terça-feira, 30 de junho de 2015

"Área 51" & "Sobrenatural A Origem": Mal chegamos ao meio do ano, já temos muito para comemorar com estes dois charmosos filmes de Horror, concebidos sob muita expectativa. Conseguiram os diretores Oren Peli & Leigh Whannell entregar o produto que seus fãs esperavam? Leiam a resenha e descubram!

Ambas as franquias começaram quase na mesma época, "Atividade Paranormal" em 2009 & "Sobrenatural" em 2010. Desde então, os blockbusters do verão americano, usualmente os filmes de super-heróis, precisam disputar acirradamente a atenção com essas pequenas fantasias de Horror que de maneira inesperada conquistaram o imaginário do grande público. Desde "Tubarão", de Steven Spielberg, o gênero não via dois diretores alçando voos tão magníficos, James Wan com "Sobrenatural" & Oren Peli com "Atividade Paranormal". 2015 não desapontará os cinéfilos que aprenderam a reservar algum carinho a filmes do tipo. Embora James Wan não esteja de volta `a cadeira de diretor de "Sobrenatural: A Origem", o talentoso cineasta foi o produtor, e se prestarem muita atenção, terão uma grata surpresa, pois também foi algo mais... Ele faz uma ponta no elenco!A seu turno, Oren Peli retorna como diretor, todavia não em mais um título da franquia "Atividade Paranormal", e sim em um novo, ambicioso sucesso, o ótimo "Área 51". Seus filmes seguem criando enorme empatia e identificação com o público, o resultado não poderia ter sido melhor. Apresentarei os enredos de ambos os filmes, bem como minhas considerações acerca dos dois.

Reid, Darren & Ben são 3 melhores amigos fascinados com a Área 51. Quando o filme abre, aprendemos que o trio desapareceu misteriosamente ao se aventurar no deserto de Nevada. O filme nos mostra os eventos que antecederam o desaparecimento e a natureza da tragédia que se abateu sobre o grupo. Exibido no formato "found footage", "Área 51" começa com entrevistas com familiares e amigos de Reid, que o descrevem como um sujeito do Bem, um cara absolutamente comum que 3 meses antes do sumiço passou a mostrar incomum interesse por fenômenos ufológicos. Sua irmã & chefe oferecem observações semelhantes: apesar de se recordarem do rapaz pela generosidade, Reid tornou-se uma pessoa completamente diferente nos 3 meses anteriores ao desaparecimento em pleno deserto de Nevada. O chefe fala que o servidor dedicado se tornou um indivíduo relapso. Depois de sua saída, os colegas de trabalho encontraram impressões de artigos sobre discos-voadores, tirados da internet. A irmã oferece reminiscências parecidas, e mostra `a câmera os livros e filmes esquisitos que o irmão vinha lendo e assistindo.

Tudo começa de forma insuspeita, 3 meses antes, quando os rapazes vão a uma festa. Descontraídos, a noite transcorre agradavelmente, Reid inclusive obrigado a executar uma performance no karaokê, quando um blecaute mergulha a casa na escuridão, por alguns segundos. Quando as luzes voltam, não há sinal de Reid. Os amigos, claro, não se preocupam. "Alto" (alcoolizado) do jeito que estava, Reid decerto deu uma escapulida com alguma menina da festa para "comemorar" a sós. A festa continua sem sobressaltos, Ben inclusive tirando as roupas e saltando na piscina, alegre e fora de controle. Em determinado momento, os rapazes começam a sentir a falta de Reid, que já devia ter dado sinal. Darren & Ben acreditam vê-lo momentaneamente no quintal de casa, por trás de uma árvore, mas não podem ter certeza. Ao deixarem a festa e voltarem à estrada, os amigos mantêm o automóvel em baixa velocidade, procurando avistá-lo. Subitamente, Reid aparece no meio da estrada, confuso, incapaz de descrever o que aconteceu. Depois desta noite, começou a obsessão por OVNIs e Área 51.

Aparentemente, não há nada que sugira algo muito incomum quanto a Área 51. Localizada a cerca de 130 quilômetros a Noroeste de Las Vegas, no deserto de Nevada, a Área 51 aparentemente em nada difere de qualquer outra típica base norte-americana. Reza a lenda, no entanto, que a Área 51 é o lugar onde o Governo guarda seus mais bem-escondidos segredos no que importa OVNIs. Ali, seriam postos em prática testes de engenharia reversa em discos-voadores, com o intento de dominar a tecnologia de seres de tão avançada civilização, de visita a nosso mundo. Por razões desconhecidas, após o "blecaute" da festa, quando ressurgiu apenas horas depois, no meio da estrada, sem recordação alguma do sucedido, Reid se sente "atraído" para a região, quase como se a Área 51 o estivesse chamando. Com a ajuda dos amigos, Reid prepara uma detalhada operação com o impossível intento de penetrar na sinistra base e conhecer seus mistérios.

Vemos que os rapazes "fizeram o dever de casa", em preparação para a missão de suas vidas. A seu favor, pesa a parafernália de tecnologias e detalhes que esperam conduzi-los a salvo pelo deserto. Eles precisarão penetrar o perímetro da base, portanto levarão tecnologia capaz de derrubar sinais de celular. Além da vigilância ferrenha, uma vez cruzados os limites, o perímetro estará equipado com detectores de amônia, o que efetivamente deve entregar qualquer intruso, mesmo que vencidos as cercas e os alarmes. Precavido, o trio fará uso de tabletes para mascarar o teor de amônia do organismo. Para enxergarem na escuridão, atravessarão o deserto com visores noturnos. Para mostrar o quão a sério o Exército Norte-Americano leva a questão da segurança, Ben exibe um vídeo onde vemos terroristas iraquianos dentro do país, tentando orquestrar um ataque à Área 51. Eles se movem como que convictos de que não serão vistos, mas câmeras de calor registram toda a ação. Quando pensam que podem atacar, são eliminados por disparos de mísseis e metralhadoras automáticas que literalmente os pulverizam no deserto. Logisticamente, os amigos não estão nessa aventura sozinho, pois fizeram contato com Jelena Nik, filha de Lawrence Nik, um cientista que trabalhara na Área 51 e se suicidou na garagem de casa, alguns anos atrás, em 2009. Os amigos costumam navegar por um blog por onde se pode ter acesso a parte dos documentos de Nik

Ben recebe uma ligação de outro amigo. Reid aproveita para testar o equipamento, e enquanto espia o rapaz do corrimão, aciona o instrumento, que "quebra" a frequência do celular e encerra a ligação entre Ben e o rapaz. Quando pegam a autoestrada a caminho da aventura, os ânimos são os melhores, e Ben não hesita em brincar, afirmando que no dia da entrada, provavelmente serão derrubados por atiradores sniper antes de se aproximarem das cercas. Reid insiste que o máximo que poderá acontecer será os três irem presos, mas Ben crê que até mesmo assaltar o Banco Federal seja menos perigoso do que encarar a Área 51. Reid levanta um ponto interessante: espera-se que bandidos tentem assaltar bancos federais, daí a segurança envolvida, todavia quem imaginaria que americanos tentarão burlar a segurança da Área 51? Reid está contando, portanto, com o fator surpresa.

Ao final da tarde, chegam em grande algazarra a Las Vegas, o entreposto no caminho da aventura de suas vidas, e se hospedam em uma maravilhosa suíte cuja vista dá para o aeroporto internacional, mais especificamente para o terminal utilizado pelos funcionários do alto escalão que transitam todas as semanas pela base militar. Os amigos espairecem em um clube de strippers, e na manhã seguinte, dedicam-se "aos negócios". Não há mais tempo para diversões ou distrações.

Reid acha que sabe de tudo sobre a Área 51. Mal imagina quão longe encontra-se da verdade. O trio encontra Jelena em uma cafeteria. Depois do suicídio de Lawrence, todos seus arquivos secretos & mapas da Base Militar chegaram às mãos da filha, que os guardou em um insuspeito lugar, um daqueles armazéns de depósitos onde se aluga os cômodos para guardar bugigangas das quais alguém não quer se livrar. Enquanto caminham entre os corredores do depósito, ela conta que na véspera do suicídio, o pai afirmou que seus telefones estavam grampeados. Ele pediu que na ocasião de sua morte, a filha levasse os documentos para algum lugar insuspeito. 24 horas após o suicídio, depois que a filha tinha transportado os documentos para um canto seguro, o Exército apareceu para confiscar quaisquer itens que julgasse uma ameaça para a Segurança Nacional. Já era tarde, contudo, pois os documentos estavam fora do alcance do Exército. Jelena avisa aos rapazes que por mais que estejam fascinados com o mistério da Base, vista a olhos nus uma vez que se atravessa o deserto, na verdade será somente no subterrâneo onde encontrarão os mais cabulosos segredos sobre OVNIs, mais especificamente uma seção secreta batizada de "S4". Evidente que vencer os perímetros da Área 51 será apenas o começo. Mesmo que consigam passar livremente, precisam resolver um detalhe fundamental: ganhar acesso `as diferentes seções no interior, coisa que somente um funcionário de dentro teria como fornecer. Enquanto vivo, o pai de Jelena espionou um determinado cavalheiro do alto escalão, tendo inclusive realizado fotos do homem sem o seu conhecimento.

Homens de alta hierarquia costumam realizar a ponte aérea no aeroporto de Las Vegas, diariamente. Claro que eles não moram na Base, apenas se deslocam para o deserto de Nevada para o exercício de suas funções na Área 51. Entre outros privilégios, gozam de livre passagem para o transporte rotineiro, do trabalho para casa e a volta para o trabalho, em voos aparentemente ordinários que não despertam atenção do grande público. Curiosamente, o Boeing que faz o transporte não tem matrícula, e o terminal de embarque e desembarque tampouco traz um número, apenas a sigla, JANET ("Just Another Non Existent Terminal", que significa "Apenas mais um Terminal Não-Existente"). Na tarde daquele dia, os amigos preparam a tocaia nas cercanias do aeroporto, e flagram o homem de alto escalão atravessando a cancela em um carro do governo, a caminho de casa. A uma certa distância, os rapazes não perdem o automóvel de vista, chegando ao endereço onde o agente mora com a família.

Paciente, a turma aguarda dentro do carro, do outro lado da calçada, `a espera da primeira oportunidade para entrar. Em dado momento da madrugada, o homem precisa momentaneamente se ausentar. Habilidoso, Reid espera que o cavalheiro se afaste com o carro, e entra a tempo de passar sob o portão automático da garagem. Por dentro, ele abre a porta da frente para Darren. Ben protesta quanto aos riscos, não acreditando na ousadia dos amigos. Eles cuidam para não fazer barulho ou causar maiores problemas, mas levam um baita susto quando o cachorro da família surge e avança. Darren consegue distrai-lo oferecendo petiscos. Estão ali única e exclusivamente para "clonar" o cartão magnético do agente da Área 51. Em um crescente clima de tensão, os rapazes começam a vasculhar os cômodos, quando são avisados por rádio que o homem está retornando para casa, acompanhado da família, após pouco tempo de ausência. Reid e Darren se escondem na banheira, por trás das cortinas, e por pouco a esposa e o filhinho, que entram para escovar os dentes, não os flagram. Eles esperam que a família se recolha para dormir, quando discretamente apanham o cartão magnético e uma loção pós-barba (de onde esperam colher digitais para os escâneres biométricos), concluindo com sucesso a missão.

À essa altura, Ben está furioso, convicto de que as câmeras de segurança da rua filmaram sua placa, que terá problemas para o resto da vida, pois para todos os efeitos cometeram um crime federal ao entrar clandestinamente na propriedade. Os riscos nos quais incorreram não parecem compensar. Do trio, Ben deve ser o único com o "pé atrás". Os amigos pegam a estrada na madrugada fechada e deixam Las Vegas. Em determinado momento, resolvem parar no acostamento para cochilar. Quando Ben & Darren despertam, não encontram o amigo, até que Ben o avista distraído, para os lados da estrada. Ben e Darren têm uma conversa onde o rapaz novamente expressa seus reparos. 

Eles se hospedam em uma cidadezinha muito próxima à Área 51. As filmagens que realizam dos moradores locais mostram o impacto da Área 51 sobre suas vidas. Ali, os cidadãos só pensam em discos voadores. Há mais turistas do que moradores, forasteiros movidos pelo mesmo desejo. As pessoas entrevistadas falam com convicção de que os "Cinza" existem. Um homem fala sobre abduções, sobre o fato de os alienígenas deixarem um implante que te deixa "marcado" até o fim da vida; outro, sobre a aparência das criaturas. Um cidadão de traços latinos dá um curioso depoimento, onde fala sobre a representação em pedra de deuses, no México, e menciona a aparência dos mesmos com astronautas. Mesmo a crença de que no instante da morte você caminha em direção à luz parece trazer algum significado no que se refere à vida extraterrestre. "Eles têm a própria Polícia, o próprio Governo. Área 51 significa que a Área é o Estado n° 51 dos Estados Unidos da América", o homem opina. 

Os rapazes chegaram ao segmento final da viagem, estão a menos de um dia de entrarem na Área 51. Dirigindo pelas estradas secundárias do deserto de Nevada, encontram em um determinado ponto do acostamento empoeirado Glen, o guia local. O homem lhes fala sobre os sensores ao redor da base, e mostra que são tão discretos que dificilmente os teriam diferenciado da vegetação rasteira. Não demora a uma camioneta aproximar-se e o motorista descer para perguntar o que o grupo faz naquelas redondezas. Eles deduzem que se trata de um agente disfarçado, de olho nos intrusos. A camioneta logo parte, desaparecendo na estrada de terra batida.

Naquela noite, quando Reid, Darren e Ben voltam ao trailer, tentam socializar com um dos moradores locais. Sentado em uma cadeira à beira da imensidão do deserto com seu binóculo, o homem não parece interessado em conversa. Os amigos encontram a porta do trailer aberta e imediatamente pensam que foram seguidos por militares. Na verdade, é Jelena quem deseja acompanhá-los na aventura. Ben está hesitante quanto a seguir adiante. Ele explica que só topou a empreitada porque jamais acreditou que as coisas chegariam àquele ponto. Uma batida na porta do lado de fora os deixa sobressaltados, mas a ausência de qualquer pessoa à porta os assusta ainda mais. Eles vestem uniformes próprios que camuflarão o calor (de modo a burlarem os leitores termodinâmicos do perímetro) e engolem os tabletes que devem baixar o nível de amônia. Mesmo certos de que têm agido com cautela, os amigos se sentem paranoicos. Eles ganham a estrada às altas horas. Ben os aguardará em um trecho que passa aos pés de uma colina menor cuja face dá para a Base.

Munidos com câmeras e apetrechos, o trio desarma o sensor de movimento, e entre uma porção de ameaças como cobras rasteiras, esconde-se para burlar o facho de luz que os canhões do helicóptero deita sobre a colina. Vista de longe, a Área 51 mais lembra as pistas de um grande aeroporto internacional, mas de perto parece uma cidade de médio porte. Uma vez que alcançam as grades do perímetro, navegar dentro da Área 51 não é tão difícil quanto escapar à detecção das armadilhas deixadas no deserto, entre a estrada e o efetivo início da base, marcado pelas cercas. Mesmo assim, precisam falar baixinho, correr entre as sombras e se agrupar para descobrir por qual hangar devem entrar. Fazendo uso do cartão magnético e das digitais colhidas do vidro do perfume, o trio ganha acesso ao primeiro nível, um andar corrido que não difere tanto assim do andar de uma repartição, por exemplo. Agachados dentro de uma ilha de trabalho, escapam aos olhos de um funcionário da limpeza, e então aos de um segurança. Eles alcançam a escada que esperam que os levará aos túneis do subterrâneo.

Em uma sala reservada à esterilização, encontram trajes especiais para evitar exposição, um colete de balas parcialmente derretido e um walkie-talkie. Reid escuta um chiado terrível através do walkie-talkie, e seu nariz começa a sangrar. Para adentrarem em um novo nível, o complexo do "S2", o trio faz uso do visor sensível a calor, e quando um soldado pressiona a combinação do password para entrar, eles "leem" os "borrões" deixados pelas impressões das digitais nos botões, ganhando acesso à mina de ouro. No laboratório, encontram uma porção de itens que levam a crer que se trata de tecnologia alienígena. Eles veem um líquido dentro de uma centrífuga, dotado de volição, adquirindo as formas mais inesperadas, e uma pedra que gira no ar e sobre a qual a gravidade não atua. O líquido de inconstante forma subitamente tenta atacá-los,  e a pedra estilhaça o vidro e ricocheteia pelas paredes. Eles deixam o laboratório e continuam a descida.

Eles encontram um enorme hangar onde há uma aeronave alienígena em forma de disco. Fascinado ao examinar a aeronave, Reid percebe que a superfície é sentiente, e reage a seu toque como uma estrutura orgânica o faria. Embora Jelena tente provocar a mesma reação com suas mãos, a aeronave parece responder somente ao estímulo de Reid. Ao se dar por uma abertura no topo do disco voador, Reid salta para dentro. Ao entrar, a abertura fecha-se como se jamais tivesse existido. Reid explora o interior da nave, um ambiente transparente que permite uma absurda vista de 360° do ambiente circundante, enquanto que para seus amigos que ficaram de fora, não é possível enxergar através da superfície metálica. Reid deixa o disco voador e eles retomam as escadas através das quais pretendem chegar ao nível "S4".

A grande sorte do trio em não ser apanhado finalmente acaba, quando põem tudo a perder ao abrirem o portão para o "S4" e acionarem involuntariamente alarmes e sirenes que acusam a quebra de segurança. O trio é separado pelo fechamento do portão, Jelena & Reid presos no nível "S4", Darren do lado de fora. Soldados armados aparecem, e Darren bate em retirada. Sem outra alternativa a não ser seguir descendo, Reid e Jelena atravessam uma ampla passagem que dá para corredores muito estreitos onde a entrada de luz é muito limitada. Ali dentro, na antessala, ficam arrepiados ao enxergarem silhuetas de criaturas altas e muito magras, com cabeças grandes e olhos negros e enormes. O casal quase entra em pânico, mas Reid acalma a colega ao descobrir que não se tratam dos "Cinza", mas de trajes espaciais vestidos pelos seres, com quem felizmente ainda não cruzaram. Mais algumas dezenas de metros à frente, os dois descobrem a passagem para um sistema de cavernas, semelhantes a aqueles túneis para mineração. Ali, encontram pilhas de roupa e diversos objetos, como bichinhos de pelúcia e demais itens. Ao ter a atenção capturada por uma boneca, Jelena se toca de que se trata da mesma boneca que perdera quando criança. Possivelmente, mesmo que tenha se esquecido, Jelena já teve um encontro com os "Cinza" na infância.

Reid descobre uma gruta com uma porção de pods, na verdade uma colônia de extraterrestres habitando o interior da caverna. Repentinamente, um "Cinza" levanta-se de um pod aberto. Reid e Jelena precisam correr para escapar, e sem alternativas, escorregam por um grande canal que os leva por uma queda a um meio estéril e esbranquiçado, tomado por uma névoa que impede melhor a compreensão espacial. Nas paredes, Reid repara uma série de símbolos animados que se sobrepõem em anéis, em um movimento tridimensional que não compreendem muito bem. Distante do nível "S4", na superfície, o caos se instaurou na base. Os trabalhadores da Área 51 estão sendo evacuados pelas tropas. Escondendo-se como pode ao longo de corredores e salas de escritório, Darren enxerga uma enorme sombra que parece própria a uma criatura alienígena cujos braços mais lembram pinças gigantes. Um soldado o rende, e Darren tenta desesperadamente avisá-lo de que há um monstro à solta. Antes que o homem possa se atentar do risco, é atacado pela criatura, que não chegamos a enxergar tão bem. Darren se alberga dentro do refeitório e se esconde sob uma das muitas mesas. O tremor do chão indica o tamanho daquele monstro. Em uma cena realmente macabra, Darren enxerga por entre os espaços entre as tábuas um enorme olho aquoso, escuro como as trevas, olhando para o rapaz com interesse e apetite. Darren grita e consegue fugir a tempo de se proteger dentro de um elevador. Misturando-se aos demais trabalhadores do complexo mais acima, Darren consegue passar desapercebido entre as pessoas que estão sendo evacuadas. Ele salta o portão e foge pelo deserto, iniciando uma longa caminhada pelo restante da madrugada, rumo ao trecho da estrada secundária onde Ben aguarda o grupo.

Reid e Jelena ficam atônitos dentro daquele espaço infinito e esbranquiçado cuja mais apropriada descrição seria a de um "Maracanã tomado por névoa", ou seja, você sabe que se trata de algo grandioso, mas perenemente preenchido por uma neblina apaziguadora e esquisita. Quando os dois começam a girar no ar, percebem a horrorosa verdade. Estão dentro de um disco voador em pleno voo. Nos últimos 5 minutos, encontramos os dois grandes momentos que definem o destino dos personagens. A imagem do disco prateado ascendendo ao sabor do silvo da ventania, a se dar em pleno céu azul ensolarado, é simultaneamente bela e apavorante. É manhã, e Darren encontra o carro. Esbaforido, Darren conta aos gritos as coisas horríveis que viu na Área 51. Ben tenta dar partida, mas o motor não obedece. Os amigos enxergam uma gigantesca aeronave pairando sobre a estrada. Ao descer fascinado para observar, Darren é atingido por uma luz e tragado para o azul celeste. Ben ainda tenta se segurar dentro do carro, mas também desaparece, como que engolido pelo Sol. A espaçonave leva consigo os segredos da Área 51 e as pessoas que pagaram com suas vidas pela verdade.

Há muito o cinema nos deve um filme interessante sobre a Área 51. O mais próximo que chegamos da misteriosa base no deserto de Nevada foi o intrigante "The Signal", com Olivia Cooke. Com "Área 51", temos o filme que nos leva definitivamente para dentro de seus segredos, em uma história dividida em dois atos atmosféricos e envolventes. Dirigido por Oren Peli, o cineasta que criou "Atividade Paranormal", "Área 51" foi orçado em meros 5 milhões de dólares, novamente comprovando a ideia de que o melhor amigo de um diretor e seus atores é trabalhar em cima de um orçamento limitado, pois as adversidades botam a criatividade para funcionar como locomotiva. Enquanto "The Signal" não poupou cenas visualmente extravagantes, na verdade épicas, "Área 51" trata os mistérios da presença extraterrestre pela sugestão, e apenas indiretamente. Confrontar um enigma de tamanha envergadura foge tanto às limitações da mente humana que Oren Peli conclui que somente indiretamente se poderia abordar a questão seriamente.

"Área 51" começa excitante, mas já se pressente o problema que enfrentará mais adiante: usualmente, quando a primeira hora de um suspense é tão atmosférica e perfilhada de tensão, a segunda tende a mover-se anti-climática. Não difere muito de um passeio na montanha-russa, quando a interminável subida do carrinho parece mais apavorante do que a própria queda. Alguns ótimos filmes de Horror ilustram a máxima. "Os Estranhos", por exemplo, tem os primeiros 40 minutos bastante envolventes, antes que o trio de assassinos se mostre como os monstros da história. Ao contrário, na sutileza e quietude de instantes como quando uma das meninas bate à porta do casal, às 04:00 da madrugada, perguntando se "Tamara está em casa", pouco antes de o trio iniciar o assédio, o diretor Bryan Bertino prepara uma inesquecível volta na montanha-russa. Ocorre que, lamentavelmente, melhor do que a volta em si foi a promessa, a subida, o período que antecedeu a descida ao abismo, os sinais que os monstros deram antes de iniciar o assalto. Quando o trio de mascarados - duas mulheres e um homem - partem para o ataque, o filme não sustenta o ritmo, algo dos quarenta minutos não fica bem amarrado na segunda metade. Há algo inerente ao silêncio antes da tempestade que eriça os cabelos de uma maneira que nem mesmo a urgência do perigo o faz. "O Dia Seguinte" deveria ser usado como exemplo clássico da discussão. Neste filme de 1983, sobre a crise que leva União Soviética e Estados Unidos ao embate nuclear, o diretor Nicholas Meyer divide a história em dois atos muito bem definidos. Na primeira hora, o filme é um crescente de tensão e angústia, os muitos personagens tentando levar suas vidas enquanto pela televisão e rádio chegam notícias cada vez mais preocupantes do agravamento das relações diplomáticas entre as duas potências, em face de uma questão fronteiriça entre Alemanha Oriental & Ocidental. O drama se descortina aos olhos do mundo e, a título de narrativa, aos olhos das personagens que compõem os diferentes núcleos. Há o personagem do médico professor universitário vivido por Jason Robards, sua família e colegas; há os personagens que participam do núcleo do campus da universidade em Kansas; e  há a família do fazendeiro vivido por John Cullum. O modo como as pessoas tentam manter suas relações intactas e famílias unidas durante a imprevisibilidade dos eventos cria uma atmosfera de claustrofobia insuportável, que imprime a "O Dia Seguinte" uma das melhores primeiras horas em qualquer filme da História. O problema é que após a trocação nuclear, quando chega a segunda hora, tudo o que vem depois não te cativa com a mesma força da anterior. No caso de "Área 51", Oren Peli realiza um feito monumental. Ele não torna o segundo ato mais cansativo ou menos interessante do que o primeiro. Como um todo, o filme te envolve na jornada que leva os amigos de Las Vegas ao deserto de Nevada e então para dentro da Área 51, onde os mais horrorosos segredos estão para ser escancarados.

O uso do estilo "found footage" cria um sentimento que me fez pensar no segmento "Second Honeymoon" do excelente "V/H/S", a história de um casal que viaja pelo deserto do Arizona durante as férias, em comemoração da "segunda lua de mel", quando passam a ser o alvo do assédio de uma misteriosa garota. Em "Área 51", a sucessão de motéis à beira de estrada e a jornada através do deserto de Nevada já criam um delicioso gostinho de aventura e expectativa antes que um passo sequer tenha sido dado dentro da base. É eletrizante vê-los à véspera da noite da invasão, discutindo detalhes, repassando planos. O segundo ato, a descoberta dos segredos da Área 51, oferece um espetáculo à parte. O que poderia vir a ser uma grande tolice jamais decepciona, e com muita imaginação, Oren Peli concebe revelações perturbadoras que vingam pelos seus tétricos detalhes. A representação de vida extraterrestre não diverge da mitologia dos "Cinza", que vimos anteriormente no ótimo "Os Escolhidos", porém as aparições dos alienígenas ensinam uma ou duas coisas a cineastas que ainda não aprenderam que "menos é mais". A simplicidade macabra dos inertes trajes espaciais pendurados no cabideiro, ali ao alcance do casal, ou do enorme olho aquoso e escuro como as trevas piscando delicadamente conquistam um lugar ao lado das mais chocantes representações de vida extraterrestre já capturadas em filme. Também digna de nota a maneira como o diretor retrata a tecnologia alienígena. Oren Peli teria dado um tiro no pé caso não tivesse resistido à tentação de ilustrar o disco voador do modo mais extravagante possível. Ao contrário, a nave parece exatamente um disco voador prateado, a imagem que tanto vimos em fotos ao longo dos anos, algumas dessas jamais explicadas. Internamente, nada de maquinário ou arrojados aparelhos de aerodinâmica. Não há absolutamente coisa alguma no interior, creio que em razão do grau de evolução de vida extraterrestre, que não precisaria mesmo de engenharia hidráulica ou espacial para colocar tamanho milagre nos céus, apenas da força de suas mentes, talvez.

Há um filme baseado em fatos reais, "Fogo no Céu", sobre a abdução de um lenhador por um disco voador, logo acima da floresta de White Mountains, no Arizona, em 1975. O ambiente estéril e envolto por névoa no interior da nave de "Área 51" tem um design semelhante ao visto em "Fogo no Céu". Aproveito a oportunidade para recomendar "Fogo no Céu", um filme baseado em fatos reais, exclusivamente apoiado em performances e focado nas investigações posteriores sobre o mistério, o que reitera a necessidade de não se partir para uma produção do tipo contando-se única e exclusivamente com efeitos especiais ou a ação em troca de uma boa história. Atmosfera & trama representam nada menos do que metade do caminho, no mínimo, e as criaturas & o fenômeno dos OVNI apenas uma pequenina parcela. Assim como vale para os cenobitas do primeiro "Hellraiser", para que se materialize a magia, "menos é mais". Contenção. Discrição. Elegância. Se você os perde de vista, seu filme vai junto para o buraco.

Oren Peli rende homenagem aos clássicos do Horror que decerto o ajudaram a encontrar o batuque certo para o suspense. Quando o filme chega ao segmento final, e o grupo se separa, Peli concebe o inesquecível momento emulando as angustiantes atmosferas evocadas por "Dia dos Mortos" (1985), de George Romero, e "Alien O 8° Passageiro". A fuga desesperada de Darren ao longo de corredores muito estreitos e escuros, seguido por luzes vermelhas dos giroflex ao sabor da cacofonia dos berros insistentes de alarme, remete à sequência em que a protagonista de "Alien O 8° Passageiro" aciona a contagem regressiva para a autodestruição da Nostromo, e tem algumas dezenas de segundo para encontrar o caminho à nave de fuga, tudo enquanto o alienígena se encontra em seu encalço. Simultaneamente, quando Reid e Jelena se metem em túneis que mais parecem cavernas, vemos que as grutas são muito mal iluminados por lampiões, e é ali dentro onde encontram pessoalmente uma forma de vida alienígena, subitamente se levantando do leito. Pois bem. Quem se recorda do filme de George Romero sabe que o grupo daquela trama precisava chegar `a superfície através de antigos túneis subterrâneos usados para mineração. A todo tempo, há os zumbis distribuídos em vários pontos daqueles canais muito apertados, e eles surgem do escuro para tentar agarrar os sobreviventes em uma sequência de tirar o fôlego, rumo à escada que dá à superfície e ao heliporto onde o grupo espera driblar a invasão dos infectados e escapar por helicóptero. Certamente, há mais referências a se descobrir, mas os dois filmes acima saltam aos olhos.

"Área 51" é uma boa pedida para os fãs de filmes sobre discos-voadores, e nesta oportunidade aproveito para recomendar "uma outra área", a "Área Q", uma maravilhosa produção brasileira que não passa vergonha diante de filmes americanos semelhantes, utiliza maravilhosamente a fotografia da bela e mística Quixadá, e não cai na armadilha fácil dos excessos, tratando seus mistérios com a classe que a boa elegância recomenda!
Todos os direitos autorais reservados a IM Global. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

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Alguns anos antes da assombração da família Lambert, Elise Rainier, a personagem da atriz Lin Shaye, é procurada pela adolescente Quinn Brenner (Stefanie Scott). Elise deixou de fazer leituras psíquicas há algum tempo, mais exatamente desde o suicídio do marido, que sofria de depressão. Hoje, mora sozinha com o cachorro Warren. Não bastasse o luto, Elise é casualmente perseguida por uma entidade, a "Noiva de Preto". Tocada pela história da menina, que deseja comunicar-se com a mãe, falecida de câncer, Elise abre uma exceção. Quinn afirma sentir a presença de um espírito que julga ser a mãe. Ela conta que muitas vezes encontra seu diário em um lugar completamente diferente de onde havia deixado, crê que seja a mãe tentando se comunicar. Ao entrar em transe, Elise escuta uma voz demoníaca, e ao voltar do transe pede que a menina cesse imediatamente as tentativas de comunicação com o mundo espiritual. Aparentemente, a dor da saudade da adolescente acabou por atrair um espírito ruim. "Quando você tenta falar com uma pessoa morta, muitas outras podem ouvir também", Elise alerta.

Não custa ao assédio do espírito escalar, inicialmente discreto, como um distante sussurro, à noite. Deitada, Quinn pergunta "Você está aí?". Ela sobe na cabeceira da cama para examinar o túnel de ventilação, de onde pensa ter vindo o sussurro. A manhã seguinte é muito importante, pois Quinn está tentando memorizar linhas e mais linhas de diálogo para tentar uma bolsa de estudos na Academia de Artes em Nova York. O filme nos apresenta a Sean (Dermot Mulroney), o pai eletricista, ocupado com os aborrecimentos do trabalho enquanto tenta preparar os meninos para a escola. Obviamente, sem o suporte da mulher, está naufragando na difícil missão de ser pai. Devido à rotina estressante do trabalho, muitas vezes, Sean precisa delegar à Quinn parte das atribuições que seriam suas, como acordar o irmão Alex e garantir que esteja pronto para a escola. Quinn sublima suas decepções através do amor pelo teatro e o sonho de tentar uma vida nova em Nova York.

No caminho para a escola, Quinn e Alex cruzam com Hector, um adolescente morador do mesmo prédio apaixonado pela menina. Também somos apresentado a um casal de idosos. A senhora parece gostar da garota, e sempre lhe diz coisas que à primeira vista não fazem muito sentido. Seu marido pede que a menina não dê ouvidos, pois decerto a esposa as fala pela idade avançada. Aguardando nos bastidores, antes de atravessar as cortinas para o palco, Quinn nota a silhueta de uma estranha figura entre os canhões de luz, acenando. No próximo segundo, não há mais sinal da pessoa. Ligeiramente assustada, ela sobe ao palco meio nervosa. As cadeiras na audiência encontram-se praticamente vazias, não fosse pelo diretor (James Wan, em uma divertida participação especial) e sua assistente, que são gentis e dizem para não se preocupar. Quinn acaba se esquecendo do monólogo, e naquela mesma noite encontra a melhor amiga Maggie, a quem confidencia seus desencantos, sobretudo as queixas do pai, que lhe parece sempre tão exigente e alheio aos sonhos da filha. Quando atravessam a rua deserta, Quinn enxerga a mesma silhueta, acenando lentamente. Intrigada, ela se distrai e fica no meio da rua contemplando aquela esquisita visão. Um carro a colhe. Apesar de fortemente atingida, Quinn sofre apenas algumas fraturas.

Ao dar entrada no Hospital, inconsciente, Quinn tem um breve encontro com o espírito macabro que a persegue. Ela se vê em um ambiente escuro, quando a entidade salta do escuro para agarrá-la, e ela desperta. O acidente a deixa na cadeira de rodas e com as pernas engessadas, por um tempo. 3 semanas depois, ao voltar para casa, Quinn é paparicada e tem seu gesso assinado por Hector. No hall, a menina tem um novo encontro com a idosa, que enigmaticamente avisa "O homem que não consegue respirar. O homem que vive nos túneis de ventilação. Eu o escutei dizendo o seu nome, na noite anterior. Eu o escutei no seu quarto, enquanto não estava em casa. Ele está no seu quarto neste exato momento. De pé no seu quarto". Durante a festinha de recepção, atendida pela amiga Maggie e os vizinhos, Quinn olha pensativa para a porta entreaberta do quarto, e pensa nas palavras da idosa. Hector assina o gesso e deixa um recadinho especial. Sean se esforça para reparar o relacionamento com a filha, e lhe dá uma cesta com guloseimas e presentes, entre os itens um sino, para que chame o pai sempre que precisar, durante o processo de recuperação.

Mais tarde ao ir se deitar, ao virar de lado, a câmera mostra uma sombra ao pé da cama, estudando a menina. O pai vai checá-la, e Quinn, desatenta, diz que se sente melhor. Em outro lugar, Elise vai dormir, e como sempre faz, dá Boa Noite ao marido olhando para sua foto. Subitamente, ela desperta apavorada, como que pressentindo algo horroroso. Ela apanha seu livro, chamado "Book of Seeing", ou "Livro das Aparições", onde descreve as imagens que lhe ocorrem na cabeça. A médium sente que a menina está em apuros. De volta ao apartamento dos Brenner, Quinn escuta batidas na parede, do lado da cabeceira. Deduzindo que se trata de Hector, dá algumas batidas com os nós dos dedos, que são ritmicamente correspondidas. Ela manda uma mensagem para o rapaz, no What's Up, e pergunta se ele a acha realmente "linda de parar o tráfego". Quando ele explica que está dormindo na casa da avó e não no apartamento, Quinn descobre que não se trata do garoto respondendo as batidas. Temerosa de que alguém esteja querendo pregar uma peça, ela fecha as luzes para tentar dormir. Um braço subitamente surge do alto e a toca no ombro. Quinn dá um grito, e quando Sean abre a porta assustado, repara uma rachadura no teto do quarto.

Acompanhado pelo síndico, Sean investiga o apartamento do 4° andar, que deveria estar abandonado. Não é o que mostram as pegadas oleosas negras que veem por todo o assoalho. O relacionamento entre pai e filha continua "na mesma", Sean sempre estressado, Quinn metida em seu próprio mundo. Uma manhã, ela desabafa, e revela ao pai que foi procurar uma médium, porque crê que a mãe esteja tentando se comunicar. Sean pede para que a filha tome cuidado. O pai tem uma opinião depreciativa sobre médiuns, e acha que são pagos apenas para dar falsas esperanças. Quinn o acusa de secretamente adorar o grande caos que o lar virou, pois assim não pensa na mãe. Magoado, ele diz que a vê sempre que olha para a filha.

Naquela noite, quando se recolhe para dormir, o olhar pidão de seu cãozinho a convence a realizar solitariamente uma sessão de modo a conversar com Lili Brenner, a mãe de Quinn, para quem pedirá proteção à filha. Quem surge das trevas é o demônio. Ele se mostra como uma figura decrépita que veste uma máscara de oxigênio e parece banhado por um líquido viscoso semelhante a petróleo. As pegadas a levam ao porão de casa. Elise abre a porta e pergunta olhando para a escuridão o que a entidade deseja da menina. Ela explica que já sacou a estratégia do demônio, o lance de se passar pela mãe para conquistar a atenção e a confiança da adolescente, mas que sua genialidade não vai "colar" com Elise, que avisa não temer demônio algum. Em uma cena que parece homenagear "Invocação do Mal", a médium desce as escadas munida de uma lanterna, e fica cara a cara com "o homem que não consegue respirar". O demônio aparece de cabeça para baixo, como um morcego, e a pega pelo pescoço. Elise se desvencilha a tempo, e deixa o sótão. Aos prantos, diz para si que não conseguirá enfrentar o demônio.

Maggie conta à amiga as novidades da escola pelo skype. Enquanto estão conversando, Maggie pergunta se a pessoa atrás é o Alex. Quinn não compreende, pois não há ninguém por ali, mas então a sessão do Skype cai. Quinn olha para os lados, e por trás das cortinas, banhadas pela luz enfraquecida da tarde, enxerga "o homem que não consegue respirar". Jogada ao ar por uma força invisível, Quinn cai de bruços, impossibilitada de se mexer. Pelo vão entre cama e assoalho, enxerga as pernas muito magras da entidade, que fecha cortinas e porta para deixar o ambiente o mais escuro possível. Quando Sean chega com as compras, escuta os gritos da filha. Ela está inconsolável, e após a queda, torceu o pescoço. Quinn explica ao pai que viu o demônio. No início, ela achou que fosse a mãe, mas agora tem certeza de que não é. Sean a consola, mas não parece acreditar inteiramente na história, atribuindo o "demônio" à fértil imaginação da filha. No hall, Sean vê o morador vizinho respondendo a algumas perguntas dos socorristas. Choroso, conta que a esposa morreu, e que apesar de muitos a terem tomado como louca, ela significava o mundo para a família.

Em um encontro mais agressivo, Quinn é carregada pelo demônio ao andar de cima, onde enxerga uma monstruosidade sem pés e mãos, rastejando pelo chão. A coisa parece uma versão da própria Quinn, com o rosto apagado. Sean é despertado pela comoção, e as pegadas oleosas deixadas no corredor o levam ao apartamento abandonado. Um morador parece ter se atirado do quarto andar, e quando Quinn se escora na janela para examinar a calçada, é puxada pela entidade. Não fosse o pai, que a segurou pelas pernas, a menina teria despencado. A gravidade da situação convence Sean a procurar pela ajuda de Elise, que continua relutante quanto a ideia de se aventurar no limbo. Eles têm uma boa conversa, quando conhecemos melhor a história de Elise, sua dor por todas as coisas que não teve tempo de dizer ao falecido marido. Inconformada com a morte, Elise se aventurou no "limbo", em busca do marido, e ao voltar, "algo mais" voltou no seu encalço. Ela está falando sobre a "Noiva de Preto".

O pai pede `a médium que ao menos o acompanhe e converse com a menina. Elise a encontra muito mal, prostrada na cama. Ela conta que no dia em que Quinn a procurou pela primeira vez, naquela noite, tentou conversar com a mãe morta, mas só encontrou a entidade demoníaca. De mãos dadas à Quinn e Sean, Elise entra em transe, e mergulha momentaneamente no limbo. Caminhando ao longo de um estreito e longo corredor escuro com uma lamparina, Elise enxerga uma porta vermelha ao fim. Ali, a médium encontra uma porção de espíritos infelizes. Para uma moça chorosa com as roupas molhadas, Elise pergunta se sabe onde está "o homem que não consegue respirar". A porta vermelha se abre, revelando-se um elevador, que a leva a um outro nível, ainda mais escuro. Ela chega a uma casa aparentemente comum. Em uma das cenas mais memoráveis, ao entrar, Elise encontra uma mulher sentada no sofá, diante da TV, com um sorriso maléfico. A mulher sorridente aponta para um ponto da sala, e ao averiguar, Elise é agredida pela "Noiva de Preto", que procura estrangulá-la. Por muito pouco a médium escapa, e volta a si, na sala do lar da família Brenner. Apavorada, deixa o apartamento às pressas.

Sem saber a quem recorrer, com a ajuda do filho Alex, Sean descobre 2 blogueiros que dizem viver de investigar fenômenos paranormais. Mesmo que não pareçam remotamente profissionais, a família Brenner não tem mais a quem recorrer. Dividido entre se afastar do problema de Quinn e encarar de vez seus próprios temores, Elise tem uma crise de consciência e consulta a opinião de Carl (que já vimos anteriormente em "Sobrenatural 2"), com quem se encontra em um restaurante chinês. Eles revisitam o calhamaço de fotos de Josh Lambert, quando criança, onde enxergamos a "Noiva de Preto" sempre ao fundo. Carl consola a colega. Há tantos anos ajudando pessoas a lidarem com espíritos ruins, era de se esperar que um dia uma daquelas entidades a seguisse de volta ao mundo dos vivos. Carl insiste que Elise é mais forte do que os demônios. "Se uma pessoa é atacada na rua, ela procura a Polícia. Se atacada por uma Força que não consegue enxergar, compreender, precisa de alguém como a gente", Carl afirma. Algo nas palavras de conforto do velho amigo permite que Elise escute seu verdadeiro chamado: ajudar as pessoas espiritualmente vulneráveis. No apartamento dos Brenner, Specs e Tuck não conseguem se impor diante dos problemas, não têm experiência para enfrentar a força verdadeiramente paranormal. Em determinado momento da noite, a energia oscila até as luzes apagarem. Ao entrar no quarto de Quinn, os 3 são duramente atacados pela menina com uma chave de fenda. Ela chuta as pernas da cama para quebrar o gesso, e volta a caminhar. Influenciada pelo demônio, ela apanha um estilete e ameaça cortar o próprio pescoço, mas o pai a segura a tempo, e Specs e Tuck o ajudam a dominá-la. Furioso, Sean acusa o amadorismo da dupla, que jamais lidara com investigações sérias. Quando está para pô-los na rua, surpreendem-se com a chegada de Elisa, que se voluntaria a ajudá-los.

A médium revela a natureza do problema que aflige a menina. Habitado por espíritos infelizes e demônios ardilosos, o limbo é uma zona de guerra. Enquanto os espíritos maquinam como possuir os vivos para terem uma nova chance "do lado de cá", os demônios possuem outros interesses. Os demônios sentem prazer em arrastar incautos para o limbo, para que possam torturá-las. Essa é a natureza da entidade que se apegou à menina. Elise vai mais além, e conta que na ocasião do acidente, enquanto esteve inconsciente, parte da alma de Quinn foi tomada pela entidade, que para conseguir puxá-la por completo, precisará da segunda metade, a Quinn que está no mundo dos vivos. Elise traça um plano ao lado de Specs & Tuck. Ela fará a imersão no limbo para salvar a outra metade da alma da menina. Tuck deve realizar imagens da sala, registrar o desenrolar do ritual. Mais à vontade com a escrita, Specs se encarrega de anotar o que Elise disser. Se os amigos assistiram aos dois filmes anteriores, verão que essas informações batem com suas tramas. De fato, dentro da dinâmica do grupo, Elise sempre foi a "líder", Specs o escritor e Tuck o realizador de imagens. Durante a sessão de "mergulho", Elise reencontra a moça morta, vítima do "homem que não consegue respirar", e pede para que aponte seu esconderijo. Navegando entre os cômodos de um lugar muito escuro, Elise é surpreendida pela "Noiva de Preto". O espírito ruim momentaneamente parece levar vantagem, todavia Elise se recorda das palavras de Carl, quando disse que apesar de achar a "Noiva de Preto" um inimigo tão terrível, é Elise quem na verdade é mais forte. Ela usa o poder da fé para empurrar o espírito, e de fato percebe-se muito mais forte, pois a "Noiva de Preto" voa longe.

O demônio assume a forma do marido de Elise, para "desarmá-la" psicologicamente. A médium lhe fala sobre o quanto queria tê-lo de volta, mas quando ele pede que Elise se junte ao limbo, ela desfere um golpe de navalha na figura, exclamando que o marido jamais pediria algo parecido. O demônio começa a rir maliciosamente, "pego de calças curtas". Ele ainda tem domínio sobre parte da alma de Quinn, representada pela figura sem face. Enquanto Elise, Tuck, Specs e Sean dão as mãos e suplicam para que Quinn resista, a sala sacode como em um terremoto. A outra parte de sua alma, ainda no limbo, passa a ganhar traços e feições, sinal de que está perdendo a batalha e "escorregando" definitivamente para o lado do demônio.

Em um instante decisivo, Elise escuta a voz da idosa sensitiva que morreu naquele condomínio alguns dias atrás. A senhora os orienta a procurar o diário de Quinn. Antes de morrer, a mãe havia deixado uma carta, que esperava que a filha descobrisse na ocasião da graduação. A força das palavras subitamente viram o jogo, e o demônio começa a perder a influência sobre a menina. O espírito da mãe, uma mulher bonita e serena, surge para se juntar aos demais na luta. Quinn recobra o domínio e arranca a máscara de respirar do demônio. "O homem que não respira" finalmente sucumbe e é atirado de volta ao limbo, derrotado. Antes de partir para o Céu, a mãe diz à filha que esteve presente no teatro, em um dos lugares vagos, na noite em que ela fez a audição no teatro, e conta que a achou magnífica!A família finalmente é deixada em paz, libertada do demônio e, principalmente, do luto, agora que finalmente puderam resolver a confusão gerada por sentimentos até então mal resolvidos. Elise a lembra a jamais tentar se comunicar com o mundo dos mortos. Ela não precisa procurar pela mãe porque, conforme Elise, ela sempre permanecerá ao seu lado, Quinn apenas não a poderá enxergá-la. Se prestar muita atenção, todavia, terá como senti-la. Vitoriosos, Specs, Tuck & Elise resolvem unir forças, formando o trio de "caça-fantasmas".

"Insidious" chega ao "número da zebra". Foi no "número 3" que "Hellraiser" caiu e arruinou o legado dos dois primeiros, no "número 3" a franquia "Atividade Paranormal" entrou em um período de vacas magras. Quando havia chances de a série "Insidious" se perder, ou ao menos demonstrar sinais de cansaço e necessidade de renovação, Leigh Whannell, habitual colaborador de James Wan e membro do elenco dos dois anteriores filmes, estreia como diretor do excelente "Sobrenatural: A Origem", uma "prequel" dos eventos a que assistimos nos dois primeiros. Dirigir um filme pela primeira vez pode ser assustador, David Cronenberg que o diga. Suas reminiscências do primeiro filme, "Calafrios", de 1975, mostram que mesmo gênios não estão imunizados a momentos de fraqueza e insegurança. O grande Clive Barker passou por semelhante "síndrome do pânico" dias antes de rodar "Hellraiser". Barker era um escritor, talvez o melhor que eu tenha visto, mas em 1986, não um cineasta, jamais mexera em uma câmera antes. Algumas semanas antes de começarem as filmagens, ele disse que procurou algum manual sobre como dirigir filmes na biblioteca local. Barker disse algo nas linhas de "Rapaz, eu estava ferrado!Na biblioteca, só havia um livro do tipo, e ainda estava alugado!". Felizmente, parece-me seguro afirmar que a estreia de Whannell não foi tão dramática assim!Apoiado por quase todo o time criativo e elenco dos dois filmes anteriores, Whannell pode não ser ainda um James Wan, no entanto demonstra personalidade e senso de estilo próprio, conferindo a "Sobrenatural: A Origem" uma identidade.

Whannell possibilita a renovação que traz uma nova trama, novos ares. Simultaneamente, jamais rompe com o imaginário criado nos dois filmes de James Wan. Depois de sua importante contribuição a "Sobrenatural 1 & 2", Lin Shaye volta a interpretar a médium Elise Rainier, que se torna foco da história. Os eventos a que assistimos em "Sobrenatural: A Origem" antecedem aqueles que vimos nos dois anteriores, e Whannell concebe uma maravilhosa explicação para como o trio de "caça-fantasmas" se formou, também reverenciando seus antecessores com referência ao drama da família Lambert. Aqui ou acolá, Whannell conecta os pontos entre o terceiro filme e a mitologia previamente, sugerindo o famoso demônio de rosto vermelho, e as aparições horrorosas da "Noiva de preto", a "velha" que aparecia nas fotos de Josh Lambert enquanto crescia, e que na verdade era o fantasma de um travesti serial killer que se vestia de noiva para matar mulheres, tudo por causa dos traumas pesadíssimos de infância incutidos pela mãe louca, a vilã de "Sobrenatural 2", a notória "Mãe de Parker Crane", vivida por Danielle Bisutti, que faz falta em "Sobrenatural: A Origem".

James Wan sempre foi um artesão de poderosíssimas imagens. Mesmo seus filmes menores, como "Dead Silence", de 2006, trazem cenas ímpares de terror que se provam uma constante ao longo da carreira. Mesmo em "Sentença de Morte", um thriller que nada tem de sobrenatural, Wan se serviu de composição, atmosfera e fotografia para nos puxar para dentro do enredo e jamais nos soltar. Em "Sobrenatural", uma caixinha surpresa de demônios e fantasmas com toques da imaginação própria à infância, Wan pôde como jamais anteriormente exercitar a verve artística com impressionantes fantasias, tais como o demônio de unhas enormes que as amola em uma lima gigantesca, ou a família com sorrisos estampados, habitantes do limbo, ou a própria ideia do referido limbo como uma espécie de entreposto entre o mundo dos vivos e mortos. Com o suporte do experiente Wan, que em "Sobrenatural: A Origem" volta como produtor (e aparece como ator!), Whannell cria momentos inesquecíveis, e também reconhece e resgata os detalhes que nos outros dois lhes permitiram tanto charme e elegância, como o violino estridente introdutório e o toque de humor que serve para trocar as marchas em meio ao Horror absoluto, meio pelo qual recuperamos o fôlego, mas apenas um pouquinho!Humilde ao reconhecer que não há como superar o original de 2010, Whannell aproveita parte da delirante fantasia de James Wan, e assim, para nossa sorte (e arrepios), aparições memoráveis como uma das meninas da família sorridente dá as caras novamente nesta terceira parte, ao lado de um novo, interessante vilão, o "demônio que não respira", uma forma decrépita que emite um chiado originado da máscara de oxigênio que veste. Ele também rende homenagem a outro clássico do Terror que deve ter influenciado sua arte, "Audition" (foto), de Takashi Miike. A referência consiste em uma das visões que perturbam a heroína, uma versão de si, que engatinha de quatro, sem pés ou mãos. Quem conhece o filme de Miike compreenderá a referência. Em "Audition", um cavalheiro viúvo há 7 anos resolve restaurar a vida sentimental. Para isso, seu amigo mais próximo organiza um processo de seleção de atrizes para um projeto fajuto, tudo para que o viúvo veja se alguma das moças o encanta de modo especial. Ele se apaixona por uma garota que se diz bailarina, e cego pela atração, deixa de enxergar os sinais que indicam a cilada em que está se metendo. O amigo tenta abrir seus olhos ao alertar que as referências que a senhorita deu não batem quando confrontadas com a realidade. O homem comete o grave erro de se relacionar intimamente com a bailarina, que desaparece logo em seguida. À medida que vai se aprofundando na busca, o filme muda de tom. "Audition", que começa como uma espécie de comédia romântica com elementos dramáticos, tipo os filmes de Rachel McAdams, se torna um pesadelo esquizofrênico de David Cronenberg, sobre humilhação, sadomasoquismo e morte. Voltando ao ponto, a referência a "Auditon" se deve ao fato de que entre outras bizarrices, a bailarina, uma perigosíssima serial killer, costumava guardar o ex-namorado que tentara abandoná-la em um saco de lona. Ela amputou suas pernas, braços e língua, para que dependesse da "mestra" pelo resto da vida inútil. Ao ex-namorado, a moça oferecia seu próprio vômito em uma tigela, sua única fonte de nutrição. O monstro que vimos em "Audition" parece ter sido adaptado para "Sobrenatural: A Origem", não há dúvidas de que o filme de Miike compôs parte do imaginário de Whannell.

Parte do elenco de apoio de "Sobrenatural 1 & 2" está de volta, com especial menção, claro, à atriz Lin Shaye como Elise e Leigh Whannell & Angus Sampson como Specs & Tuck, respectivamente. Tom Fitzpatrick é uma grata surpresa, aparecendo para nos lembrar que segundo a cronologia dos eventos, a "Noiva de Preto" viria a se tornar a grande antagonista, quando assombraria a casa da família Lambert. A força do núcleo familiar sempre representou um dos pilares de "Sobrenatural 1 & 2". Claro que o público desejava primordialmente ser assustado dentro do cinema, mas ao escrever a família Lambert como pessoas tão boas e unidas, James Wan mexia com nossos sentimentos, movendo-nos a nos identificar com seus dramas, fosse com o pai vivido por Patrick Wilson, com a mãe, por Rose Byrne, ou qualquer um dos meninos, semelhante ao que Steven Spielberg, o pai dos "blockbusters com alma" fizera anteriormente em filmes como "ET O Extraterrestre". Não há nada de mal nisso, na verdade uma escolha louvável que dá rosto ao clássico arrasa-quarteirões do Horror, no sentido de que mesmo em meio a sustos, reserva-se espaço para imbuir sua história de doçura e valores nobres com que podemos nos identificar. Aqui, a família Brenner ocupa a lacuna deixada pela família Lambert.

A família Brenner, nova adição à franquia, traz novos, competentíssimos nomes para agregar valor à terceira parte. Dermot Mulroney, mais conhecido pelo seu papel na comédia romântica "O Casamento do Meu Melhor Amigo", suporta com dignidade o peso das demandas diárias como o viúvo que busca manter a família, composta pelos filhos Quinn & Alex, unida, enquanto precisa sustentar a casa e colher os cacos emocionais que o prematuro falecimento da esposa, levada pelo câncer, deixou. A performance de Mulroney muito lembra o trabalho do ator Kevin Bacon no ótimo "Ecos do Além", onde também dava vida a um pai de família e trabalhador blue collar lutando para cuidar da mulher e filho pequeno, às voltas com o assédio do espírito de uma menina do bairro, assassinada em circunstâncias misteriosas. Por vezes pai compreensível, por vezes ausente e confuso, independente de suas falhas humanas, Mulroney não deixa dúvidas de que seu personagem os ama e sofre silenciosamente ao internalizar a perda da mulher, o evento que sacudiu as fundações do relacionamento com a menina, e mesmo quando comete deslizes, o faz pensando no seu bem. Stefanie Scott interpreta a adolescente Quinn Brenner, a protagonista. Enquanto no filme original as atenções tenham se concentrado sobre o mundo dos adultos, sobre os pais vividos por Rose Byrne & Patrick Wilson, Leigh Whannell arriscou suas chances em trazer os holofotes sobre a personagem da adolescente. Pela segurança com que a atriz se conduz em cena, trata-se de uma aposta que vingou.

Não podemos falar sobre performances sem reconhecer a liberalidade de Leigh Whannell. Ao dirigir o filme, foi incrivelmente generoso ao escolher não concentrar as atenções sobre si, com muita dignidade ocupando o segundo plano para que seus colegas, sobretudo Lin Shaye (foto, com o excelente ator Tom Fitzpatrick, a "Noiva de Preto"), pudessem brilhar mais intensamente. Veterana de tantos filmes do gênero, é emblemático que no período mais maduro de sua carreira esteja finalmente recebendo o reconhecimento do público e de seus pares, no papel que tornou só seu. Assim como ocorreu a Tobin Bell, o "Jigsaw" de "Jogos Mortais", foi somente mais tarde na vida em que seu talento foi descoberto mais amplamente. Desde então, Shaye tem explorado a nova fase de sua carreira, tendo aparecido em grandes filmes como "The Signal" e "Ouija", onde voltou a interpretar uma personagem muito semelhante à Elise de "Sobrenatural". A química entre os 3 "caça-fantasmas" não poderia parecer mais espontânea, sendo o testamento do carisma desses atores maravilhosos a facilidade com que conseguem extrair um sorriso de nossos rostos quando em cena.

Será que a espera valeu à pena?Sim, definitivamente. "Sobrenatural: A Origem" ainda não se dissociou do grande barato dos filmes anteriores de James Wan. Embora possamos afirmar que cedo ou tarde a franquia vá eventualmente perder o fôlego, em "Sobrenatural: A Origem" a turma ainda está à frente do jogo. Quem for ao cinema para assistir a "Sobrenatural: A Origem" pode esperar que sejam satisfeitas todas as características de uma grande sessão de cinema entre amigos. Sustos, tensão, algum humor e, claro, o agridoce papel reservado à família, objeto do assédio de uma ameaça exógena, unidade que pelo mérito da união consegue prevalecer sobre o Mal ao final. É seguro afirmar que tudo que traz o envolvimento de James Wan (foto, ao lado de Leigh Whannell), o "novo Steven Spielberg", entrega o que seus filmes antecessores padronizaram: entretenimento de alto nível e à velha moda, dos tempos em que o Horror ainda não precisava ser tão agressivo, e as pessoas tão cínicas.
Todos os direitos autorais reservados a Gramercy Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Corrente do Mal ("It Follows", 2014) O melhor filme de Horror americano de 2015 é uma atmosférica alegoria dos primeiros, mais aterrorizantes anos da pandemia global de um certo vírus que mataria mais de 30 milhões de pessoas.

Uma garota parece ver algo terrível, algo que somente ela consegue enxergar. A menina deixa a casa pela porta da frente e corre para o meio da rua do que parece ser um típico bairro americano de classe média, algo no fim do quarteirão a deixa em pânico. Perturbada demais para responder ao pai, que pergunta o que está acontecendo, ela apanha a chave do carro e parte. Agora está anoitecendo, e enquanto dirige, olha para trás, temerosa de que a Coisa que a apavorou no bairro e que ninguém mais viu esteja no seu encalço. Ela dirige até a uma praia. Em uma cena contundente graças `a solidão envolvida, nós a vemos desolada, sentada nas dunas, com o mar ao fundo, em um ponto deserto, ligando para o pai, pedindo desculpas por todas as vezes em que não o escutou ou não foi uma boa filha. Ela desceu do carro mas o deixou com o motor ligado, de modo a permitir que seus faróis iluminassem aquele trecho da praia. A menina sabe que vai morrer, e precisa se desculpar com a família. Quando olha em direção ao carro, enxerga uma figura misteriosa no banco do motorista. Na manhã seguinte, ela é encontrada morta na praia, as pernas quebradas em uma posição irreal.

O filme então nos apresenta `a protagonista do filme. Jay (Maika Monroe, na performance que provavelmente lhe valerá uma grande carreira no cinema) é uma adolescente aos seus 18, 19 anos. Ela está distraída na piscina, pensativa, quando uma vizinha a chama para assistir a um filme. Jay explica que não pode, pois logo mais encontrará Hugh, um rapaz boa praça por quem está caidinha. O mundo de Jay está para virar de cabeça para baixo, e o diretor sugere o perigo por vir ao mostrá-la observando um esquilo correndo sobre os fios de um poste aproximando-se de um passarinho. Claro que, `aquela altura, Jay nem imagina que seu mundo está para desmoronar. Ela ainda nutre sonhos sobre o primeiro amor, e aos 18, sua vida inteira a aguarda. Ao entrar em casa para se preparar para o cinema, somos apresentados a seus 3 melhores amigos, Paul, a irmã Kelly, e Yara. De frente ao espelho, Jay se veste e se penteia com muito esmero, para parecer linda para o pretendente.

O primeiro encontro é bastante revelador. Na fila para o cinema, eles conversam sobre quem gostariam de ser se lhes fosse dada a oportunidade de trocar lugares. Quando Hugh aponta para um menininho com os pais e diz que inveja a bênção de se ter toda a vida pela frente, ele revela indiretamente que anda deprimido. De fato, aos 20 e poucos anos, soa esquisito falar com nostalgia sobre o passado. Sentados em seus lugares `a espera do início da sessão, Jay diz que agora é sua vez, e pede que o pretendente adivinhe com quem ela trocaria de lugar. Uma moça de pé ao fim da galley chama a atenção de Hugh, e ele não hesita em apontar para a garota de amarelo. Ocorre que Jay não enxerga ninguém no corredor. Subitamente, Hugh fica lívido, e diz que não se sente bem. Jay & Hugh deixam o cinema apressados. Ela não suspeita de nada mais grave que não um mal-estar por parte do namorado. Logo descobrirá a verdade. Mais tarde, eles paqueram `a mesa de uma lanchonete. Nada muito íntimo acontece entre Hugh & Jay naquela primeira noite, mas sem dúvida há atração e a menina parece genuinamente interessada no rapaz. Os primeiros 10 minutos do filme nos mostram o talento do diretor David Robert Mitchell para sustentar atmosfera. "It Follows" tem como uma de suas forças a fotografia cheia de vida, e David Robert Mitchell sabe usar a máximo efeito céus nublados e calçadas espaçosas e diners e cinemas… O filme é uma delícia de se assistir, e mesmo quando pouco acontece, incute tremenda inquietação. 

Na manhã seguinte, Jay & Kelly caminham pela calçada do bairro, e ela comenta o primeiro encontro, o estado psicológico depressivo e tenso do rapaz tendo chamado sua atenção. Na segunda noite, Jay & Hugh finalmente ficam íntimos, e fazem amor dentro do carro, no estacionamento de um prédio que parece ser o de uma escola abandonada. Depois da intimidade no banco traseiro, os dois relaxam e conversam. Jay fica de bruços, tocando uma rosa com as pontas dos dedos, falando sobre o quanto o ato significou, quando Hugh chega insuspeito por trás e a bota para dormir com um pano molhado com clorofórmio. Em um primeiro momento, cremos que Hugh se revelará um estuprador ou coisa pior, se é que existe coisa pior, mas não é nada disso. Na verdade, Hugh não quer fazer mal a Jay, porém precisa colocá-la momentaneamente para dormir.

Quando Jay desperta, ela se vê amarrada a uma cadeira de roda. Inicialmente confusa, ela é consolada por Hugh, que pede para que se acalme e lhe dê a oportunidade de explicar melhor por que a prendeu. Ele pede desculpa e diz que não a machucará. De posse de uma lanterna, Hugh pede toda sua atenção, e começa a explicar: "Essa coisa… Ela vai te seguir. Alguém passou a coisa para mim, e eu a passei para você, no carro. Pode parecer com alguém que conhece ou um estranho. Qualquer pessoa que esteja se aproximando. Pode parecer com quem quer que seja, mas é uma Entidade só. Algumas vezes, penso que a Coisa assume a forma de alguém que você ama apenas para te machucar". Subitamente, Hugh lança um facho de luz ao estacionamento, e diz que já consegue enxergar a Coisa. Ele apanha a cadeira de rodas e coloca Jay na beirada do segundo nível, para que a moça veja a "Entidade" também. Jay não compreende: ela enxerga uma garota aparentemente comum, sem roupas, com um olhar muito vago, caminhando a passos lentos em direção ao prédio. No ouvido de Jay, Hugh suplica "Apenas durma com outra pessoa e passe a praga adiante, que se verá livre. Se a Coisa te pegar e matar antes, então ela volta a me atormentar. Passe a Coisa adiante!". A visão daquela garota nua e apática surgindo entre as colunas do segundo piso abandonado avançando lentamente em direção a Jay a deixa mortificada. Ela pergunta o que a garota quer, porém não recebe uma resposta sequer. A Coisa simplesmente caminha em sua direção sem oferecer motivos ou explicações. Não há respostas, apenas a certeza que Jay sente nas entranhas que se a "Entidade" colocar as mãos em seu corpo, causará toda sorte de violência até matá-la. Hugh explica que só está fazendo aquilo para que Jay compreenda que não se trata de um joguinho. A maldição é muito real. Finalmente, quando a menina se encontra a poucos metros de Jay, Hugh apanha a cadeira de rodas e trata de fugir daquela escola abandonada. "Nunca entre em um lugar com uma saída apenas. A Coisa é muito lenta, mas obstinada", ele vai orientando enquanto a empurra.

Paul, Kelly & Yara estão se distraindo com um jogo de cartas no alpendre, altas horas da noite, quando Hugh encosta o carro no meio fio. Ele ajuda Jay a sair, e a deixa largada na calçada, arrancando com o automóvel antes que lhe possam perguntar o que houve. Ao verem-na em estado de choque, evidentemente pensam em estupro. Polícia e paramédicos são chamados. Para a surpresa geral, Jay conta que Hugh não lhe fez mal algum, e revela o lance da menina nua que apareceu no estacionamento. Os policiais perguntam se Jay sabe onde ele mora, mas Hugh costumava dizer que tinha vergonha da própria casa, então Jay jamais lhe perguntou novamente. Ela é levada ao hospital onde passa a noite, mas na manhã seguinte é liberada. Greg é o garoto vizinho da frente, e ele e a mãe assistiram `a comoção da noite anterior. Através de uma conversa entre a mãe de Greg e a outra vizinha, aprendemos que Hugh havia premeditado o esquema, pois até a casa onde afirmava morar havia sido alugada por uma temporada, e não havia mais sinal da passagem do rapaz pelo imóvel.

Jay procura retomar a vida, ainda bastante traumatizada pelos acontecimentos. No colégio, a professora lê um poema para os alunos. Distraída, Jay lança o olhar para fora da sala, para o campus muito amplo e cheio de prédios. Ela nota uma velhinha de camisola caminhando pelo gramado sem sequer ser notada pelos demais estudantes. A cena é particularmente enervante, pois curiosamente o poema lido na sala refere-se a Lázaro, aquele que voltou dos mortos. A idosa de camisola avança em direção `a janela, até que, assaltada pela certeza de que se trata da "Entidade", Jay pega os livros e deixa a sala. Nos corredores, a idosa ressurge vagando como um zumbi em direção a Jay. Ela tenta conversar, mas não há como barganhar com a Coisa. Se você não correr e A Coisa te apanhar, já era.

Ela visita Paul & Kelly no trabalho. Os irmãos trabalham em uma sorveteria. Angustiada, Jay fala sobre a visão da Coisa, mas os amigos não conseguem compreender o encontro aterrorizante. Paul a convida a passar a noite em casa, e Jay acha uma excelente ideia. Eles deixarão todas as portas trancadas e permanecerão de vigília caso algum visitante surja. Yara também aparece para dormir com o grupo. Na sala de estar, Paul dá início `a vigília. Comendo de um balde de pipocas, ele se acomoda no sofá para assistir a um filme e suportar a madrugada. Em determinado momento da noite, Jay desce as escadas queixando-se de insônia. Paul a convida a se sentar no sofá. Os dois trocam lembranças de quando eram menores. A conversa dá a entender que quando mais novos, Paul fora apaixonado por Jay.

Barulho de vidro quebrado deixa ambos sobressaltados. Ao investigar, Paul encontra a janela da cozinha quebrada, como se alguém tivesse atirado uma pedra do lado de fora e então sumido. Paul a deixa momentaneamente para chamar a irmã Kelly. Sozinha, Jay resolve espiar a cozinha, e o que encontra é uma visão de arrepiar. No início, ela observa apenas a silhueta de uma garota ordinária, mas ao se aproximar a invasora se revela melhor. Ela veste apenas saia e meia, a meia em apenas um dos pés, e não tem os dentes da frente. A invasora aproxima-se com um olhar vago, e enquanto caminha, vai deixando o rastro de urina entre as pernas. Uma cena realmente perturbadora e surreal. Jay sobe as escadas quase tropeçando nas próprias pernas tamanho o medo. Ela se tranca em um dos quartos até que Paul & Kelly batem `a porta. Paul & Kelly vasculharam a casa, não encontraram sinal de coisa alguma, o que não é de se espantar, afinal a "Entidade" aparece apenas para as pessoas tocadas pela maldição. Jay chora e diz que há algo de errado em sua vida. Quando eles escutam uma batida seguida por uma voz feminina, relutam em abrir, mas descobrem se tratar de Yara. Repentinamente, logo atrás de Yara, Jay enxerga um homem muito alto e magro, praticamente um gigante, ganhando o corredor a passos rápidos para buscá-la. A "Entidade" assume formas cada vez mais agressivas em bizarrice. Ela salta pela janela aos gritos e foge, para o choque dos amigos, que nada conseguem ver.

`Aquelas horas, Greg está namorando fora de casa, dentro do automóvel de uma garota, ambos fumando cigarros e relaxando. Ele vê quando Jay salta pela janela, monta na bicicleta e foge. Jay nem sabe para onde ir, mas acaba parando no parquinho. Ela se senta no balanço, e espera que a "Entidade' venha logo pegá-la. A Coisa não surge, mas a turma não custa a aparecer. Até então ignorante quanto ao drama na vida de Jay, Greg também se junta ao grupo no parquinho, e aprende sobre o que está se sucedendo. Jay crê que somente encontrará as respostas quando rastrear Hugh. O ex-namorado lhe deve explicações. Greg chama os demais para entrar no carro, e eles partem pela madrugada com a missão de encontrar o velho endereço do Hugh. Aqui, assim como em tantos outros distintos momentos de "It Follows", as estrelas são trilha sonora & fotografia. A melodia muito enervante apenas realça as imagens das vias bem largas e calçadas vazias do centro de Detroit, no curso da madrugada. Há muito tempo desde que vi a "w Delta z" não assistia a algo tão propriamente atmosférico.

Hugh não morava na residência indicada conforme se acreditava, apenas a alugara enquanto não resolvia a questão da "Entidade", ou melhor, enquanto não passava a maldição para outra pessoa e "tirava o dele da reta". O interior revela a paranóia com que esse cara teve de conviver enquanto lidou com o assédio da Coisa, tendo pendurado garrafinhas como apanhadores de sonhos, de modo a acusar qualquer movimentação dentro da residência pelo tilintar das latas. No andar de cima, Paul encontra sob o colchão várias revistas de mulheres peladas. As capas sugerem revistas dos anos 80, talvez 1988, 1989, mas jamais temos certeza. Entre as páginas de uma daquelas edições, Paul encontra a foto de "Hugh" com uma moça. Se prestarmos atenção, perceberemos que a menina da foto é a mesma que vimos no início do filme, a garota que fugiu para a praia e ali foi morta pela "Entidade". Parece seguro afirmar que ela foi o "Paciente Zero", tendo passado o mesmo trágico destino para o namorado, "Hugh". Quando Jay e os amigos pedem informações na coordenação e solicitam os livros com as fotos dos formandos dos últimos anos, encontram uma foto do rapaz, e, pasmem, "Hugh" na verdade é um cara chamado "Jeff". Até mesmo quanto ao nome ele mentiu, para se aproximar de Jay sem levantar suspeitas e conseguir sua confiança, de modo a passar a maldição para a frente e desaparecer facilmente.

Agora que a turma tem o verdadeiro nome do rapaz, eles partem para prestar uma visita a Jeff. Dentro do carro, há um momento em que Greg toca Jay no ombro de uma maneira carinhosa. Paul parece incomodado, uma pequena prova de seus verdadeiros sentimentos por Jay. Eles são recebidos pela mãe do Jeff. O rapaz aceita conversar, e eles se sentam no gramado para que o rapaz explique melhor a natureza do mistério. Assim como Jay, ele não sabe por quê ou onde o lance da maldição começou. Ele apenas "ganhou a Entidade de presente" da garota e passou adiante. Apesar de a Coisa ter deixado de persegui-lo, Jeff ainda consegue vê-la ocasionalmente. Greg hesita em acreditar. Jeff se desculpa para Jay, e diz que sua intenção jamais fora machucá-la. Mesmo hoje, Jeff ainda lida com o trauma da situação. Quando uma moça atravessa o gramado segurando uma bola de basquete a caminho da quadra, ele aponta para a menina e pergunta se a turma a enxerga também. Claro que eles a veem, não se trata da Entidade… Ainda.

A família de Greg tem uma bela cabine na praia, e o garoto sugere que passem uma noite no lugar, pois oferece a privacidade para que discutam o plano para vencer a maldição. É noite, e Jay parece entristecida e calada, nos braços da amiga no banco detrás. Kelly pergunta se Jay não pensa em passar a maldição adiante para se livrar, mas a menina nada diz. Eles preparam a casa para que acuse qualquer intromissão, pendurando latinhas nas portas e janelas. Na primeira noite, nada acontece, e conseguem dormir em paz. Na manhã seguinte, Greg pega a arma de fogo da família para ensinar Jay a atirar. Eles praticam tiro com latas velhas. Sentados `a beira do mar, eles espairecem tomando latinhas de cerveja, quando o aterrorizante poltergeist acusa presença, puxando os cabelos de Jay. Para os amigos, é como se uma força invisível a estivesse suspendendo  no ar pelo cabelo. Pela primeira vez, o fenômeno interagirá com o restante da turma, pois quando Paul tenta acertar o poltergeist com uma cadeira, é atingido por um coice que o faz voar longe.

As meninas e Paul correm da "Entidade". Greg, que havia ficado para trás, parte no encalço da turma. Eles se refugiam dentro da casa dos barcos, e Jay apanha o revólver. Ela afasta a porta da casa e abre fogo contra a "Entidade". A menina parece ser atingida no pescoço e vai ao chão, mas logo se levanta, como se nada tivesse acontecido, avançando com aquele mesmo olhar indiferente e aterrorizante. Jay e a turma se trancam, e pela janelinha, a garota vê quando um gigante passa momentaneamente ao lado: a "Entidade" já mudou de forma, antes a menina, agora o gigante magrelo que Jay encontrou previamente dentro da casa de Paul & Kelly. A porta é arrebentada a golpes invisíveis, e quem enfia a cabeça para dentro é um moleque com dentes enormes, outra novidade do "canivete suíço" de imagens bizarras da "Entidade". Jay foge pelo outro lado, e de posse da chave, arranca com o carro. Tão aterrorizada em sua fuga pela estrada da praia, não percebe que uma camioneta está dando a ré. Jay desvia no último segundo, o carro é lançado em um milharal, e ela desmaia.

Jay sofreu algumas concussões. Quando desperta, vê-se no hospital cercada pelos amigos. Ao escutar passos no corredor, se sobressalta, imaginando tratar-se da Coisa. Apenas uma enfermeira. A vida de Jay está perfilada de medo. Naquela mesma noite, Greg a visita e os dois se trancam. Eles mantêm relações sexuais, Jay supostamente se livrando da maldição e a passando ao rapaz, que desde o início não acreditou muito na história e se dispôs a dar esse passo para ajudá-la. Greg volta `a vida normal, e o vemos interagindo normalmente com as meninas da escola. 3 dias se passam, e quando Greg a visita no hospital, conta que até agora nada o tem perseguido. Ele crê que a maldição finalmente foi posta para descansar. Jay tem uma manhã normal na piscina, e dentro de casa nada incomum acontece. Greg visita a turma, e novamente diz que até agora, passados poucos dias, o fenômeno ainda não se manifestou.

`A noite, contemplativa `a janela, Jay se distrai observando a tranquilidade no quarteirão, quando sorri ao enxergar Greg aparentemente realizando uma caminhada noturna pelas calçadas. Quando "Greg" bate `a porta e depois arremessa uma pedra contra a janela para entrar "na marra", ela percebe que não se trata do rapaz, mas da Coisa, que assumiu a forma do próprio. Em vão, Jay tenta avisá-lo, a ligação caindo na caixa postal. Desesperada para avisar o amigo, ela atravessa a rua e entra na casa para tentar chegar a tempo. Na melhor, mais memorável cena do filme, ela dá de cara com a mãe de Greg, a forma assumida pela "Entidade", batendo `a porta do filho. O rapaz abre a porta, insuspeito, e encontra a mãe ali na sua frente, com um olhar incompreensível, a camisola aberta de forma a revelar parte de um dos seios. Ele não tem tempo de processar o que está acontecendo, pois a "Entidade" salta sobre o rapaz e o domina com facilidade. No corredor, muito chocada, Jay custa a reagir. Da porta aberta, clarões semelhantes a eletricidade emanam de dentro do quarto. Ao vencer a surpresa e se aproximar para ver o que houve, Jay enxerga a "mãe" de Greg montada sobre o corpo do rapaz desacordado, como que o violando sexualmente. A cena é filmada como um encontro romântico e sensual, mas quando a câmera se aproxima e mostra a forma como ela segura o seu braço, entre uma porção de detalhes sórdidos, fica claro que a "Entidade" está consumindo a vítima. O poltergeist não apenas drena a vida de seus portadores, ele os mata da forma mais cruel possível. Ao assumir a forma da mãe para atacá-lo e possui-lo sexualmente, a Coisa parece fazê-lo apenas para adicionar injúria `a ferida, tornando a experiência ainda mais emocionalmente dolorosa. A cena em que Greg é abusado sexualmente e consumido não me pareceu estranha, até que eu finalmente me lembrei de um filme amedrontador que assisti quando criança, "A Casa das Almas Perdidas", a história verídica de uma família americana perseguida implacavelmente por fenômenos parecidos. Há uma cena em que o pai está assistindo `a televisão na sala de estar, na calada da noite, quando o fenômeno subitamente se materializa como uma mulher e o assalta, "montando" sobre seu corpo para estuprá-lo. Pela dinâmica do ataque e o uso de luz que emana como ondas, a forma como David Robert Mitchell filma a morte de Greg remete `a cena de "A Casa das Almas Perdidas". O "estupro" de "It Follows", no entanto, vai mais além, direto na jugular, pois realça a brutalidade com um corrompido senso de erotismo.

Jay foge no carro, e ainda consegue enxergar a Coisa deixando a casa, caminhando para o meio da rua. Agora que Greg está morto, ela voltou `a estaca zero. Acolhida pelas amigas Kelly & Yara, Jay é acordada na manhã seguinte por batidas na porta. Ela e Paul têm uma conversa privada, quando o rapaz fala sobre seus sentimentos. Ele sempre fora apaixonado por Jay. Ao olhar casualmente a uma foto da garota na piscina do ginásio, ele tem uma ideia. Agora que nada mais tem a perder, todas as sugestões são bem vindas por Jay. A turma preparará a piscina do ginásio abandonado para "eletrocutar" o poltergeist. A ideia faz sentido: Jay deve atrair o fenômeno para dentro da piscina. Os amigos estarão presente. Ela deve subir as escadas a tempo, deixando a piscina o mais rápido possível, quando a turma arremessará uma variedade de eletrodomésticos ligados `as tomadas dentro d'água, criando o curto circuito que supostamente colocará um ponto final `a maldição. Quando deixa a casa para se preparar para invadir o ginásio com os amigos, Jay ainda enxerga, sobre o telhado, um homem nu a encarando.

Eles preparam a piscina para a guerra, os eletrodomésticos - luminárias, televisores, abajur - na borda, prontos para serem arremessados para dentro. Jay veste um maiô preto e mergulha na piscina, enquanto os amigos ficam `a espreita, só aguardando que a Coisa dê as caras. O fenômeno toma a forma ideal para abalar a garota, aparecendo como seu falecido pai. Os amigos nada enxergam, todavia quando a Coisa começa a erguer as luminárias e coisas para atirar em Jay, a turma fica boquiaberta ao enxergar todos aqueles itens "flutuando" no ar. Paul pega o revólver dentro da mochila, e grita para que Jay aponte para onde enxerga a "Entidade". Ela precisa mergulhar para escapar das coisas atiradas pelo poltergeist. Kelly arremessa um lençol que acaba por acusar a silhueta da Coisa. Paul faz mira e atira certeiro. A "Entidade" cai dentro da piscina, mas antes que Jay salte para fora, consegue segurar a garota pelo pé. Atingida por mais um tiro, a Coisa a deixa escapar, e Jay é puxada para a segurança da beirada.

A turma parece ter momentaneamente derrotado a "Entidade", mas não se sabe se voltará. Paul & Jay fazem amor, o garoto disposto a trazer a maldição para si de modo a livrá-la em definitivo. O problema com Greg fora que apesar de ter "assumido a bronca", ele não fora diligente, e ao se deixar ser morto, a Coisa voltou a atormentar a menina. Paul será mais cuidadoso. Depois da relação, eles conversam no sossego do quarto, enquanto chove muito do lado de fora. Ao voltar para casa, Paul observa duas meninas ao passar com o automóvel pela esquina, e podemos até imaginar o que se passa em sua cabeça, certamente considerando se se tratam de duas garotas ou a Coisa tomando forma. Paul & Jay se envolvem romanticamente e se tornam namorados. É a manhã de um novo dia, e embora passeiem de mãos dadas e com expressões aliviadas, bem atrás e distante na calçada, pode-se enxergar a figura de um rapaz acompanhando o casal. Pode ser um menino da vizinhança apenas passeando pelo bairro, ou a "Entidade". O que há de tão horrível na maldição é que nunca se sabe...

Apenas muito raramente testemunhamos o surgimento de talentos fora de série em filmes que realmente fazem a diferença e reinventam estilos, e que mesmo lançados independentemente, merecem tantos elogios que acabam por vencer suas limitações para se tornarem blockbusters. Eu poderia citar muitos exemplos mas nada seria mais emblemático do que mencionar o clássico com que "It Follows" guarda impressionantes semelhanças, "Halloween", de John Carpenter. Antes que "It Follows" merecesse elogios da crítica especializada, foi o pequeno suspense de John Carpenter rodado em 1978 a um custo simbólico que estabeleceu as fundações para que quase quarenta anos mais tarde o cineasta David Robert Mitchell revisitasse o formato para criar seu próprio clássico "It Follows".

Quando um jovem cineasta resolve fazer um filme fazendo referência aos clássicos do passado, o resultado varia pela imprevisibilidade. Enquanto James Wan, o magistral diretor de "Invocação do Mal", conseguiu conciliar seu estilo e personalidade com o apelo de público, produzindo dividendos impressionantes nas bilheterias, outros diretores, como Rob Zombie & Ti West, têm encontrado muitas dificuldades para traduzir seus excitantes pontos de vista em dividendos financeiros. Embora talentosíssimos mestres do Horror, Rob Zombie & Ti West ainda procuram refinar seus olhares de modo a conseguir alcançar o tipo de sucesso que lhes daria carta branca para que rodassem coisas ainda mais grandiosas e excitantes. Levando-se em conta o retorno financeiro baseado exclusivamente nos elogios ao pé do ouvido e burburinho causado pela passagem nos festivais, parece-me que o diretor David Robert Mitchell não apenas criou algo diferente e encantador, sua visão também foi generosamente abraçada pelo grande público, que há muito não via algo semelhante. Depois do sucesso de "It Follows", resta esperar e ver se ele conseguirá fazer a mesma transição de James Wan, de filmes pessoais para grandes blockbusters dotados de personalidade.

Sempre me pareceu que há uma maneira certa para se assistir a um excitante filme de Horror. Se existe algo que mereça ser visto no escurinho do quarto, preferencialmente com o sossego que somente se encontra às horas mais adiantadas da noite, vocês não precisam procurar mais, "It Follows" é sua pedida. Assistir ao filme os levará de volta a um tempo em que o gênero valorizava atmosfera pelo minimalismo, e dependia de muito pouco para dar o recado. São muitas as maneiras com que "It Follows" & "Halloween" se parecem, mas discorrer somente sobre suas semelhanças poderia estigmatizá-lo como uma "sessão nostalgia", um equívoco, pois apesar de acenar para os clássicos que vieram anteriormente, dá uma polida e aperfeiçoa os elementos que nos fizeram amá-los, os clássicos, em primeiro lugar. Não se pode falar sobre "It Follows", todavia, sem revisitar o suspense de Carpenter, e refrescar a memória para que nos lembremos de todas as coisas de "Halloween" que deixaram saudade.

No filme de Carpenter, um menino de 6 anos esfaqueia e mata a irmã mais velha, no Dia das Bruxas do ano de 1963. 15 anos mais tarde, ele escapa do hospital psiquiátrico e volta para a cidadezinha de Haddonfield. O filme se passa no curso de uma noite, o Dia das Bruxas, quando o assassino aterroriza uma jovem chamada Laurie (Jamie Lee Curtis) e suas amigas,  enquanto o psiquiatra Dr. Loomis (Donald Pleasence), o homem que mais conhece sua mente perturbada, corre contra o tempo para impedir que ele deixe um novo rastro de matanças. Sucesso absoluto de bilheteria, tendo rendido ao estúdio 70 milhões de dólares frente a um custo de apenas 300 mil, "Halloween" deu origem a uma infinidade de imitações e transformou a atriz Jamie Lee Curtis em estrela. Lançado ao cruel teste do tempo, "Halloween" provou-se um vencedor mesmo tantas décadas desde sua estreia, sendo considerado pelo Chicago Film Critics Association o 3˚ filme mais apavorante de todos os tempos. Após tantas continuações, é fácil incorrer no pecado de desmerecê-lo, contudo quem estiver disposto a revisitar o primeiro, o original, de 1978, estará se permitindo redescobrir um dos suspenses mais tensos e originais de todos os tempos. Aqueles que guardam uma recordação mais cristalina do filme de John Carpenter provavelmente compreenderão a minha análise melhor. Se os amigos não se lembram do primeiro, antes de assistirem a "It Follows", não deixem de conferir o suspense de John Carpenter. Acreditem, mesmo diferentes, os dois filmes parecem obra de uma mesma mente!

Não obstante as pessoas amarem-no ("It Follows") pelas mais diferentes razões, uma constante nas análises que tenho lido refere-se ao sentimento de nostalgia que o diretor David Robert Mitchell impõe a seu filme. Amantes do gênero Horror que tenham uma certa idade conseguirão enxergar melhor os elementos com que Mitchell comunica o saudosismo que permeia a história do começo ao fim. A trilha sonora de uma obra pode ser considerada sua alma, prova disso o fato de nos lembrarmos imediatamente de nossos filmes mais queridos pelas suas melodias, por exemplo as tristíssimas trilhas sonoras compostas por Ennio Morricone para "Nuovo Cinema Paradiso" & "Malena"& "Lolita"& "Love Affair". Em uma época em que trilhas sonoras soavam exclusivamente orquestrais, Carpenter criou um novo estilo através do uso de teclados e sintetizadores eletrônicos com batidas lentas e ritmadas, o que revestiu suas histórias de um senso de angústia e inexorabilidade quase claustrofóbico. Como sei que não conseguiria explicar as diferentes emoções que a trilha sonora evoca, eis um trecho da tétrica melodia composta pelo próprio Carpenter:


Todos os direitos autorais reservados a Varese Sarabande. O uso da faixa é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
"It Follows" não perde tempo ao apresentar logo de cara um estilo de trilha fortemente influenciado pelos teclados e sintetizadores, assinada por Rich Vreeland. O compositor parece ter expandido o potencial da revolução de Carpenter. Não obstante a melodia de "Halloween" possa soar como música de uma nota só, principalmente quando esticada ao longo do filme, Vreeland cria um conjunto de derivadas enriquecedoras. Ora triste, ora arrepiante, a música de Vreeland expande o leque de emoções, até porque composta quase 40 anos após o filme de Carpenter e portanto com muito mais recursos. "It Follows" está permeado de melodias marcantes e contundentes, em grande parte diretamente responsáveis pela expectativa dos momentos mais calmos e contemplativos, e pelo Horror absoluto que emana dos encontros de Jay com a "Entidade". Abaixo, segue um trecho da trilha sonora. Os amigos certamente poderão perceber as semelhanças entre as batidas:
Todos os direitos autorais reservados a Milan Records. O uso da faixa é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
O metabolismo dos dois filmes também coincide em termos de ritmo de desenvolvimento. Apesar de tétricos e angustiantes, nenhum dos dois ficou notório por ação absoluta ou ininterrupta. Ao contrário, as pessoas que não os apreciam costumam rotulá-los de chatos justamente por lhes faltar a característica da montagem cinética tão apropriada a épicos grandiosos de super-heróis, por exemplo. Quando disse que "It Follows" mais agradará as pessoas mais velhas que portanto tiveram a oportunidade de assistir a coisas como "Halloween" em VHS, é porque o diretor David Robert Mitchell corteja a todo instante referências a uma época em que suspenses sabiam como muito sutilmente incutir medo, genuíno medo, com pouquíssimos, simplistas e eficientes recursos.

Não há nada mais horripilante que a ideia de um monstro que avança em sua direção implacavelmente, sem pressa alguma para colocar as mãos sobre você. Pessoas guardam distintas recordações do primeiro "Halloween", mas quando eu o vi pela primeira vez, quando criança, me recordo que o elemento que permaneceria na minha cabeça anos por vir foi a imagem de seu monstro, o psicopata de máscara branca avançando em direção `a protagonista com a tranquilidade que sequer lhe permitia correr. Ele caminhava calma e obstinadamente, e por mais que o cobrissem de tiros, seguia marchando, como imagens de um pesadelo absolvido de lógica. Há algo de bastante inquietante na maneira como Carpenter apresenta o seu "monstro", um senso de inevitabilidade angustiante que somado `a trilha composta pelo próprio diretor nos faz continuar pensando no filme muito tempo depois de o termos visto. Em "It Follows", a aproximação vagarosa da "Entidade" transforma a espera em uma angustiante e prolongada perseguição que dura do começo ao fim. O fato de a Coisa não correr para alcançar sua presa apenas reforça a tese de que uma vez que você foi tocado pela maldição, não adianta correr ou espernear, querendo ou não, trata-se de uma questão de tempo até que sucumba a seus mistérios. Não apenas a marcha dos dois monstros se assemelham, ambos matam desprovidos de quaisquer emoções ou motivações, máquinas de matar indiferentes a tentativas de barganha, tão despolitizadas quanto um vírus (mais sobre minha comparação depois).

A maneira como o Mal é representado pode determinar de cara se você terá ou não um filme instigante. As produções maiores dão um tiro no pé ao retratar o Mal da maneira mais extravagante possível, cortesia dos efeitos especiais de ponta. Esquecem-se de coisas marcantes como por exemplo a "Sadako" de "Ringu". Tudo de que Hideo Nakata precisa para incutir puro medo é de uma voz ao telefone e uma menininha cujos cabelos compridos sempre cobrem a frente do rosto. Também parecem não ter aprendido a lição do mestre  Clive Barker com seus cenobitas em "Hellraiser", os seres misteriosos charmosos pela enorme melancolia, vestidos em surreais trajes fetichistas de couro, estilo sadomasoquista "bondage". David Robert Mitchell não apenas homenageou os clássicos do passado como provou seu amor pelos mestres que vieram anteriormente, dando `a "Entidade" um ar de mistério que cria imagens verdadeiramente macabras em suas peculiaridades. O coração quase vai `a boca de susto em cenas como quando Jay vê a moça desdentada urinando na saia dentro da cozinha, ou quando Greg abre a porta para a macabra imagem da mãe, de camisola, com um olhar ilegível, na verdade mais uma das muitas formas assumidas pela "Coisa". O diretor não precisou de efeitos para criar as representações da "Entidade". Quando a vemos, nós a enxergamos como uma moça desdentada, ou uma criança, ou uma mulher exibindo sensualmente um dos seios. Detalhes como o olhar distante e perdido, o fato de na maioria das vezes estarem despidos e a marcha lenta operam o milagre que os efeitos especiais apenas avacalhariam.

Em sua imprecisão de tempo, "It Follows" também foi impecavelmente ambientado. Ao término do filme, não podemos realmente afirmar o período em que se deu a história, que tanto pode ter ocorrido nos anos 80, quanto nos 90, quanto na década de 2000. Filmado em Detroit, sobre o filme pesa a atmosfera pesada concebida pela fotografia opressiva e cinzenta. Há instantes propositalmente criados para nos desconcertar, porque carros, penteados e figurinos sugerem o final dos anos 80, talvez início dos anos 90 como o provável cenário para o desenrolar dessa história de Horror. Eu me recordo de quando tinha 11 anos e assisti a "Rocky V" (foto) nos cinemas, no começo de 1991. A sinopse era a de que depois de voltar da Rússia como herói, após ter vencido Drago, Rocky perde todo o dinheiro e se vê obrigado a voltar ao velho bairro com a família. As pessoas que assistiram ao filme sabe o que acontece. Ele se torna treinador na decadente academia deixada pelo velhinho que era seu manager, e acaba ajudando um jovem aspirante que ao se tornar o novo campeão mundial é manipulado por um promotor inescrupuloso para se voltar contra o próprio Rocky. Assistindo a "It Follows", me recordei bastante de "Rocky V" no que se refere a figurinos, fotografia, visual, carros, a batida de vida que pulsava na quase sempre nublada Filadélfia naquele "time frame" em particular, desta vez realocada para Detroit em "It Follows"… É como se David Robert Mitchell tivesse procurado recapturar um momento, revisitar o mundo preservado como o fora no início da década de 90. Não raras vezes, vemos televisores antigos exibindo filmes datados. No começo de "It Follows", quando Jay ainda está começando a conhecer Hugh, a sair com o pretendente, e o casal passeia no cinema, se prestarmos atenção na marquise do teatro, quando os dois deixam apressadamente o prédio, veremos que o filme em cartaz é "Charada", com Audrey Hepburn & Cary Grant, algo antigo que você jamais imaginaria interessar a jovens de hoje em dia. Ao me tocar do detalhe, imaginei que teria sido ainda melhor se David Robert Mitchell tivesse colocado "Rocky V" naquela marquise, porque então, ao menos indiretamente, o diretor estaria nos remetendo a 1990/1991, o período em que tudo deve ter ocorrido dentro da trama.

O diretor M. Night Shyamalan tentou algo semelhante no seu melhor filme, "Sinais". Poucas pessoas perceberam, mas "Sinais" parece se esforçar para criar um sentimento de alienação ao se recusar a fornecer uma referência de espaço & tempo, um expediente que assim como ocorre a "It Follows" estimula a sensação de se viver em uma fantasia, um mundo de irrealidade e sonhos, semelhantes a aqueles bem confusos que temos ao tirar o cochilo após o almoço. Em "Sinais", há uma brevíssima cena durante o segmento final em que o pastor, seu irmão e os filhos pequenos assistem ao telejornal, momentos antes da invasão do mundo por alienígenas. Se os amigos revisitarem o filme, e prestarem muita, muita atenção neste segmento em particular, observarão que as roupas, a fotografia, as matizes da imagem e a própria interpretação do ator que faz o jornalista parecem… Eu não imagino um termo melhor do que "incongruentes", como se repentinamente estivéssemos caminhando ao longo de um túnel do tempo para assistir a algo tão "vintage" que pareceria mais `a vontade em algo dos anos 60. Em termos de atmosfera, ao falar sobre sua inspiração, o diretor Shyamalan citou "A Noite dos Mortos-Vivos", de George Romero, de 1968, e ao assistir a "Sinais" novamente, uma vez compreendidas suas intenções, pude enxergar com mais clareza o que Shyamalan pretendia por trás de suas peculiaridades. David Robert Mitchell apenas levou a ideia mais longe.

Tecnicamente, o filme é um primor de técnica e competência. David Robert Mitchell toma muitos riscos ao optar por tracking shots ininterruptas e demoradas que deixariam veteranos como Brian De Palma orgulhosos. Basicamente, ao escolher tracking shots, o diretor põe uma tremenda responsabilidade e cobrança extras sobre os próprios ombros e os de seu elenco. A ação é capturada em um take apenas sem interrupções, se algo dá errado no curso da ação, não há cortes para poupar a "parte boa". Paul Thomas Anderson abre "Boogie Nights Prazer Sem Limites" com uma tracking shot que começa na marquise de um cinema onde se lê o nome do filme, desce e atravessa a rua de um quarteirão em San Fernando Valley, em 1977, até chegar `as calçadas do outro lado onde acompanha os personagens de Burt Reynolds & Julianne Moore entrando na boate, também apresentando os demais personagens daquele trama. De Palma, o mestre do thriller erótico, aperfeiçoou o uso de tracking shots, e a introdução a "Snake Eyes" tornou-se uma das cenas mais impressionantes de todos os tempos no que diz respeito `a técnica. Mesmo hoje nem se pode começar a imaginar a dificuldade de se rodar algo tão grandioso e demorado em um take de tirar o fôlego quanto quando o personagem principal entra na arena onde se dará a disputa do campeonato pelo cinturão dos pesos pesados logo mais. Cineastas talentosos fazem mágica com tracking shots, David Robert Mitchell é um estreante que ao escolher a técnica arriscou dar um tiro no pé. Ele se sai extraordinário, e a usa em favor do gênero como poucas vezes visto antes. Eu me recordo de ter visto o recurso empregado nos thrillers de Brian De Palma, mas poucas vezes no gênero Horror, o único exemplo que me vem `a mente a cena em "Hellbound: Hellraiser 2" em que Clare Higgins mata o jovem psiquiatra. O recurso é baseado inteiramente em uma tomada apenas, sem cortes, e portanto trabalhoso: a câmera começa capturando a comoção lateralmente, vai para atrás da atriz, de modo a mostrar que suas costas, anteriormente expostas em carne viva, agora estão completamente cicatrizadas por conta do nutriente e sangue que está drenando da vítima, continua com seu movimento ao redor do casal, mostrando a força de seus braços, e finalmente estaciona ao lado dos dois, quando mostra o estado lamentável do rapaz, sangue escorrendo do nariz, ouvido e boca, terrivelmente ferido, enquanto ela o beija com a passionalidade de uma amante que lhe quer muito bem. Em sua simplicidade e ousadia, a cena agrega tantas informações simultaneamente - a pele das costas reparada, os braços femininos porém fortes, o choro de dor da vítima, sangue escorrendo pelo nariz e ouvido - que exercita um tipo de agressividade incapaz de se emular não fossem pela técnica da tracking shot e a coragem e talento dos atores envolvidos. "It Follows" usa o mesmo recurso em diferentes momentos, e sempre os aproveita muito bem.

"It Follows" pode ser interpretado de muitas formas, todas válidas vez que a leitura depende dos olhos do observador. Partindo da premissa de que o tormento toma a vida de uma pessoa após a intimidade das relações sexuais, eu o tomei como uma angustiante releitura da histeria da AIDS nos primeiros anos de seu surgimento, no começo dos anos 80. Em muitos momentos, assistindo a "It Follows", me recordei de um documentário chamado "Estávamos Aqui", que revisita os primeiros momentos da catástrofe, relembrados pelos olhos das pessoas no epicentro da tragédia, em São Francisco, naquele período em particular. A AIDS chegou a São Francisco nas comemorações do feriado da Independência Americana em 1976, mas só mostrou a cara feia 4 anos mais tarde, no início dos anos 80, 1980&1981, o tempo de incubação do vírus, quando os primeiros casos de pneumocistose e um raro câncer de pele chamado Sarcoma de Kaposi foram registrados. Quando se percebeu que algo letal de fato estava `a solta, mais da metade dos cidadãos da comunidade estava contaminada e, naquele tempo, sentenciada a uma pena de morte. O tipo de confusão que a personagem principal experimenta, desde a negação e revolta passando pela aceitação até a maneira como procura lidar com a terrível situação, em muito guarda paralelos com o que aconteceu com aquelas pessoas nos anos 80, a mercê de um monstro invisível contra o qual médicos não tinham nenhum tipo de arsenal. Creio que outra interpretação igualmente válida seria ler o poltergeist como a soma de todas as ações, boas ou más, que você cometeu no curso de sua vida até o presente momento, principalmente quando se é razoavelmente jovem e não se compreende como as coisas efetivamente funcionam em oposição a como gostaríamos que fosse. Por esse viés, a "Entidade" representaria a soma das recordações de pessoas que você intencionalmente ou não machucou ou injustiçou, as más escolhas que agora pesam sobre seus ombros, os laços mal atados de um passado relativamente recente que dada a oportunidade você adoraria amarrar melhor. Essa linha de raciocínio bate com a revelação de um breve momento, no começo do filme, quando o deprimido e angustiado Hugh aponta para o menininho no cinema e diz que adoraria trocar de lugares com a criança e sua vida inteira pela frente, quando ele mesmo tem 20 e poucos anos, também um futuro por vir, mas não parece perceber em razão de todos os problemas que se tornaram maiores do que consiga suportar sozinho. Seja qual for a interpretação que os amigos tirem do desfecho, é muito seguro afirmar que não encontrarão outro filme de Horror que os convide tanto `a reflexão quanto "It Follows" este ano.

Aproveitando o ensejo sobre o que 2015 ainda nos reserva, quero deixá-los a par de um Horror chamado "Knock Knock", dirigido pelo cineasta Eli Roth, e estrelando Keanu Reeves. Keanu Reeves interpreta um arquiteto bem sucedido e casado que ficou em casa para trabalhar enquanto a mulher e os filhos se ausentaram para passar o fim de semana na praia. Uma noite de chuva, ele escuta batidas na porta e encontra duas garotas aparentemente comuns que pedem para entrar e usar o telefone. Ele deixa que as moças entrem, e embora o encontro comece cordial, logo se transforma em um jogo de morte para o arquiteto, porque as duas estranhas se revelam psicopatas, ali com o único intento de se divertirem com o seu terror até resolverem matá-lo. Pessoas que viram o filme o elogiaram bastante. O diretor Eli Roth ficou conhecido pela violência de suas imagens, mas aqui parece ter amadurecido bastante, pois dizem que há pouco em termos de sanguinolência. Ele parece ter exercitado a contenção, amadurecido, e feito algo que alguém como Brian De Palma teria se saído excelente. Abaixo do trailer de "It Follows" vocês poderão conferir o teaser de "Knock Knock". Agora, sobra-nos a parte mais difícil (ou mais saborosa, dependendo do seu ponto de vista)… Esperar!
Todos os direitos autorais reservados a RADiUS-TWC. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

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