Olá, pessoal. Nesta resenha, aproveitarei a oportunidade para falar sobre um dos diretores mais originais que o cinema europeu teve para oferecer ao gênero horror: Dario Argento. Os fãs de terror o reconhecerão pelos thrillers italianos apoteóticos dos anos 70 & 80. Clássicos do gênero, tais como “Suspiria” e “Profondo Rosso”, refletem as peculiaridades da mente deste cineasta apaixonado e talentoso. Quando da entrada dos anos 90, Dario Argento pareceu “perder o toque”, e seus trabalhos a enfraquecer gradualmente, ano após ano. Ainda assim, mesmo que o ápice criativo pareça coisa do passado, o diretor ainda é tratado com muita reverência e carinho pelo público e crítica europeia. Eu me lembro de algo que o meu artista preferido Burt Reynolds disse ao diferenciar os críticos da Europa dos norte-americanos “Eles (os europeus) pensam que você é tão bom quanto o seu melhor filme, e os americanos acreditam que você é apenas tão bom quanto o seu último filme”. Ele quis dizer que por mais que um artista não venha bem e os seus últimos filmes pareçam fracos, os europeus sempre o tomarão pelo seu melhor instante, o melhor trabalho, pouco importando quanto tempo tenha se passado desde então. Foi um comentário cheio de classe e bastante assertivo. Nos Estados Unidos, lamentavelmente, um ator de cinema vale tanto quanto o dinheiro que o seu último filme fez nas bilheterias, e isso é desrespeitoso para as pessoas que vivem da arte e criatividade.
“Phenomena” é um suspense italiano estiloso e encantador. O visual do filme, uma festança aos olhos, o torna absolutamente delicioso de se assistir. Foi filmado nos Alpes suíços, e somente um cineasta com fogo e paixão na alma como Argento poderia pincelar a tela com fantasia imersa em cores, exageros justificados pela magia. Agregando ao filme, adivinhem quem faz o papel da mocinha?Aquela cujos olhos sempre parecem tristes e misteriosos, de uma beleza melancólica e difícil de desvendar – Jennifer Connelly. Em “Phenomena”, Jennifer Connelly tinha 15 anos de idade, ainda uma menina, mas já se via que estava destinada a feitos extraordinários. Dito e feito, 16 mais tarde, já uma mulher, merecidamente recebia nas mãos o prêmio da Academia enquanto o seu pai assistia a tudo e aplaudia da cadeira.
Jennifer Connelly interpreta uma menina rica, inteligente e estudiosa, enviada pelo pai a um conceituado colégio para garotas nos Alpes suíços. Ela é sonâmbula, e guarda especial conexão com insetos. Quando uma série de homicídios põe termo `a tranquilidade da cidade, Jennifer alia-se a um perspicaz entomologista (interpretado pelo veterano Donald Pleasence) e faz uso de seu dom para descobrir o culpado, enquanto é hostilizada pelas colegas e vigiada de perto pela sinistra e misteriosa diretora do colégio (Daria Nicolodi), a sua vida correndo riscos a cada nova descoberta. Mal imagina ainda, a personagem de Jennifer descobrirá o papel da diretora nos homicídios, engatilhado por um evento brutal de seu passado sombrio, a envolver o estupro nas mãos de um paciente de um hospital psiquiátrico, uma década antes.
Jennifer está excelente, como de costume. Muitas vezes, ocorre de um artista jovem fazer um filme de sucesso, e nos encantar com o talento, todavia não conseguir suceder na transição para a fase adulta da carreira e se deparar com fracasso profissional: os cineastas deixam de convidar o artista, os roteiros bons deixam de chegar a suas mãos com frequência. Isso aconteceu com um rapaz chamado Corey Haim, que nos anos 80 atuou em filmes de sucesso como Os Garotos Perdidos e A Inocência do Primeiro Amor. A sua persona foi explorada em comédias românticas, e por algum tempo, foi muito requisitado e ganhou bastante dinheiro. Com o dinheiro, vieram os parasitas, que o cercaram com promessas e sugaram seu tempo e dinheiro. Infelizmente, com a chegada dos anos 90, os papéis rarearam e a vida pessoal entrou em colapso. Corey Haim morreu há alguns anos atrás, em 2010, pobre e esquecido. Eu assisti a uma reportagem sobre a sua vida. Havia um segmento, uma entrevista que concedera no final dos anos 80, em que dizia que se imaginava, dali a vinte anos no futuro, morando com a família, em uma ilha, brincando com golfinhos, fazendo filmes legais, algo muito doce e ingênuo que somente uma criança poderia imaginar. A realidade, como se sabe, não poderia ter sido pior. Nos últimos anos de vida, Corey Haim não recebia convites para filmes, e morava com a mãe, recentemente diagnosticada com câncer de mama, em um apartamento modesto de um condomínio para atores iniciantes em Los Angeles. Não tinha sequer carro. Um reality show mostrava a sua dura realidade. O desfecho da vida de Corey Haim me assombrou, deixou uma marca muito forte em minhas lembranças. Sempre penso em como estaria hoje, se não tivesse perdido a vida ainda tão jovem, aos 38 anos de idade.
Assim, é maravilhoso saber que semelhante destino não foi o da Jennifer Connelly. Ela procurou o aperfeiçoamento profissional, aproximou-se de pessoas positivas, compreendeu que a beleza cabe a um momento e é fugidia, passa muito rapidamente. Jennifer fez uma transição suave para os papéis adultos, ganhou um prêmio da Academia, os diretores a convidam para participar de projetos maravilhosos. Ouvi falar, dia desses, que atuará em um filme sobre a história da Arca de Noé, dirigido pelo premiadíssimo cineasta Darren Aronofsky, com grande elenco! Ademais, na vida pessoal, ela triunfou. É a mãe dedicada de dois garotos e uma menina, e esposa devota para seu marido, o conceituado ator britânico Paul Bettany. Ela merecia mesmo uma vida feliz, e foi o que aconteceu. Deste modo, assistir a “Phenomena”, quando ainda era uma adolescente de 15 anos, sabendo de antemão o futuro extraordinário que lhe esperava, me faz me sentir muito bem. Muitas pessoas plantam o bem, porém colhem apenas desapontamentos e tristezas, a vida pode ser extremamente cruel com almas generosas e bondosas desavisadas. Felizmente, não foi o caso da Jennifer Connelly, e a sua carreira e vida pessoal de sucesso são provas do cuidado que reservou a si.
Dario Argento exerce controle absoluto sobre o filme. Quem conhece sua obra sabe que é um artista do cinema fantástico. As suas tramas são férteis, e “Phenomena” não foge à regra, com monstros deformados, macaco munido de navalha, um assassino à solta, pessoas que conversam com insetos, e por aí vai!A produção é de primeira, Argento obviamente contou com muito dinheiro para realizar as tomadas mais tecnicamente complicadas e grandiosas. Os efeitos especiais são muito originais – a equipe reproduziu uma nuvem enorme de moscas através da queima de pó de café, entre outras proezas interessantes!
Se você não conhece Dario Argento, “Phenomena” é o pontapé ideal para começar, pois muito embora ilustre o seu imaginário peculiar, o que para os desavisados pode parecer muito bizarro, é o seu filme mais “acessível”, uma alternativa para quem procura outra coisa no gênero, e não efeitos especiais e estórias que já foram repetidas e reformuladas n vezes. Como eu aprendi assistindo às obras de artistas geniais tais como Dario Argento, David Cronenberg e Clive Barker, o horror exige paixão e personalidade. Um cineasta ou um escritor que pretenda produzir algo no gênero precisa extrair de dentro de si o desejo de expressar as fantasias e os temores de seu ego, com muito amor e originalidade, sem reservas ou vergonhas. Fico feliz em dizer que Dario Argento é um homem que ama os filmes e deseja deixar uma marca indelével através de suas tramas macabras. Os meus aplausos vão para o Sr. Argento e, claro, para Jennifer Connelly, que aqui ensaiou os seus primeiros passos e veio a se tornar uma atriz talentosa e, talvez o mais importante, uma mulher excepcional.
Todos os direitos autorais reservados a Anchor Bay. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.