





Inconformada com o fim do casamento, Carol aparece no trabalho de Lester para armar um escândalo. Com os filhos no banco traseiro, ela surpreende o marido ao jogar na sua cara que está sabendo do caso extraconjugal. O xerife tenta acalmá-la, mas Carol responde desferindo socos nas suas costas ao tentar entrar no Distrito. Lester consegue segurá-la, os filhos assistindo a tudo apavorados, chorando e suplicando para que o pai retorne. A briga desperta o xerife para o fato de que precisa voltar para casa, para consolar a mulher e preparar os filhos para o rompimento. Ao pedir um tempo para Kathy, ele a acaba deixando insegura, o que traz à tona os velhos demônios. Ao bater à porta da velha casa, Kathy é atendida por Nadi. Por sorte, Massoud não se encontra, de modo que as duas têm como conversar melhor. Ao contrário do marido, Nadi não nutre antagonismo algum por Kathy, que sabe que tem melhores chances de explicar a situação para a mulher. Kathy diz que quer colocar um ponto final naquela briga. Nadi chora e vocaliza o temor de acabar deportada de volta ao Irã. Kathy tenta consolá-la.


Um dos melhores filmes de suspense da década passada, "House of Sand and Fog" permanece largamente desconhecido pelo grande público. Lançado em uma temporada particularmente competitiva em 2003, o filme foi obliterado pelos mais aclamados "21 Gramas" e "Monster", ambos excelentes dramas que renderam indicações ao Oscar às suas atrizes, Naomi Watts e Charlize Theron, Theron tendo inclusive ganhado pelo seu papel como a serial killer Aileen Wuornos. Mesmo sufocado pelos fortes concorrentes, "House of Sand and Fog" colheu elogios da crítica especializada, e não apenas rendeu indicações ao prêmio da Academia para Sir Ben Kingsley & Shohreh Aghdashloo como também confirmou a talentosíssima Jennifer Connelly como uma das melhores atrizes de sua geração, seguindo o ressurgimento artístico iniciado com "Uma Mente Brilhante". Sir Ben Kingsley, o ator britânico tão aclamado que lamentavelmente vem sendo escalado como o "vilão da hora" de grandes produções, aproveita a oportunidade para criar seu melhor personagem em décadas, o tipo de desafio que nos faz lembrar que o ator é o mesmo homem que interpretou figuras tão queridas quanto Gandhi. Ron Eldard completa o elenco principal como o policial bem intencionado que vem a se apaixonar por Jennifer Connelly. Aqui me fazendo lembrar um jovem John Travolta, Ron Eldard não destoa dos colegas em sua performance afinada, realmente capturando a confusão do homem comum dividido entre a vontade de refazer a vida e as limitações impostas pelo delicado momento quando a única coisa que não está ao alcance parece o ímpeto de jogar a vida pretérita pela janela para recomeçar ao lado de uma nova companheira. Alguns anos mais tarde, Jennifer Connelly atuaria em um drama muito interessante onde veríamos um protagonista metido em semelhante dilema. Refiro-me a "Pecados Íntimos" e ao personagem vivido por Patrick Wilson, casado com a fotógrafa interpretada pela Jennifer e perdidamente apaixonado por uma moça do bairro, vivida por Kate Winslet: anestesiado pelo tédio de anos de convivência e rotina, é a chegada de uma nova pessoa e o romance impossível que arrancam de dentro de si o tipo de paixão que julgava ter perdido há muito com a juventude. Em "House of Sand and Fog", a angústia do dilema entre acomodar-se à segurança familiar para arriscar tudo com o novo amor fica bem representada pelo impasse que o personagem atravessa até o desastroso fim. Em que pese a tragédia dever-se ao atrapalhado plano colocado em movimento por Lester, Ron Eldard atua tão bem que não perdemos de vista suas boas intenções, a todo instante transmitindo a imagem de um homem movido por objetivos altruístas, mas despreparado a ponto de pôr tudo a perder, principalmente quando desapega da razão para se deixar levar por pura emoção.


A batalha entre Kathy & Lester contra Behrani dá oportunidade de sobra para que o diretor explore o suspense em torno de como o embate acabará, porém surpreendentemente "House of Sand and Fog" mais assemelha-se a um pequeno e intimista drama a um típico thriller. Ao não fazer diferença alguma entre os dois lados em conflito, o filme não nos "empurra" para a "torcida" de nenhuma das partes. Todas elas guardam limitações muito compreensíveis e qualidades admiráveis, mesmo ao final não nos deixando confortáveis para "escolher" um vencedor. Em uma brava opção, a história não oferece o "lado certo". Assim como acontece na vida real, aos personagens fragilizados graças aos próprios problemáticos passados não cabem resoluções bem amarradas, todavia diferente do lugar comum de filmes similares, no caso das personagens de "House of Sand and Fog", ao menos eu senti muito pelos becos sem saída onde haviam se metido, principalmente por o terem feito por ignorância, e não malícia. Kathy aparece na vida de Lester e por mais que suas responsabilidades o proíbam, ele se apaixona, algo louvável, mas perigoso. Ele está disposto a ampará-la no momento mais delicado da vida, mas então suas escolhas temerárias para salvá-la os afundam em situações das quais não podem sair impunemente. Massoud sacrifica a vida em prol do bem estar de sua família, todavia seu orgulho cego embaralha o senso de preservação. Sublinhados por um sentimento de decência e justiça, é na execução no mundo real onde trocam os pés pelas mãos e definitivamente se perdem cada vez mais. A história segue nessa sucessão de erros até o final desastroso, enquanto assistimos ao doloroso processo impotentes.

Dirigido pelo relativamente novato Vadim Perelman, "House of Sand and Fog" desenrola-se com as voltas e reviravoltas que jamais o deixam perder ritmo. A ligação de Perelman à história ressoou a um nível muito íntimo, pois assim como o Massoud Amir Behrani, Vadim conheceu as dificuldades envolvidas em recomeçar em um país estrangeiro. Nascido em Kiev, Ucrânia, o diretor experimentou uma infância difícil de pobreza absoluta, até encontrar no cinema sua verdadeira vocação. Criterioso ao extremo, custa a escolher um projeto a se dedicar, pois quando se compromete, o faz de corpo e alma. Não por menos, logo após o lançamento de "House of Sand and Fog", em 2003, seu nome tenha sido vinculado ao complicado projeto de refilmagem do clássico "Poltergeist". Apesar de a execução ainda não ter começado, Perelman tem dirigido esporadicamente obras menores e interessantes, como o intrigante "Life Before Her Eyes". Assim como alguns outros nomes, Perelman é mais um dedicado cineasta criador de uma excelente obra original à espera do novo projeto que o consagre de vez como nome forte. Esse intervalo anti climático entre o sucesso de uma primeira experiência e a expectativa do filme que virá para superar o anterior me lembra a situação de outro excelente cineasta, o diretor Brad Anderson, que após rodar "Session 9", um dos melhores filmes de horror da década passada, ainda está para criar uma nova produção tão marcante quanto o primeiro trabalho.
O conjunto tão inspirado, da equipe técnica ao elenco, tem no desempenho da Jennifer Connelly (na foto ao lado do colega Ron Eldard na estreia do filme) a cola que mantém o todo coeso. Rodado em 2002, "House of Sand and Fog" parece o veículo perfeito para a atriz, `a vontade para interpretar personagens atormentadas e problemáticas. Sua Kathy Nicolo não difere tanto assim da Marion Silver de "Réquiem para um Sonho", ambas mulheres assombradas, perdidas, a quem Jennifer empresta a melancolia que somente seus olhos tristes podem imprimir. "House of Sand and Fog" prova que como artista, Jennifer Connelly prefere desafios a uma carreira mais comercialmente confortável. Sua escolha por dramas independentes complexos como "Pecados Íntimos" a produções mais financeiramente rentáveis - a atriz Naomi Watts deve sua carreira `a Jennifer Connelly, afinal de contas à Jennifer foi primeiramente oferecido o papel da protagonista de "O Chamado", por exemplo - reflete sua obstinação de se pôr `a prova sob desafios, o que vem rendendo uma carreira muito interessante em suas peculiaridades. Sua personagem, uma mulher atormentada, paga um alto preço até mesmo ao conquistar o suporte de um homem, afinal, como sabemos, ao encontrá-la, Lester é um homem casado que precisa voltar todos os dias são & salvo para casa, para esposa e filhas. Tudo fluiria mais facilmente não fosse pela boa natureza de Kathy, que se sabota por não conseguir viver consigo mesma ao "arrancar" um pai de família do lar. Jennifer mostra seu absoluto melhor com personagens semelhantes, vilãs intrigantes com consciência e sentimentos. Kathy entrega a relutância em momentos distintos, como no carro com Lester, por exemplo, quando ambos sabem que fatalmente acabarão na cama, mas ela sente que precisa mencionar a esposa porque parte de si odeia-se por estar "roubando" o homem de outra. Simultaneamente, nos faz perfeito sentido quando, apesar da racionalização tacanha de Lester - ele explica que hoje Carol se tornou mais sua melhor amiga do que esposa - Kathy escolhe silenciar o próprio remorso para finalmente seduzi-lo à cama e concretizar a traição. De fato, vilãs humilham e destroem, ocorre que as de Jennifer Connelly o fazem com olhos marejados e semblantes entristecidos, como uma algoz sem alternativas. Em qualquer outra atriz, tristeza e olhos expressivos não valeriam muito, mas em Jennifer Connelly significam o mundo. Por mais que haja tempo para se afastar, suas vítimas não fazem muito sentido do que está acontecendo, até que "deixar" não represente uma alternativa: a única opção é sucumbir à destruição. Não bastasse o canto de sereia que emana tão facilmente, seus olhos têm visão "Raio X". Enquanto ela mais se assemelha a um segredo guardado dentro de um enigma, por mais que você tente mascarar seus próprios sentimentos, ela consegue enxergar através dos estratagemas. De mais formas que eu conseguiria enumerar, eu realmente acredito que só diretores mais melancólicos ou sombrios como David Cronenberg, Clive Barker ou Brian De Palma explorariam melhor a eletricidade existente logo atrás da superfície de cada performance de Jennifer Connelly. Eu assisti ao último filme do cineasta David Fincher - o criador de obras tão macabras quanto "Zodíaco" & "Se7en" - e imaginei que teria se saído extraordinária como a vilã de "Garota Exemplar", o suspense sobre um rapaz casado arremessado a uma cilada pelas mãos da esposa. Tendo crescido assistindo fascinado a seus filmes, também sempre fui apaixonado por cinema, e quis estar "do lado de lá", dirigindo aquelas histórias e gente que deixaram uma impressão tão importante sobre meu imaginário, como Clare Higgins em "Hellraiser" & Genevieve Bujold em "Gêmeos Mórbida Semelhança". Como minha atriz preferida, é claro que eu queria tê-la visto ao lado do meu ator favorito, Burt Reynolds, e talvez porque soubesse que jamais seria um diretor, tenha começado a "fazer filmes" de maneira diferente, afinal de contas, rodar filmes não deve diferir muito de escrever histórias. Enxergando as qualidades sobre as quais falei acima, sobre a Jennifer Connelly, procurei escrever algo que aproveitasse tais elementos, daí minhas três incursões pelo "mundo da escrita". Escrevendo "Nenhum Passo em Falso", soube de imediato que estava incorrendo em risco ao enquadrar sua persona de vilã para logo humanizá-la, a ponto de criar a empatia de quem lê a história pela sua figura, e é aí onde acho que a aposta deu certo, pois quanto mais confusas as pessoas se sentissem em relação aos protagonistas, mais saberia que estava no caminho certo para criar uma história interessante. "Nenhum Passo em Falso" foi uma das três histórias que nasceram dessa necessidade de expressão, o tipo de coisa que como amante do cinema gostaria de ter assistido ou oferecido aos dois, a quem amo, pois acho que teriam feito algo extraordinário com os papéis, e mesmo que tenha permanecido no plano da fantasia, sempre declinei antes dos trabalhos que aquelas pessoas haviam sido criadas especialmente para os dois. Em "Nenhum Passo em Falso", quando um publicitário viúvo (o personagem que escrevi para Reynolds) resolve reconstruir a vida emocional ao lado de uma moça que conhece durante um processo de audição para uma mini série, ele provoca a fúria da melhor amiga (personagem escrito para a Jennifer Connelly), por quem o homem foi apaixonado pelos últimos seis anos desde que perdeu a esposa para um câncer. Quando ela percebe que está perdendo aquela devoção incondicional, a revelação é apenas o estopim para uma situação explosiva de sentimentos mal resolvidos. O suspense gira em torno do misterioso desaparecimento da nova namorada, e das voltas que a história dá para reaproximar os dois protagonistas - a melhor amiga & o publicitário - para compreender a natureza do amor que os liga ao colocá-los em puro confronto psicológico. Embora verdade que de minhas próprias experiências eu tenha tirado o material para criar essas situações, também o é que foi pelo cinema que aprendi a como contá-las, as coisas de Brian De Palma, David Cronenberg, e Clive Barker, entre tantos outros, ou mesmo os empoeirados, datados filmes de Sessão da Tarde estrelados pela Jennifer, ou pelo Burt, moldes para tirar referidas ideias do imaginário para traduzi-las em imagens, ou melhor, palavras, por mais que no frigir dos ovos eu não passe de apenas um cara que admira a arte dessa gente e os ama tanto quanto ama a própria vida. Pela influência cinematográfica desses filmes, por exemplo, escrevi momentos dos quais realmente me orgulho na história, como quando o personagem de "Nenhum Passo em Falso" vai dar um beijo de boa noite no filho pequeno. Nesta altura da história, o garotinho, que é louco pela tia (a personagem que eu escrevi para a Jennifer Connelly), sente o pai "diferente" quando a mesma está por perto. Se no começo o garotinho a amava, passa a ressenti-la quando pressente que os dois começam a se apaixonar, porque acha que "tomará o lugar" da mãe morta. Enfim, na cena, o garotinho pergunta ao pai se ela (na história, ela se chama Kylie; e o personagem de Burt Reynolds, Eric) substituirá a mãe e se o pai a ama. A resposta que ele dá sintetiza toda a confusão envolvida no impasse, quando Eric diz algo nas linhas de que amor não deve ser tomado como aquilo a que as pessoas costumam assistir em dramas românticos estrelados por Rachel McAdams. Talvez o menos compreendido dos sentimentos existentes neste mundo, o amor só pode ser compreendido em partes, porque na verdade ninguém realmente "o viu". Ao contrário, ao longo de uma vida, e com muita sorte, um ser humano enxerga - não apenas ver, mas sim enxergar - algumas evidências de sua presença, pequenos momentos reveladores pelos quais parece ao alcance dos dedos, todavia apenas por alguns segundos. Amor seria o extremo oposto da posse ou da amizade requentada quando duas pessoas se acostumam ao que se convenciona chamar casamento, por exemplo. Eric faz questão de destacar ao filho que amar & perder se confundiam pois eram praticamente a mesma coisa. Amar era querer tanto bem a alguém que nada parecia mais forte do que a vontade de tê-la por perto; tão forte que paradoxalmente se sentia liberado por deixá-la partir com outra pessoa apenas porque sabia que teria uma vida mais confortável, algo que jamais ocorreria com os dois juntos, porque sabe que dois seres humanos não poderiam jamais sobreviver por muito tempo a um sentimento tão poderoso. De certa forma, o que ele acaba passando para o filho Charly é que amar a tal amiga havia sido uma missão onde simultaneamente tivera o coração partido, e no entanto fora compensado de forma incomum. Diferente do começo, quando ele ainda estava se apaixonando, o objetivo aparentemente desejado - terminar a seu lado - passa a não importar muito ao final. Na verdade, falando-se de amor, o resultado seria o de menos; a jornada, tudo. O fundamental não é o alcance do objetivo, mas a força da fantasia envolvida. Na história, ela só parece enxergar de maneira semelhante a Eric quando ele finalmente procura dar as costas para a experiência, em busca do recomeço com outra mulher, como se o significado de tudo finalmente penetrasse sua mente justamente ao perder a posição privilegiada na vida do amigo, o que dá início ao suspense. E quando Eric termina sua fala, e dá o beijo de Boa Noite para deixá-lo, e o filho, uma criança inocente, lhe pergunta por que as pessoas falam tão bem de amor e fazem votos de experimentar algo semelhante, quando o sentimento só traz dor, ele responde "Eu não sei, Charly. Eu gostaria de saber". Ao assistir `a performance assombrosa de Jennifer em "House of Sand and Fog", eu soube que para uma história que aborda amor de uma maneira tão brutalmente honesta, uma vilã só poderia convincentemente existir pela sua persona. Ao menos, o protagonista é maduro o suficiente para saber o que esperar ao arriscar amá-la. E ao final, quando ela o destrói, ela o faz com os olhos tristes que não justificam, mas reiteram toda a filosofia de Eric sobre o assunto.