E lá se vão pouco mais de 40 anos desde que William Friedkin abriu como mestre de cerimônias a mais prolífica, produtiva Era do Cinema Moderno, uma década onde blockbusters ainda tinham alma e eram dirigidos por cineastas com visão, um tempo que refletiu o turbilhão político & social de seu meio - e do de muitos outros países, mundo afora - com thrillers corajosos produzidos por estúdios ainda engajados com uma mensagem, e não necessariamente com a perspectiva de receitas financeiras. O sucesso de tais filmes nas bilheterias está para ser rivalizado, todavia, naquela época, dinheiro jamais ficou `a frente da criatividade e da expressão artística. Em todas as alçadas, o cinema fantástico se viu em franca ascensão. Os filmes rodados no regime dos grandes estúdios permitiam a seus diretores ampla liberdade criativa sobre o produto final, e o cinema alternativo independente, onde a contracultura encontrava substrato para sobreviver e até mesmo florescer, recebia o mesmo tratamento, tendo seus títulos ao lado dos de blockbusters na mesma marquise. Quando imaginaríamos filmes de baixo orçamento exibidos no mesmo teatro onde coisas grandiosas como "Star Wars" também atraiam multidões?Nos anos 70, a harmonia da diversidade deu o tom certo a mais saudosa década do cinema, quando as câmeras capturaram as contradições de um mundo e sociedade em plena, rápida transformação.
Friedkin "passou a tesoura na faixa", inaugurando os anos 70 com o primeiro legítimo arrasa quarteirões de Ação, "Operação França", o filme de 1971 que lhe valeu o Oscar de Melhor Diretor e deu autoridade para que rodasse o que quisesse em Hollywood. Brian De Palma surgiu logo após, para iniciar uma prolongada disputa com o italiano Dario Argento pelo lugar de mestre do suspense deixado vago por Hitchcock. No Canadá, David Cronenberg capturava suas peculiares obsessões, gerando um tipo de Horror mais visceral & psicodélico, completamente destoante dos clássicos poeirentos da Hammer, que viria a dominar com maestria mais tarde, ao exercitar a elegância e a contenção vindas naturalmente junto `a experiência. O britânico John Boorman adaptou o romance de James Dickey, dando-nos um dos filmes mais importantes de todos os tempos, "Deliverance", a epítome do Horror Homem vs. Natureza que consagrou Jon Voight como um dos atores mais importantes de sua geração, e transformou o então desconhecido Burt Reynolds em astro e campeão de Bilheteria daquele período, década de 70. Steven Spielberg & George Lucas surgiram como "sangue novo" de uma indústria que se reinventava de fora para dentro, adaptando-se aos moldes de uma entusiasmada sociedade que consumiria os arrasa quarteirões e transformaria os agentes de mudança em força criativa.
Quatro décadas mais tarde, evidências de semelhante renascimento artístico são observadas com a chegada desse novo pessoal que veio para tomar conta - James Wan o "Steven Spielberg" da nova geração de 2010 - porém com todas as proezas que hoje lotam as salas de multiplex, improvável que em nosso tempo voltemos a observar um fenômeno tão fantástico quanto aquele observado nos anos 70. E para compreendermos como funciona a mente desses novos talentosíssimos cineastas, precisamos revisitar os filmes responsáveis pela sua formação. Ao entrarmos no túnel no tempo para passear um pouco pelas alamedas da recordação, poderíamos nos perder tamanha a variedade de fantásticas fantasias que os mestres dos passados nos deixaram, mas se todas as estradas levam a Roma, então todos os túneis nos carregarão de volta a Junho de 1973, quando "O Exorcista" estreava nas salas do cinema para apavorar plateias e trazer dividendos na ordem de 441 milhões de dólares.
Norte do Iraque. Durante os trabalhos de escavação nas ruínas de um sítio histórico na fronteira com a Síria, Padre Lankaster Merrin (Max von Sidow) descobre, entre artefatos de pouco interesse, uma pequena carranca referente a um dos demônios expulsos por Deus do paraíso. Merrin é um incansável arqueologista que coloca a vida em risco pelas causas da Igreja, e vemos que a insalubridade do trabalho sob o Sol escaldante do deserto começa a pesar sobre sua saúde. Sentado em uma feira local, assistimos quando a um passo do infarto precisa tomar pílulas para o coração doente. De posse da carranca, ele se despede do responsável pela coordenação dos trabalhos. Habilidoso na arte de sugerir sem precisar mostrar, o diretor William Friedkin nos dá várias deixas de que logo o confronto do Bem contra o Mal começará: o idoso quase é atropelado por uma carroça quando os cavalos se descontrolam, e ao visitar o deserto por uma última vez para observar a estátua do demônio, chamado Pazuzu, cães se mordem em uma feroz briga de morte, como incitados por uma força maléfica invisível. Merrin sabe em seu íntimo que logo mais será chamado para a mais importante batalha de sua vida. A cena, um primor de montagem, consiste em um take apenas, que captura a figura do heroico idoso, fisicamente vulnerável mas com o espírito cheio de fé, ali sobre uma rocha, e na outra rocha, no oposto das escavações, a estátua do assustador demônio alado, enquanto ao fundo escutamos os grunhidos dos cães se matando, e vemos o Sol se pôr.
Friedkin "passou a tesoura na faixa", inaugurando os anos 70 com o primeiro legítimo arrasa quarteirões de Ação, "Operação França", o filme de 1971 que lhe valeu o Oscar de Melhor Diretor e deu autoridade para que rodasse o que quisesse em Hollywood. Brian De Palma surgiu logo após, para iniciar uma prolongada disputa com o italiano Dario Argento pelo lugar de mestre do suspense deixado vago por Hitchcock. No Canadá, David Cronenberg capturava suas peculiares obsessões, gerando um tipo de Horror mais visceral & psicodélico, completamente destoante dos clássicos poeirentos da Hammer, que viria a dominar com maestria mais tarde, ao exercitar a elegância e a contenção vindas naturalmente junto `a experiência. O britânico John Boorman adaptou o romance de James Dickey, dando-nos um dos filmes mais importantes de todos os tempos, "Deliverance", a epítome do Horror Homem vs. Natureza que consagrou Jon Voight como um dos atores mais importantes de sua geração, e transformou o então desconhecido Burt Reynolds em astro e campeão de Bilheteria daquele período, década de 70. Steven Spielberg & George Lucas surgiram como "sangue novo" de uma indústria que se reinventava de fora para dentro, adaptando-se aos moldes de uma entusiasmada sociedade que consumiria os arrasa quarteirões e transformaria os agentes de mudança em força criativa.
Quatro décadas mais tarde, evidências de semelhante renascimento artístico são observadas com a chegada desse novo pessoal que veio para tomar conta - James Wan o "Steven Spielberg" da nova geração de 2010 - porém com todas as proezas que hoje lotam as salas de multiplex, improvável que em nosso tempo voltemos a observar um fenômeno tão fantástico quanto aquele observado nos anos 70. E para compreendermos como funciona a mente desses novos talentosíssimos cineastas, precisamos revisitar os filmes responsáveis pela sua formação. Ao entrarmos no túnel no tempo para passear um pouco pelas alamedas da recordação, poderíamos nos perder tamanha a variedade de fantásticas fantasias que os mestres dos passados nos deixaram, mas se todas as estradas levam a Roma, então todos os túneis nos carregarão de volta a Junho de 1973, quando "O Exorcista" estreava nas salas do cinema para apavorar plateias e trazer dividendos na ordem de 441 milhões de dólares.





No salão de jogos da casa de Chris, mãe e filha conversam descontraídas, e Regan lhe mostra uma figura feita de massa de modelar, criada pela própria. De alguma maneira, algo no boneco nos faz pensar nas formas da estátua do demônio Pazuzu, encontrada pelo Padre Merrin no Norte do Iraque. Chris descobre uma tábua Ouija, e pergunta onde a filha encontrou o brinquedo. Regan responde que achou a tábua assim como a todas as outras coisas do salão, por acaso. E não apenas isso, vem utilizando a tábua para conversar com seu mais novo "amigo", a quem chama "Capitão Howdy". Ela resolve mostrar `a mãe como funciona o diálogo com o "Capitão Howdy", e segurando o ponteiro sobre a tábua, pergunta se "Capitão Howdy" acha a mãe bonita. O ponteiro não se move. Regan explica que "Capitão Howdy" é tímido e não quer brincar com a mãe por perto. Nenhuma das duas imagina o horroroso perigo envolvido na "brincadeira" e as intenções de "Capitão Howdy", na verdade um demônio perigosíssimo que não demorará a mostrar suas intenções.
Há um doce momento entre Chris e Regan, quando a mãe põe a filha para dormir, e a menina vocaliza os temores de que ela se case com Burke. A mãe ri de tudo aquilo e garante que não passa de tolice, pois gosta de Burke, mas apenas como amigo. Chris revela que ainda ama o pai de Regan, porém, como sabemos, há muitos problemas pendentes entre os dois. Nesta cena, a vulnerabilidade da garota, porta perfeita para a entrada do demônio, fica patente: ela se sente culpada pela cisão no casamento.
Em um bar local, Karras desabafa com o veterano Padre Tom. Ele fala sobre a culpa que sente em relação `a condição da mãe. Karras sugere a possibilidade de transferência para Nova York, onde poderia cuidar melhor da velhinha, pois não haveria mais o distanciamento, todavia Padre Tom insiste que mesmo em meio a uma crise de fé, Karras deve permanecer em Georgetown, pois é o melhor dos jovens padres. De volta `a casa dos McNeil, Chris está furiosa, ao telefone. Ela tenta uma ligação com o ex-marido, que está na Europa, mas a telefonista não consegue completar a chamada. Chris não acredita que ele foi capaz de se esquecer do aniversário de Regan. A atriz xinga a telefonista, enquanto, do corredor, Regan escuta a tudo, obviamente chateada pelo esquecimento. Durante a madrugada, Chris é despertada pelo telefonema de alguém da produção. A presença de Chris é requisitada para a filmagem de uma determinada cena do roteiro. Meio a contragosto, avisa que estará a caminho, e ao se virar na cama para levantar, vê que a filha dorme ao lado.
Aqui, surgem os primeiros indícios de que algo de errado acontece com a adolescente e a casa. Regan se queixa de que não consegue dormir na própria cama, pois "fica fazendo barulhos estranhos". Novamente, a atriz escuta ruídos vindo do sótão, e sobe para investigar, certa de que se tratam de ratos. Chris acende uma vela para enxergar melhor no breu. Nada particularmente sobrenatural acontece, porém a cena definitivamente eriça os cabelos da nuca. Há alguns bustos de manequins, e a imagem daquelas figuras em um lugar tomado pela escuridão parece enervante. Subitamente, a vela quase se torna uma tocha quando o fogo aviva sem motivo aparente. A cena foi homenageada pelo grande James Wan, em "Sobrenatural", onde recriou um momento muito parecido para a personagem de Rose Byrne. Os ruídos não se devem a ratos. As ratoeiras não foram sequer tocadas. Chris não faz ideia do que está acontecendo.
Friedkin sugere a presença de uma força demoníaca em Georgetown, pois naquela manhã, ao levar flores para o altar da paróquia, um sacerdote encontra a imagem de Maria terrivelmente vandalizada, com chifres saindo pelo peito, uma cauda pelo ventre. Friedkin não elabora quanto `as circunstâncias, e o filme não tocará novamente na vandalização da imagem de Maria, mas sou tentado a acreditar que o deboche a tão sagrada representação seja obra da mesma força macabra agora ativa na vida da menina. Chris é ateísta, e logicamente procura a ajuda de médicos para os ainda discretos problemas da filha. No consultório, a menina é submetida a uma bateria de exames mais simples, como o exame de sangue, e o eletrocardiograma. Enquanto os aparelhos realizam a leitura da frequência de ondas cerebrais, Regan parece pensativa, contemplativa. Enxergaremos a primeira aparição do demônio Pazuzu, representado por um rosto muito branco com dentes afiados e expressão de puro ódio, pronunciado em meio `a mais pura escuridão. A aparição não dura mais do que um segundo, todavia a partir deste momento não duvidaremos de que os problemas da garota estão fora da alçada médica. Durante a bateria de testes, Regan se comporta de forma esquisita e até mesmo xinga o médico. Dr. Klein afirma a Chris que os problemas de Regan devem-se aos nervos, ou seja, aparentemente não há nada de anormal no corpo. A mente, no entanto, não vai bem. Chris pergunta se o stress causado pela separação pode somatizar no precário estado psíquico da menina, e Klein responde que provavelmente sim. Por ora, recomenda o uso de antidepressivos.
As coisas também não vão bem para Padre Karras. Ele é chamado `as pressas quando a mãe sofre uma piora. Quando vai procurá-la, descobre que foi internada na ala psiquiátrica de um hospital público. Preparando-se para entrar para vê-la, seu tio, sem intenção, faz um comentário que inflama ainda mais a culpa de Karras, algo nas linhas de que se tivesse optado pela Psiquiatria, e não pela vida do sacerdócio, seria hoje um médico muito rico proporcionando um fim de vida mais digno para a mãe. Para cada canto onde olha procurando algo que lhe devolva a fé, Karras somente encontra culpa e remorso. Naquele lugar triste, outras pacientes se aproximam com seus delírios, julgando-o um parente perdido. Com jeito, ele se desvencilha daquelas pessoas perdidas e doentes. O reencontro com a mãe o afunda ainda mais na depressão. A velhinha chora e pergunta como o filho foi capaz de metê-la em um hospital psiquiátrico. Karras tenta se explicar, os olhos cheios de lágrimas, mas a mãe não quer escutá-lo, e pede para que a deixe em paz. Karras procura a academia de boxe. Com murros no saco de pancadas, descarrega a fúria que sente por si mesmo, pela impotência em cuidar da própria mãe.
É noite de festa na casa em Georgetown. A atriz organizou um encontro para a equipe de filmagem, políticos e personalidades. Somos apresentados a um outro importante personagem, o jovem Padre Dyer. Ele é o melhor amigo de Karras, e com seu bom humor e irreverência, aparece em momentos cruciais para aconselhá-lo. Padre Dyer compreende Karras como poucos, portanto quando Chris tem a oportunidade de se sentar com Dyer para drinques, pergunta-lhe sobre Karras. Como sabemos, Chris só o viu uma única vez, o suficiente para deixar uma forte impressão. Dyer diz `a atriz que Karras é psiquiatra da paróquia, e que sua vida não anda nada bem. Dyer conta que a mãe de Karras morreu na noite anterior. Chris escuta a tudo pensativa, e parece genuinamente aborrecida ao saber sobre a perda de Karras.
Em outro lugar da festa, Burke Dennings está amolando a paciência do empregado Karl, chamando-o de nazista safado. Ele só se dá por satisfeito ao fazê-lo perder a cabeça. Chris e Sharon separam os dois, e põem Burke dentro de um táxi, pois o diretor bebeu além da conta e fará melhor descansando. Chris acredita que Regan dorme no andar superior, alheia `a festa. Os convidados se reúnem em volta do piano, enquanto o boa praça Padre Dyer o toca fabulosamente. Quando Regan subitamente aparece na porta, Chris e seus convidados se surpreendem. Como que hipnotizada, avisa a um astronauta presente "Você vai morrer lá em cima", e então urina nas calças. Chris se desculpa pela desagradável cena, e leva a filha para cima. Depois que a festa termina, Chris dá um banho em Regan e diz que tudo acabará bem. Ela a põe para dormir, mas a filha é assaltada por uma força invisível que sacode a cama. Chris a abraça, apavorada, a cama saltando do chão como se dotada de vontade própria.



Enquanto Karras conduz a missa pela memória da mãe, Chris lida com o drama da filha. Dr. Klein crê que talvez Regan esteja com um tumor no lóbulo frontal, o que explicaria o comportamento esquisito e a cama saltitante. Novos exames são realizados, e nenhum tumor é acusado. O comportamento de Regan em casa piora violentamente. Quando Dr. Klein e seu colega aparecem para uma visita, encontram-na sofrendo convulsões. Não parece logicamente razoável que uma adolescente magrinha tenha força suficiente para se debater daquele modo. Dr. Klein se aproxima e é duramente golpeado. A menina começa a exclamar toda sorte de obscenidades. São precisos dois homens fortes para segurá-la de modo que Dr. Klein consiga administrar o calmante. Depois que os ânimos se acalmam, médicos e mãe conversam atônitos sobre o ocorrido. Chris pensa que talvez a filha esteja sofrendo de múltiplas personalidades, mas os médicos ainda querem realizar uma bateria de testes para excluir outras possibilidades físicas. Os resultados novamente não apontam problemas de saúde, e naquela noite ao voltar para casa, Chris resolve seguir a orientação do Dr. Klein. Chegou a hora de procurar um psiquiatra. No caminho para casa, aos pés das escadarias, Chris enxerga uma comoção, policiais e ambulâncias ali perto. Ela não dá muita atenção, só quer ficar perto da filha.

Em uma sessão conduzida no quarto da menina e assistida por Chris e Dr. Klein, o psiquiatra procura encontrar explicações através da hipnose. Regan responde que sim, há uma pessoa dentro dela, a quem se refere como "Capitão Howdy". O demônio não é um segmento de sua imaginação, mas uma entidade em separado. Regan exala cheiros horrorosos pela boca, e suas feições de adolescente bonita subitamente tornam-se carrancas demoníacas. Nem mesmo o psiquiatra sabe como ajudar a garota, vez que a manifestação não se enquadra no quadro clássico de múltiplas personalidades.
Através de um belo take realizado `a distância, acompanhamos o Padre Karras correndo pela pista de atletismo do campus, observado pelo Tenente Kinderman (Lee J. Cobb). O tenente pergunta a Karras se sabe de algo sobre a morte de Burke Dennings. Karras conhece apenas o que leu no jornal, e Kinderman tem fortes motivos para suspeitar de que alguém de dentro da casa de Chris tenha cometido o homicídio. Ele não crê em acidentes. A forma como a cabeça de Burke foi encontrada virada sugere que o homem estava morto antes de ser lançado. Como psiquiatra da paróquia, Karras diz que não conhece ninguém que considere suspeito. O bonachão Kinderman ama cinema, e determinado a conquistar a confiança e amizade de Karras, convida-o para um filme. Karras promete que se se recordar de alguém que julgue capaz de ter cometido o assassinato, o procurará.

Será a partir daí que Padre Karras entrará na vida de Chris. A atriz marca um encontro com Karras, e a forma como inspira confiança a estimula a se abrir. Chris prefere levá-lo para casa, para que veja com os próprios olhos o que está se sucedendo com a filha. Apesar da chocante aparência visual, Padre Karras ainda crê que deva haver uma explicação psiquiátrica para o problema. Regan está com os pulsos amarrados e a aparência desfigurada. Malicioso, o demônio faz joguinhos psicológicos com Karras, imitando, por exemplo, o mendigo do começo do filme. Regan vomita em jato no rosto do padre.

Karras se vê intrigado pelo fenômeno, e passa a noite no laboratório de áudio/imagem do campus, onde escuta a gravações da voz de Regan, datadas de tempos mais felizes, quando declarava amor ao pai. Ele não compreende como uma adolescente tão comum se transformou no monstro malicioso que encontrou amarrado `a cama. O estudo da voz de Regan após a possessão revela que, quando rodada ao contrário, o demônio clama algo nas linhas de "Dê-nos tempo!Merrin!". Pazuzu está convocando, portanto, o Padre Merrin para o confronto final. Quando Karras volta para vê-la, Regan fala perfeito latim, o que deveria ser impossível. Ela também move gavetas com o poder da mente. Da noite para o dia, seu abdômen surge grafado com o pedido "Ajudem-me". As evidências de possessão são riquíssimas, e Karras não custa a procurar seus superiores para obter autorização para o ritual. O nome do Padre Merrin logo é cogitado, e quando o descanso do sacerdote é interrompido, ao o vermos interpelado durante a caminhada matinal para receber um telegrama, sabemos que a hora da verdade chegou.

Regan os recebe com os insultos de costume, escarrando a gosma cor de abacate no rosto de Merrin. O frio ali dentro é tremendo. Diante do poder da oração, o demônio se enfurece e começa a insultar a mãe de Karras, serpenteando a língua muito fina em vai e vem. A pesada cama levita bem diante dos olhos dos padres. A influência do demônio vai além do quarto. Mesmo no banheiro, Merrin é atormentado por portas de armário batendo insistentemente. A cabeça da menina gira em um ângulo impossível de 360 graus, e o demônio novamente lança sua metralhadora verbal sobre Karras, afirmando que sua falha em cuidar da mãe efetivamente causou sua morte. A batalha entre Bem & Mal segue indefinida, ora com os padres em vantagem, ora o demônio fazendo uso de poderes telecinéticos para arremessar coisas sobre os dois. Karras e Merrin descansam nos degraus da escada, preparando-se para a segunda rodada do confronto. O coração do idoso está para falhar, mas ele engole suas pílulas a tempo. Quando Karras volta ao quarto sozinho, ao invés de enxergá-la, vê a velhinha. Atado à cama, o demônio fala com a voz da idosa, e pede para que a desamarre. Karras perde as estribeiras e berra que o demônio não é sua mãe. Merrin ordena que deixe o quarto para se recompor emocionalmente.
Quando Karras retorna para o quarto, determinado a acabar com o impasse, encontra Padre Merrin morto. Seu coração não suportou o confronto. Ao enxergar o desalento no rosto de Karras, o demônio dá risadinhas de felicidade. O jovem padre avança como um expresso contra o demônio, e os dois saem rolando pelo chão. Karras desafia Pazuzu a possui-lo e, com isso, o demônio deixa o corpo da menina para tentar tomar conta do padre. Escutamos o choro e os pedidos de Regan pela mãe, com sua voz de adolescente. As feições de Karras se contorcem, o demônio definitivamente fazendo do rapaz sua nova morada. Reunindo toda a fé, mais intensa do que nunca após as adversidades, Karras consegue ser mais forte que Pazuzu, investindo contra a janela e arremessando-se das alturas, levando consigo o espírito maligno. Em seu heroico sacrifício, Karras arranca o demônio daquela casa, mas sofre uma terrível queda, indo parar aos pés da escadaria. Chris e Kinderman entram afoitos no quarto. Apesar de encontrarem Regan aos prantos, a menina finalmente está bem. Kinderman assiste à comovente reunião entre mãe e filha, abraçadas no chão, absolvidas do pesadelo. Uma multidão se forma aos pés da escadaria, e escutamos as sirenes das ambulâncias. Padre Dyer chega a tempo de conversar com seu amigo agonizante. Cheio de dor, ele se ajoelha ao lado de Karras, apertando-lhe as mãos e o absolvendo de todos os pecados terrenos. Redimido de seus erros e tendo realizado um feito verdadeiramente valoroso, Karras morre em paz como herói.

Baseado no romance homônimo de William Peter Blatty, a seu turno inspirado em uma história real (pesquisem o caso "Robbie Mannheim"), "O Exorcista" ocupa a posição n. 03 dos 100 Filmes Mais Apavorantes de Todos os Tempos do Bravo Channel ("Audition" também participa desta lista, porém mais abaixo), e primeiro lugar como o mais aterrorizante, na opinião da Entertainment Weekly. Indicado a 10 Oscar, inclusive Melhor Filme (o primeiro filme de Horror a merecer a honra), "O Exorcista" pode ser considerado simultaneamente bênção e maldição para os artistas envolvidos. Em que pese as pessoas apenas sonharem em ter seus nomes associados a algo tão grandioso, legado da Era de Ouro de Hollywood, nenhum dos atores ou membros da equipe conseguiu deixar a sombra projetada pelo seu estrondoso sucesso. William Friedkin, que apenas dois anos antes ganhara o Oscar de Melhor Diretor por "Operação França", jamais voltou a produzir algo de semelhante importância, embora tenha revisitado ocasionalmente o gênero e feito o maravilhoso "A Árvore da Maldição", que mesmo muito inferior a "O Exorcista", foi um dos melhores suspenses da década de 90. Se os amigos não viram "A Árvore da Maldição", de William Friedkin, procurem assistir.
Antes de "O Exorcista", Max von Sidow, o veterano que dá vida a Padre Merrin, construíra sua carreira em conceituados filmes do celebrado Ingmar Bergman. Ao longo das décadas, von Sidow tem se mantido um ator muito cobiçado, presença em filmes importantes e premiados. A durabilidade de von Sidow me faz pensar na carreira de outro veterano, Christopher Plummer. Tanto von Sidow como Plummer são sobreviventes, e atuam tanto em obras primas, quanto em coisas menores e irrelevantes. No esquema maior, todavia, ambos sacramentaram seus rostos no riquíssimo imaginário do cinema mundial. Em grande filmes, dão performances merecedoras de aclamação e Oscar, e em filmes simplórios e sofríveis de ação, como vilões, tratam o material com a mesma seriedade e dedicação reservadas `as obras primas. Plummer & von Sidow são autênticos profissionais!
Talvez mais lembrado pelo papel de Padre Karras, os olhos tristes de Jason Miller deixaram uma marca duradoura, compondo com perfeição o turbilhão interno e a culpa que corroem a alma de seu personagem. Mais atuante como dramaturgo, Miller ganhou um Pulitzer pela sua peça "That Championship Season", e dedicou a vida ao teatro. Miller nos deixou prematuramente em 2001, aos 62 anos, vítima de um infarto. Os desdobramentos da escolha de Friedkin por Miller, para o papel de Karras, muito nos revelam sobre a turbulenta relação do diretor com um outro ator muito querido que também já partiu, Roy Scheider. Vocês se lembrarão de Scheider pelo seu mais famoso papel, o do Xerife Brody, herói de "Tubarão", de Steven Spielberg, o filme que o lançou ao estrelato em 1975. Pois bem, os caminhos de Scheider & Friedkin se cruzaram pela primeira vez em 1971, quando o ator trabalhou ao lado de Gene Hackman em "Operação França", sob a batuta de Friedkin. O diretor se recorda do profissionalismo e dedicação de Scheider `as duríssimas filmagens. Os dois criaram o tipo de confiança profissional que se vê apenas raramente em uma indústria tão volátil. Dois anos mais tarde, quando Friedkin iniciava o processo de casting para a adaptação do romance de Blatty, "O Exorcista", Scheider pediu ao diretor a chance de interpretar Padre Karras, um papel que a maioria dos atores daria mesmo o braço pela oportunidade. Por razões que interessam apenas a Friedkin, Miller & Scheider, o diretor acabou escolhendo Jason Miller. Sentindo-se traído, Scheider nunca mais o perdoou. Alguns anos se passaram, e com o sucesso inimaginável de "Tubarão", em 1975, Scheider se tornou um dos ícones do quintessencial blockbuster americano. Friedkin & Scheider se encontrariam novamente em 1977, quando Friedkin o contratou para viver o protagonista de "Sorcerer", um ambicioso filme rodado nas selvas da República Dominicana, sobre quatro prisioneiros que resolvem transportar um caminhão com a carga cheia de nitroglicerina, através de uma selva hostil, em troca do perdão de suas penas. Quando Friedkin & Scheider se reencontraram para rodar o filme, em 1977, Roy se tornara um astro de estatura, e não tendo esquecido que Friedkin o preterira para "O Exorcista", ambos transformaram as filmagens em um verdadeiro inferno. Inimigos atrás das câmeras, o fato de o filme ter sido terminado é um milagre. Independente de quem tenha razão, "Sorcerer", conhecido no Brasil como "Comboio do Medo", foi aclamado pela crítica como a última grande obra-prima dos anos 70, e permanece o trabalho preferido do cineasta, aquele do qual mais se orgulha. Scheider e Friedkin se tornaram inimigos velados e deixaram de se falar, contudo três décadas mais tarde, quando Scheider nos deixou, levado por câncer de pele, Friedkin escreveu uma bonita homenagem para o amigo/rival, finalmente em paz com as águas passadas, grande o suficiente para enaltecer as características que tornaram Scheider um astro tão duradouro, e não deixando que suas diferenças fossem mais importantes do que os bons momentos que haviam tido juntos ao rodarem "Operação França".
A carreira de Linda Blair reflete a de um outro ator profundamente marcado pelo seu mais famoso papel, Ralph Macchio por "Karatê Kid". Apesar de indicada ao prêmio da Academia pelo seu poderoso desempenho, Linda Blair jamais teve a oportunidade de encarar a diversidade de papéis que teria provado seu incontestável valor e oxigenado a carreira com merecida longevidade. Ao mesmo tempo, Macchio criou uma performance tão icônica em "Karatê Kid", como o garoto franzino vítima de bullying que encontra seu lugar no mundo graças aos ensinamentos de um sábio mestre oriental, que não permitiu que diretores o vissem fazendo algo diferente. Por um tempo, a fórmula funcionou, mas então depois de três filmes, a franquia não teve mais para onde correr. Se ícones queridos como Blair, Macchio, Christopher Reeve & Patrick Swayze precisaram batalhar duramente para deixar a sombra projetada pelos papéis maravilhosos e imortais que os tornaram notórios, outros artistas tiveram a sorte de explorar a diversidade, mantendo-se em ativa na Indústria. Se Sylvester Stallone deve praticamente toda a carreira ao Rocky, conseguiu interpretar uma variedade de personagens queridos que o mantiveram em evidência por outras coisas que não apenas o Rocky. Não obstante os fãs da talentosa Linda Blair falarem sempre sobre a carreira ainda maior que poderia ter dito, acho que devemos ser gratos por ter feito parte de um dos melhores, se não o melhor, filme de Horror de todos os tempos. Linda Blair já conquistou seu merecido lugar ao Sol nesta importante história sobre o mistério da fé, e na vida são poucas as pessoas que realmente têm chance de realizar os sonhos.
Ellen Burstyn interpreta a mãe de Regan, Chris McNeil, mas sua performance cativante a torna mãe de todos nós. Seu amor emana tão sinceramente que o dilema que se segue à influência do demônio se torna ainda mais tocante. Somente uma atriz tão capaz quanto Burstyn poderia construir uma personagem tão rica em camadas que se explicitam a cada passagem. Em um papel anteriormente oferecido a Jane Fonda, Shirley MacLaine e Anne Bancroft, é praticamente impossível hoje imaginar outra artista que não Ellen Burstyn como a Chris McNeil. Seu trabalho em "O Exorcista" é um testamento às mães capazes de se meterem de pé diante de um trem expresso em nome do amor aos filhos. Ellen ainda contou com todo um arco para trabalhar sua personagem, com maestria vivendo a transformação de uma mulher durona que não acredita em Cristo para a mãe batalhadora que passa por uma significante transformação espiritual. Quase trinta anos mais tarde, Burstyn seria indicada ao Oscar por semelhante papel, em "Réquiem para um Sonho". Em "Réquiem", já velhinha, ela mais lembrava a mãe do Padre Karras em "O Exorcista", e sua personagem partiu meu coração. Em "Réquiem para um Sonho", Burstyn vivia uma senhora viúva e solitária cuja razão de viver girava em torno do filho, interpretado por Jared Leto. Ele era dependente de drogas, e ganhava a vida no tráfico. Quando não tinha dinheiro para heroína e crack, furtava a televisão da mãe para empenhá-la. Apesar de todos os horrores a que o rapaz a submetia, jamais deixara de crer que se tornaria um homem de valor. No filme, a Jennifer Connelly interpretava a namorada do rapaz, e a Ellen Burstyn dizia aos dois que sua maior felicidade seria vê-los se casando e prosperando e vivendo uma existência saudável e comum, juntos. Para quem conhece "Réquiem para um Sonho", a inocência dessa mamãe interpretada pela Ellen Burstyn e a forma como a vida arruína os doces e ingênuos sonhos que alimenta equivalem a uma facada no peito. Um dos filmes mais tristes concebíveis, eis mais um exemplo do brilhantismo dessa veterana, e o começo da carreira de sucesso de Jennifer Connelly, que apenas um ano após "Réquiem para um Sonho" seria lançada ao estrelato absoluto por "Uma Mente Brilhante".
A direção de Friedkin caiu como uma luva a essa história. Grandes cineastas tiveram seus nomes cotados para ocupar a cadeira de diretor, entre eles Peter Bogdanovich & John Boorman (que recusou a oferta, mas veio a dirigir "O Exorcista 2 O Herege", 4 anos mais tarde). Blatty disse que Friedkin foi o homem certo para o trabalho, pois ao assistir a "Operação França", soube que precisava da mesma energia cinética na adaptação para as telas do romance. Após o trabalho em "O Exorcista", Friedkin tentou recapturar a glória do passado com uma porção de projetos que não foram bem recebidos. Não obstante os triunfos e fracassos, examinando-se a filmografia de Friedkin, ninguém jamais poderá acusá-lo de jogar seguro. Friedkin sempre atacou os temas explosivos que outros cineastas de envergadura sequer ousaram cogitar sob temor de terem suas carreiras arruinadas. O corpo de sua obra assemelha-se ao de outro arrojado cineasta, Brian De Palma. Ambos surgiram na mesma época, começo dos anos 70, e consagraram-se como os melhores no gênero Suspense/Horror. O que minou suas longevidades foi exatamente o mesmo "problema", o destemor com que atacavam a polêmica e rodavam filmes consoante seus instintos, nenhuma importância dada aos problemas que poderiam causar. Evidentemente, houve momentos quando suas aspirações refletiram o que se espera de um blockbuster, tanto que ambos contam com sucessos comerciais absolutos de bilheteria (Friedkin com "O Exorcista", De Palma com o primeiro "Missão: Impossível"). No grande esquema, porém, nenhum dos dois preteriu a expressão artística de seus anseios e fobias em favor do status de "diretor padrão" de produções caríssimas de grandes estúdios. Eu costumo chamar "diretores padrão" de "diretores de filme de James Bond". Eles são capazes, talentosos, porém não causam dores de cabeça ou turbulência aos grandes estúdios. Há um script, uma fórmula pronta, o "diretor padrão" se enquadra, chega ao set, posiciona as câmeras, e vai assistir às filmagens sob um toldo tomando xícaras de chá, consultando o relógio de pulso para ver se está perto da hora de ir para casa. Eles são polidos, cooperativos e morrem de medo de expressar o que realmente há dentro de seus corações. Ao contrário, tanto De Palma quanto Friedkin são cães selvagens, poetas malditos, meteoros se desintegrando em plena atmosfera, consumidos pelo próprio talento e a necessidade de atear fogo às telas. Caras como De Palma, Cronenberg, Clive Barker, Friedkin, Argento... Eles não consultam relógios para ver se chegou a hora de ir para casa. Cada passo que esses caras dão guarda um propósito, um significado, seus motivos regidos pela paixão, pela emoção, às favas com a lógica ou o que o estúdio espera. Todos encararam o custo da independência artística, e pagaram preços caríssimos pela autonomia, que não devia parecer algo raro, mas sim natural a todo artista, seja qual for seu viés de expressão.
O legado de "O Exorcista" perdura nos filmes que hoje lotam as salas de cinema. M. Night Shyamalan aprendeu muito com a sensibilidade com que Friedkin tratou os personagens, e ao filmar "O Sexto Sentido", o sucesso que o projetou no cenário cinematográfico, procurou delinear seus personagens com um pouco do mesmo esmero, no caso a mãe sofredora do garotinho que vê gente morta, vivida por Toni Colette. A cisão familiar, tão sutilmente sugerida em "O Exorcista", também integra a dinâmica entre mãe e filho em "O Sexto Sentido". Parece que por trás de histórias tétricas sobre demônios e fantasmas há outras tantas sobre sentimentos mal resolvidos. A tábua Ouija como o canal de comunicação entre o mundo dos vivos & o dos mortos mereceu um filme só seu, com o recente, ótimo "Ouija O Jogo dos Espíritos". A influência de uma força satânica sobre as cabeças dos fracos e vulneráveis serviu de espinha dorsal para "Session 9", de Brad Anderson, o melhor filme da década de 2000, o mais próximo que qualquer cineasta esteve da perfeição alcançada por "O Exorcista". Parece-me que os melhores filmes conservaram consigo um pouco da fórmula `a toda prova bolada por Friedkin.
