

























Eu costumo encontrar certa resistência para manter a constância na elaboração das resenhas, não por falta de paciência para trabalhar nas mesmas, pois qualquer processo criativo me agrada, e sim pelas rarefeitas oportunidades quando encontro filmes atuais encantadores, a ponto de despertarem meu interesse em arregaçar as mangas para escrever. Daí, compreende-se o fato de a maioria de meus escritos girar em torno de obras de outras épocas. Ocasionalmente, esbarro com um ou outro fenomenal filme, e não me canso de revê-los, pois sempre acho que jamais seria capaz de falar o suficiente de suas tramas, como "w Delta z" e "Under the Skin", sem descobrir antes a totalidade de seus maravilhosos segredos. Não faz muito tempo, assisti a um terror independente chamado "Starry Eyes", uma estória lúgubre e desesperançosa sobre uma moça bonita, aos vinte e tantos anos, que, assim como as outras meninas e rapazes de seu círculo de amizade, deseja o estrelato, e aguarda o convite que a tornará a nova grande estrela do cinema. À proporção que comparece a audições no submundo de agências de casting de quinta categoria, movida pela poderosa ilusão que dá à indústria uma falsa noção de sucesso e prosperidade, ela se vê obrigada a manter os pés firmados no chão, enquanto ganha a vida como simplória garçonete de uma diner em downtown Los Angeles. "Starry Eyes" me envolveu como lençóis sujos e molhados, porque, muito descompromissadamente, o diretor soube construir uma estória ideal para viabilizar a interseção de dois universos, um o do compreensível desespero de personagens transitando por um submundo de motéis e contas atrasadas, confundindo-se com um outro mundo, de promessas falsas e vazias, ferramentas com que a grande ilusão suga a alma dos inocentes com estrelas nos olhos. Embora a maior porção se ocupe dos dramas dos jovens que compõem o núcleo de relacionamentos da protagonista, "Starry Eyes" vira um filme genuinamente depressivo quando deriva para a hipótese de o ser humano perder a própria alma em nome de um determinado rito de passagem criado como salto para aclamação e riquezas passageiras e vazias. "Starry Eyes" esbanjava um clima opressivo e satanista, e quando busquei tramas similares, impressionei-me com a insistência das pessoas ao renderem homenagem a "Kill List". Após ver os dois filmes, eu compreendo as similitudes entre as duas aventuras, ambas sobre gente em momentos vulneráveis da vida - predicamento causado por suas próprias, terríveis escolhas - sob o assédio de forças ocultas, até mesmo conceitualmente abstratas, cujo maior truque é atuar em cima das fragilidades de mentes predispostas a se perderem. Diferente das mais arejadas lições de moral, os diretores não utilizaram as premissas para revisitarem a clássica narrativa do triunfo do espírito humano sobre a sedução do Mal. Muito pelo contrário, como retribuição por suas ações abjetas, os protagonistas anti-heróis apenas têm o ângulo de suas quedas tornado mais íngreme, e os abismos onde perdem as almas, mais aprofundados. Em "Starry Eyes", a chacina à faca cometida pela protagonista precede a posse definitiva de sua alma pela elite satanista; em "Kill List", a hipocrisia com que o assassino de aluguel e sua "Lady Macbeth" sustentam vidas duplas franqueia ao Mal entrada no seio do lar, deixando-o livre para a invasão da diabolice, primeiro apenas sugestivamente, como o gatinho morto sem explicações, depois mais metafisicamente, como a aparição de Fiona de camisola acenando para Jay, de um terreno baldio. Em ambos os filmes, qualquer chance de redenção resta golpeada de morte pelas ações dos protagonistas. Se formos utilizar como referencial o pessimismo com que essas melancólicas tramas trataram o destino dos protagonistas, devemos resgatar "o original", a primeira obra de horror macabro que ousou descer ao inferno, figurativa e literalmente, e nos levar junto ao passeio, ao lado do personagem principal. "Starry Eyes" & "Kill List" são frutos da mesma árvore. Nenhum dos dois existiria, não fosse pelo "tronco" de onde partiram, o filme de 1987 dirigido por Alan Parker, estrelado por Charlotte Rampling & Mickey Rourke, "Coração Satânico", baseado no romance homônimo de William Hjortsberg, sobre um detetive medíocre contratado por um homem misterioso, no ano de 1955, para descobrir o paradeiro de um cantor chamado Johnnie Favorite, muito famoso na época da Segunda Guerra Mundial. Após regressar traumatizado do conflito, Favorite foi institucionalizado, e desapareceu após ter sido visitado e levado a um passeio pela ex-namorada, filha de um homem rico, sem que ninguém tivesse mais notícia de seu paradeiro. À medida que se aprofunda nas investigações e mergulha no submundo de Nova Orleans, o detetive esbarra com pessoas que conheceram Favorite e tremem de medo só de conjecturar as circunstâncias do sumiço. Embora não se recorde, o detetive também tem um poderoso pressentimento que conheceu seu empregador em algum momento do passado. A partir dessa ideia repleta de mistérios e pistas falsas, o diretor Alan Parker criou um fantástico e atmosférico suspense, uma jornada para dentro das entranhas de seitas satanistas e da própria noção de se vender a alma ao Diabo. Discriminados os paradigmas empregados como parâmetros para a construção de uma nova trama, e levados em conta os elementos emprestados na criação, será que "Kill List" nos oferece novidades? Sim. Talvez seja uma das mais eletrizantes obras sobre a "febre satânica", tema que experimentou um revival após o recente, instigante "Regressão", de Alejandro Amenábar.
Ao iniciar a análise, trouxe à baila "Starry Eyes" e "Coração Satânico", mas, em termos de storytelling, "Kill List" mostra mais pontos de contato com "Regressão". Jamais encontramos a figura do Diabo, manifestações sobrenaturais reduzem-se quase a um mínimo. O filme não tenta invocar a presença do Mal pela via do fantástico, como, a título de exemplo, o apavorante segmento "Parallel Monsters" de "V/H/S: Viral", onde víamos uma dimensão paralela quase simétrica, idêntica à nossa, com o terrível diferencial de que nesta outra versão do universo, o mundo era governado por aquilo que os adeptos da Nova Ordem Mundial chamam de "luciferianismo", e mulheres tinham genitálias denteadas que subiam à altura do umbigo. No caso de "Kill List", o habilidoso diretor Ben Wheatley fia-se exclusivamente na representação humana do Mal, ou melhor, na versão com rosto humano, imediata aos olhos, muito próxima e urgente. Apesar de não enxergarmos o Diabo em carne (como ocorre em "Coração Satânico", quando o empregador de Mickey Rourke, um cavalheiro chamado Louis Cypher, revela-se o próprio), a sugestão da maldade pela ação dos membros de um culto formado por satanistas basta para requentar a horrorosa sensação de impotência e tragédia, para o protagonista, e, por que não, para a gente também, companheiros de Jay na descida a aquele bosque fechado durante o asfixiante segmento final. A figura literal do Diabo, por conseguinte, deixa de importar, de merecer qualquer preocupação por parte dos criadores, pois a "cara humana", sua representação aqui no mundo físico, encapsulada pelo misterioso grupo de pessoas de robes brancos e máscaras artesanais, encarrega-se de provocar um tipo ímpar de aflição. Nesse diapasão, ao passo que a esposa com dois amantes praticantes de swing em um universo satanista de "Parallel Monsters" chegue a fazer arder os olhos, tamanha a perversidade de um conceito tão sinistro, Wheatley não precisou se servir do Deux ex machina de um portal entre dimensões de inspiração tipicamente cronenberguiana. A facilidade com que "Kill List" vira um filme incrivelmente angustiante no espaço de 10 minutos após o início muito deve à tragédia da corrupção humana, à falibilidade da alma, à suscetibilidade do homem para cair diante das coisas ruins ao alcance dos olhos, elementos muito bem destrinchados pelo diretor/roteirista. A queda do homem, envergado pelo peso dos dramas diários, acumulados sobre a espinha até causar a ruptura, sempre se provou um excelente combustível para memoráveis e evocativas estórias de terror, desde que o cineasta trabalhe com a sensibilidade para não tornar os desdobramentos tacanhos ou forçados. Cito "Session 9" como o perfeito exemplo de terror psicológico onde o processo de desmantelamento da mente de um bom homem, impotente em lidar com as demandas de chefe de família, dá o pontapé a uma inesquecível sucessão de tragédias envolvendo um hospital psiquiátrico abandonado, assombrado por imponderável carga de tristeza e más energias, e a forma como este tipo de energia encontra um meio de interferir e arruinar as vidas de pessoas espiritualmente fracas & exaustas. Não obstante "Kill List" faça constantes referências a satanismo, e "Session 9" não, o ponto de contato dos dois filmes consiste no lento, aflitivo processo de desintegração/dissociação mental dos protagonistas. "Session 9" lançou a carreira do diretor Brad Anderson, que desde então tem dirigido produções maiores estreladas por atores muito famosos, como "Stonehearst Asylum" (Michael Caine, Ben Kingsley e Kate Beckinsale) & "O Maquinista" (Christian Bale). Apesar de reger filmes tão grandes, Anderson nunca mais reencontrou o brilhantismo que lhe permitiu criar uma autêntica obra-prima ("Session 9" foi rodado em 2001 - como o tempo voa!). O cineasta trabalhou como um autêntico artesão ao criar "Session 9", mas, sejamos honestos, parte do mérito recai sobre o belíssimo trabalho do elenco principal, em especial Peter Mullan, o homem por trás de uma das performances mais inesquecíveis que eu vi em minha vida. Tenho reparos quanto a afirmações muito categóricas, portanto quando me refiro ao trabalho de Mullan, nada mais faço do que lhe dar o crédito devido: hei de ver outro desempenho a rivalizar a força bruta com que Mullan criou o Gordon Flemming de "Session 9". Como se já não bastasse, o elenco secundário dá show, com David Caruso provando-se excelente ator no papel do melhor amigo do Gordon, e Stephen Gevedon, que além de ter ajudado no roteiro, dá a seu personagem menor nuances que o tornam interessantíssimo & complexo (a partir do ponto de vista de Gevedon, através de rolos de tapes antigos contendo entrevistas de psiquiatra/paciente, somos apresentados ao caso de uma moça, Mary Hobbes, que passara a vida inteira institucionalizada no hospital psiquiátrico, por, quando criança, ter esfaqueado pais & irmão, tendo inclusive morrido de idade avançada nas dependências, e cuja história reflete a via crucis atravessada pelo imigrante irlandês Gordon, hoje, tantas décadas após os eventos contidos no tape). Teria Ben Wheatley contado com um elenco igualmente excitante para nos mostrar a sua versão de inferno?
A sua maneira, cada ator deu uma contribuição pessoal para afiar os personagens, dar-lhes identidades muito coloridas, sólidas. Seria incorreto exigir de Neil Maskell o dever de reproduzir o tipo de empatia evocada, por exemplo, por Gordon em "Session 9". Peter Mullan vivia um imigrante irlandês, dono de um pequeno grupo de limpeza de asbestos Hazmat, lutando para "manter a cabeça fora d'água" e superar o stress financeiro a assolar a classe média blue collar, agora que a mulher, aos 40 e tantos anos, é mãe de um bebezinho, e ele, pai de primeira viagem. Maskell interpreta um personagem no outro extremo do espectro, que mais parece pertencer a filmes de gangsteres britânicos dirigidos por Guy Ritchie ou Nick Love, o tipo de papel que transformou Tamer Hassan e Danny Dyer em astros. Jovem, energético, durão e com uma tirada confortável e esperta para cada situação, não custa ao personagem de Maskell descobrir que quando pôs os pés naquele submundo, as regras de conduta que o haviam tornado um assassino de aluguel tão eficiente de nada mais valiam. Nós tendemos a nos identificar melhor com a luta de Gordon, mas nem por isso deixamos de compreender o dilema de Jay. À medida que a trama avança, e a fachada de bravatas cai por terra, revelando um homem apavorado cercado por um Mal inimaginável, Maskell consegue dar ao desespero do personagem matizes humanizadoras de remorso, mesmo levando em conta seus terríveis pecados. MyAnna Buring, familiar a fãs do gênero pelo papel principal no excelente "The Descent", de Neil Marshall, de 2005, interpreta a esposa do personagem principal. Como mulher de um matador de aluguel, eventualmente fazendo as vezes de agenciadora, parece óbvio que Shel jamais se portaria como uma afável mãe de família dedicada a preservar o lar e as pessoas dentro. Ela é durona - quiçá melhor assim, afinal a provação vivida pela família demanda nervos de aço - contudo, devo admitir que seus modos chegam ao ponto de dar nos nervos. Sua moral corrompida não ganha nenhum ponto conosco, não permite qualquer tipo de solidariedade. Eu a tomei como uma "Lady Macbeth" do século XXI, versão anabolizada da personagem da tragédia "Macbeth" escrita por William Shakespeare: Lady Macbeth não tinha escrúpulos para alcançar os objetivos, e convence o marido a matar o rei; Shel se empenha em instrumentalizar o ofício secreto do cônjuge, e em muitos momentos demonstra ascendência sobre o rapaz, a ponto de saber sobre um vindouro serviço antes mesmo do matador. Natural que quando o parceiro cai, ela desabe junto. É apenas uma pena que Sam, uma criança inocente, pague pelos pecados de dois adultos idiotas e sem pista. No papel do melhor amigo e parceiro, Michael Smiley rouba o filme e traz para seu lado a torcida inteira. Sim, ele ganha a vida executando alvos, todavia, algo no jeito brincalhão, nos moldes de, digamos, um roqueiro aposentado, ao se pronunciar como a marca mais explícita de Gal, acaba por eximi-lo da gravidade das próprias ações. Ao me sentar para escrever este trabalho, percebi que apesar de termos visto o menino interagir bastante com o pai, é precisamente na cena em que Gal o pega nos braços e o leva para cima, para o quarto, após a discussão daqueles dois tolos, que se risca uma faísca do esboço paterno naquele meio desordenado e corrompido. Gal também cumpre a função de "Grilo Falante", e as sugestões mais lógicas partem de sua pessoa. Na cena em que Gal visita Jay e os dois têm uma conversa na garagem, eu pensei em um dos melhores momentos de "Audition", de Takashi Miike, quando o colega do protagonista, agindo como um verdadeiro amigo, tenta colocar senso na cabeça do protagonista, que se apaixonou por uma moça misteriosa cujas referências não batem com as investigações do amigo. Assim como o homem não dá ouvidos ao amigo e segue feliz & satisfeito dançando à beira do abismo, as insistentes advertências de Gal em "Kill List" caem em ouvidos surdos. Em uma participação modesta, mas vital à trama, Emma Fryer nos brinda com enervantes aparições, uma espécie de "sinal para os maus tempos". A personagem se move como um tigre a estudar, de uma área mais alta, as zebras desatentas de um vale. "Eu não gostei dela, no começo", Shel explica ao marido, ao conversar com Jay pelo skype. Interessante que o caráter de "Lady Macbeth" insufla Shel com um poderoso sexto sentido quanto à malícia alheia. De fato, desde o começo, Fiona marcara a família para o abate. Uma das cenas pivotais envolve a aparição de Fiona, vestida em camisola, acenando para Jay, que da janela do quarto vê somente uma figura feminina, sem fazer a conexão de que se trata da namorada do amigo. In bonam partem, a narrativa corre pelos trilhos clássicos do suspense político, quase nos moldes de coisas setentistas, tipo "The Parallax View" (Wheatley inclusive cita o filme de Alan J. Pakula como inspiração). Só em uma rápida passagem, "Kill List" tempera a jornada de Jay com uma pitada fantástica, afinal a visita de Fiona jamais é explicada. Teria ela seguido os dois matadores até a cidadezinha, apenas para acenar para Jay? Como antever que o rapaz se posicionaria diante da janela? Melhor ainda, como adivinhar o número do apartamento? A escassez de informações muito básicas deixa o ar tão rarefeito que à nossa imaginação cabe fechar lacunas. Eu levantei algumas questões dignas de debate: qual a ligação entre as pessoas da lista e a seita satânica? Por que um padre constava da lista? Por que as pessoas da lista evidenciavam um ar de alívio à visita do assassino, a ponto de o agradecerem por estarem sendo mortas, como se fosse uma honra?
Wheatley nos confiou a tarefa de conectarmos os pontos segundo nossas convicções. Eu creio que as pessoas da lista compunham as hostes do culto, e que morte pelas mãos de Jay representava uma honra, motivo de lisonja. No final, depois de esfaquear e matar mulher e filho, Jay, em estado catatônico, recebe uma coroa, sob os aplausos dos satanistas. Do instante em que Fiona sinalizou as costas do espelho, Jay estava "na engorda". Por mais que as aparências apresentassem o caso como mais um serviço, era óbvio que aquela gente da lista esperava pelos ataques, e sorria de satisfação sob a mira da pistola. A cada nova morte, Jay ganhava pontos dentro das hostes, de modo que apunhalar mulher e filho cristalizava a aclamação absoluta. Os satanistas queriam "coroar o rei", e por ter se permitido corromper, Jay perdeu sua alma. O papel do padre nos abre oportunidade para considerações intrigantes. Se ele conhecia e atuava no esquema do culto, sua existência poderia ser rastreada a um ataque do luciferianismo à sagrada instituição da igreja. Quando o vimos conduzindo preces no altar do presbitério, os fiéis oravam genuinamente tocados, mãos dadas na nave, alheios à real face do "agente infiltrado". A verdadeira natureza do padre, portanto, reforçaria a tese de que o Mal encontra variantes para nos sabotar, indo ao extremo de ardilosamente adicionar farsantes nas nossas casas e instituições para nos destruir por dentro. Fiona, por sua vez, pode ser interpretada como o súcubo, um demônio de aparência feminina, prova contundente de que aquela gente imoral não somente apreciava comportamentos e coisas negativas, como também havia estabelecido uma conexão direta com o Diabo, representado na Terra por Fiona, o demônio. De qualquer forma, a ausência de respostas nos deixa aturdidos, perdidos em um emaranhado de símbolos e imagens fortes. A própria menção ao "ocorrido em Kiev", ao trauma responsável por ter lançado o protagonista em oito meses de "aposentadoria forçada", engolindo pílulas para depressão, nos convida a refletir. Tenho suspeitas quanto ao acidente em Kiev, e vislumbro conexão entre os eventos em um lugar tão longínquo quanto a capital da Ucrânia, na Europa Oriental, e os fatos verificados em casa, na Grã-Bretanha. Durante a consecução do trabalho em Kiev, Jay deve ter acidentalmente matado uma criança, um imperdoável pecado, mesmo para um matador de aluguel. Se for o caso, seu inominável crime certamente assinalou o termo de venda da alma. Nesse caso, há oito meses, Jay já firmara a própria sentença, ainda que demandasse pouco mais de um semestre até que os planos do Diabo se pusessem em curso. Lembrem-se, O Cliente dá a entender a Jay e Gal que os matadores já lhe haviam oferecido seus préstimos no passado.
O diretor de fotografia imbui "Kill List" de elegantes enquadramentos reminiscentes de Stanley Kubrick em "O Iluminado" & "De Olhos Bem Fechados". Os planos capturam a essência do interior da Inglaterra, e a soma de detalhes junta peças do quebra-cabeça, um amplo plano de fundo que vai desde bairros típicos do working class britânico, tão bem imortalizados pela poesia visual de Ken Loach, a terrenos de construção com contêineres onde segredos imundos clamam por serem revelados, de motéis de cidadezinhas ao bosque às margens dos palácios dos ricos & privilegiados. Em contraponto ao plano de fundo (ou, melhor, justaposto ao mesmo), Laurie Rose rascunha para o diretor Wheatley construções verdadeiramente mefistofélicas, dignas de filmes igualmente perturbadores como "Lords of Salem", de Rob Zombie. O assassinato do membro do parlamento britânico, no bosque, utiliza visões similares às das obras de Zombie. Como sabemos, "Lords of Salem" nos choca com uma overdose de nudez frontal feminina, símbolos satânicos e representações pagãs. A sequência do bosque merece uma abordagem à parte, e ao introduzir a discussão, permitam-me pegar emprestada a trilha sonora de "Kill List", pois minha análise fará um link aos temas saídos da cabeça de Jim Williams, autor da mesma.
A trilha sonora de um filme pode ser encarada como metade do caminho para se chegar aos corações das pessoas. Não quero me limitar ao cinema, no que toca o ponto: quando sentimos saudades de Ayrton Senna, que música nos ocorre quase automaticamente? O tema da vitória, a canção instrumental do maestro Eduardo Souto Neto. O que teria sido de "Rocky", sem um compositor chamado Bill Conti? Alguns de vocês devem perguntar Mas quem é Bill Conti? Claro, vocês conhecem Sylvester Stallone, Carl Weathers, Talia Shire, Dolph Lundgren e Burgess Meredith, mas estranham o nome Bill Conti. Será que "Rocky" teria o mesmo impacto, não fosse a belíssima trilha que sublinha lindamente momentos cruciais, como quando Rocky sobe exultante os degraus do Museu de Arte da Filadélfia e ao final levanta os braços em celebração ("Gonna Fly Now"), ou o próprio desdobramento da luta, quando ele, mero pugilista de clubes vagabundos, encara o Campeão Mundial, e Apollo, que no começo não leva a luta a sério, logo passa a defender desesperadamente o título ao descobrir que, mesmo apesar de toda a surra imposta, não há nada que fará Rocky se entregar ("Going the Distance")? A trilha sonora ou catapulta um filme às estrelas, ou o afunda de vez. Filmes de horror precisam de mais do que imagens absurdas e apavorantes, elegante fotografia, enquadramentos caprichosos. A melodia a cercar a jornada possivelmente representa metade do caminho à unanimidade de público & crítica. "Under the Skin", a sinistra ficção científica dirigida por Jonathan Glazer, se serviu da trilha sonora de Mica Levi para reproduzir, melhor do que performances ou palavras, o sentimento de alienação, na estória de uma alienígena abduzindo homens nas estradas do interior da Escócia. Eu mencionei anteriormente que, no caso de "Kill List", não nos custa nem 10 minutos para prever o horror prestes a desabar sobre a cabeça dos protagonistas como lâmina de guilhotina. Há dois momentos-chave que eu gostaria de individualizar na trilha acima. Primeiro, aos 11:52, eis o instante em que Jay se prostra na cama, banhado por um sol muito fraco de fim de tarde, cujos raios penetram através do tecido puído das cortinas. Ele acabou de eliminar o primeiro nome da lista, e parece pensativo, com toda aquela breve conversa com Shel, depois de ela ter contado sobre a visita de Fiona. Existe algo na quietude da cena que trabalha como a calmaria antes da tempestade, e o matador de aluguel, cheio de saudade do filho pequeno, parece pressentir a tragédia iminente. Segundo, aos 19:10, temos a claustrofóbica descida pelas galerias subterrâneas ao bosque, quando os amigos são caçados por aquela gente estranha, dezenas de mulheres nuas com facas e instrumentos cortantes em mãos, avançando por espaços muito fechados, sem se deixarem intimidar pelos tiros do rifle de assalto de Jay. No instante em que os violinos passam a arranhar a melodia macabra, quando vi o filme pela primeira vez, senti como se o oxigênio tivesse deixado meu corpo. É uma cena genuinamente inquietante, e ao sabor de violinos, consegue se agravar ainda mais. A fuga pelos túneis sob o bosque me lembra uma cena de outro filme, "Estranhos Prazeres", de 1996, de David Cronenberg, sobre um publicitário e sua esposa, arrastados a um mundo de fetiches habitado por narcisistas ainda mais malignos que os protagonistas, que atrelam o prazer do sexo ao "rearranjo" do corpo através de acidentes automobilísticos. Eles reconstituem desastres famosos, como as mortes de James Dean e Jayne Mansfield, e, no ato da encenação, obtêm gratificação sexual ao colocarem suas próprias vidas em jogo. Em dado momento, o personagem vivido por James Spader assiste, ao lado da médica interpretada por Holly Hunter, à recriação da batida causadora da morte de James Dean. Subitamente, a Polícia Aeroportuária realiza uma batida na pista (o grupo dos fetichistas costumava se servir do local, uma pista periférica, não exatamente dentro do aeroporto de Toronto, mas nas cercanias, para as aventuras), e a turma inteira debanda para dentro do bosque, evadindo-se das autoridades. Na cena, você vê as réguas de giroflex dos carros de Polícia varrendo o espaço com luzes aquosas coloridas de neon (azul & vermelho) ao longe, no sentido da floresta escura, e as pessoas do seleto grupo morrendo de rir, correndo para dentro do bosque fechado, felizes por terem conseguido enganar novamente os agentes portuários. Naquele momento, o personagem de James Spader contempla que acaba de cruzar um limite muito perigoso. Ele colocou os pés em um mundo surreal, sem sentido, um universo habitado por narcisistas muito, muito piores que o próprio Spader, que virão para cima com toda sorte de manipulação e joguinhos psicológicos conhecidos pela humanidade, mesmo pelos mais astutos sociopatas. Os americanos têm uma expressão para definir situações do tipo, "All bets are off", ou, "Todas as apostas foram levantadas", em outras palavras, qualquer resultado pode acontecer. A mesma ideia se aplica à dupla de "Kill List". Esqueçamos, por um minuto, a questão do Diabo. Independente da existência ou não do próprio Lúcifer, que em filmes como "A Bruxa" assume inicialmente a forma de um bode e depois mais se assemelha a um pirata, as pessoas acima das galerias são gente má. Ali, deve haver pedófilos, estupradores, maníacos, praticantes de sacrifícios, entusiastas da "Nova Ordem Mundial" e, pior, a nata da high society, pessoas conectadas a atores dos bastidores do poder, como empresários, políticos e magistrados. Lembrem-se, os dois acabam de executar um membro do Parlamento Britânico! O culto não somente pode apanhá-los ali no bosque para impor Deus-sabe-o-quê a seus corpos. Eles têm meios de arruinar as vidas dos opositores e saírem impunes, e o mundo não é grande o suficiente para escondê-los, Jay & família, por muito tempo. A cena nas galerias me deixou indelével impressão pois somente naquele instante caiu a ficha, para mim, que deixar o bosque com vida não significa coisa alguma, apenas o protelamento do clímax. Assim como acontece a "Kill List", ainda que o Diabo não fale como o bode "Black Phillip" de "A Bruxa" ou adquira a forma humana de pirata, as pessoas que acreditam em tamanha maldade, no mundo real, podem ser ainda piores que sua referência intelectual.
"Kill List" desperta recordações de dois notórios, pérfidos escândalos, os casos de Jimmy Savile e "Franklin Cover-up". Jimmy Savile foi um dos mais poderosos apresentadores da televisão britânica, e manteve-se sob os holofotes por muitas décadas, dos anos 60 aos 90. Seu programa infantil "Jim'll Fix It" (1975-1994) não passava de desculpa esfarrapada para deixá-lo mais próximo de crianças desassistidas. Meu irmão, quinze anos mais velho do que eu, lembra-se do programa deste cara, e já então pressentia algo de errado com Savile. Ele gozava de livre trânsito pelos círculos do poder, e suas conexões com Margaret Thatcher (a quem chamava de "Maggie") e a família real britânica eram notórias, tendo inclusive lhe valido o título de "Sir Jimmy Savile". A internet está repleta de fotos onde o vemos na companhia do Príncipe Charles e outros membros da elite. O apresentador morreu em outubro de 2011, aos 84 anos, e aproximadamente um ano após o falecimento, a Polícia inglesa iniciou investigações acerca das denúncias de escândalos sexuais envolvendo seu nome. A Scotland Yard afirma que Savile estuprou um número próximo a trezentos indivíduos (números não-oficiais apontam abusos sexuais da ordem de quinhentos vulneráveis, a partir de crianças de dois anos de idade, em diversas instituições, como os estúdios da BBC, quatorze hospitais gerais e vinte hospitais para crianças espalhados pelo Reino Unido), no curso de quase meio século. A verdade pode ser muito pior e mais perturbadora. No grande esquema das coisas, o apresentador não passava de peixe pequeno em uma rede de pedofilia envolvendo gente responsável pelo destino de países. Savile tinha "as costas largas", graças a amigos poderosos cujas carreiras podem ser rastreadas aos bastidores da Downing Street. Muitas décadas antes da descoberta de seus horrendos segredos, Savile havia construído para si uma fachada de respeitabilidade, cortesia dos trabalhos para caridade. Entre outras instituições, ele arrecadou fundos para o Stoke Mandeville Hospital, Leeds General Infirmary e Broadmoor Hospital. Nos anos 80, Savile atuou ativamente em duas instituições de caridade que levavam o seu nome. Nos hospitais de Stoke Mandeville e Broadmoor, ele tinha seus próprios aposentos. Das fotografias que denotam os laços de amizade entre Savile e "Maggie", a mais notória é uma onde aparecem em um almoço para arrecadação de fundos para o Stoke Mandeville, em 1981. Crê-se hoje que, por trás da aparência da generosidade, Savile usava a posição privilegiada para pôr em prática seus desejos doentios. Em 2012, o Daily Telegraph publicou uma matéria sobre o caso, o depoimento de uma enfermeira da ala psiquiátrica de Broadmoor, nos anos 80. Ela garantia ter conhecido uma paciente que, à época, suplicou por socorro, dizendo-se vítima frequente do assédio de Savile. Em contrapartida, foi ridicularizada, porque ninguém acreditava na palavra de uma pessoa comum. O inquérito sobre o Broadmoor compilou denúncias de onze vítimas (seis ex-pacientes, dois servidores e três crianças). Dois dos casos de abuso sexual envolveram crianças do sexo masculino. Outra senhora, paciente do Leeds General Infirmary, testemunhou ter flagrado Savile aproveitando-se de uma menina com paralisia cerebral, confinada em uma cadeira de rodas. Savile fingia prestar visita, mas se realizava sexualmente graças à vulnerabilidade da paciente. Investigadores apontam o Leeds General Infirmary como o hospital onde mais colheram informações sólidas e incriminadoras. Mais de duzentas pessoas, entre membros de staff e ex-pacientes, tiveram depoimentos tomados. Os abusos cometidos variaram de comentários condescendentes e sexualmente carregados a apalpões e agressão, além de três casos confirmados de estupro. Alegações similares foram feitas sobre Savile quanto aos "trabalhos voluntários" no Stoke Mandeville. Uma mulher, Caroline Moore, afirma ter sido atacada aos treze anos, quando esteve no hospital para tratar lesões na espinha, em 1971. Ela diz "Eu me encontrava do lado de fora do ginásio, e ele chegou para mim e simplesmente enfiou a língua na minha boca e através da minha garganta. Eu contei a minha família, na época, mas eles não levaram a sério, pois ele era muito famoso". Como se vê, não obstante a avalanche de evidências contra o pedófilo, as mesmas só foram veiculadas um ano após sua morte. A timeline de conduta imprópria remonta a 1955, o primeiro incidente registrado pela Polícia de Manchester. Em 1960, Savile levou um menininho que lhe pedira autógrafo para dentro de um quarto de hotel e o assaltou sexualmente. Os estupros praticados no Leeds General Infirmary e no Stoke Mandeville Hospital iniciaram-se em 1965. O período mais ativo dos crimes começou em 1966, e se estendeu por uma década. No curso desses dez anos, registros indicam que foi em 1970 que as meninas da escola para garotas de Duncroft denunciaram as maldades cometidas pelo apresentador, e em 1972 houve registros de conduta obscena (carícias a um menino de 12 anos e duas garotinhas) durante a gravação do programa, "Top of the Pops". Em algum momento da década seguinte, anos 80, a Polícia Metropolitana recebeu a queixa de uma moça, apalpada por Savile no estacionamento da BBC de Londres. Estranhamento, a ficha do caso sumiu, e a queixa foi descartada. Nos anos 90, ele foi condecorado e recebeu o título de Sir Jimmy Savile. O pedófilo tentou sair de cena para se amoldar a uma vida mais discreta. Não surgiram novas denúncias envolvendo seu nome. Em 2009, a Polícia de Surrey reabriu os casos pendentes de Duncroft. Apenas dois anos mais tarde, em 29 de outubro de 2011, Savile morreu de causas naturais. Tendo em vista a timeline acima exposta, foi em outubro de 2012, um ano após o falecimento, portanto, que a emissora ITV exibiu um programa enriquecido por depoimentos de diversas mulheres, vítimas de Savile quando meras crianças. A matéria foi o estopim do tenebroso escândalo, quando diversas outras vítimas ousaram se manifestar, trazendo semelhantes depoimentos em grandes veículos. Até mesmo o então primeiro-ministro David Cameron se pronunciou, e disse que a BBC, como emissora de TV detentora de concessão pública, tinha muito a explicar. A história do escândalo de Franklin, Nebraska, por sua vez, começou com Lawrence E. King, importante figura local, diretor do Franklin Federal Credit Union, nos anos 80, até ser avassalado por tenebrosas acusações. As fontes de informação sobre o caso, escassas, podem ser contabilizadas nos dedos de uma mão. Muitas pessoas ou tiveram as vidas arruinadas ou morreram ao investigar a história. As bases para a reconstituição do ocorrido se devem a quatro trabalhos: um documentário produzido por um estúdio de TV de Yorkshire, Inglaterra, cujos jornalistas viajaram para Franklin para desvendar os segredos, e trabalharam com o pessoal do Discovery Channel, intitulado "Conspiracy of Silence", um livro escrito pelo jornalista investigativo Nick Bryant chamado "The Franklin Scandal: A Story of Powerbrokers, Child Abuse and Betrayal", um trabalho escrito pelo ex-senador e advogado John DeCamp intitulado "The Franklin Cover-up", e, finalmente, as transcrições do depoimento da vítima de abuso Paul Bonacci, no julgamento de Lawrence E. King. Estrela do Partido Republicano (em 1988, durante a Convenção Nacional Republicana, coube-lhe a distinção de cantar o hino nacional), King vivia de aparências, entusiasta de um estilo de vida repleto de festas extravagantes e viagens ao exterior, assessorado por uma entourage de guarda-costas e secretários. O papel de homem acima de suspeitas começou a ruir em novembro daquele ano, 1988, quando investigações preliminares da Receita Federal revelaram sua liderança no rombo de quarenta milhões de dólares nos ativos do Franklin Federal Credit Union (uma espécie de esquema Ponzi), mas só viria abaixo pouco depois, sob a acusação de sete crianças, que o reconheceram como mentor de abusos sexuais e lenocínio. Logo, pessoas do círculo íntimo de King também foram desmascaradas. Jarret e Barbara Webb (ele, membro da diretoria do Franklin Credit, ela, prima de King) tiveram suas problemáticas vidas íntimas devassadas, quando se soube dos horríveis abusos emocionais e físicos a que submetiam as crianças adotadas pelo casal. Uma das meninas do lar dos Webb, Eulice Washington, voluntariou-se para testemunhar que as crianças estavam sendo transportadas a várias festas em diferentes áreas de Franklin, onde Lawrence E. King e outras importantes figuras da sociedade local as violentavam. Eulice revelou que King levava algumas crianças em viagens através do país, em jatos particulares, para participarem de orgias montadas por pedófilos. Submetida a vários testes em detectores de mentira, Eulice passou em todos os exames. A Foster Care Review Board, uma espécie de ouvidoria para instituições de adoção, atuou ativamente na representação dos interesses das crianças, escrevendo muitas cartas para o Advogado Geral de Nebraska, recomendando investigações, mas os pedidos foram negados. Rumores ganharam robustez. King explorava as crianças de Boys Town, uma instituição de caridade católica para órfãos. Testemunhos reconstituíram a frequência de King no campus, onde escolhia as vítimas para o esquema. A diretoria negou conexões com King, porém, documentos comprovaram a ligação entre Boys Town e Franklin Federal Credit Union. Gente importante do FBI fez telefonemas para encerrar as diligências, declarando antecipadamente que as queixas não tinham fundamento. As autoridades locais se eximiram da responsabilidade com a desculpa de que haviam cumprido seu papel, diante das reclamações apresentadas. Posteriormente, entretanto, revelar-se-ia que nenhuma das autoridades entrevistara Eulice, ou mesmo tomara apontamento dos testemunhos das outras crianças, pelo menos até três anos após a formalização das queixas. Mesmo assim, o Chefe de Polícia de Omaha afirmou à imprensa que o trâmite administrativo fora cumprido. Na verdade, as crianças jamais foram procuradas pelo Chefe de Polícia, mais tarde apontado por pelo menos quatro meninos como participante das festas de King. Oficiais de polícia de menor hierarquia se empenharam para manter o inquérito sob segredo, ao menos por um tempo, porque pressentiram que o Chefe de Polícia agiria no sentido de encerrar os trabalhos. As denúncias tinham gravidade tal que oficiais redigiam os expedientes a mão, evitando o uso dos computadores e terminais do Departamento de Polícia de Omaha. Os agentes da unidade chegaram a mentir, quando o Chefe de Polícia os agraciou com uma visita surpresa para lhes perguntar se estavam trabalhando no caso de Lawrence E. King. Não satisfeito, o Chefe de Polícia arranjou a transferência de uma das mais combativas agentes, e a desacreditou ao enviar um ofício ao diretor do Omaha Public Safety, recomendando que a moça passasse por avaliação psiquiátrica. Muitos não acataram a versão oficial de que as denúncias não valiam mais que meras fantasias infantis. Um grupo de doze congressistas, encabeçado pela senadora Loran Schmit, criou uma comissão paralela de inquérito. Partindo da brilhante ideia de seguir o dinheiro envolvido no esquema Ponzi de King, o grupo rastreou os valores a despesas com festas sexuais. Loran Schmit diz que na mesma época recebeu uma ligação anônima, de um membro do Legislativo, que a orientou a encerrar os trabalhos da comissão do escândalo do Franklin Federal Credit Union, pois os efeitos colaterais respingariam nas sujeiras íntimas de gente da casta do Partido Republicano. A senadora largou o caso, e pôde se considerar bem afortunada, pois o assédio não passou da esfera moral. Não aconteceu o mesmo, por exemplo, ao investigador principal do comitê no senado, Gary Caradori. Ele era membro do comitê escalado para revisar os eventos em Nebraska. Patrulheiro aposentado e dono de uma firma de investigação, Caradori tinha um talento nato para encontrar crianças desaparecidas. Em novembro e dezembro de 1989, entrevistou três jovens aos seus 20 e poucos anos cujas infâncias haviam sido destruídas por Lawrence E. King. Caradori gravou mais de vinte horas de entrevista em fita. Os meninos entregaram o esquema das orgias, e pessoas de muito prestígio social assustaram-se com a possibilidade de vazamento. Caradori havia voado para Chicago, onde conseguira fotografias e provas das orgias. Antes de subir no avião para retornar a Nebraska, avisou a mulher que as pessoas envolvidas não teriam como negar seus papéis, as provas falavam por si. Ele retornava para casa em um pequeno avião particular, com o filho pequeno, quando a aeronave explodiu em pleno ar, segundo os relatos de testemunhas em terra. Reportagens da grande mídia, porém, ventilaram uma versão diferente (o avião teria explodido no impacto com a terra), certamente um complô para descaracterizar o óbvio trabalho de sabotagem. A pasta pessoal de Caradori, com as fotografias, jamais foi encontrada, e sua memória e honra pessoal sofreram viciosos ataques nos anos seguintes, uma tentativa de desacreditá-lo. A morte de Caradori assustou as testemunhas, e o caso foi progressivamente esquecido. O escândalo de Franklin, todavia, continua a intrigar uma série de pessoas familiarizadas com a lenda urbana. Como um vespeiro, quanto mais se mexe nos fatos, mais coisas absurdas e loucas surgem com seus desdobramentos. O escândalo de Franklin permanece intimamente ligado a um outro, tão sinistro quanto, o da abdução de Johnny Gosch, em 1982. Se eu fosse falar sobre o caso Johnny Gosch, a resenha derivaria, e perderia o foco, a discussão sobre o filme. Basta dizer que é um dos desdobramentos mais horríveis do escândalo de Franklin. Absolutamente inacreditável.
Eu ilustrei o trabalho com as tétricas histórias acima para reiterar uma opinião: no caso dos personagens de "Kill List", a única coisa pior do que se perder a alma é a implicação das tempestades para onde pessoas insuspeitas caminham, quando deveriam saber melhor. Não difere tanto assim do protagonista de "De Olhos Bem Fechados", ao "se convidar" à festa na mansão Somerton, dos Rothschild, e entrar clandestinamente na orgia perpetrada pelos Illuminati. De uma hora à outra, você se descobre no horrível mundo real, bastante diferente da versão mentirosa que nos é enfiada goela abaixo. Refiro-me ao mundo por trás das cortinas, de onde poucas pessoas inescrupulosas dirigem os eventos do mundo e nos movem no sentido do caos. Faço proveito de uma brilhante linha de diálogo de um filme do grande Sidney Lumet, cena entre o veterano Albert Finney e um maravilhoso character actor, presença constante nos filmes de Lumet, já falecido, Leonardo Cimino. O personagem de Finney acaba de ter descortinado por Cimino, diante dos próprios olhos, o envolvimento dos filhos em uma tragédia familiar, seus papéis os de mentores do assalto que resultou na morte da esposa (e mãe dos rapazes), e ele desaba pesadamente sobre a cadeira, quase em estado de choque catatônico, arfando por ar. Cimino então lhe diz, de forma sabedora "O mundo é um lugar terrível, Charlie. Algumas pessoas ganham dinheiro com isso, outras são quebradas ao meio". Em "Kill List", Gal e Jay são atraiçoados pela falsa sensação de impunidade. A experiência nas Forças Armadas e o fato de virem enriquecendo o currículo vitorioso com serviços bem-sucedidos (Kiev excetuado) embargaram o sexto sentido de predador que, ironicamente, os levou longe na carreira pelo submundo. Embora Gal caia na real após o segundo assassinato e até sugira que deixem o trabalho, Jay se sente imbatível, acha que não há ninguém tão malvado quanto ele. Mesmo convicto da própria frieza, lembremos que Jay chorou ao assistir aos vídeos do pedófilo no computador. Mesmo matador, ele ainda é chefe de família, afinal de contas, e não concebe violência direcionada a crianças. Nesse diapasão, Jay se esquece de que as pessoas atrás das câmeras, responsáveis pelo ato, não nutrem uma gota de remorso pelo cometimento dos abusos. Violência do gênero, para gente tão louca, não vale mais do que passeio no parque. Quando Jay transitou pelo submundo de satanistas e pedófilos, ele se arvorou no direito de encarar as trevas, iludido com a invencibilidade do passado. Ele acabou queimado. Jay não esperava que as trevas o encarassem de volta. A conclusão não nos diz muito sobre o que será de Jay, mas o olhar demonstra claramente um espírito quebrado. Ele sai da experiência como cacos de vidro cujas partes jamais voltarão a se encontrar. Para os membros do culto, o resultado serviu como uma luva. A brincadeira se resumiu a um jogo de cartas marcadas, ao charme da espera. Quando você dança com o Diabo, não é o Diabo quem muda. O Diabo muda você.

Amigos, gostaria de aproveitar a oportunidade para deixar meus votos de Feliz Natal & Próspero Ano Novo, caso não volte a postar até dezembro. Não posso agradecê-los o suficiente pela generosidade de acompanhar o trabalho no blog. Permitam-me desfechar a resenha com um trecho do livro "Introdução à Nova Ordem Mundial", do Sr. Alexandre Costa, cuja sensibilidade lhe permitiu descrever com objetividade parte dos temas explorados pelo filme:
"A NOVA ORDEM MUNDIAL SERÁ UMA DITADURA totalitária disfarçada de democracia, mas sem alguns dos seus principais parâmetros. Não teremos liberdade de expressão, presunção de inocência, igualdade de direitos perante a lei e outros direitos naturais. Continuarão existindo partidos, cargos e um sistema eleitoral, mas só serão permitidos candidatos que estejam dentro de um espectro político bem estreito, e mesmo seus extremos devem continuar dentro da margem de segurança. Esta farsa já está em funcionamento em muitos países, inclusive no Brasil.
As liberdades individuais serão extintas, e os interesses da coletividade estarão sempre acima dos direitos individuais. O poder do governo será total e todas as atitudes humanas serão controladas.
Os valores serão invertidos, as virtudes serão perseguidas e os pecados exaltados. A promiscuidade será regra, como previu Aldous Huxley em Admirável mundo novo.
Família e laços de amizade incondicional serão proibidos ou vistos como atrasados, 'não solidários' ou até mesmo como atos perniciosos. A educação infantil será em tempo integral para permitir melhor condicionamento. Passarão o dia todo na escola e sua convivência com familiares se dará apenas nos finais de semana sem atividades escolares programadas. As pessoas serão cooptadas pelo sistema desde a infância, da mesma forma e com os mesmos interesses que os porcos raptaram os filhotes da cadela em A Revolução dos Bichos.
Vigilância e controle estão na essência da Nova Ordem Mundial. Os indivíduos serão vigiados no trabalho, nas ruas e em casa. Sob algum pretexto de segurança, serão obrigatórias câmeras nas residências, como no livro 1984 de George Orwell. Todos os objetos, pessoas e documentos serão rastreáveis. Os chips indicarão tratamentos médicos obrigatórios. Todos serão obrigados a exames frequentes para prevenir 'doenças' ou possíveis comportamentos inconvenientes ou 'perigosos'.
O sistema financeiro internacional controlará a vida do indivíduo na medida em que o dinheiro físico não mais existirá e o lastro não será nem mesmo lembrado. O dinheiro eletrônico vai permitir o poder econômico absoluto em pouco tempo, ou seja, ao produzir dinheiro do nada, os bancos internacionais tendem a controlar todas as propriedades e recursos do planeta em não mais do que algumas décadas após o fim do dinheiro em espécie.
O chip de identificação (RFID), que já é uma realidade, será obrigatório. Seu substituto natural será menos invasivo e talvez apenas uma marca na pele seja suficiente. Próteses e implantes não serão mais acessórios indesejados e passarão a ser objeto do desejo e sinal de status. Como no livro Neuromancer, de Willian Gibson, implantes serão utilizados para amplificar a capacidade e a potência dos sentidos e dos órgãos. Não será incomum pessoas amputarem seus membros para substituí-los por próteses sofisticadas. O transumanismo fará parte do dia-a-dia, assim como a misturas genéticas entre humanos e animais. Implantes de órgãos sensoriais interligados com sistemas de informação poderão gravar e transmitir todas as informações vividas e os aparatos de controle estarão dentro do indivíduo.
Rebeldes serão caçados por redes integradas de câmeras e sensores, ou deletados do sistema e desta forma não poderão comprar, viajar nem entrar em qualquer edifício. Qualquer resistência enfrentará o mais sofisticado sistema de repressão já conhecido, com poder e tecnologia inimagináveis.
Todas as formas de comunicação serão efêmeras. Os registros da História serão todos feitos em suporte digital, o que permitirá recontar fatos históricos de acordo com a circunstância e o interesse do governo.
No início, apenas a religiosidade vazia será permitida. Mais tarde toda e qualquer forma de manifestação religiosa será desmotivada, reprimida e punida. O ateísmo será a religião oficial, mas o objetivo dos planejadores da Nova Ordem Mundial é o satanismo, que eles costumam chamar de luciferianismo.
Estes são os desdobramentos que vejo para a situação atual. Minha previsão é realmente negra. Acredito que se não acontecer uma interferência divina, teremos um futuro macabro. Mas como a História é dinâmica, muita coisa pode mudar, algumas podem atrasar, outras podem acelerar. Nada mais posso dizer sobre o futuro".
(COSTA, ALEXANDRE. Introdução à Nova Ordem Mundial. 2ª Edição. São Paulo: CEDET – Centro de Desenvolvimento Tecnológico e Profissional, 2015. 133 p.).
"Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida". - Jesus Cristo.