital Psiquiátrico de Danvers – começou a escrever o roteiro de seu melhor filme, “Session 9”. Encorajado por performances magistrais (não há dúvidas, todos os atores principais deram os desempenhos definitivos de suas carreiras) e cinematografia granulada (por Uta Briesewitz), que traz à fita um tom quase documental, às lentes o olhar do “cinema verdade”, Brad Anderson garante seu merecido espaço como uma das vozes mais importantes do cinema moderno. “Session 9” é a estória de homens comuns, ordinários, trabalhadores estilo “blue collar”, fadados à tragédia a partir do momento em que a equipe ganha a licitação da Prefeitura para realizar o trabalho de descontaminação e limpeza do Hospital Psiquiátrico de Danvers, a se dar no curso de uma fatídica semana onde tudo o que poderia dar errado dará.

Gordon Flemming (Peter Mullan), imigrante irlandês de meia idade, administra a sua empresa Hazmat a duras penas. É o único trabalho que conhece, e o faz como ninguém. A sua equipe se especializou no tratamento de lugares abandonados, a limpeza e a remoção de materiais potencialmente nocivos à saúde, até mesmo cancerígenos, como o amianto. No curso dos últimos anos, sua presteza lhe valeu contratos lucrativos com a prefeitura de Boston no curso dos últimos anos. Ultimamente, porém, a empresa não anda bem das pernas. Para desestabilizar a frágil situação financeira, a mulher de Gordon acabou de dar à luz a primeira filha do casal, a bebê Wendy. Gordon jamais se imaginou no novo papel de papai, até porque a mulher também já passou do período fértil da maternidade, com seus (aparentes) quarenta e poucos anos. O irlandês quer o melhor para a esposa e a filha, e o sacrifício com que cuida da Hazmat é prova da sua preocupação em vê-las sempre financeiramente confortáveis. David Caruso interpreta Phil, o melhor amigo de Gordon, segundo homem no comando da Hazmat. Experiente e observador, Phil sabe que o amigo anda emocionalmente descompensado, e quando a turma vence a licitação para o trabalho de limpeza do gigantesco Hospital Psiquiátrico de Danvers, a se dar em tempo recorde de uma semana, teme pelo pior.

Completando a equipe, temos Jeff (Brian Sexton III), um adolescente ingênuo, generoso e de boa natureza, em seu primeiro verdadeiro trabalho, ele também é sobrinho de Gordon; Mike (Stephen Gevedon), ex-estudante de Direito, que recentemente abandonou o curso e foi repreendido pelo pai, brilhante advogado respeitado pela comunidade, que guardava grandes planos para o filho, por sua vez em busca da própria identidade, livre das pressões familiares; e Hank (Josh Lucas), o mais amargo da equipe. Desapontado com os rumos que a vida tomou, graças às próprias escolhas pobres, Hank sonha com a sorte grande, com a guinada no destino que finalmente virá para tirá-lo de um trabalho assalariado e torná-lo rico, da noite para o dia. Sua ambição selará seu terrível destino. Hank e Phil não se bicam, e para adicionar dor à miséria, Hank “roubou” a namorada de Phil. Você compreende imediatamente que o trabalho vindouro oferece os ingredientes certos para a panela de pressão: cada qual com as suas dores e dramas peculiares, e ao redor, o Hospital Psiquiátrico, um lugar que mesmo abandonado há décadas guarda uma carga negativa pesadíssima, esmagadora, principalmente para pessoas tão emocionalmente abertas a sugestões.

Desde o primeiro dia de trabalho, as coisas não vão bem. A tensão entre Phil e Hank eletriza a atmosfera. A área a ser contemplada é enorme, e o grupo precisará de muita sorte (e trabalho incessante) para acabar com a limpeza dentro do espaço de uma semana somente. Revirando caixas no depósito, Mike descobre uma que contém rolos antigos de filmes, nove rolos no total para ser exato, rotulados como Sessão um”, “Sessão dois”... O último rolo é a “Sessão nove”. Curioso, Mike passa a escutar os tapes. A partir daí, o diretor Brad Anderson parece traçar um paralelo entre o drama revelado nas fitas com a saga familiar que ocorre no presente, protagonizada por Gordon e os amigos. Pelas fitas, descobrimos o caso de uma garota chamada Mary Hobbes, uma menina comum, nos anos 50 ou 60 (jamais sabemos ao certo, mas definitivamente em um time frame entre as duas décadas), criada em um lar equilibrado e feliz, composto pelos pais e irmão Peter. Em uma noite de Halloween, o irmão pregou uma peça na menininha, dando-lhe um tremendo susto no porão. Mary caiu sobre a boneca de porcelana e cortou a mão. Naquele instante, o ódio tomou conta de sua alma. Mary apanhou a faca de escoteiro do irmão, trucidou-o sem dó, e depois eliminou os pais, que dormiam no quarto, insuspeitos. Depois de socorrida no hospital psiquiátrico, Mary não conseguia se recordar dos homicídios. Aparentemente, os eventos traumáticos fragmentaram a personalidade de Mary, e para se proteger da horrorosa realidade, desenvolveu mais 3 outros egos para escapar da culpa. Mary incorporava 3 personalidades: a menininha Princesa, que encapsula a doçura infantil, a simplicidade da época em que Mary e sua família haviam sido felizes; o garotinho Billy, que “tudo enxerga”; e finalmente o malévolo “Simon, o demônio”, a representação da maldade maliciosa e sem fim que efetivamente provocou o homicídio naquela noite de Halloween, tantas décadas atrás.

Simultaneamente, no presente, estranhos eventos passam a amaldiçoar o progresso do trabalho dos homens, durante a semana em Danvers. Gordon parece à beira de um colapso nervoso, sempre esgotado e tristonho. Na noite do segundo dia, quando regressa aos corredores do hospital para saquear um cofre que descobrira no subterrâneo, Hank desaparece sem deixar pistas. Vozes desencarnadas parecem colocar ideias perigosas nas mentes fragilizadas dos homens. Estes começam a se voltar uns contra os outros. O horror vai se assentando gradualmente, como um lençol molhado, envolvendo-os em um pesadelo do qual não encontrarão saída, ao mesmo tempo que Mike segue escutando as fitas antigas e descobrindo os fatos por trás da história de Mary Hobbes, que jamais deixou o hospital, tendo morrido por ali já uma mulher de idade.

O elemento “vozmerece destaque neste filme. Os rolos de fita juntam as peças do caso de Mary Hobbes através do diálogo entre a moça e o psiquiatra. Também foi uma “voz” desencarnada que Gordon escutara, ao contemplar pensativo os compridos corredores do hospital durante o tour oferecido pelo servidor da prefeitura, em preparação para o trabalho, no início do filme. “Olá, Gordon. Você consegue me ouvir...”, saudara a voz. Isso pode sugerir a presença de uma energia sobrenatural no hospital psiquiátrico, talvez um espírito que motivado pela sensibilidade aguçada de Gordon conseguiu estabelecer contato. Ainda, a voz também pode ter se originado, ironicamente, de sua própria mente. Quando a menininha Mary matou o irmão e os pais, também escutou semelhante voz. O ódio falou mais alto do que a razão, e em um instante, os golpeou a facadas até a morte. Consoante a interpretação, “Simon” tanto pode ser tomado como um demônio, um espírito malévolo, quanto como uma faceta temerosa da psique de qualquer um de nós. Quando nos vemos presos em um engarrafamento, e realmente desejamos matar o motorista do carro mais à frente responsável pela lentidão – eis uma representação de nosso “Simon”. Acontece que, em seguida, sufocamos o pensamento ruim, reprimimos os nossos instintos mais primitivos, afinal a vida em sociedade assim o exige. Muito provavelmente, quando Mary caiu sobre a boneca de porcelana e cortou as mãos, a voz que lhe disse “mate os desgraçados” se deveu ao ódio dentro de si, e apenas não tenha conseguido desarmá-la a tempo de evitar as facadas.

Eu não conhecia o trabalho de Peter Mullan, mas então assisti a “Session 9”, e só tenho palavras de profunda admiração à performance majestosa deste artista excepcional. Jamais assisti a um desempenho que tenha provocado tantos sentimentos contraditórios em mim. O homem me fez chorar e solidarizar por toda a situação absurda a que seu personagem foi arrastado, um senhor de meia idade, cansado, movido por todas as boas intenções do mundo, destruído pelas surpresas horrorosas que a vida joga nas nossas caras. Há uma cena, jamais me esquecerei, onde eu pensei “Meu Deus, como pode, a Academia ter deixado passar despercebido o trabalho deste extraordinário ator?Esse homem merecia um Oscar!”. Refiro-me ao momento em que Gordon, exausto e psicologicamente drenado,descansa, sentando em um tronco de árvore derrubado, na encosta, em meio a um gramado muito vasto sem fim, às margens do Hospital, e o seu sobrinho aproxima-se para conversar, oferecer uma espécie de consolo, apoio moral. A forma como Peter reage ao carinho do sobrinho, a maneira como o rosto entrega que se encontra à beira das lágrimas, traz um nó a minha garganta. Sempre terei todo o respeito e admiração pelo grande Peter Mullan – esse senhor comanda “Session 9” e deixa um legado na forma de um personagem trágico que perdurará na imaginação de quem se presentear com a chance de assistir ao filme.

David Caruso é o ator mais conhecido do elenco. Muitas pessoas dizem que ele é um artista de uma nota só, mas apreciei seu desempenho como o melhor amigo. Em “Session 9”, Mullan é a emoção, Caruso a voz da razão. Caruso é quem tenta evitar que toda a situação se perca de vez. Os demais atores estão excelentes, com especial menção a Stephen Gevedon, que compõe com delicadeza o complicado “Mike”, o rapaz que deu um tempo no curso de Direito para buscar a própria identidade. Gevedon, aliás, tem uma das melhores cenas do filme, quando compartilha os conhecimentos sobre a história do Hospital de Danvers com os companheiros, e explica por que o mesmo foi fechado em meados dos anos 80, citando o caso de uma tal Patrícia Willard e a síndrome do ritual satânico de abuso sexual que foi febre nos consultórios psiquiátricos nos anos 80.

Brad Anderson aproveita ao máximo o potencial do Hospital. O sentimento de abandono que perfila o filme emana como quentura através da tela. Por sobre as cabeças dos personagens, paira o sentimento da solidão, da tristeza, vidas perdidas e desperdiçadas ao sabor da lâmina da guilhotina. Durante as filmagens, o ator Peter Mullan desabafou sobre as dificuldades de atuar em um lugar tão carregado. Disse que quando faziam uma cena na cobertura do prédio principal, ocorreu-lhe o que aconteceria se simplesmente pulasse. Peter disse que não tinha motivos para se matar, não estava deprimido, porém ao realizar a cena no telhado, o sentimento simplesmente o invadiu. Ele falou que estava convencido de que a sugestão partira do lugar. Isso pode ser visto em um dos extras do DVD norte-americano de “Session 9”.

O diretor fez excelente uso do áudio. As sessões reveladas baseiam-se exclusivamente nas conversas travadas entre Mary Hobbes e o psiquiatra, mas ainda assim podem ser pontuadas como as mais atmosféricas e arrepiantes cenas. Os diálogos inusitados onde Mary alterna as personalidades, transitando entre a garotinha Princesa, o menino Billy, e por fim Simon, o demônio, representam um espetáculo a parte, e reforçam a perspectiva de desalento que o filme já veste desde a primeira cena (uma tomada de ponta cabeça de um corredor abandonado onde ao final resta uma cadeira desocupada, uma imagem verdadeiramente evocativa).

É importante salientar que mesmo 5 minutos antes dos créditos, você se verá à beira da poltrona roendo as unhas sem antecipar como o drama terminará. Finalmente, quando conclui, “Session 9” nos deixa com o sabor amargo que todas aquelas pessoas que viveram em Danvers devem ter experimentado em uma base diária: a desesperança, a falta de crença na redenção, o horror de almas fragilizadas em um mundo que afinal de contas nada mais é do que uma versão infinita de um Hospital psiquiátrico sem regras, cheio de loucos ainda mais perigosos, que há muito se desumanizaram e deixaram de olhar para os semelhantes vulnerabilizados. Na ausência de Deus, pela via da falibilidade humana, o Diabo faz a festa. Como diz Simon, o demônio, na assombrosa tomada final de “Session 9”: Eu vivo nas pessoas fracas e feridas, Velhinho.

Todos os direitos autorais referentes ao trailer acima pertencem a Universal-USA Films. O uso do vídeo é apenas para o propósito de ilustrar a resenha.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Imagens do Além


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, tecerei considerações sobre um filme de horror muito interessante, parte de minha coleção particular, que me pareceu bastante injustiçado na ocasião do lançamento. Trata-se de Imagens do Além, refilmagem de um excelente suspense tailandês chamado Espíritos. O filme tailandês, lançado em 2004, foi acolhido por críticas favoráveis e sucesso em seu país de origem. Como de se esperar, os norte-americanos compraram os direitos autorais para rodar a refilmagem, e o resultado foi Imagens do Além, lançado exatamente 4 anos mais tarde.


Tenho observado que refilmagens não são merecedoras da generosidade de resenhas especializadas. O diretor que pretende refilmar uma grande obra já começa a empreitada em desvantagem. É como se estivesse cometendo um sacrilégio, e todo o mundo estivesse a um passo de desabar sobre os seus ombros. A verdade é que uma vez que se esquece o paradigma da refilmagem, a questão resume-se a se o filme revisita a trama com uma eficiente abordagem ou não. Assim, há refilmagens interessantes, e outras não tanto. Existem refilmagens que são melhores do que os originais. Não há como negar que O Massacre da Serra Elétrica, o remake de 2003, é muito superior ao primeiro, dos anos 70. Mais polido, com melhores atuações e bons efeitos, eis um caso de refilmagem que veio a calhar.


Em outros casos, é possível que a refilmagem falhe diante do peso do legado do original, todavia isso não o torna obrigatoriamente uma produção medíocre. Este é o caso de Imagens do Além, um suspense que não está à altura da obra tailandesa, porém consegue oferecer um entretenimento de bom nível, alguns sustos, uma hora e meia de diversão sólida, nada mais. Neste sentido, recomendo aos leitores que procurem relevar as críticas negativas para dar uma oportunidade ao filme. Com o alcance do DVD, os filmes se tornaram bastante acessíveis, e é facílimo encontrar Imagens do Além em qualquer loja, por irrisórios R$ 13,00, em média. Por este preço, é uma ótima aquisição para a sua videoteca particular.

O filme começa na festa de casamento de seus dois personagens principais, Ben & Jane. Mal comemoram a festa de casamento, o casal se põe de mudança para Tóquio. O jovem Ben é um talentoso fotógrafo, que oferecerá o seu olhar elegante a uma firma japonesa de moda. Ele já esteve no Japão anteriormente, e agora regressará para trabalhar e morar, acompanhado pela esposa australiana. Seus dois melhores amigos, que há alguns anos foram tentar a sorte no Japão e prosperaram, os acolhem muito bem, e quando menos esperam, Ben e Jane estão vivendo uma nova, excitante existência em um país encantador e incomum.

Sendo um filme de horror, é óbvio que logo após a mudança coisas sinistras passarão a afligir a paz do casal. As fotografias de Ben, quando reveladas, acusam a inexplicável presença de uma soturna figura feminina. Logo, a manifestação deixa de se restringir apenas a fotos, e invade o cotidiano do casal com aterrorizante força total. Há uma explicação para o mistério, e o diretor vai fornecendo as pistas cuidadosamente, alimentando o gradual interesse pela resolução do mistério.

Pontos importantes do enredo serão revelados, a partir de agora, então se você espera assistir a este DVD sem que tenha a trama escancarada, deixe de ler neste momento. Não custa a ficar perceptível que a presença feminina nas fotos remonta a um rosto do passado de Ben e dos dois melhores amigos. Ele, que sempre pareceu incorruptível em todos os sentidos, um cidadão acima de qualquer suspeita, guarda um segredo sórdido, causa de todo o seu tormento em Tóquio.

Acontece que em um passado recente, antes de se envolver com Jane, Ben conheceu uma moça carente e possessiva, quando de sua primeira passagem pelo Japão. O que era para ficar em um flerte incipiente acabou ganhando contornos mais graves, o que o intimidou, pois a garota realmente passou a não o deixar em paz. Quando o assedio começou a atrapalhar a vida de Ben, o fotógrafo pôs em movimento um plano urdido para afastá-la de vez. Sob o pretexto de querer fazer as pazes, Ben a convida a tomar alguns drinques. Ocorre que os seus dois amigos se encontram escondidos no quarto do hotel, e polvilham calmante na bebida, o que deixa a garota sonolenta. Ben tira fotografias de seus dois amigos a abraçando, forjando uma “farra”, colocando-a em uma situação potencialmente vexatória. A ideia gira em torno de garantir o silêncio da moça pela via da ameaça. Como a moça é filha de pais japoneses severos e tradicionais, Ben crê que o teor das fotos poderá intimidá-la e garantir que deixará de procurá-lo, sob a pena de revelar as imagens. O plano dá terrivelmente errado e termina em tragédia. Os amigos esperavam ter deixado o segredo para trás. Infelizmente, o vulto nas imagens nada mais é do que a vítima do horroroso segredo do trio, que voltou para reclamar suas vidas.

O problema de Imagens do Além deve-se à caracterização meio rasa de seus personagens, mais densos e bem escritos no original. No filme tailandês, ao final, você realmente acha que conheceu aquela turma, entendeu as suas escolhas, chegou a desenvolver empatia pelos mesmos, lamentar pelos seus trágicos destinos. A estória foi melhor amarrada, desenvolvida, e a resolução, mais satisfatória. Infelizmente, nesta refilmagem, sendo um filme de suspense mais breve, de uma hora e meia, o diretor não pôde esmiuçar os personagens, dar-lhes a profundidade que desejava, o que os tornou mais superficiais. No entanto, compensou a falha com as boas atuações do elenco – Joshua Jackson é muito talentoso, comanda o personagem com autoridade, oferece nuances que provam que Ben não é inteiramente íntegro, todavia tampouco completamente mau; os seus dois melhores amigos também são muito bem caracterizados – e com a fotografia deslumbrante. Tóquio emana exuberante vida na cinematografia de Katsumi Yanagijima (veterano diretor de fotografia de muitos clássicos, entre outros "Battle Royale"), que nos mostra quão caótica e encantadora uma das maiores metrópoles do mundo pode parecer a olhos desconhecedores, um lugar movido pela tecnologia de ponta, onde os cidadãos paradoxalmente sustentam, a todo custo, a cultura milenar e as tradições inquebrantáveis.


Imagens do Além oferece entretenimento rápido e alguns bons sustos, embrulhados por um pacote de belíssima forma, através da fotografia caprichosa e atuações comprometidas. Pelo preço, recomendo a compra do disco para a coleção particular. Não há como negar que é uma produção que não deixa uma impressão duradoura, todavia ao passo de que você pode afirmar que não revolucionou o gênero, como algo como Hellraiser, também pode dizer que nos remete aos velhos e bons filmes “Supercine” - suspense rápido e intrigante, que oferece uma hora e meia de diversão sem maiores compromissos. Por R$ 13,00, é uma ótima compra!
Todos os direitos autorais reservados a Twentieth Century Fox. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.