sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

"House of Sand and Fog" (2003, Vadim Perelman) O melhor ainda está por vir.

Deixada pelo marido, Kathy Nicolo (Jennifer Connelly, em grande performance) é uma jovem mulher em busca do recomeço. Ex-dependente de drogas, Kathy mora sozinha na bela casa que herdou do pai, em San Francisco. O filme abre sugerindo seu passado sombrio quando a vemos despertando pelo telefonema da mãe, que liga apenas para saber como vão as reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Apesar de insistir que se sente melhor, o caos na cozinha sugere exatamente o contrário. Kathy também oculta da mãe a separação recente. Tendo ignorado o pagamento de taxas referentes ao imóvel em razão da confusão emocional provocada pelo divórcio, Kathy é pega de surpresa quando um Oficial de Justiça bate à porta acompanhado por policiais para realizar o despejo. Encarregado de ajudá-la a preparar as malas para deixar o imóvel, o xerife Lester Burdon (Ron Eldard) simpatiza com seu drama, presta auxílio com a remoção dos móveis e lhe fornece o número de uma boa advogada, a aconselhando a recuperar a residência pelas vias legais.
Massoud Amir Behrani (Sir Ben Kingsley), um orgulhoso e honrado oficial de alta patente das Forças Armadas do Irã, deixou a terra natal com sua família – a esposa Nadi & os filhos Esmail & Soraya – em busca do Sonho Americano nos Estados Unidos. No início do filme, o vemos orgulhoso fazendo um brinde ao casamento da filha. Ao pai é concedida a honra da primeira dança com a noiva. Massoud trabalha em uma série de empregos menores, como asfaltar vias públicas durante o dia e trabalhar à noite como operador de caixa de um posto de gasolina, tudo para preservar a aparência de próspero homem de negócios. Ao ver um anúncio de leilão da casa de Kathy nos Classificados, Massoud aproveita a oportunidade para comprar a residência por um quarto de seu valor de mercado, intencionando reformá-la para depois vendê-la por uma grande soma. Com a ajuda de Lester, Kathy move suas coisas para um depósito e se acomoda em um motel. Obedecendo aos conselhos de seu novo amigo, Kathy contrata os serviços de uma advogada que a assegura de que a Prefeitura devolverá a casa assim que provarem que as taxas não foram pagas apenas por uma questão de erro da própria Prefeitura – Kathy jamais recebera as cobranças pelos Correios.
Enquanto tenta retomar a vida em meio à expectativa, vemos que assim como Behrani, Kathy precisa trabalhar duro para se sustentar, desde que o marido a abandonou. Uma noite, ao visitar o depósito para apanhar parte de suas coisas, Kathy é visitada por Lester. O xerife explica que está de folga e a convida a comer alguma coisa na diner, quando os dois têm oportunidade de se conhecerem melhor. Kathy repara na aliança no dedo de Lester e lhe pergunta se tem filhos. O xerife parece um pouco envergonhado por ter sido "pego". Ela conta que apesar de também usar aliança, seu marido a deixou oito meses atrás. Ao lhe dar uma carona ao motel, ele entrega um papel com seu número, e pede que ligue caso precise de algo. Quando o cartão de crédito de Kathy é recusado pela administradora, ela se vê literalmente na rua, na verdade no seu carro, o lugar onde passa a dormir. A guerra pessoal entre Kathy & os Behrani se inicia quando ao passar pela casa a moça vê homens trabalhando na reforma do deck. Furiosa, ordena que os carpinteiros parem imediatamente com os serviços na sacada, mas quando retrucam que precisa pedir diretamente ao Sr. Behrani, ela desce as escadas alterada, preparada para confrontar o novo dono. Kathy está descalça, e acidentalmente pisa nos pregos de uma tábua solta. Socorrida por Nadi & Esmail, Kathy não se conforma em encontrar uma nova família habitando o imóvel. Nadi enfaixa o pé da ex-proprietária e a deixa descansando na sala. Mais emotiva, Nadi parece mais receptiva à presença de Kathy, que também alimenta natural simpatia pela Senhora Behrani. Apesar da solidariedade e simplicidade de Nadi, Kathy deixa o lugar determinada a recuperar a casa.
Kathy liga para a mãe e mente ao deixar um recado na secretária eletrônica apenas para despistar, dando a impressão de normalidade. Nós a vemos cuidando do pé machucado, atando uma faixa limpa ao redor do tornozelo. Massoud atende a uma convocação da advogada de Kathy, que pretende negociar a devolução da casa. Tendo gastado muito dinheiro para melhorar as comodidades da residência, Massoud se recusa a devolvê-la por qualquer quantia menor do que está pedindo no mercado. Ao perceber que a sua única alternativa será processar a Prefeitura – um longo e dispendioso trâmite que pode não resultar em nada – Kathy decide tomar a frente da situação e conversar pessoalmente com Massoud. O encontro não termina bem, pois ela o procura no mais inapropriado dos instantes, quando Behrani está mostrando as comodidades para uma família interessada em adquirir o imóvel. Tons de voz sobem, e os dois acabam trocando insultos. Desesperada por uma solução mais imediata, Kathy procura Lester no Distrito Policial. Feliz por revê-la, ele a leva ao píer para conversarem reservadamente. Ambos interessados em romance, Lester assume a posição de protetor e a leva para um lugar onde possa se acomodar.
Na mesma noite, ele a leva para jantar em um lugar especial, e a atração entre o dois termina concretizando-se mais tarde, quando, mesmo hesitante, Kathy o convida para entrar. Os dois acabam fazendo amor. Ao voltar para casa apenas na manhã seguinte, Lester denuncia indiretamente sua indiscrição a Carol, a esposa, que não demora a desconfiar do romance extraconjugal. Más notícias esperam por Kathy: a advogada lhe explica que já usou todas as manobras judiciais possíveis, e não há como recuperar a casa pela via legal. Enquanto Massoud tenta manter as aparências ao receber a filha casada no novo deck, ele vê que Kathy e o namorado seguem na espreita, ao assistir ao carro entrando na rua discretamente, como que sondando a movimentação do lugar. Naquela noite, protegendo-se por trás de um nome falso, Lester presta uma visita aos Behrani e entre outras ameaças promete deportar Massoud junto à família se ele se recusar a devolver a propriedade. À essa altura, o xerife encontra-se profundamente comprometido com o impasse. Ele acabou de contar à mulher sobre o caso, e que pretende separar-se, deixando mulher e filhas para apostar todas as fichas em Kathy. Os Behrani têm uma infeliz discussão, e Massoud perde a cabeça ao dar um tapa na esposa. Cheio de remorsos, ele conversa com o filho na manhã seguinte e pede que jamais repita o erro do pai quando um dia for casado. Massoud não se deixa levar pela intimidação do xerife, e procura a Polícia. Ele identifica Lester por uma foto de arquivo, e a Corregedoria aplica uma punição administrativa que não parece demovê-lo.

Inconformada com o fim do casamento, Carol aparece no trabalho de Lester para armar um escândalo. Com os filhos no banco traseiro, ela surpreende o marido ao jogar na sua cara que está sabendo do caso extraconjugal. O xerife tenta acalmá-la, mas Carol responde desferindo socos nas suas costas ao tentar entrar no Distrito. Lester consegue segurá-la, os filhos assistindo a tudo apavorados, chorando e suplicando para que o pai retorne. A briga desperta o xerife para o fato de que precisa voltar para casa, para consolar a mulher e preparar os filhos para o rompimento. Ao pedir um tempo para Kathy, ele a acaba deixando insegura, o que traz à tona os velhos demônios. Ao bater à porta da velha casa, Kathy é atendida por Nadi. Por sorte, Massoud não se encontra, de modo que as duas têm como conversar melhor. Ao contrário do marido, Nadi não nutre antagonismo algum por Kathy, que sabe que tem melhores chances de explicar a situação para a mulher. Kathy diz que quer colocar um ponto final naquela briga. Nadi chora e vocaliza o temor de acabar deportada de volta ao Irã. Kathy tenta consolá-la.
Emocionalmente instável, Kathy não demora a sair dos trilhos. Ela primeiro considera matar os Behrani ateando fogo à casa, mas depois de se alcoolizar, muda de ideia e resolve tentar o suicídio na calçada. A arma falha, e quando Massoud a vê tentando seguir em frente com a tentativa, toma a arma e a leva para dentro. Kathy tenta o suicídio por uma segunda vez, engolindo pílulas, mas Nadi a induz ao vômito. O casal carrega Kathy para um quarto onde poderão cuidar de sua recuperação melhor. Lester, que não sabe que os Behrani na verdade salvaram a moça, rende a família sob a ameaça da pistola e os prende no banheiro. O xerife avisa que só os deixará sair quando os Behrani aceitarem devolver a residência. A ideia gira em torno de Massoud vender a casa de volta à Prefeitura pelo valor pago e entregar o dinheiro para Kathy, para que ela a recupere. Lester concorda com a oferta de Behrani, e decide conduzi-los à Prefeitura, para finalizarem a transação.
Nas escadarias da Prefeitura, Massoud aproveita um instante de distração de Lester - um subalterno aparece para agradecer o xerife pela atenção - para virar o jogo. Esmail toma a pistola das mãos do xerife, mas durante a confusão, guardas interpretam erroneamente o entrevero e o tomam como um bandido. Eles atiram no adolescente, que sofre ferimentos gravíssimos. Massoud é tomado pelo desespero, gritando nas escadarias com o filho nos braços. Lester assiste a tudo chocado, cheio de remorso. O xerife assume a responsabilidade pela confusão e termina preso. Uma vez esclarecida a situação, Massoud é liberado. Rezando de joelhos para que Deus poupe a vida do filho, comprometendo-se a se tornar uma pessoa melhor se apenas ganhar uma segunda nova oportunidade, Massoud tem suas esperanças rechaçadas quando o adolescente não resiste aos ferimentos e morre. Devastado pela dor, Massoud volta para casa e põe a esposa querida "para dormir", após lhe dar pílulas o suficiente para que não desperte mais. Em seguida, o veterano veste o uniforme militar, cobre a cabeça com um saco plástico e a prende com fitas, de modo a morrer asfixiado, de mãos dadas à esposa. Kathy encontra o casal morto sobre a cama, e desesperadamente tenta socorrê-los, sem dar conta de que ambos não podem mais ser salvos.
Um dos melhores filmes de suspense da década passada, "House of Sand and Fog" permanece largamente desconhecido pelo grande público. Lançado em uma temporada particularmente competitiva em 2003, o filme foi obliterado pelos mais aclamados "21 Gramas" e "Monster", ambos excelentes dramas que renderam indicações ao Oscar às suas atrizes, Naomi Watts e Charlize Theron, Theron tendo inclusive ganhado pelo seu papel como a serial killer Aileen Wuornos. Mesmo sufocado pelos fortes concorrentes, "House of Sand and Fog" colheu elogios da crítica especializada, e não apenas rendeu indicações ao prêmio da Academia para Sir Ben Kingsley & Shohreh Aghdashloo como também confirmou a talentosíssima Jennifer Connelly como uma das melhores atrizes de sua geração, seguindo o ressurgimento artístico iniciado com "Uma Mente Brilhante". Sir Ben Kingsley, o ator britânico tão aclamado que lamentavelmente vem sendo escalado como o "vilão da hora" de grandes produções, aproveita a oportunidade para criar seu melhor personagem em décadas, o tipo de desafio que nos faz lembrar que o ator é o mesmo homem que interpretou figuras tão queridas quanto Gandhi. Ron Eldard completa o elenco principal como o policial bem intencionado que vem a se apaixonar por Jennifer Connelly. Aqui me fazendo lembrar um jovem John Travolta, Ron Eldard não destoa dos colegas em sua performance afinada, realmente capturando a confusão do homem comum dividido entre a vontade de refazer a vida e as limitações impostas pelo delicado momento quando a única coisa que não está ao alcance parece o ímpeto de jogar a vida pretérita pela janela para recomeçar ao lado de uma nova companheira. Alguns anos mais tarde, Jennifer Connelly atuaria em um drama muito interessante onde veríamos um protagonista metido em semelhante dilema. Refiro-me a "Pecados Íntimos" e ao personagem vivido por Patrick Wilson, casado com a fotógrafa interpretada pela Jennifer e perdidamente apaixonado por uma moça do bairro, vivida por Kate Winslet: anestesiado pelo tédio de anos de convivência e rotina, é a chegada de uma nova pessoa e o romance impossível que arrancam de dentro de si o tipo de paixão que julgava ter perdido há muito com a juventude. Em "House of Sand and Fog", a angústia do dilema entre acomodar-se à segurança familiar para arriscar tudo com o novo amor fica bem representada pelo impasse que o personagem atravessa até o desastroso fim. Em que pese a tragédia dever-se ao atrapalhado plano colocado em movimento por Lester, Ron Eldard atua tão bem que não perdemos de vista suas boas intenções, a todo instante transmitindo a imagem de um homem movido por objetivos altruístas, mas despreparado a ponto de pôr tudo a perder, principalmente quando desapega da razão para se deixar levar por pura emoção.

Shohreh Aghdashloo recebeu uma indicação pelo seu pequeno mas importante papel. Como a matriarca, ela figura como o porto seguro da família Behrani, razão maior pela qual Massoud Amir vem batalhando duramente pelos últimos quatro anos em um país estrangeiro. À medida que o cerco se fecha, e ele se vê ameaçado por Kathy & Lester, é no seio do lar onde encontra o suporte que nos outros nem espera conseguir. Aliás, aos olhos dos demais, como o próprio Behrani desabafa em dado momento, ele é visto com um ar de "Olha esse árabe de meia tigela aí". Cúmplices ao longo de uma atribulada, difícil vida, quando Massoud comete suicídio imediatamente após a morte da esposa, a resolução parece perfeitamente compreensível para duas pessoas que não parecem capazes de sobreviver individualmente. Após "House of Sand and Fog", Shohreh Aghdashloo atuou em filmes notórios e importantes, em especial uma generosa participação no aterrorizante "O Exorcismo de Emily Rose". Apesar de desempenhar regularmente nas telas, talvez os amigos se recordem mais dessa ótima atriz pelo seu trabalho no seriado "24 Horas".

Em uma longa carreira repleta de filmes importantes, até "House of Sand and Fog", Sir Ben Kingsley vinha sendo "escalado" para papéis de vilões em filmes de ação. Parece um mal que recai consistentemente sobre atores britânicos. Alan Rickman & Jeremy Irons cravaram seus rostos nas mentes das pessoas graças aos vilões macabros, porém os seus melhores trabalhos são justamente aqueles que os escalaram para coisas mais leves e românticas. No caso de Rickman, eu sempre penso nele como o herói de uma doce comédia britânica de Anthony Minghella chamada "Truly, Madly, Deeply"; no entanto as pessoas tendem a associá-lo ao ardiloso e tétrico terrorista de barba por fazer metido em um elegante terno Armani de "Duro de Matar". A profundidade humana de Massoud Amir Behrani significou um convite e tanto para o ator, que pelo seu desempenho também foi indicado ao Oscar. Prova da força do roteiro, "House of Sand and Fog" não divide os personagens em categorizações simplificadas, quando se denota uma distinção clara entre "Bem" & "Mal". Embora o drama se desenrole a partir da negativa de Massoud em devolver a casa, Ben Kingsley constrói um anti herói que exibe características que o tornam muito humano e até mesmo admirável a nossos olhos. Sua postura apenas inicialmente parece moralmente repreensível, porque logo mais, quando o diretor nos abre uma janelinha para dentro da família Behrani, enxergamos por trás da inflexibilidade a determinação de um homem sofrido tentando manter mulher e filho sob suas asas protetoras. As atitudes de Behrani são redimidas pela sua obstinação de manter-se fiel à missão de cuidar da família. Qualquer indivíduo com alguma obrigação moral de preservação do núcleo familiar compreenderá suas atitudes. Assistindo `a performance de Ben Kingsley, eu não tive como deixar de pensar no meu falecido avô, não apenas porque fisicamente os dois se pareçam, mas principalmente pelas características que finalmente definem o personagem, autoritarismo e inflexibilidade que em primeiro momento o descrevem como o último dos patriarcas, na verdade nada mais do que ferramentas para defender a unidade familiar. `A primeira vista incongruente, uma vez que você o conhece melhor, Massoud talvez seja  o justo dos justos. Ele é um pilar de dignidade e moral, e teria sido melhor compreendê-lo  dessa forma desde o início, não fosse pela falibilidade humana que o torna um homem tão difícil de se entender. O ator Ben Kingsley mereceu a indicação ao Oscar - a cena em que ele abraça aos gritos o filho baleado machuca como um golpe nos rins, um de seus melhores momentos desde a performance definitiva de carreira em Gandhi. A dimensão multifacetada dos personagens pode ser compreendida pelo quilate da fonte original, o romance homônimo de Andre Dubus. Digno de nota, foi o diretor Perelman quem escreveu o roteiro e conseguiu condensar em apenas duas horas uma história que rendeu um volumoso romance.

A batalha entre Kathy & Lester contra Behrani dá oportunidade de sobra para que o diretor explore o suspense em torno de como o embate acabará, porém surpreendentemente "House of Sand and Fog" mais assemelha-se a um pequeno e intimista drama a um típico thriller. Ao não fazer diferença alguma entre os dois lados em conflito, o filme não nos "empurra" para a "torcida" de nenhuma das partes. Todas elas guardam limitações muito compreensíveis e qualidades admiráveis, mesmo ao final não nos deixando confortáveis para "escolher" um vencedor. Em uma brava opção, a história não oferece o "lado certo". Assim como acontece na vida real, aos personagens fragilizados graças aos próprios problemáticos passados não cabem resoluções bem amarradas, todavia diferente do lugar comum de filmes similares, no caso das personagens de "House of Sand and Fog", ao menos eu senti muito pelos becos sem saída onde haviam se metido, principalmente por o terem feito por ignorância, e não malícia. Kathy aparece na vida de Lester e por mais que suas responsabilidades o proíbam, ele se apaixona, algo louvável, mas perigoso. Ele está disposto a ampará-la no momento mais delicado da vida, mas então suas escolhas temerárias para salvá-la os afundam em situações das quais não podem sair impunemente. Massoud sacrifica a vida em prol do bem estar de sua família, todavia seu orgulho cego embaralha o senso de preservação. Sublinhados por um sentimento de decência e justiça, é na execução no mundo real onde trocam os pés pelas mãos e definitivamente se perdem cada vez mais. A história segue nessa sucessão de erros até o final desastroso, enquanto assistimos ao doloroso processo impotentes.

"House of Sand and Fog" não apenas foi produzido por um grande estúdio, também parece grandioso. As pessoas que se encantaram com San Francisco e sua ponte, tão pronunciada em produções recentes como "Zodíaco", de David Fincher, se deslumbrarão novamente com o panorama do lugar, explorado ao máximo pelas lentes de Roger Deakins, o profissional que, entre tantos outros filmes, - desde obras de M. Night Shyamalan aos trabalhos dos irmãos Coen - assinou a direção de fotografia de "As Montanhas da Lua", de Bob Rafelson, um dos filmes mais visualmente impecáveis de todos os tempos. Os fãs de cinema que gostam dos filmes da Jennifer Connelly se surpreenderão com uma peculiar coincidência de sua carreira: assim como acontece em "Réquiem para um Sonho" & "Cidade das Sombras", novamente a vemos caminhando ao longo de um píer em uma sequência dramática, no caso de "House of Sand and Fog" o píer de Pacifica, em Pasadena. Diretores de fotografia sabem que colocá-la como um pontinho ao fim de um longo píer rende uma cinematografia verdadeiramente encantadora, mas afinal de contas, quando se tem a Jennifer Connelly em um frame, tudo parece mais deslumbrante, não apenas pontes contra cujas colunas as ondas quebram.

Dirigido pelo relativamente novato Vadim Perelman, "House of Sand and Fog" desenrola-se com as voltas e reviravoltas que jamais o deixam perder ritmo. A ligação de Perelman à história ressoou a um nível muito íntimo, pois assim como o Massoud Amir Behrani, Vadim conheceu as dificuldades envolvidas em recomeçar em um país estrangeiro. Nascido em Kiev, Ucrânia, o diretor experimentou uma infância difícil de pobreza absoluta, até encontrar no cinema sua verdadeira vocação. Criterioso ao extremo, custa a escolher um projeto a se dedicar, pois quando se compromete, o faz de corpo e alma. Não por menos, logo após o lançamento de "House of Sand and Fog", em 2003, seu nome tenha sido vinculado ao complicado projeto de refilmagem do clássico "Poltergeist". Apesar de a execução ainda não ter começado, Perelman tem dirigido esporadicamente obras menores e interessantes, como o intrigante "Life Before Her Eyes". Assim como alguns outros nomes, Perelman é mais um dedicado cineasta criador de uma excelente obra original à espera do novo projeto que o consagre de vez como nome forte. Esse intervalo anti climático entre o sucesso de uma primeira experiência e a expectativa do filme que virá para superar o anterior me lembra a situação de outro excelente cineasta, o diretor Brad Anderson, que após rodar "Session 9", um dos melhores filmes de horror da década passada, ainda está para criar uma nova produção tão marcante quanto o primeiro trabalho.


O conjunto tão inspirado, da equipe técnica ao elenco, tem no desempenho da Jennifer Connelly (na foto ao lado do colega Ron Eldard na estreia do filme) a cola que mantém o todo coeso. Rodado em 2002, "House of Sand and Fog" parece o veículo perfeito para a atriz, `a vontade para interpretar personagens atormentadas e problemáticas. Sua Kathy Nicolo não difere tanto assim da Marion Silver de "Réquiem para um Sonho", ambas mulheres assombradas, perdidas, a quem Jennifer empresta a melancolia que somente seus olhos tristes podem imprimir. "House of Sand and Fog" prova que como artista, Jennifer Connelly prefere desafios a uma carreira mais comercialmente confortável. Sua escolha por dramas independentes complexos como "Pecados Íntimos" a produções mais financeiramente rentáveis - a atriz Naomi Watts deve sua carreira `a Jennifer Connelly, afinal de contas à Jennifer foi primeiramente oferecido o papel da protagonista de "O Chamado", por exemplo - reflete sua obstinação de se pôr `a prova sob desafios, o que vem rendendo uma carreira muito interessante em suas peculiaridades. Sua personagem, uma mulher atormentada, paga um alto preço até mesmo ao conquistar o suporte de um homem, afinal, como sabemos, ao encontrá-la, Lester é um homem casado que precisa voltar todos os dias são & salvo para casa, para esposa e filhas. Tudo fluiria mais facilmente não fosse pela boa natureza de Kathy, que se sabota por não conseguir viver consigo mesma ao "arrancar" um pai de família do lar. Jennifer mostra seu absoluto melhor com personagens semelhantes, vilãs intrigantes com consciência e sentimentos. Kathy entrega a relutância em momentos distintos, como no carro com Lester, por exemplo, quando ambos sabem que fatalmente acabarão na cama, mas ela sente que precisa mencionar a esposa porque parte de si odeia-se por estar "roubando" o homem de outra. Simultaneamente, nos faz perfeito sentido quando, apesar da racionalização tacanha de Lester - ele explica que hoje Carol se tornou mais sua melhor amiga do que esposa - Kathy escolhe silenciar o próprio remorso para finalmente seduzi-lo à cama e concretizar a traição. De fato, vilãs humilham e destroem, ocorre que as de Jennifer Connelly o fazem com olhos marejados e semblantes entristecidos, como uma algoz sem alternativas. Em qualquer outra atriz, tristeza e olhos expressivos não valeriam muito, mas em Jennifer Connelly significam o mundo. Por mais que haja tempo para se afastar, suas vítimas não fazem muito sentido do que está acontecendo, até que "deixar" não represente uma alternativa: a única opção é sucumbir à destruição. Não bastasse o canto de sereia que emana tão facilmente, seus olhos têm visão "Raio X". Enquanto ela mais se assemelha a um segredo guardado dentro de um enigma, por mais que você tente mascarar seus próprios sentimentos, ela consegue enxergar através dos estratagemas. De mais formas que eu conseguiria enumerar, eu realmente acredito que só diretores mais melancólicos ou sombrios como David Cronenberg, Clive Barker ou Brian De Palma explorariam melhor a eletricidade existente logo atrás da superfície de cada performance de Jennifer Connelly. Eu assisti ao último filme do cineasta David Fincher - o criador de obras tão macabras quanto "Zodíaco" & "Se7en" - e imaginei que teria se saído extraordinária como a vilã de "Garota Exemplar", o suspense sobre um rapaz casado arremessado a uma cilada pelas mãos da esposa. Tendo crescido assistindo fascinado a seus filmes, também sempre fui apaixonado por cinema, e quis estar "do lado de lá", dirigindo aquelas histórias e gente que deixaram uma impressão tão importante sobre meu imaginário, como Clare Higgins em "Hellraiser" & Genevieve Bujold em "Gêmeos Mórbida Semelhança". Como minha atriz preferida, é claro que eu queria tê-la visto ao lado do meu ator favorito, Burt Reynolds, e talvez porque soubesse que jamais seria um diretor, tenha começado a "fazer filmes" de maneira diferente, afinal de contas, rodar filmes não deve diferir muito de escrever histórias. Enxergando as qualidades sobre as quais falei acima, sobre a Jennifer Connelly, procurei escrever algo que aproveitasse tais elementos, daí minhas três incursões pelo "mundo da escrita". Escrevendo "Nenhum Passo em Falso", soube de imediato que estava incorrendo em risco ao enquadrar sua persona de vilã para logo humanizá-la, a ponto de criar a empatia de quem lê a história pela sua figura, e é aí onde acho que a aposta deu certo, pois quanto mais confusas as pessoas se sentissem em relação aos protagonistas, mais saberia que estava no caminho certo para criar uma história interessante. "Nenhum Passo em Falso" foi uma das três histórias que nasceram dessa necessidade de expressão, o tipo de coisa que como amante do cinema gostaria de ter assistido ou oferecido aos dois, a quem amo, pois acho que teriam feito algo extraordinário com os papéis, e mesmo que tenha permanecido no plano da fantasia, sempre declinei antes dos trabalhos que aquelas pessoas haviam sido criadas especialmente para os dois. Em "Nenhum Passo em Falso", quando um publicitário viúvo (o personagem que escrevi para Reynolds) resolve reconstruir a vida emocional ao lado de uma moça que conhece durante um processo de audição para uma mini série, ele provoca a fúria da melhor amiga (personagem escrito para a Jennifer Connelly), por quem o homem foi apaixonado pelos últimos seis anos desde que perdeu a esposa para um câncer. Quando ela percebe que está perdendo aquela devoção incondicional, a revelação é apenas o estopim para uma situação explosiva de sentimentos mal resolvidos. O suspense gira em torno do misterioso desaparecimento da nova namorada, e das voltas que a história dá para reaproximar os dois protagonistas - a melhor amiga & o publicitário - para compreender a natureza do amor que os liga ao colocá-los em puro confronto psicológico. Embora verdade que de minhas próprias experiências eu tenha tirado o material para criar essas situações, também o é que foi pelo cinema que aprendi a como contá-las, as coisas de Brian De Palma, David Cronenberg, e Clive Barker, entre tantos outros, ou mesmo os empoeirados, datados filmes de Sessão da Tarde estrelados pela Jennifer, ou pelo Burt, moldes para tirar referidas ideias do imaginário para traduzi-las em imagens, ou melhor, palavras, por mais que no frigir dos ovos eu não passe de apenas um cara que admira a arte dessa gente e os ama tanto quanto ama a própria vida. Pela influência cinematográfica desses filmes, por exemplo, escrevi momentos dos quais realmente me orgulho na história, como quando o personagem de "Nenhum Passo em Falso" vai dar um beijo de boa noite no filho pequeno. Nesta altura da história, o garotinho, que é louco pela tia (a personagem que eu escrevi para a Jennifer Connelly), sente o pai "diferente" quando a mesma está por perto. Se no começo o garotinho a amava, passa a ressenti-la quando pressente que os dois começam a se apaixonar, porque acha que "tomará o lugar" da mãe morta. Enfim, na cena, o garotinho pergunta ao pai se ela (na história, ela se chama Kylie; e o personagem de Burt Reynolds, Eric) substituirá a mãe e se o pai a ama. A resposta que ele dá sintetiza toda a confusão envolvida no impasse, quando Eric diz algo nas linhas de que amor não deve ser tomado como aquilo a que as pessoas costumam assistir em dramas românticos estrelados por Rachel McAdams. Talvez o menos compreendido dos sentimentos existentes neste mundo, o amor só pode ser compreendido em partes, porque na verdade ninguém realmente "o viu". Ao contrário, ao longo de uma vida, e com muita sorte, um ser humano enxerga - não apenas ver, mas sim enxergar - algumas evidências de sua presença, pequenos momentos reveladores pelos quais parece ao alcance dos dedos, todavia apenas por alguns segundos. Amor seria o extremo oposto da posse ou da amizade requentada quando duas pessoas se acostumam ao que se convenciona chamar casamento, por exemplo. Eric faz questão de destacar ao filho que amar & perder se confundiam pois eram praticamente a mesma coisa. Amar era querer tanto bem a alguém que nada parecia mais forte do que a vontade de tê-la por perto; tão forte que paradoxalmente se sentia liberado por deixá-la partir com outra pessoa apenas porque sabia que teria uma vida mais confortável, algo que jamais ocorreria com os dois juntos, porque sabe que dois seres humanos não poderiam jamais sobreviver por muito tempo a um sentimento tão poderoso. De certa forma, o que ele acaba passando para o filho Charly é que amar a tal amiga havia sido uma missão onde simultaneamente tivera o coração partido, e no entanto fora compensado de forma incomum. Diferente do começo, quando ele ainda estava se apaixonando, o objetivo aparentemente desejado - terminar a seu lado - passa a não importar muito ao final. Na verdade, falando-se de amor, o resultado seria o de menos; a jornada, tudo. O fundamental não é o alcance do objetivo, mas a força da fantasia envolvida. Na história, ela só parece enxergar de maneira semelhante a Eric quando ele finalmente procura dar as costas para a experiência, em busca do recomeço com outra mulher, como se o significado de tudo finalmente penetrasse sua mente justamente ao perder a posição privilegiada na vida do amigo, o que dá início ao suspense. E quando Eric termina sua fala, e dá o beijo de Boa Noite para deixá-lo, e o filho, uma criança inocente, lhe pergunta por que as pessoas falam tão bem de amor e fazem votos de experimentar algo semelhante, quando o sentimento só traz dor, ele responde "Eu não sei, Charly. Eu gostaria de saber". Ao assistir `a performance assombrosa de Jennifer em "House of Sand and Fog", eu soube que para uma história que aborda amor de uma maneira tão brutalmente honesta, uma vilã só poderia convincentemente existir pela sua persona. Ao menos, o protagonista é maduro o suficiente para saber o que esperar ao arriscar amá-la. E ao final, quando ela o destrói, ela o faz com os olhos tristes que não justificam, mas reiteram toda a filosofia de Eric sobre o assunto.

"House of Sand and Fog" permanece o melhor filme da carreira da Jennifer Connelly em sua fase pós Oscar. Neste considerável espaço de tempo desde 2003, ela tem continuado atuando em produções interessantes, casou-se com o talentoso ator britânico Paul Bettany, e tornou-se mãe de mais duas crianças. 2015 marcará sua volta ao tipo de material onde se sai melhor - os dramas mais pesados, difíceis - pois se iniciarão as filmagens de "American Pastoral", baseado no romance de Phillip Roth, sobre uma família de imigrantes que durante os anos 60, nos Estados Unidos, vê sua harmonia ameaçada quando a filha se une a um grupo radical e se torna terrorista. Jennifer Connelly interpretará a mãe, enquanto Ewan McGregor & Dakota Fanning completam o elenco como o pai & e a filha. Esse novo filme estrelado por Jennifer Connelly será dirigido por Phillip Noyce, o mesmo diretor de "Jogos Patrióticos" (foto). E aqui uma sugestão: já que Jennifer Connelly se saiu tão bem em "House of Sand and Fog" e o diretor Vadim Perelman vem desenvolvendo há anos o remake de "Poltergeist", por que não escalá-la para o papel da mãe?"Poltergeist" provavelmente fará muito sucesso nas bilheterias - vide o renascimento do gênero e a arrecadação de produções similares como "Ouija O Jogo dos Espíritos" - e do mesmo jeito que Jennifer se beneficiaria de um grande sucesso comercial no currículo, o diretor só teria a ganhar com uma artista tão talentosa no elenco. Falando em filmes de horror, e levando em conta que na maioria das vezes esse blog aborda filmes semelhantes, os amigos talvez não saibam, mas logo após o lançamento de "House of Sand and Fog" nos cinemas, a Jennifer Connelly e o marido Paul Bettany estiveram a um passo de trabalhar com Clive Barker em um terror chamado "Born", que teria sido produzido por Guillermo del Toro, baseado em uma história de Barker. Quem acompanha o blog há muito tempo sabe que Clive Barker foi uma figura muito importante no meu imaginário, seu filme de estreia, o primeiro "Hellraiser", uma experiência muito importante, principalmente tendo em vista que eu era apenas uma criança, dez anos de idade, quando o vi em uma fita de vídeo no começo dos anos 90. Por uma ou outra razão, "Born" jamais aconteceu, mas quem sabe, nos próximos anos, possamos assistir a essa interessante colaboração, Jennifer Connelly & Clive Barker? Vamos torcer. De todo modo, a Jennifer Connelly "estará por perto" por muitos, muitos anos, em romances ou dramas ou thrillers, sempre nos presenteando com seu charme. Para sua vida pessoal & profissional, nada caberia melhor do que o título da música, "The Best is yet to come" - "O melhor ainda está por vir".
Todos os direitos autorais reservados a Dreamworks. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"The Poughkeepsie Tapes" (John Erick Dowdle, 2007) Nos anos 90, um assassino em série aterrorizou uma cidade ao norte de Nova York. Alguns serial killers deixam pistas. Outros deixam avisos. Esse aqui deixou "As Fitas de Poughkeepsie".


Quando a Polícia realiza uma batida em uma casa de uma cidade ao Norte de Nova York, chega a perturbadoras evidências quanto as ações de um serial killer que aterrorizou a região na segunda metade dos anos 90. Mais de oitocentas fitas de vídeo são deixadas pelo matador, registro de seus ataques em horrorosos detalhes. No quintal, ossadas de pessoas desaparecidas acabam encontradas. A agente Pam Frears nos guia por um tour pelo quintal da residência onde as fitas foram achadas. Apontando para distintas porções de terra, ela indica onde o serial killer enterrou mais de seis mulheres e até mesmo um homem, o inquilino original. A Perícia realiza exaustiva análise do conteúdo dos tapes, com o intento de desvendar o quebra cabeça da misteriosa figura por trás dos homicídios, mas fora a horripilante natureza das mortes, pouco se consegue elaborar quanto a identidade do assassino. Em razão de ter enumerado as etiquetas fitas, a Polícia tem como determinar a ordem dos crimes, que lamentavelmente começaram com uma garotinha indefesa chamada Jennifer Gorman, abduzida do jardim de casa em plena luz do dia. Não obstante o grau de obstinação e profissionalismo dos investigadores envolvidos, não custa às "fitas de Poughkeepsie" os deixarem profundamente abalados, afetando-os a um nível surpreendentemente pessoal. O agente responsável pela análise das fitas chega a declarar que certa feita, ao levar um dos vídeos para casa, a esposa acabou assistindo a meia hora de exibição, sem seu conhecimento, lhe custando muito tempo até que ela estivesse disposta a voltar a conversar com o marido. Não apenas as abduções, assassinatos e mutilações foram gravados, como também uma série de encontros em quartos de motéis baratos com prostitutas, onde o serial killer revela um bizarro fetiche pela associação do látex de balões de festa com mulheres de lingerie. Mais de cem horas das fitas parecem reservadas a essa incomum fixação.

Após o sucesso da primeira abdução, quando fez de Jennifer Gorman sua primeira vítima, o serial killer se torna menos impulsivo em suas ações seguintes. Para as novas vítimas, o matador guarda toda uma estratégia preparada, como vemos ao assassinar os Anderson, um jovem casal que, ao vê-lo ao lado do carro "quebrado" à beira da estrada, oferece carona até o próximo posto de gasolina. Mike Moakes, um experiente profiler do FBI, discorre sobre a ação do matador. Durante o trajeto, ele dá uma pancada na cabeça do motorista, desacordando-o, e usando um pedaço de pano com clorofórmio, apaga a mulher também. O modus operandi do homicida deixa os investigadores atônitos com o nível de dedicação envolvido na ação: o posto de gasolina para onde o solícito casal o levava localizava-se em um trecho da rodovia cercado por floresta, e na verdade há muito havia sido abandonado. Ademais, algum tempo antes da abdução e assassinato dos Anderson, filmagens de câmeras de segurança de outra estação nas redondezas haviam capturado uma "mensagem" sua, que durante o abastecimento, cobrira o rosto, olhara diretamente para a câmera e pela linguagem de sinais indicara o local onde pretendia deixar os restos das vítimas. Isso ainda antes da abdução dos Anderson. Na preleção para uma turma de oito estudantes, Moakes vai logo anunciando "Se há algo que a experiência me ensinou é que depois do que vamos assistir aqui hoje nesta sala, três de vocês vão para casa e se perguntarão 'será que eu realmente quero me cercar desse tipo de coisa na minha vida profissional?'Há pessoas horrorosas neste mundo, que farão coisas inacreditáveis ao próximo. E está tudo bem se não quiserem se envolver". Durante a aula, Moakes exibe o tape da abdução e morte dos Anderson. Uma das estudantes se comove, e Moakes interrompe a exibição para lembrá-los de que a primeira pergunta que todo profiler deve fazer no início da carreira é avaliar se suportará ver-se cercado por tanta sordidez. Moakes cita sua própria trágica história como exemplo. Ele se tornou o melhor profiler da Força às custas de um trauma pessoal, quando sua irmãzinha foi abduzida e morta, tudo quando Moakes não contava com mais de sete anos de idade. Moakes se tornou um estudioso do assunto, e não conseguiu mais dissociar a vida pessoal da profissional. Ele simplesmente não sabia como "desligar-se" do trabalho como profiler, o que o levou a sofrer um colapso emocional que o deixou brevemente institucionalizado. Moakes reitera à turma de novatos que eles devem deixar o trabalho no escritório ao voltar para casa. "Vocês não podem ficar pensando em Jennifer Gorman enquanto seu filhinho está brincando no jardim", aconselha.

Apesar de todas as vítimas por vir, nenhuma deixará maior impressão que a adolescente Cheryl Dempsey. Pelos tapes, vemos que o assassino não a atacou aleatoriamente. Muito pelo contrário, rondou-a por um tempo, para investigar sua rotina e traçar o curso do sequestro. Por sinal, Jane Gerber, então melhor amiga de Cheryl, lembra que três dias antes do desaparecimento, ela lhe perguntara se já se sentira vigiada, sinal de que a garota pressentira o matador rondando sua vida, o que de fato ocorreu. Jane recorda-se de ter procurado consolá-la, afirmando que talvez estivesse sendo apenas um pouco paranoica. Aproveitando a ausência dos pais, que a deixam em casa a sós com o namorado Tim Surrey, o assassino invade a residência para dar o bote. Cuidadoso, entra sem fazer barulho e se esconde dentro do armário, de onde filma Cheryl flertando com Tim, quando pede que o namorado desça para preparar o filme na sala enquanto toma banho. O serial killer assassina o rapaz ao apanhá-lo desprevenido na sala de estar, e em seguida acaba flagrado por Cheryl, que ainda tenta correr, porém é facilmente dominada. Ao invés de matar a garota, o assassino a aprisiona no seu porão, onde a submete a todo um processo de abusos psicológicos, até conseguir subvertê-la. Ele passa a chamá-la de "Escrava", e a torna sua "esposa". Edgard Cummings, um dos policiais que originalmente atenderam a ocorrência, recorda-se do lastimável estado em que o corpo de Tim foi encontrado, intestinos decorando a árvore de Natal, testículos e pênis dentro de uma jarra. A maldade do assassino os levou a crer que Cheryl tivesse sofrido semelhante destino, o corpo talvez desovado na floresta. Quando a morte de Tim e a abdução de Cheryl ainda estão em todos os noticiários, o serial killer presta uma visita à plena luz do dia a Victoria Dempsey, a mãe. Ele se aproxima como insuspeito transeunte, apenas para lhe desejar boa sorte, quando, em um instante absolutamente macabro, vemos a expressão de luto no rosto da senhora mudar para choque, ao pressentir que o "simpático transeunte" é, na verdade, o homem causador de todo o Mal. Estupefata e imobilizada pela surpresa, a pobre senhora ainda assiste ao "estranho" deixar a passos rápidos o jardim, dando uma risadinha.

A essa altura, o matador abandona o velho modus operandi, e passa a se focar em prostitutas. Para as abordagens, identifica-se como policial. Em alguns vídeos, vemos que tornou a pobre Cheryl cúmplice dos homicídios, forçando-a a degolar as indefesas garotas de programa. Agora metida em vestidos de estilo medieval, e com o rosto protegido por máscara de borracha, Cheryl se torna a mais eficaz "arma" do psicopata. Os locais onde os restos foram abandonados traçam um padrão comportamental, o que lhe vale o apelido de "O Açougueiro de Water Street". Evidências forenses apontam traços de secreção de esperma nos corpos, levando as autoridades a crer que o "Açougueiro" é adepto de necrofilia. Felton Lewis, outro profiler consultado para o documentário, discorre sobre o brilhantismo do psicopata. Lewis diz que quando uma comunidade ouve falar da presença de um serial killer, imediatamente se torna mais desconfiada, precavida. Lewis crê que o assassino de Poughkeepsie criou a persona do "Açougueiro de Water Street" com o intento de deixar as pessoas "menos preocupada". É que quando se passa a crer que somente prostitutas compõem o grupo de risco, os cidadãos comuns voltam a baixar a guarda, levantando o flanco para que ele siga com as matanças. Tanto é verdade, em um dos tapes de abdução, o vemos vitimizando uma mulher comum que apenas tinha "dado o prego" na rodovia. Circulando em um carro de Polícia, ele facilmente a convence a entrar, aprisionando-a à cilada. Nesta sequência em particular, o assassino revela a natureza do ritual com que executa as vítimas, ao vestir um lycra preto e bizarra máscara, e mover-se como felino, delicadamente, antes de matar a presa.

No apartamento de uma das vítimas, a Polícia consegue obter uma importante evidência na forma de um copo onde há saliva de um cliente. O principal suspeito torna-se James Foley, um veterano tira com longo histórico de envolvimento com garotas de programa. Se no começo tudo com o que a Polícia contava limitava-se a amostra de saliva, assim que o cerco se fecha ao redor de Foley, novas pistas vêm à tona: o veterano não oferece álibis para as noites dos crimes, testemunhas oculares colocam-no nas mais comprometedoras situações, nas noites das abduções, o esperma do tira bate com o colhido dos corpos. Dentro do automóvel, seus colegas encontram manchas de sangue e joias pertencentes às prostitutas mortas. Hank Foley, o filho, rememora o impacto das acusações. No colégio, virou praticamente um pária, da noite para o dia. A namorada o deixou, amigos se afastaram. Preso como o "Açougueiro de Water Street", Foley vai a julgamento com incomum estoicismo. Bernard Golinko, advogado de Foley, praticamente suplica para que o cliente faça um acordo com a Promotoria, tudo para não arriscar a Pena Capital, mas Foley é resoluto em seu clamor pela inocência. Sentenciado pela corte da Pennsylvania à morte por injeção letal, Foley sustenta até o fim a inocência. Alguns dias após a execução, o ex-colega de Foley encontra um mapa na caixa dos Correios. O mapa leva a Polícia à localização do corpo da última vítima, ainda desconhecida. Logo, torna-se claro que o verdadeiro assassino furtou uma amostra do esperma de Foley de uma clínica de fertilidade para astuciosamente "plantá-la" nas cenas dos crimes. Com isso, Foley, morto pelo Estado, torna-se oficialmente a derradeira presa do verdadeiro "Açougueiro de Water Street". Exonerado dos assassinatos em setembro daquele ano de 2001, o "senso de timing" do destino não poderia ser pior, pois o ataque de 11/09 acontece, pegando o mundo de surpresa. Ninguém parece interessado em outra coisa. Apesar de exonerado, o grande público parece deixar a revelação passar desapercebida, e para todos os efeitos e infelicidade da família de Foley, o nome do tira veterano acaba permanentemente associado ao caso do "Açougueiro de Water Street".

Investigadores chegam `a casa do verdadeiro assassino através de anotações no mapa fornecido pelo serial killer, e a Polícia realiza a batida que vimos no começo do filme. Tão limpa encontram a casa, os investigadores não obtém impressões digitais ou outras pistas sobre a identidade do "Açougueiro de Water Street", mas sim duas chocantes surpresas: oitocentas fitas de vídeo etiquetadas e Cheryl Dempsey ainda viva, oito anos após o sequestro. Abusada psicologicamente a um nível absurdo, Cheryl é levada ao Hospital e visitada pela aflita mãe. Victoria Dempsey rememora o reencontro com a filha, no hospital, quando Cheryl limitava-se a dizer baixinho "Quero ir para casa, quero ir para casa". Depois de trazida para casa, a filha insistia "Quero ir para casa, quero ir para casa". Foi aí que Victoria compreendeu que quando a filha mencionava o termo "casa", referia-se ao lugar onde sofrera como escrava do "Açougueiro de Water Street" por quase dez anos. Jane, entrevistada no começo do filme, desabafa sobre o choque quando Cheryl finalmente "voltou à vida". Quando a vira pela última vez, as duas não passavam de adolescentes estudantes irresponsáveis cheias de planos para o futuro, agora Jane era mãe de duas crianças. "Foi difícil me recordar da amiga que eu amava e enxergar a pessoa que voltou no lugar". Cheryl concede uma entrevista onde afirma acreditar no amor do captor e que em breve ele voltará para levá-la. Um tempo após a entrevista, ela comete suicídio, deixando uma nota onde declina incondicional amor ao mestre. Curiosamente, o corpo de Cheryl é misteriosamente desenterrado e carregado, dias depois.

Embora apenas vinte e sete fitas faltem à coleção, a força tarefa que se debruça sobre o conteúdo dos tapes se mostra incapaz de compreender os motivos do assassino. Profilers não conseguem chegar a uma conclusão definitiva sobre o "Açougueiro de Water Street". Há aqueles que o situem na faixa etária entre 18/25 anos; outros, 25/30. Uns o descrevem como um homem provavelmente articulado, charmoso, bem apessoado, altamente inteligente e meticuloso, a ponto de possivelmente ter trabalhado na Força como profiler, antes das matanças; outros creem que nem mesmo deva ter concluído o colegial. Em comum, os peritos creem que o assassino de Poughkeepsie não tenha nascido assassino, mas sim sofrido uma severa perda - pode ter sido abandonado pela mulher que o deixou levando consigo o filho, por exemplo, ou perdido o emprego, ou passado por outras graves dificuldades - que o teria levado a se tornar o monstro determinado a executar todas as pessoas mais vulneráveis que passassem a sua frente. Os tapes se tornam parte essencial do treinamento de novos profilers. Apesar de as pessoas se recordarem de apenas alguns serial killers pontuais ao longo da História, o filme nos revela que a qualquer momento, há cerca de 25 a 50 assassinos seriais em plena atividade na América do Norte.

Perturbador filme na linha "mockumentary", "Poughkeepsie Tapes" será uma grata, valiosa surpresa para as pessoas que viram e apreciaram produções como "Dear Zachary: A letter to a son about his father" & "O Segredo do Lago Mungo". Dirigido por John Erick Dowdle, esse evocativo suspense chamou atenção em seu ano de "quase lançamento", em 2007. Os amigos podem perguntar, "Quase lançamento"?É que a detentora dos direitos autorais, Metro Goldwin Mayer, tirou o filme do mercado a apenas alguns dias da estreia, por motivos que somente o estúdio poderia explicar. O fato é que a estratégia acabou gerando mais interesse pela obra, que ganhou fãs ao vazar na internet e em fitas clandestinas. "Poughkeepsie Tapes" valeu ao cineasta Erick Dowdle uma sólida carreira como diretor de filmes de horror maiores e mais ambiciosos, dentre os quais "Quarentena" & "As Above so Below". De modo distinto ao que ocorre aos novos filmes de suspense, "Poughkeepsie Tapes" deixou quase unanimemente um sabor amargo nas bocas das pessoas que encontraram um jeitinho de lhe assistir. Se os amigos visitarem a message board na Internet Movie Database, o espetacular site de referência para os amantes do cinema, encontrarão um certo padrão nas postagens, gente discutindo o efeito da obra, debatendo a forma insidiosa como "Poughkeepsie Tapes" conseguiu penetrar suas cabeças a ponto de se pegarem pensando no filme mesmo tantos dias após o terem visto. O referido poder certamente não pode ser contabilizado a algo exclusivamente gráfico, pois em boa parte o filme foge da armadilha dos excessos. Muito pelo contrário, a longevidade parece vincular-se ao conjunto perturbador de elementos distintos - atmosfera, story telling e a soma de detalhes psicológicos sórdidos - que nos desconcerta ao descortinar o mundo macabro habitado por assassinos em série, suas vítimas e os profilers que dedicam as vidas para desvendar cada passo dos monstros da vida real.

O termo "Mockumentary" reporta-se ao estilo de filme onde uma história nos é apresentada como autêntica, e pelos recursos de entrevistas e reconstituições, cria-se um "documentário de mentirinha". Pensem em algo nos moldes do antigo, saudoso "Linha Direta", seus episódios especiais, como quando revisitou os casos da "Fera da Penha" e o do incêndio no Edifício Joelma. "O Segredo do Lago Mungo", um dos melhores expoentes do estilo, deu ao drama de uma família australiana vitimada por fenômenos de poltergeist após a morte da filha por afogamento o tom propriamente austero e seco que o tornou uma das mais eficientes máquinas de horror em seu ano de lançamento. "Poughkeepsie Tapes" propõe o mesmo tom sério, dessa vez a uma história sobre um misterioso assassino em série que aterroriza uma cidade ao norte de Nova York no final dos anos 90. Repleto das reviravoltas que nem Brian De Palma teria bolado melhor, essa história de horror é contada com a autenticidade dos principais personagens envolvidos nas investigações, de experientes profilers à "estrela principal", a Cheryl Dempsey interpretada pela competentíssima Stacy Chbosky (esposa do diretor Erick Dowdle na vida real). Enquanto em sua maioria filmes sobre serial killers caiam no lugar comum, estagnados por clichês ou personagens justificáveis, "Poughkeepsie Tapes" desfila uma série de gente que para as câmeras soa assustadoramente convincente, complicada e real. O talentoso ator Morgan Freeman estabeleceu-se como herói de produções onde usualmente interpreta um intrépido agente/detetive à caça de um astucioso serial killer. Nestes filmes, os roteiristas mal nos dão tempo para recuperar o fôlego, e as histórias cheias de reviravoltas prendem nossas atenções até o fim. Muito lento, sem nenhuma sequência de ação típica, o "jeitão" mais sério e documental de "Poughkeepsie Tapes" acaba por imbuí-lo de uma melancolia tão poderosa que mesmo os mais movimentados suspenses de grande estúdio estrelados por Morgan Freeman jamais seriam capazes de ambicionar. Muito pelo contrário, são os semblantes pesados de um talentoso elenco largamente desconhecido que conferem ao drama um sentimento esmagador de tristeza e desalento. Embora os filmes de Morgan Freeman nos ofereçam redenção - ali, o Bem felizmente derrota toda sorte de Mal - aqui em "Poughkeepsie Tapes" temos "a vida como ela é", porque não há soluções fáceis ou respostas definitivas.

O fértil imaginário do filme ilustra a capacidade do diretor de criar sequências realmente memoráveis. Eu vim a descobrir "Poughkeepsie Tapes" posteriormente ao grande filme de estúdio rodado por Dowdle, "Quarentena", porém mesmo antes de conhecer seu trabalho anterior, me impressionei com sua habilidade de "fazer de limões a limonada", dada a ingrata tarefa: desde a concepção, "Quarentena", como a refilmagem de um aclamado filme espanhol, [REC], foi tratado com muito ceticismo pelos admiradores do original, o que mudou quando finalmente chegou às telas, e temor se tornou respeito. De certa forma, a refilmagem contou a mesma história, apenas melhor, com cenas muito fortes que já me fizeram pesquisar o nome daquele diretor, o que efetivamente me levou a "Poughkeepsie Tapes". Estrela de "Poughkeepsie Tapes", Stacy Chbosky, aliás, pode ser vista muito rapidamente em "Quarentena". A sua cena, uma das mais terríveis, envolve sua personagem passando pelos últimos estágios de transformação causada pela Raiva e se tornando zumbi. Em termos de filmes sobre psicopatas, o trabalho de estreia de Erick Dowdle pertence a uma classe somente sua. Pura e simplesmente, não há nada tão franco ou assustador quanto este pequeno mockumentary, e compreensivelmente não. Impactante pelo conjunto dos detalhes, essas pequeninas características, destiladas ao longo da fita, jamais foram vistas antes, ao menos não tão explicitamente, em produções maiores. Em filmes mais caros, os detalhes são preteridos em favor do espetáculo, da ação mais definitiva. Em "Poughkeepsie Tapes", a discussão sobre os eventos praticamente impõe a troca de marchas que força o diretor a aperfeiçoar e "fazer bonito" com os referidos detalhes que um grande estúdio preferiria deixar passarem batidos. Eu achei fascinante coisas como o fetiche esquisito por balões, e a maneira como o diretor conseguiu mesclar à trama a história do tira injustamente executado pelos assassinatos. Instantes como quando o filho de Foley desabafa sobre como o caso destruiu a vida da família e mesmo hoje o apontam como filho do "Açougueiro de Water Street" dão uma dimensão muito humana a um filme de horror sobre um monstro inumano. AInda digno de nota, antes de "Poughkeepsie Tapes", nenhuma outra produção sobre serial killers havia abordado tão bem a questão da "Síndrome de Estocolmo", o estado psicológico onde uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a nutrir sentimentos de amizade e amor pelo agressor. "Jogos Mortais" flertou com a ideia, através da personagem da ex-dependente de drogas que se torna a melhor amiga e principal cúmplice do psicopata Jigsaw, mas como produção mainstream, o filme de estreia do grande James Wan teve outras coisas com que se preocupar, cabendo a "Poughkeepsie Tapes", lançado três anos depois, aprofundar-se na condição. Entre tantas cenas aterrorizantes, as pessoas curiosamente apontam para um específico momento, quando o filme as desconcerta, durante a entrevista Cheryl. Ela ergue o braço para coçar a cabeça e vemos que perdeu uma das mãos. Eu iria mais longe, afirmando que o tímido sorriso que ela dá após declarar devoção eterna consegue soar ainda mais perturbador. É claro que os atores merecem os devidos elogios. Não apenas Stacy Chbosky chamou minha atenção, realmente gostei da participação de Ron Harper como Mike Moakes. Com total comando, domina suas cenas com a autêntica autoridade de um veterano que já viu e fez de tudo. Ao alertar a turma de formandos sobre a forma perigosíssima com que o trabalho de profiler penetra suas almas até deixá-los emocionalmente em frangalhos, a linha não soa como mera fala de roteiro, mas como genuíno depoimento de um veterano no trabalho.

Por se tratar de um caso que se arrasta por anos, "Poughkeepsie Tapes" requenta a história com um evocativo senso de destino, dando ao filme o tipo de tristeza eficiente que o leva a permanecer nas cabeças de quem o vê. Quando a melhor amiga fala sobre a conversa com Cheryl, três dias antes da abdução, ou quando pondera sobre as diferenças entre a "garota de quem se recordava" e a "mulher que efetivamente voltou", eis um exemplo entre tantas outras situações quando provoca a tal impressão que leva pessoas a conversarem sobre a história dias depois. Existem outros filmes sobre o trabalho dos profilers. Imediatamente, me vem à cabeça o ótimo suspense de Renny Harlin, "Caçadores de Mentes". Ocorre que como diretor de grande produção, Renny Harlin teve de ir "direto ao ponto" e cortar diálogos e atmosfera em favor de ação em cima de ação. Não há espaço para sutilezas em "Caçadores de Mentes", que parte quase instantaneamente para tiroteios em uma ilha remota usada pelo FBI para treinamento de agentes. "Poughkeepsie Tapes", por sua vez, foi construído a partir de sutilezas, de desenvolvimento psicológico, de detalhes macabros - seja o fetiche por balões, seja o esmagador senso de inexorabilidade do destino - que te mergulharão em um estado de introspecção e letargia que custarão a deixar o sistema.

"Poughkeepsie Tapes" exigirá algum esforço para aqueles que o procurarem online, mas o eficaz uso do estilo mockumentary justifica o empenho. A estreia de John Erick Dowdle (foto, ao lado da esposa Stacy Chbosky, com o diretor M. Night Shyamalan, na première de seu filme Demônio, de 2010) revela um cineasta no topo de seu jogo. Um dos mais promissores filmes de horror previsto para estrear em 2015, aliás, será dirigido pelo mesmo profissional, e portanto quem apreciar "Poughkeepsie Tapes" deve ficar atento. Trata-se de "The Coup" ("O Golpe"), sobre uma típica família norte americana de férias em algum país da Ásia, pega de surpresa quando rebeldes derrubam o Governo e estrangeiros de passagem passam a ser executados sem maiores explicações. A família em questão precisa se proteger como pode para deixar o lugar com vida. Owen Wilson estrela a produção como o pai da família, e Pierce Brosnan completa o grande elenco como um intrépido agente especial que vem ao socorro dos protagonistas. "The Coup" deve chegar aos cinemas em março de 2015. Considerando o currículo do diretor, não tenham dúvidas de que não faltará suspense!

Todos os direitos autorais reservados a MGM. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.