
O filme então nos apresenta `a protagonista do filme. Jay (Maika Monroe, na performance que provavelmente lhe valerá uma grande carreira no cinema) é uma adolescente aos seus 18, 19 anos. Ela está distraída na piscina, pensativa, quando uma vizinha a chama para assistir a um filme. Jay explica que não pode, pois logo mais encontrará Hugh, um rapaz boa praça por quem está caidinha. O mundo de Jay está para virar de cabeça para baixo, e o diretor sugere o perigo por vir ao mostrá-la observando um esquilo correndo sobre os fios de um poste aproximando-se de um passarinho. Claro que, `aquela altura, Jay nem imagina que seu mundo está para desmoronar. Ela ainda nutre sonhos sobre o primeiro amor, e aos 18, sua vida inteira a aguarda. Ao entrar em casa para se preparar para o cinema, somos apresentados a seus 3 melhores amigos, Paul, a irmã Kelly, e Yara. De frente ao espelho, Jay se veste e se penteia com muito esmero, para parecer linda para o pretendente.

Na manhã seguinte, Jay & Kelly caminham pela calçada do bairro, e ela comenta o primeiro encontro, o estado psicológico depressivo e tenso do rapaz tendo chamado sua atenção. Na segunda noite, Jay & Hugh finalmente ficam íntimos, e fazem amor dentro do carro, no estacionamento de um prédio que parece ser o de uma escola abandonada. Depois da intimidade no banco traseiro, os dois relaxam e conversam. Jay fica de bruços, tocando uma rosa com as pontas dos dedos, falando sobre o quanto o ato significou, quando Hugh chega insuspeito por trás e a bota para dormir com um pano molhado com clorofórmio. Em um primeiro momento, cremos que Hugh se revelará um estuprador ou coisa pior, se é que existe coisa pior, mas não é nada disso. Na verdade, Hugh não quer fazer mal a Jay, porém precisa colocá-la momentaneamente para dormir.



Ela visita Paul & Kelly no trabalho. Os irmãos trabalham em uma sorveteria. Angustiada, Jay fala sobre a visão da Coisa, mas os amigos não conseguem compreender o encontro aterrorizante. Paul a convida a passar a noite em casa, e Jay acha uma excelente ideia. Eles deixarão todas as portas trancadas e permanecerão de vigília caso algum visitante surja. Yara também aparece para dormir com o grupo. Na sala de estar, Paul dá início `a vigília. Comendo de um balde de pipocas, ele se acomoda no sofá para assistir a um filme e suportar a madrugada. Em determinado momento da noite, Jay desce as escadas queixando-se de insônia. Paul a convida a se sentar no sofá. Os dois trocam lembranças de quando eram menores. A conversa dá a entender que quando mais novos, Paul fora apaixonado por Jay.

`Aquelas horas, Greg está namorando fora de casa, dentro do automóvel de uma garota, ambos fumando cigarros e relaxando. Ele vê quando Jay salta pela janela, monta na bicicleta e foge. Jay nem sabe para onde ir, mas acaba parando no parquinho. Ela se senta no balanço, e espera que a "Entidade' venha logo pegá-la. A Coisa não surge, mas a turma não custa a aparecer. Até então ignorante quanto ao drama na vida de Jay, Greg também se junta ao grupo no parquinho, e aprende sobre o que está se sucedendo. Jay crê que somente encontrará as respostas quando rastrear Hugh. O ex-namorado lhe deve explicações. Greg chama os demais para entrar no carro, e eles partem pela madrugada com a missão de encontrar o velho endereço do Hugh. Aqui, assim como em tantos outros distintos momentos de "It Follows", as estrelas são trilha sonora & fotografia. A melodia muito enervante apenas realça as imagens das vias bem largas e calçadas vazias do centro de Detroit, no curso da madrugada. Há muito tempo desde que vi a "w Delta z" não assistia a algo tão propriamente atmosférico.
Hugh não morava na residência indicada conforme se acreditava, apenas a alugara enquanto não resolvia a questão da "Entidade", ou melhor, enquanto não passava a maldição para outra pessoa e "tirava o dele da reta". O interior revela a paranóia com que esse cara teve de conviver enquanto lidou com o assédio da Coisa, tendo pendurado garrafinhas como apanhadores de sonhos, de modo a acusar qualquer movimentação dentro da residência pelo tilintar das latas. No andar de cima, Paul encontra sob o colchão várias revistas de mulheres peladas. As capas sugerem revistas dos anos 80, talvez 1988, 1989, mas jamais temos certeza. Entre as páginas de uma daquelas edições, Paul encontra a foto de "Hugh" com uma moça. Se prestarmos atenção, perceberemos que a menina da foto é a mesma que vimos no início do filme, a garota que fugiu para a praia e ali foi morta pela "Entidade". Parece seguro afirmar que ela foi o "Paciente Zero", tendo passado o mesmo trágico destino para o namorado, "Hugh". Quando Jay e os amigos pedem informações na coordenação e solicitam os livros com as fotos dos formandos dos últimos anos, encontram uma foto do rapaz, e, pasmem, "Hugh" na verdade é um cara chamado "Jeff". Até mesmo quanto ao nome ele mentiu, para se aproximar de Jay sem levantar suspeitas e conseguir sua confiança, de modo a passar a maldição para a frente e desaparecer facilmente.





Jay foge no carro, e ainda consegue enxergar a Coisa deixando a casa, caminhando para o meio da rua. Agora que Greg está morto, ela voltou `a estaca zero. Acolhida pelas amigas Kelly & Yara, Jay é acordada na manhã seguinte por batidas na porta. Ela e Paul têm uma conversa privada, quando o rapaz fala sobre seus sentimentos. Ele sempre fora apaixonado por Jay. Ao olhar casualmente a uma foto da garota na piscina do ginásio, ele tem uma ideia. Agora que nada mais tem a perder, todas as sugestões são bem vindas por Jay. A turma preparará a piscina do ginásio abandonado para "eletrocutar" o poltergeist. A ideia faz sentido: Jay deve atrair o fenômeno para dentro da piscina. Os amigos estarão presente. Ela deve subir as escadas a tempo, deixando a piscina o mais rápido possível, quando a turma arremessará uma variedade de eletrodomésticos ligados `as tomadas dentro d'água, criando o curto circuito que supostamente colocará um ponto final `a maldição. Quando deixa a casa para se preparar para invadir o ginásio com os amigos, Jay ainda enxerga, sobre o telhado, um homem nu a encarando.
Eles preparam a piscina para a guerra, os eletrodomésticos - luminárias, televisores, abajur - na borda, prontos para serem arremessados para dentro. Jay veste um maiô preto e mergulha na piscina, enquanto os amigos ficam `a espreita, só aguardando que a Coisa dê as caras. O fenômeno toma a forma ideal para abalar a garota, aparecendo como seu falecido pai. Os amigos nada enxergam, todavia quando a Coisa começa a erguer as luminárias e coisas para atirar em Jay, a turma fica boquiaberta ao enxergar todos aqueles itens "flutuando" no ar. Paul pega o revólver dentro da mochila, e grita para que Jay aponte para onde enxerga a "Entidade". Ela precisa mergulhar para escapar das coisas atiradas pelo poltergeist. Kelly arremessa um lençol que acaba por acusar a silhueta da Coisa. Paul faz mira e atira certeiro. A "Entidade" cai dentro da piscina, mas antes que Jay salte para fora, consegue segurar a garota pelo pé. Atingida por mais um tiro, a Coisa a deixa escapar, e Jay é puxada para a segurança da beirada.
A turma parece ter momentaneamente derrotado a "Entidade", mas não se sabe se voltará. Paul & Jay fazem amor, o garoto disposto a trazer a maldição para si de modo a livrá-la em definitivo. O problema com Greg fora que apesar de ter "assumido a bronca", ele não fora diligente, e ao se deixar ser morto, a Coisa voltou a atormentar a menina. Paul será mais cuidadoso. Depois da relação, eles conversam no sossego do quarto, enquanto chove muito do lado de fora. Ao voltar para casa, Paul observa duas meninas ao passar com o automóvel pela esquina, e podemos até imaginar o que se passa em sua cabeça, certamente considerando se se tratam de duas garotas ou a Coisa tomando forma. Paul & Jay se envolvem romanticamente e se tornam namorados. É a manhã de um novo dia, e embora passeiem de mãos dadas e com expressões aliviadas, bem atrás e distante na calçada, pode-se enxergar a figura de um rapaz acompanhando o casal. Pode ser um menino da vizinhança apenas passeando pelo bairro, ou a "Entidade". O que há de tão horrível na maldição é que nunca se sabe...
Apenas muito raramente testemunhamos o surgimento de talentos fora de série em filmes que realmente fazem a diferença e reinventam estilos, e que mesmo lançados independentemente, merecem tantos elogios que acabam por vencer suas limitações para se tornarem blockbusters. Eu poderia citar muitos exemplos mas nada seria mais emblemático do que mencionar o clássico com que "It Follows" guarda impressionantes semelhanças, "Halloween", de John Carpenter. Antes que "It Follows" merecesse elogios da crítica especializada, foi o pequeno suspense de John Carpenter rodado em 1978 a um custo simbólico que estabeleceu as fundações para que quase quarenta anos mais tarde o cineasta David Robert Mitchell revisitasse o formato para criar seu próprio clássico "It Follows".
Quando um jovem cineasta resolve fazer um filme fazendo referência aos clássicos do passado, o resultado varia pela imprevisibilidade. Enquanto James Wan, o magistral diretor de "Invocação do Mal", conseguiu conciliar seu estilo e personalidade com o apelo de público, produzindo dividendos impressionantes nas bilheterias, outros diretores, como Rob Zombie & Ti West, têm encontrado muitas dificuldades para traduzir seus excitantes pontos de vista em dividendos financeiros. Embora talentosíssimos mestres do Horror, Rob Zombie & Ti West ainda procuram refinar seus olhares de modo a conseguir alcançar o tipo de sucesso que lhes daria carta branca para que rodassem coisas ainda mais grandiosas e excitantes. Levando-se em conta o retorno financeiro baseado exclusivamente nos elogios ao pé do ouvido e burburinho causado pela passagem nos festivais, parece-me que o diretor David Robert Mitchell não apenas criou algo diferente e encantador, sua visão também foi generosamente abraçada pelo grande público, que há muito não via algo semelhante. Depois do sucesso de "It Follows", resta esperar e ver se ele conseguirá fazer a mesma transição de James Wan, de filmes pessoais para grandes blockbusters dotados de personalidade.
Sempre me pareceu que há uma maneira certa para se assistir a um excitante filme de Horror. Se existe algo que mereça ser visto no escurinho do quarto, preferencialmente com o sossego que somente se encontra às horas mais adiantadas da noite, vocês não precisam procurar mais, "It Follows" é sua pedida. Assistir ao filme os levará de volta a um tempo em que o gênero valorizava atmosfera pelo minimalismo, e dependia de muito pouco para dar o recado. São muitas as maneiras com que "It Follows" & "Halloween" se parecem, mas discorrer somente sobre suas semelhanças poderia estigmatizá-lo como uma "sessão nostalgia", um equívoco, pois apesar de acenar para os clássicos que vieram anteriormente, dá uma polida e aperfeiçoa os elementos que nos fizeram amá-los, os clássicos, em primeiro lugar. Não se pode falar sobre "It Follows", todavia, sem revisitar o suspense de Carpenter, e refrescar a memória para que nos lembremos de todas as coisas de "Halloween" que deixaram saudade.
No filme de Carpenter, um menino de 6 anos esfaqueia e mata a irmã mais velha, no Dia das Bruxas do ano de 1963. 15 anos mais tarde, ele escapa do hospital psiquiátrico e volta para a cidadezinha de Haddonfield. O filme se passa no curso de uma noite, o Dia das Bruxas, quando o assassino aterroriza uma jovem chamada Laurie (Jamie Lee Curtis) e suas amigas, enquanto o psiquiatra Dr. Loomis (Donald Pleasence), o homem que mais conhece sua mente perturbada, corre contra o tempo para impedir que ele deixe um novo rastro de matanças. Sucesso absoluto de bilheteria, tendo rendido ao estúdio 70 milhões de dólares frente a um custo de apenas 300 mil, "Halloween" deu origem a uma infinidade de imitações e transformou a atriz Jamie Lee Curtis em estrela. Lançado ao cruel teste do tempo, "Halloween" provou-se um vencedor mesmo tantas décadas desde sua estreia, sendo considerado pelo Chicago Film Critics Association o 3˚ filme mais apavorante de todos os tempos. Após tantas continuações, é fácil incorrer no pecado de desmerecê-lo, contudo quem estiver disposto a revisitar o primeiro, o original, de 1978, estará se permitindo redescobrir um dos suspenses mais tensos e originais de todos os tempos. Aqueles que guardam uma recordação mais cristalina do filme de John Carpenter provavelmente compreenderão a minha análise melhor. Se os amigos não se lembram do primeiro, antes de assistirem a "It Follows", não deixem de conferir o suspense de John Carpenter. Acreditem, mesmo diferentes, os dois filmes parecem obra de uma mesma mente!
Não obstante as pessoas amarem-no ("It Follows") pelas mais diferentes razões, uma constante nas análises que tenho lido refere-se ao sentimento de nostalgia que o diretor David Robert Mitchell impõe a seu filme. Amantes do gênero Horror que tenham uma certa idade conseguirão enxergar melhor os elementos com que Mitchell comunica o saudosismo que permeia a história do começo ao fim. A trilha sonora de uma obra pode ser considerada sua alma, prova disso o fato de nos lembrarmos imediatamente de nossos filmes mais queridos pelas suas melodias, por exemplo as tristíssimas trilhas sonoras compostas por Ennio Morricone para "Nuovo Cinema Paradiso" & "Malena"& "Lolita"& "Love Affair". Em uma época em que trilhas sonoras soavam exclusivamente orquestrais, Carpenter criou um novo estilo através do uso de teclados e sintetizadores eletrônicos com batidas lentas e ritmadas, o que revestiu suas histórias de um senso de angústia e inexorabilidade quase claustrofóbico. Como sei que não conseguiria explicar as diferentes emoções que a trilha sonora evoca, eis um trecho da tétrica melodia composta pelo próprio Carpenter:
Todos os direitos autorais reservados a Varese Sarabande. O uso da faixa é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
"It Follows" não perde tempo ao apresentar logo de cara um estilo de trilha fortemente influenciado pelos teclados e sintetizadores, assinada por Rich Vreeland. O compositor parece ter expandido o potencial da revolução de Carpenter. Não obstante a melodia de "Halloween" possa soar como música de uma nota só, principalmente quando esticada ao longo do filme, Vreeland cria um conjunto de derivadas enriquecedoras. Ora triste, ora arrepiante, a música de Vreeland expande o leque de emoções, até porque composta quase 40 anos após o filme de Carpenter e portanto com muito mais recursos. "It Follows" está permeado de melodias marcantes e contundentes, em grande parte diretamente responsáveis pela expectativa dos momentos mais calmos e contemplativos, e pelo Horror absoluto que emana dos encontros de Jay com a "Entidade". Abaixo, segue um trecho da trilha sonora. Os amigos certamente poderão perceber as semelhanças entre as batidas:
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O metabolismo dos dois filmes também coincide em termos de ritmo de desenvolvimento. Apesar de tétricos e angustiantes, nenhum dos dois ficou notório por ação absoluta ou ininterrupta. Ao contrário, as pessoas que não os apreciam costumam rotulá-los de chatos justamente por lhes faltar a característica da montagem cinética tão apropriada a épicos grandiosos de super-heróis, por exemplo. Quando disse que "It Follows" mais agradará as pessoas mais velhas que portanto tiveram a oportunidade de assistir a coisas como "Halloween" em VHS, é porque o diretor David Robert Mitchell corteja a todo instante referências a uma época em que suspenses sabiam como muito sutilmente incutir medo, genuíno medo, com pouquíssimos, simplistas e eficientes recursos.Não há nada mais horripilante que a ideia de um monstro que avança em sua direção implacavelmente, sem pressa alguma para colocar as mãos sobre você. Pessoas guardam distintas recordações do primeiro "Halloween", mas quando eu o vi pela primeira vez, quando criança, me recordo que o elemento que permaneceria na minha cabeça anos por vir foi a imagem de seu monstro, o psicopata de máscara branca avançando em direção `a protagonista com a tranquilidade que sequer lhe permitia correr. Ele caminhava calma e obstinadamente, e por mais que o cobrissem de tiros, seguia marchando, como imagens de um pesadelo absolvido de lógica. Há algo de bastante inquietante na maneira como Carpenter apresenta o seu "monstro", um senso de inevitabilidade angustiante que somado `a trilha composta pelo próprio diretor nos faz continuar pensando no filme muito tempo depois de o termos visto. Em "It Follows", a aproximação vagarosa da "Entidade" transforma a espera em uma angustiante e prolongada perseguição que dura do começo ao fim. O fato de a Coisa não correr para alcançar sua presa apenas reforça a tese de que uma vez que você foi tocado pela maldição, não adianta correr ou espernear, querendo ou não, trata-se de uma questão de tempo até que sucumba a seus mistérios. Não apenas a marcha dos dois monstros se assemelham, ambos matam desprovidos de quaisquer emoções ou motivações, máquinas de matar indiferentes a tentativas de barganha, tão despolitizadas quanto um vírus (mais sobre minha comparação depois).

Em sua imprecisão de tempo, "It Follows" também foi impecavelmente ambientado. Ao término do filme, não podemos realmente afirmar o período em que se deu a história, que tanto pode ter ocorrido nos anos 80, quanto nos 90, quanto na década de 2000. Filmado em Detroit, sobre o filme pesa a atmosfera pesada concebida pela fotografia opressiva e cinzenta. Há instantes propositalmente criados para nos desconcertar, porque carros, penteados e figurinos sugerem o final dos anos 80, talvez início dos anos 90 como o provável cenário para o desenrolar dessa história de Horror. Eu me recordo de quando tinha 11 anos e assisti a "Rocky V" (foto) nos cinemas, no começo de 1991. A sinopse era a de que depois de voltar da Rússia como herói, após ter vencido Drago, Rocky perde todo o dinheiro e se vê obrigado a voltar ao velho bairro com a família. As pessoas que assistiram ao filme sabe o que acontece. Ele se torna treinador na decadente academia deixada pelo velhinho que era seu manager, e acaba ajudando um jovem aspirante que ao se tornar o novo campeão mundial é manipulado por um promotor inescrupuloso para se voltar contra o próprio Rocky. Assistindo a "It Follows", me recordei bastante de "Rocky V" no que se refere a figurinos, fotografia, visual, carros, a batida de vida que pulsava na quase sempre nublada Filadélfia naquele "time frame" em particular, desta vez realocada para Detroit em "It Follows"… É como se David Robert Mitchell tivesse procurado recapturar um momento, revisitar o mundo preservado como o fora no início da década de 90. Não raras vezes, vemos televisores antigos exibindo filmes datados. No começo de "It Follows", quando Jay ainda está começando a conhecer Hugh, a sair com o pretendente, e o casal passeia no cinema, se prestarmos atenção na marquise do teatro, quando os dois deixam apressadamente o prédio, veremos que o filme em cartaz é "Charada", com Audrey Hepburn & Cary Grant, algo antigo que você jamais imaginaria interessar a jovens de hoje em dia. Ao me tocar do detalhe, imaginei que teria sido ainda melhor se David Robert Mitchell tivesse colocado "Rocky V" naquela marquise, porque então, ao menos indiretamente, o diretor estaria nos remetendo a 1990/1991, o período em que tudo deve ter ocorrido dentro da trama.
O diretor M. Night Shyamalan tentou algo semelhante no seu melhor filme, "Sinais". Poucas pessoas perceberam, mas "Sinais" parece se esforçar para criar um sentimento de alienação ao se recusar a fornecer uma referência de espaço & tempo, um expediente que assim como ocorre a "It Follows" estimula a sensação de se viver em uma fantasia, um mundo de irrealidade e sonhos, semelhantes a aqueles bem confusos que temos ao tirar o cochilo após o almoço. Em "Sinais", há uma brevíssima cena durante o segmento final em que o pastor, seu irmão e os filhos pequenos assistem ao telejornal, momentos antes da invasão do mundo por alienígenas. Se os amigos revisitarem o filme, e prestarem muita, muita atenção neste segmento em particular, observarão que as roupas, a fotografia, as matizes da imagem e a própria interpretação do ator que faz o jornalista parecem… Eu não imagino um termo melhor do que "incongruentes", como se repentinamente estivéssemos caminhando ao longo de um túnel do tempo para assistir a algo tão "vintage" que pareceria mais `a vontade em algo dos anos 60. Em termos de atmosfera, ao falar sobre sua inspiração, o diretor Shyamalan citou "A Noite dos Mortos-Vivos", de George Romero, de 1968, e ao assistir a "Sinais" novamente, uma vez compreendidas suas intenções, pude enxergar com mais clareza o que Shyamalan pretendia por trás de suas peculiaridades. David Robert Mitchell apenas levou a ideia mais longe.
Tecnicamente, o filme é um primor de técnica e competência. David Robert Mitchell toma muitos riscos ao optar por tracking shots ininterruptas e demoradas que deixariam veteranos como Brian De Palma orgulhosos. Basicamente, ao escolher tracking shots, o diretor põe uma tremenda responsabilidade e cobrança extras sobre os próprios ombros e os de seu elenco. A ação é capturada em um take apenas sem interrupções, se algo dá errado no curso da ação, não há cortes para poupar a "parte boa". Paul Thomas Anderson abre "Boogie Nights Prazer Sem Limites" com uma tracking shot que começa na marquise de um cinema onde se lê o nome do filme, desce e atravessa a rua de um quarteirão em San Fernando Valley, em 1977, até chegar `as calçadas do outro lado onde acompanha os personagens de Burt Reynolds & Julianne Moore entrando na boate, também apresentando os demais personagens daquele trama. De Palma, o mestre do thriller erótico, aperfeiçoou o uso de tracking shots, e a introdução a "Snake Eyes" tornou-se uma das cenas mais impressionantes de todos os tempos no que diz respeito `a técnica. Mesmo hoje nem se pode começar a imaginar a dificuldade de se rodar algo tão grandioso e demorado em um take de tirar o fôlego quanto quando o personagem principal entra na arena onde se dará a disputa do campeonato pelo cinturão dos pesos pesados logo mais. Cineastas talentosos fazem mágica com tracking shots, David Robert Mitchell é um estreante que ao escolher a técnica arriscou dar um tiro no pé. Ele se sai extraordinário, e a usa em favor do gênero como poucas vezes visto antes. Eu me recordo de ter visto o recurso empregado nos thrillers de Brian De Palma, mas poucas vezes no gênero Horror, o único exemplo que me vem `a mente a cena em "Hellbound: Hellraiser 2" em que Clare Higgins mata o jovem psiquiatra. O recurso é baseado inteiramente em uma tomada apenas, sem cortes, e portanto trabalhoso: a câmera começa capturando a comoção lateralmente, vai para atrás da atriz, de modo a mostrar que suas costas, anteriormente expostas em carne viva, agora estão completamente cicatrizadas por conta do nutriente e sangue que está drenando da vítima, continua com seu movimento ao redor do casal, mostrando a força de seus braços, e finalmente estaciona ao lado dos dois, quando mostra o estado lamentável do rapaz, sangue escorrendo do nariz, ouvido e boca, terrivelmente ferido, enquanto ela o beija com a passionalidade de uma amante que lhe quer muito bem. Em sua simplicidade e ousadia, a cena agrega tantas informações simultaneamente - a pele das costas reparada, os braços femininos porém fortes, o choro de dor da vítima, sangue escorrendo pelo nariz e ouvido - que exercita um tipo de agressividade incapaz de se emular não fossem pela técnica da tracking shot e a coragem e talento dos atores envolvidos. "It Follows" usa o mesmo recurso em diferentes momentos, e sempre os aproveita muito bem.
"It Follows" pode ser interpretado de muitas formas, todas válidas vez que a leitura depende dos olhos do observador. Partindo da premissa de que o tormento toma a vida de uma pessoa após a intimidade das relações sexuais, eu o tomei como uma angustiante releitura da histeria da AIDS nos primeiros anos de seu surgimento, no começo dos anos 80. Em muitos momentos, assistindo a "It Follows", me recordei de um documentário chamado "Estávamos Aqui", que revisita os primeiros momentos da catástrofe, relembrados pelos olhos das pessoas no epicentro da tragédia, em São Francisco, naquele período em particular. A AIDS chegou a São Francisco nas comemorações do feriado da Independência Americana em 1976, mas só mostrou a cara feia 4 anos mais tarde, no início dos anos 80, 1980&1981, o tempo de incubação do vírus, quando os primeiros casos de pneumocistose e um raro câncer de pele chamado Sarcoma de Kaposi foram registrados. Quando se percebeu que algo letal de fato estava `a solta, mais da metade dos cidadãos da comunidade estava contaminada e, naquele tempo, sentenciada a uma pena de morte. O tipo de confusão que a personagem principal experimenta, desde a negação e revolta passando pela aceitação até a maneira como procura lidar com a terrível situação, em muito guarda paralelos com o que aconteceu com aquelas pessoas nos anos 80, a mercê de um monstro invisível contra o qual médicos não tinham nenhum tipo de arsenal. Creio que outra interpretação igualmente válida seria ler o poltergeist como a soma de todas as ações, boas ou más, que você cometeu no curso de sua vida até o presente momento, principalmente quando se é razoavelmente jovem e não se compreende como as coisas efetivamente funcionam em oposição a como gostaríamos que fosse. Por esse viés, a "Entidade" representaria a soma das recordações de pessoas que você intencionalmente ou não machucou ou injustiçou, as más escolhas que agora pesam sobre seus ombros, os laços mal atados de um passado relativamente recente que dada a oportunidade você adoraria amarrar melhor. Essa linha de raciocínio bate com a revelação de um breve momento, no começo do filme, quando o deprimido e angustiado Hugh aponta para o menininho no cinema e diz que adoraria trocar de lugares com a criança e sua vida inteira pela frente, quando ele mesmo tem 20 e poucos anos, também um futuro por vir, mas não parece perceber em razão de todos os problemas que se tornaram maiores do que consiga suportar sozinho. Seja qual for a interpretação que os amigos tirem do desfecho, é muito seguro afirmar que não encontrarão outro filme de Horror que os convide tanto `a reflexão quanto "It Follows" este ano.

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