Mais um ano chega ao fim. Não bastasse 2015
ter oferecido filmes tão interessantes, obras que instantaneamente fizeram por
valer seus lugares ao lado de clássicos consagrados que vêm compondo meu imaginário por tanto tempo, o mês de
dezembro fecha o ano com chave de ouro, com 4 lançamentos nada menos do que
extraordinários. Os filmes sobre os quais discorrerei na resenha pertencem a
gêneros distintos: "Sinister 2" & "Creep" ilustram a opinião já tão ventilada nesse blog de que é
do time criativo da Blumhouse Productions de onde partem os melhores filmes de horror da atualidade, o independente "The Conspiracy" nos lembra de que do âmbito
do cinema independente os cineastas mais destemidos se revelam com estreias
contundentes; e, por fim, "Boulevard" nos permite olhar para um ícone do cinema sob uma
diferente perspectiva da que já havíamos nos acostumado. Robin Williams tem o
rosto automaticamente associado a comédias, e seu novo filme, objeto de parte
da resenha, lhe proporcionou a valiosa oportunidade de desconcertar o público cativo com uma
novidade que traz à tona diferentes truques de um incontestável talento. "Sinister 2", "Creep", e "Boulevard" são produções recentes, "Boulevard" inclusive o último
filme de Williams antes de sua morte em 2014, "The Conspiracy" foi rodado em
2012, porém como toda joia do circuito cult, somente foi descoberto alguns anos após o
lançamento, pela força dos rumores ventilados por gente que o conhecia e lhe tecia elogios rasgados, angariando interessados que se tornaram novos fãs. Eu cheguei a
"The Conspiracy" através de recomendações de fãs de "Creep". Essas pessoas enxergavam nas duas
produções o tipo de energia rara nas coisas em cartaz nos multiplexes. Os filmes serão
exaustivamente esmiuçados mais adiante, porém é seguro afirmar que independente
de suas diferenças – tratam-se de gêneros & tramas bem específicos – as 4
obras guardam uma característica em comum, o ponto que lhes vale o estudo em um mesmo artigo: as produções permanecem frescas na memória muito tempo após os termos visto,
por diferentes razões. Em tempo de coisas muito voláteis – boas, mas
voláteis – a afirmativa acima goza de ressonância, mas acreditem, eu apreciei
abordá-los justamente por conta dos detalhes sobre os quais vale à pena
discutir. Hoje, ao observamos um cinema cada vez mais atrelado a grandes efeitos e
espetáculo, escrever sobre detalhes soa ridículo. Se a sustentação de interesse se
fundamenta justamente na grandiosidade de cenas concatenadas em êxtase virtual, como se pensar em
detalhe quando é o conjunto que merece importância? Ocorre que ao menos para mim os
detalhes sempre encontraram um jeito de capturar meu olhar, e se nenhum dos
filmes objeto da resenha evocam cenas visualmente bombásticas, pelo viés dos
detalhes sustentam o mistério e te envolvem como lençóis mornos sem que você se
dê conta até perceber que não consegue pensar em outra coisa.
Quando Robin Williams se foi em agosto
de 2014, as pessoas lamentaram sua perda, vez que por força de tantos filmes memoráveis e ensolarados,
haviam se acostumado a enxergá-lo como alguém de casa, uma pessoa do convívio, como um tio querido e engraçadão, ou mesmo
uma figura paterna substituta. Williams era um homem muito querido, apenas não tinha noção do alcance de seu apelo, afinal sabe-se hoje sobre a luta contra a depressão, uma guerra que
o astro lamentavelmente perdeu em agosto do ano passado. Os fãs se recordaram de Williams pelos saudosos
blockbusters que o tornaram icônico, todavia eu não tive como evitar a decepção
ao constatar que embora tenha recebido o devido respeito, suas melhores
performances, encontradas justamente em coisas independentes, menores e
sombrias, rodadas a baixo orçamento, permanecem largamente ignoradas. Eu me refiro
a "Retratos de uma Obsessão", a "Segredos na Noite", a "Violação de
Privacidade" e a "Boulevard". Se os amigos sentem saudade de
Williams, recomendo que deem uma chance aos filmes menores. Pouco viáveis
comercialmente, tiveram sobrevida no circuito de arte e depois em DVD. Agora, estão ao alcance dos fãs
dispostos a conferi-lo em seus momentos dramáticos mais contundentes, sombrios e
reveladores.
Nolan Mack (Robin Williams) é um
executivo de estatura em um conceituado banco. Aos 60 anos, leva o trabalho
muito a sério, e conhece como poucos o intrincado funcionamento da
burocracia do sistema. Dotado de uma visão mais humanista, Nolan usa sua
posição na hierarquia para fazer a diferença na vida das pessoas a quem atende,
como quando por sua recomendação o banco aprova o financiamento do imóvel que um jovem casal gay pretende adquirir. No início do filme, o vemos visitar o
pai idoso e doente, hoje assistido em um asilo. Apesar das manifestações de
apreço do filho, o senhor se trancou em inexplicável mutismo há algum tempo.
Ao nos guiar pela rotina matinal de Nolan, o diretor nos abre uma janela para
dentro do dia a dia daquele homem absolutamente ordinário. Nós o vemos cumprir os rituais do despertar, tão
familiares a todos nós, e visitar a esposa Joy (Kathy Baker) no quarto. Embora se tratem
amorosamente e a cumplicidade entre os dois evidencie-se mesmo nos pequenos detalhes, Nolan e Joy se
habituaram a dormir em cômodos separados. Arrumado para o trabalho, Nolan leva
um chá para a esposa, que lê um livro na cama. Eles trocam palavras amáveis, impressões
sobre o livro, e se desejam um Bom Dia.
No escritório, Nolan atende a um casal homo afetivo. Os rapazes darão um importante passo no compromisso:
adquirirão juntos um imóvel. Para isso, precisam da aprovação preliminar do banco para o empréstimo. Ao
recomendar ao diretor a transação, dado o histórico de honestidade dos clientes, Nolan torna o sonho do
casal possível. Quando leva a papelada para a assinatura do diretor, o
cavalheiro tece elogios à dedicação de Nolan, e cita os 25 anos ao longo
dos quais tem demonstrado fidelidade e eficiência fora de série. Ao perguntar
o que Nolan deseja mais para a vida, o Sr. Beaumont (Henry Haggard) emenda a questão com a novidade de que o banco abrirá uma nova perna de operações em
Belverde Park, de modo que criará a vaga para uma posição de enorme importância
no organograma. Beaumont deseja que Nolan assuma a cobiçada pasta da gerência. Tocado, ele responde que pensará a respeito. Beaumont conta que a
recomendação para a vaga se encontra na mesa do Presidente Regional, e sugere
um jantar entre amigos, com o Presidente Regional como convidado, para selar a
promoção. A secretária entrará em contato para acertar os detalhes.
Naquela noite, Joy e Nolan receberão
Professor Winston (Bob Odenkirk), um querido amigo do casal, para jantar. A interação entre
os dois na cozinha, cuidando da comida no forno e demais preparativos, só destaca ainda mais a cumplicidade do
casal. A comida já está no ponto, mas Joy se esqueceu do vinho. Nolan
trata de buscar um da melhor safra no supermercado local. Professor Winston
comparece ao jantar com a nova namorada, uma moça chamada Patty. Aparentando por volta de 30
anos, Patty é no mínimo duas décadas mais jovem do que Winston, no entanto eles se dão muito bem e parecem gostar da companhia um do outro. Winston anima o
jantar com um papo bem-humorado sobre miscelâneas da vida no campus. Ao falar
sobre um cruzeiro que fez recentemente com Patty, Winston dá uma boa ideia a
Joy, que comenta ao marido que adoraria realizar semelhante viagem com
Nolan. Winston brinca que nem imagina seu amigo tirando férias: ele sempre viveu
para o trabalho! O professor sugere que se Nolan se ausentar para o cruzeiro, o banco irá à
falência, ou melhor, se até mesmo aceitar a promoção e se mudar para a outra filial
em Belverde Park, o banco onde trabalha entrará em declínio do mesmo jeito. Joy
não sabia da novidade ainda, Nolan contou primeiro ao professor, não à
esposa.
Após a reunião, Nolan ajuda a esposa a
lavar a louça, e explica que falaria sobre a promoção mais tarde, pois ainda não tem certeza. Ele recebe
uma inesperada ligação do asilo. O pai sofreu uma emergência médica e se
encontra na UTI. Já é tarde da noite quando o pensativo Nolan deixa o hospital,
e ao passar por uma parte mais perigosa do centro, avista o passeio público onde
garotos de programa se vendem. O filme começa a nos revelar uma
porção de coisas sobre o personagem. Depois de um minuto de hesitação, Nolan executa o retorno, e passa rente à calçada para dar uma
melhor olhada nos garotos de programa. Distraído, dirigindo muito
vagarosamente, ele quase atropela um rapaz chamado Leo (Roberto
Aguire). Depois de vocalizar a frustração xingando Nolan, Leo se afasta. Nolan
pareia o carro com o rapaz, para insistir em seus pedidos de desculpas, o que
deixa Leo menos furioso. O garoto de programa pergunta se ele gostaria de lhe
oferecer uma carona, e Nolan o convida a entrar. Ao enxergar carros de Polícia
se aproximando do passeio público, Leo o aconselha a dirigir até a um lugar mais
sossegado.
Nolan paga a diária em um típico motel de
beira de estrada. Leo se surpreende quando o homem se mostra um cliente
incomum: Nolan não parece interessado em manter intimidades, apenas deseja a
companhia do rapaz por algumas horas. Obviamente, Leo percebe que Nolan jamais
fez um programa antes, e procura apenas algum conforto emocional. Nolan cita
coisas da vida pessoal, como o fato de a mãe ter morrido há seis meses. Por
alguma razão, encontra algum consolo ao desabafar com o rapaz. Após dar
uma carona a Leo de volta ao passeio público, Nolan lhe dá mais dinheiro, e fornece o número do celular pessoal. O rapaz promete que o procurará. Eles se
despedem. Ao voltar para casa, Nolan entra cuidadosamente no quarto da esposa
para desligar a televisão e apagar a luz do abajur. Ela está dormindo. A partir desse
ponto, o filme estabelece a natureza do dilema do protagonista. Nolan jamais ficou em termos com a própria orientação, e mesmo hoje se sente culpado em até mesmo
pensar a respeito. Apesar de uma vida financeira confortável e uma companheira
que mais do que parceira é sua melhor amiga, Nolan jamais pôde se sentir
confortável pela pessoa que é. Ao contrário, vive uma existência onde luta para
se tornar a pessoa que os outros, nominalmente esposa & pai, esperam que ele seja.
Nolan e Winston se encontram no bistrô
do campus para bater um papo. Patty trabalha ali, e o agradece pelo
fantástico jantar da outra noite. A conversa entre os dois revela que Nolan e Winston se
conhecem desde a adolescência, sempre foram bons amigos, e vieram de uma
cidadezinha modesta, onde nutriam planos para estudar em Nova York, e Winston
sonhava em escrever o grande romance norte-americano. "O tempo voa", Winston
observa. Ele revela que o namoro com Patty completará 4 meses, uma espécie de
recorde para o professor, avesso a relacionamentos mais duradouros. Ele comenta
que inteligente e capacitada como é, Patty eventualmente cairá na real que pode encontrar um sujeito melhor e mais jovem, e lhe dará um fora.
Winston aprecia a companhia da moça, porém se mantém realista. No banco, Nolan
fica estudando o celular, à espera de uma ligação de Leo. Dedicado ao extremo, ele permanece até mais tarde no escritório. O vigia fecha as luzes das demais salas. Nolan lhe deseja uma boa noite e explica que permanecerá para terminar um trabalho de última hora.
Ele faz uma ligação para Joy, e inventa uma desculpa qualquer para
permanecer no escritório até mais tarde. Claro que ele retorna ao passeio
público onde encontrou Leo pela primeira vez. Como esperado, o rapaz se
encontra por ali, e entra no carro assim que o vê. Quem assiste a tudo é o cafetão do rapaz,
que já sacou que o cliente nutre sentimentos por Leo. Inescrupuloso, resume-se
a uma questão de tempo até que bole alguma estratégia maquiavélica para
tirar proveito da situação.
Nolan o presenteia com um celular para
que possam manter contato mais frequentemente. Eles escolhem um quarto no mesmo
motel. Novamente, Nolan não parece inclinado a nenhuma intimidade, a natureza do conforto que busca é de outra ordem. Falando sobre
gostos pessoais e a infância, Nolan desabafa sobre o pai e os problemas de
saúde do idoso. Ele se abre e conta que sentiu saudades do rapaz. Quando volta
para casa, depois de meia noite, encontra a mulher no gabinete, navegando
na internet. Nolan novamente se desculpa com uma mentira: com a promoção em vias de se concretizar,
tem dado duro para fazer por merecer a vaga. Joy revela que tem consultado pacotes para
cruzeiros, e os preços nem parecem tão caros assim, considerando os serviços. Nolan
parece aberto à aventura, e quando se despede da esposa para se recolher, ela
conta que tentou contatá-lo pelo telefone fixo do escritório, mas ninguém atendeu.
Nolan explica que resolvera procurar o sossego da diner preferida, a Sub Stop,
para trabalhar nos documentos.
Nolan visita o pai, e ele parece mais
estabilizado. A caminho do banco, passa pela Sub Stop, quando verifica que há um
cartaz na vitrine da diner. O lugar permanecerá fechado para obras por alguns meses. Ele
deduz que a esposa deve tê-lo flagrado na mentira, e se sente bastante
embaraçado. À noite, enquanto assiste a um programa de TV na sala de estar, recebe uma mensagem de texto de Leo, e discretamente escreve que no momento se encontra com
a mulher e conversarão mais tarde. Depois de se recolher, Nolan permanece
acordado por um tempo, esperando uma mensagem de texto. Na manhã seguinte, é Joy quem o
desperta. Nolan perdeu o horário. Ele chega atrasado ao banco, talvez pela
primeira vez em todos aqueles mais de 20 anos. Nolan se desculpa com o Sr. Beaumont e
promete que deslizes do tipo jamais se repetirão. Em dado momento da manhã, do
estacionamento do banco, Nolan faz uma ligação e convida Leo para jantar em
um excelente restaurante. Ninguém jamais tratou Leo daquela maneira. Ele revela que a única pessoa que fez algo semelhante foi a mãe, em seu
aniversário, quando criança. Leo deixou a casa há alguns anos, depois que a mãe começou a se
relacionar com um sujeito muito desagradável e o trouxe para dentro de casa. Ao
se escusar para o banheiro, Nolan cruza com Beaumont, ali acompanhado da esposa. Ele apresenta Leo como um sobrinho muito querido, e Beaumont o
parabeniza por tê-lo trazido ao elegante lugar "Deve ser seu sobrinho
preferido".
Ao deixar Leo no motel onde vive, Nolan espera até que ele entre em segurança, quando o cafetão aparece para cobrar o dinheiro pela noite. Ele se torna agressivo, e Nolan descobre a coragem que jamais julgara possuir quando sai do carro e pede para que o bandido o deixe em paz. Ele dá todo o dinheiro na carteira para o cafetão, e apesar de o marginal deixá-lo em paz, só se satisfaz depois de desferir um soco que deixa Nolan de olho roxo. O bancário entra com o rapaz no quarto e o ajuda com os ferimentos. Nolan o atende tão bem que Leo acaba pegando no sono. Respeitosamente, ele divide a cama com Leo, deitado de lado, em um espaço desocupado, até ter certeza de que ele adormeceu. A madrugada se encontra em pleno curso quando volta para casa, e embora permaneça silenciosa quando da chegada do marido, de modo a não constrangê-lo, Joy escuta quando ele sobe a escada, com uma expressão preocupada.
Durante os usuais encontros para café
da manhã com Winston, o amigo reage chocado ao vê-lo com o olho roxo. O professor tenta extrair a verdade sobre o ocorrido, mas Nolan se livra com uma
brincadeirinha qualquer. Ele pergunta se Patty faria o favor de conseguir uma vaga na cafeteria para um conhecido, e
fala sobre esse garoto, filho de um conhecido, em um mau momento da vida, para quem a oportunidade significaria o mundo. Winston
promete que falará com a namorada, e se conseguir qualquer coisa, entrará em
contato. Naquela noite, durante o jantar, ao escutar a eloquência com que a mulher trata um assunto qualquer, Nolan fica admirado com sua inteligência, e a
elogia com tocante sinceridade, afirmando não compreender como ela não está
lecionando em algum campus. Um pouco depois, ao visitá-la no quarto para desejar
Boa Noite, Nolan a encontra assistindo a um filme em preto & branco, e se
recorda de que se trata do mesmo que viram quando se conheceram em 1977, ambos muito jovens, em uma
sessão de cinema no Belas Artes. Nolan vai rememorando os elementos daquela tão distante data, para a alegria e bom humor da esposa, ela com seu jeito
intelectual discorrendo sobre cada cena do filme, os dois sentados em um bistrô
após a exibição. Nolan se abre e pede desculpas por ter mentido sobre o Sub
Stop. Ela reage grata que o marido finalmente tenha confessado o pecadilho, e o
desculpa instantaneamente. Nolan observa que Joy nota todos os detalhes, e ela
adianta que saca o que se passa na cabeça do marido justamente por amá-lo
tanto. Claro que Joy percebeu o olho roxo, antevê que o parceiro procura
esconder algo de sua percepção, e se sente bastante preocupada. Embora não
reconheça a natureza do dilema, Joy não quer vê-lo se machucar. Vivida e
experiente, crê acertadamente que Nolan está brincando com fogo.
Nolan recebe uma ligação de Leo quando
já se encontra no banco. O rapaz conta que Patty telefonou e o convidou a se
apresentar para a oportunidade de emprego na diner, todavia não tem o traje apropriado para a
ocasião. Nolan não apenas compra roupas novas para Leo, nós o vemos orgulhoso
assistindo ao rapaz se preparar diante do espelho, para o trabalho. Ele ainda lhe entrega algum dinheiro, e Leo se sente desconcertado. Algo na
bondade de Nolan o constrange. Habituado a pessoas horrorosas, para Leo, Nolan foi a
primeira pessoa realmente decente e generosa a surgir no caminho, e muitas vezes não sabe
como reagir a sua bondade. No primeiro encontro, quando haviam conversado sobre gostos
pessoais, o bancário mencionara que uma das mais preciosas recordações da
infância remontava às ocasiões em que o pai o levava ao cinema para assistir a faroestes. Leo então exibe uma fita em VHS, um western, que comprou para Nolan.
Para a maioria das pessoas, uma fita de vídeo não representaria nada muito especial, porém aos olhos de Nolan, não há um presente mais caro. Em uma tocante cena, Leo
lhe pergunta por que jamais fazem sexo. Com franqueza, Nolan diz que
verdadeiramente não sabe, mas prefere assim.
No banco, Nolan recebe a visita de
Patty. Meio constrangida, ela precisa lhe contar que Leo não compareceu naquela
manhã, durante o horário de pico, o período de almoço, e que infelizmente precisou ceder a
vaga a um outro candidato. Nolan agradece a oportunidade, e diz que a
compreende. À noite, visita o rapaz para saber o motivo pelo qual desperdiçou tamanha oportunidade. Nolan o interrompe bem no meio de um programa. Vê-se o
cuidado que dedica ao rapaz pela maneira como tenta colocar um pouco de senso
na sua cabeça, afinal aquilo não é meio de vida. Eles acabam brigando, porque Nolan não entende como o rapaz prefere ganhar dinheiro daquela maneira perigosa, preterindo uma genuína chance de trabalho. Leo praticamente o põe para fora.
Quando Nolan visita o pai no hospital, sente-se determinado a se abrir. Apesar de o pai parecer aprisionado ao próprio
mundo à parte, Nolan crê que exista uma pequena chance de parte do idoso compreender o que
lhe dizem. Nolan rememora as férias de um ano em particular, 1965, quando aos
12 anos descobriu que gostava de garotos, e não moças. Ele desabafa que mesmo hoje aos 60 anos ainda se sente o mesmo menino inseguro de 12, porque sempre
guardou para si o segredo, e experimenta toda a confusão de quando originalmente se tocou da própria orientação. Em casa, Joy insiste no cruzeiro dos sonhos.
Ela também pede que ao invés de deixá-la dormir sozinha, permaneça ao seu lado
na cama. Joy o abraça por trás e eles ficam em paz. Ela pergunta "Quem é?".
Mesmo discreta, uma mulher sempre antecipa quando seu homem tem outra pessoa na mente & coração. Nolan minimiza, "alguém que conversa comigo, apenas isso". "Você poderia
falar comigo", ela retruca, lhe jurando amor, a que Nolan corresponde.
Na manhã seguinte, Joy prepara as malas
no hall. Ela deixará a casa por alguns dias para uma conferência, na companhia de uma amiga da família. Nolan se esquecera completamente da viagem da esposa. Eles se despedem, e antes de
partir, Joy conta que a companhia de turismo mandou um DVD sobre opções de
cruzeiro, caso ele se interesse. O amigo Winston visita o bancário e o convida
a almoçarem juntos, pois está preocupado com seu comportamento. Quando vão sair para o
almoço, Leo aparece. Ele foi coagido pelo cafetão a procurá-lo na agência para
extorqui-lo. Ao defender Leo, Nolan causa uma barulhenta confusão na calçada, o que chama a
atenção de seguranças e colegas. O cafetão os chama de bichas
enquanto policiais o escoltam ao carro. O segredo de Nolan encontra-se por um
fio. O olhar intrigado de Winston confirma que ele começa a fazer sentido das peças do quebra-cabeça.
Com Joy em outra cidade por causa da conferência, Nolan sente-se à vontade para levar o rapaz para casa. Preparando um sanduíche para Leo, arquiteta planos para o futuro. Ele poderia adquirir uma diner, Leo trabalharia no lugar. Nolan também adoraria que Leo voltasse a estudar. Ele conta que jamais foi um bom estudante, mas Nolan coloca as coisas sob perspectiva, afinal dessa vez pode ser diferente. Embora reconheça o valor de Nolan, sua natureza generosa, o rapaz, acostumado a um mundo habitado por gente impiedosa, não sabe exatamente como responder à bondade de estranhos. Nolan e Leo assistem à fita do faroeste juntos. Como sempre, os dois não têm intimidade alguma. Nolan pega no sono, e desperta mais tarde quando Leo entra no quarto. O bancário dá um abraço no rapaz, sem maldade alguma. Leo desabafa, revela que não se sente mais à vontade para aceitar o dinheiro e os conselhos que Nolan lhe dedica. O cuidado reservado a sua pessoa o deixa aterrorizado, o rapaz ainda parece aprisionado pela brutalidade que experimenta nas ruas em uma base diária. Nolan pede que ele não se vá. Não foi por nada, afinal de contas, que Leo lhe deu a fita de vídeo, por exemplo. O rapaz afirma gostar muito de Nolan também, porém parte.
Joy retorna na manhã seguinte, e eles
têm uma interação amável. No trabalho, Sr. Beaumount lembra a Nolan o jantar
para a noite seguinte com um dos diretores do banco. O sonho de Nolan – uma cobiçada
vaga de gerência – está cada vez mais perto. Beaumount adianta que não
compreende e tampouco lhe interessa o acontecido no estacionamento no outro
dia, todavia Nolan precisa se mostrar focado para as tratativas. A esposa o ajuda
a se vestir para o jantar, quando ele recebe uma ligação do hospital. Ele não
revela à esposa o ocorrido, porém lhe entrega o endereço da casa do diretor,
onde se dará o jantar, e pede para que vá na frente. Nolan chega aflito ao
hospital atrás de Leo, que sofreu uma overdose. O rapaz fornecera aos médicos o
número de telefone do bancário como a única pessoa na sua vida. Ao entrar no
quarto, Nolan não encontra mais sinais da passagem do rapaz pelo lugar. Ele se foi, e
deixou sobre a cama o celular, o presente de Nolan. Joy comparece ao jantar, e
embora passe adiante o recado de que houve um imprevisto e Nolan não pôde comparecer, o diretor parece desapontado. O bancário perde a vaga da gerência.
Quando volta para casa, Nolan entende
que não pode se imiscuir mais de uma conversa mais franca com a esposa.
Previsivelmente, Joy pergunta "o que ele tem feito que ela não sabe fazer
igualmente bem". Joy já imaginava uma outra pessoa na equação, porém ao usar o
pronome "Ele", revela ainda mais perspicácia. Com muita coragem, Nolan lamenta
que tenha vivido uma mentira. Embora o casamento tenha chegado ao fim, reitera que a
ama, apenas precisa viver uma existência real, e não uma versão
idealizada apenas, sustentada somente para agradar terceiros. Joy o alerta que Nolan
não conseguirá se sair bem, não sem alguém para cuidar dele. Nolan precisa dar
o primeiro passo rumo à vida que sempre desejou, e a encoraja a fazer o mesmo.
Algum tempo se passa. De uma maneira ou
outra, Joy & Nolan conseguiram algo de suas vidas mais próximo a aquilo que
um dia haviam desejado individualmente, na juventude. Ao se libertar de uma
vida conjugal forjada para agradar família & amigos, Nolan passa a viver
conforme as próprias convicções, e descobre que, diferente do que pensara, o
fato de ter se mostrado pelo que é não destruiu sua reputação, moral ou vida
social. Winston segue como seu melhor amigo, e recomenda "Talvez nunca seja
tarde demais para se viver a vida que você realmente quer". Embora Nolan
prefira deixar o banco, supomos que assumiu um outro cargo de mesma envergadura. Ao final, em uma cena discreta, vemos que está conhecendo uma pessoa
legal e de uma faixa etária mais próxima `a sua. Joy finalmente traz para si a
responsabilidade de ir adiante com o cruzeiro, e a vemos apertando a mão
de uma jovem e bonita operadora de uma agência de viagens com visível intimidade. Não se sabe o que houve com
Leo, mas podemos supor que ele tomou o caminho de volta para uma vida de
amarguras, brutalidade, abusos e sofrimento. Ele desaparece do passeio público
onde no começo do filme o vimos se prostituindo. Com a perspectiva de um futuro sombrio pela frente, as paragens de Leo terminam incertas, como o futuro das pessoas que fazem a vida naquele lugar triste.
O último filme de Robin Williams também
é um de seus trabalhos mais atípicos e interessantes. Verdadeiro patrimônio
nacional, cortesia de uma vencedora carreira repleta de grandes sucessos,
Williams conquistou um lugar no imaginário das pessoas graças a aventuras e filmes
bem-humorados, porém para aqueles que verdadeiramente desejam se aprofundar na
filmografia para conhecê-lo como artista, e não exclusivamente astro, devem saber que
são nos trabalhos menores e independentes onde a tristeza, já evidenciada mesmo nos
filmes mais leves, emerge com toda força por trás do sorriso sereno. As
obras mais pessoais e sombrias de Williams podem ser contadas nos dedos das
mãos. "Retratos de uma Obsessão", "Segredos na Noite" & "Boulevard" fazem
parte do seleto número de oportunidades que Williams teve para exercitar a amplitude magnífica do talento. Tragicamente, esse filme, "Boulevard", cuja trama contundente
machuca pela tristeza que emana de muitas passagens, precedeu a morte do astro, e
de várias formas documentou o período de sofrimento psicológico que o ator
vinha enfrentando na vida pessoal, à época das filmagens, e que, diferente do
personagem interpretado, infelizmente não teve como reverter. Em uma
performance que rivaliza com o desempenho sensacional visto em "Retratos de uma
Obsessão", aqui Williams é coadjuvado por outros trabalhos igualmente
comoventes, com especial destaque, claro, para a veterana Kathy Baker e o
talentoso novato Roberto Aguire.
Não fosse pelo envolvimento de Robin
Williams, é provável que eu jamais tivesse ouvido falar desse filme dirigido por Dito Montiel ("A Guide to Recognizing your Saints"). A premissa de
"Boulevard" não me soaria interessante, pois seu tipo de material e bagagem não exatamente me agrada (sou, afinal de contas, inveterado fã do Horror). O fato
de Williams – alguém que me surpreendeu e desconcertou em "Retratos de uma
Obsessão" – interpretar o papel principal nessa intrigante e inédita jornada de auto descoberta foi o atrativo maior, e eu não me arrependi de lhe ter dado
uma chance. Embora "Retratos de uma Obsessão" apresente-se investido das
melhores qualidades de um autêntico suspense psicológico, e "Boulevard" se
sirva de dilemas mais humanamente compreensíveis, ambos os filmes se sustentam
sobre o pilar da angústia existencial, seu peso ora depositado sobre os ombros
do Sy de "Retratos de uma Obsessão", ora sobre os do Nolan Mack em "Boulevard".
As vertentes obviamente variam – em "Retratos de uma Obsessão", seu personagem ansiava
por pertencer, ser recebido no seio de uma determinada família que se tornou a
coisa mais valiosa de sua existência por razões que cabe somente ao próprio
compreender; em "Boulevard", Nolan Mack precisava fugir, porque se sentia
sufocado, encurralado dentro de uma prisão que era uma paródia da vida, não a
vida real – porém, os dois trabalhos compartilham um tipo de tristeza elegante & existencial que
a dramas do tipo parece faltar. Ainda em comum, respeitadas as diferenças, Sy
e Nolan mostram pontos de contato, e são mais semelhantes do que a primeira
impressão leva a imaginar. Em "Retratos de uma Obsessão", embora a trama nos
leve a antecipar que o personagem de Williams se revelará um implacável stalker, a
verdade não poderia ser mais distinta. Por mais que não faça as escolhas mais
inteligentes, enxerga-se algo de doce, mesmo infantil, na maneira com que devota tempo e energia à família Yorkin. Em sua mente, não há malícia, pois não
cobiça a mulher, tampouco inveja o homem. Ele não lhes deseja mal. Em "Boulevard", apesar de o protagonista se ressentir da própria orientação, do respeito com que trata o sofrido personagem vivido por
Roberto Aguire emana uma dor tão contundente que eu percebi a versatilidade da obra. Usarei o exemplo de outro filme, para ilustrar minha observação.
Eu jamais compreendo quando pessoas se referem a "Rocky" como um filme de boxe. Será que elas não assistiram ao filme? Qual a premissa? Um pugilista medíocre, mas de bom coração, descobre o próprio valor quando por obra do destino o Campeão dos Pesos Pesados o escolhe para uma luta de exibição, em comemoração ao bicentenário da independência dos Estados Unidos. Para Apollo e os demais, a luta não passa de uma brincadeira de boa natureza: Rocky é apenas o sortudo aleatório, ou ao menos Apollo assim esperava. Conforme o plano, brincaria um pouquinho com o boxeador desqualificado, levaria a luta por 3 assaltos e depois acabaria com a festa. Rocky teria seus 15 minutos de fama, todos sairiam satisfeitos. A oportunidade de uma luta, porém, guarda um significado diferente para ele. Aos 30 anos e envergado por um futuro sem perspectiva, Rocky é o tipo de cara que já apanhou tanto, física e moralmente, que uma chance com o Campeão Mundial equivale a uma típica história de Cinderela. Na arrancada a caminho da luta, descobre valores pessoais que jamais julgara reunir. Lembrem-se que ele era um perdedor sem moral, um detalhe imprescindível, Rocky era alijado de moral. Apesar do bom coração, aos olhos dos demais, não valia o esforço demandado para conhecê-lo melhor. Reporto-me à cena no primeiro filme, e as pessoas que amam a série tanto quanto eu se recordarão do instante imediatamente: Rocky escolta uma menina do bairro de volta para casa. Seu lado altruísta o leva a aconselhá-la a não se relacionar com vadios, a não fumar, a estudar. Ele explica que acabamos nos tornando como as pessoas com quem andamos. Ele é gracioso e gentil, desinteressadamente gentil, e a menina parece escutá-lo, porém assim que Rocky a deixa na porta de casa e vai se despedir, ela o insulta "Ei, Rocky, dane-se, seu cretino". Sylvester Stallone é um escritor tão talentoso, tão conhecedor da vida, que quando elaborou a trama do penúltimo filme, o de 2006, deu um jeitinho de incorporar a menina, agora uma mulher. Eles acabam desenvolvendo um sentimento platônico um pelo outro no curso do 6° filme. Quando ele nos reapresenta a Marie, 30 anos após o primeiro filme, a encontramos como uma mulher de meia idade, mãe solteira, garçonete no bar que Rocky frequentou no passado. Ele não se recorda imediatamente da moça, e Marie o ajuda a se lembrar daquela noite, 30 anos antes, quando a escoltou até a casa e ela o mandou se danar. O brilhantismo da cena é a maneira como Stallone a reintroduz depois de tantos anos. Ela está mais humilde e madura, e se comporta desconcertada quanto ao ocorrido, realmente arrependida, o que é de se esperar de uma boa pessoa. Nisso, uma menina mal-educada, uma versão da própria Marie 30 anos atrás, se aproxima inconveniente para pedir uma rodada de bebidas para a turma. Marie recomenda que a adolescente o deixe tomar a cerveja em paz, e a menina profere uma série de insultos à mulher. Rocky diz para a menina algo nas linhas de "Não faça papel de tola por aquele cara (o namorado)" e lhe dá uma lição de moral, enquanto a câmera ocasionalmente retorna para o rosto de Marie, parada em um canto, assistindo a tudo, mordendo o lábio inferior, visivelmente dolorida por causa dos insultos que lhe foram atirados na cara. É uma cena discreta, que revela coisas sobre como a sabedoria da vida se aplica sobre nossas cabeças, e o papel do tempo no processo de aprendizagem. No primeiro filme, de 1976, Rocky era um homem digno, mas de moral vulnerabilizada. Sabemos que a melhor maneira de se aleijar um ser humano é o desumanizando, o destruindo moralmente, invalidando seus argumentos, subtraindo qualquer valor de seu discurso, de forma que sua fala não guarde significado algum. O fato é que a preparação para a luta com o Campeão é o catalisador do processo de reparação de Rocky, que descobre a própria dignidade. O que devia se desenrolar conforme o planejado, um espetáculo de alguns assaltos e a vitória fácil de Apollo, se torna uma luta feroz pela sobrevivência, quando o Campeão descobre o verdadeiro caráter do adversário, acorda para o fato de que aquilo acaba de se tornar uma luta muito real, e se foca em defender desesperadamente o título. Eu cito o exemplo de "Rocky" pois se os amigos substituírem o Boxe do roteiro original por qualquer outro esporte (Futebol Americano, Atletismo, Automobilismo, etc.), a espinha dorsal do filme, o cerne, permanecerá preservado. "Rocky" é um filme sobre muitas coisas - honra, desenvolvimento pessoal, renascimento espiritual por maiores que sejam as adversidades, por mais que as pessoas ao redor tentem insistentemente quebrá-lo moralmente, encontrar alguém digno de seu tempo & valor, construir uma base sólida junto a essas pessoas queridas ( Adrian, Mickey, Paulie e, conforme o último filme da série, de 2015, Adonis, o filho do Apollo) - menos sobre Boxe. "Boulevard" funciona na mesma frequência. No filme, assistimos ao drama de um homem em busca de uma saída, após se conscientizar da própria sexualidade e de que jamais viverá uma existência autêntica enquanto não enfrentar seus medos. No cerne, a proposta é bem mais ampla. Na essência, a ideia se sustenta sobre o trauma inerente aos decisivos momentos de transformação, sejam referidos momentos correspondentes `a morte de um ente querido, a um processo de enfermidade, ou a um rito de passagem. Eu creio que uma das razões de Robin Williams ter se saído tão bem se deva justamente à flexibilidade de temas que o núcleo admite. Na época, ele atravessava um processo de depressão, e sua angústia emana da performance e tristemente serve muito bem ao drama do personagem. Nas telas, Nolan luta para ficar em bons termos com a própria sexualidade, fora das telas Williams lidava com a depressão. Em ambos os lados, contudo, aqueles indivíduos atravessavam um momento transformador de crise, e a reação à dor guarda uma linguagem universal a que todos nós precisamos nos habituar em algum momento da vida. Quando Nolan fazia o bem ao personagem de Roberto Aguire, e repudiava qualquer intimidade de contato, priorizando um tipo de sentimento mais platônico, a reação parece similar às escolhas de qualquer outra pessoa quando se vê encurralada em um beco sem saída: a dor nos deixa mais suscetíveis ao ambiente, os canais mais abertos, as emoções mais a flor da pele, principalmente em relação aos sentimentos dos outros. O jeito com que Nolan cuida do personagem de Aguire não diferiria, por exemplo, do jeito com que o pai vivido por Nanni Moretti em "O Quarto do Filho" se afeiçoa gratuitamente por uma moça apenas de passagem na Itália a caminho da França, que apareceu somente para entregar um maço de fotos do falecido namorado (filho do psicanalista). No filme de Moretti, a família trata a ambos - visitante e novo namorado - tão bem, tão gratuitamente, que sabemos de onde vem o tocante carinho: da brutal necessidade de conforto após um evento tão definitivo quanto a perda de um filho querido. O respeito velado e a maneira como o Nolan de "Boulevard" tenta colocá-lo na direção de uma vida melhor guardam paralelos com a solidariedade do psicanalista e família à namorada do rapaz morto de "O Quarto do Filho", quando ao invés de meramente darem carona à mocinha & namorado à rodoviária, onde apanharão o ônibus para a França, acabam deixando o casal dormir confortavelmente no banco detrás, e Moretti dirige através da autoestrada e pela madrugada, em direção à fronteira com a França, quando na quietude do interior do carro tem a oportunidade de conversar mais calorosamente com a esposa pela primeira vez desde o afogamento do filho, e ambos acabam resolvendo suas desavenças e reafirmando seu amor. Tamanha a dedicação do ator Robin Williams ao papel, é difícil identificar onde termina o artista e começa o personagem, vez que as angústias existenciais de ambos permanecerão eternamente entrelaçadas, principalmente agora que ele se foi.
Robin Williams era um brilhante comediante cujo humor, por mais histérico que fosse, escondia uma qualidade inerente ao desespero existencial. Mesmo quando fazia rir, seus olhos transmitiam tocante tristeza, também constatável por trás do sorriso. Fazer rir provavelmente jamais foi a principal preocupação do astro. O expediente da comédia nunca foi um fim, mas um mecanismo de sobrevivência que talvez tenha aprendido a aprimorar, de modo que dor & humor convivessem dentro de uma certa harmonia, e ele conseguisse viver uma existência altamente funcional e produtiva, com os demônios anestesiados, silentes e em xeque pela maior parte do tempo, ao menos até seu último ano, quando a depressão emergiu para arruiná-lo de vez. Kathy Baker, uma fenomenal atriz com uma longa, profícua carreira iniciada em 1983, completa a performance do colega Williams, e os dois gozam de cumplicidade perfeita. Eu me recordo de quando escrevi na minha análise de "Hellraiser 2 - Renascido das Trevas" que a presença de uma atriz talentosa como Clare Higgins torna seus colegas ainda mais empenhados em suas performances. Seus papéis se sobressaem ainda mais quando contrastados com a absoluta agressividade com que Clare vive a vilã principal. O mesmo acontece a "Boulevard", através da contribuição de Baker. A luta de um homem de 60 anos por uma guinada na vida parece suficientemente dramática, contudo com a participação dessa excelente atriz no papel da esposa, torna-se particularmente devastadora. Baker é uma típica "character actor", artistas que fogem da exposição de estrelas, são multifacetados e habitam todos os papéis, verdadeiros camaleões. Os amigos certamente a viram antes em uma porção de filmes, sendo um de seus melhores desempenhos a contribuição como a mãe sofrida dos personagens de Joaquin Phoenix & Billy Crudup em "Círculo de Paixões", de 1996. Somente uma grande atriz comunica sentimentos talvez até mais poderosamente através do silêncio. Ela compõe a sua Joy com uma resignada serenidade que ao final eu me perguntei se ela não viveria semelhante drama, porém silenciara em favor da maravilhosa cumplicidade que regia sua relação com Nolan. Algo no desempenho de Baker me leva a crer que ela também era homossexual, uma energia distinta na cena em que avisa a Nolan que passará alguns dias fora e uma amiga a ajuda a dispor as malas no hall enquanto esperam o táxi, ou mesmo no final, quando resolve concretizar o sonho de viajar em um cruzeiro, e de seus modos com a moça da agência emane a quentura que embora caiba a duas pessoas cordiais, também serve a um incipiente flerte. Roberto Aguire começou a carreira muito recentemente. Conforme pesquisa no internet movie database, Seus primeiros créditos datam de 2011, e "Boulevard" deve ser o seu melhor momento até agora. Em sua primeira verdadeira chance no cinema, enriquece o papel da maneira correta, imbuindo-o da vulnerabilidade de um animal sem dono, o que faz do destino de Leo ainda mais trágico, porque alguém tão sensível jamais teria mesmo como sobreviver à brutalidade envolvida na vida de garoto de programa. Ele jamais viverá para amadurecer e deixar as ruas, será a vítima de algum monstro bem antes de crescer para saber melhor e abrir os olhos para a maldade que nos cerca. O inferno, dizia Sartre, são os outros.
"Boulevard" merece uma conferida mesmo por aqueles que a julgar pela premissa já o querem rotular como algo a se evitar. Eu também achei que não o apreciaria, mas pela execução perfeita, pela melancolia palpitante que se faz sentir através de uma fotografia que captura a tristeza de ruas e calçadas bem amplas pinceladas por luzes de neon ou de semáforos nos moldes do que Morten Soborg fez para o empolgante "w Delta z", pelo respeito com que o roteiro trata seus personagens, "Boulevard" recebe meus aplausos como uma imperdível adição à lista de trabalhos mais sérios e sombrios de Williams, onde vêm à tona suas melhores qualidades como artista. O filme é devastador dos dois lados da vida. Apesar de se explicitar mais aos nossos olhos o dilema do personagem da trama, não teremos como dissociar o papel do homem que lhe deu vida e, no âmbito privado, batalhava contra uma grave depressão. Em "Boulevard", Nolan Mack mereceu a chance de viver a existência que julgava melhor para si. Na vida real, as coisas não funcionaram muito bem para seu criador.
Todos os direitos autorais reservados a Starz. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
Eu jamais compreendo quando pessoas se referem a "Rocky" como um filme de boxe. Será que elas não assistiram ao filme? Qual a premissa? Um pugilista medíocre, mas de bom coração, descobre o próprio valor quando por obra do destino o Campeão dos Pesos Pesados o escolhe para uma luta de exibição, em comemoração ao bicentenário da independência dos Estados Unidos. Para Apollo e os demais, a luta não passa de uma brincadeira de boa natureza: Rocky é apenas o sortudo aleatório, ou ao menos Apollo assim esperava. Conforme o plano, brincaria um pouquinho com o boxeador desqualificado, levaria a luta por 3 assaltos e depois acabaria com a festa. Rocky teria seus 15 minutos de fama, todos sairiam satisfeitos. A oportunidade de uma luta, porém, guarda um significado diferente para ele. Aos 30 anos e envergado por um futuro sem perspectiva, Rocky é o tipo de cara que já apanhou tanto, física e moralmente, que uma chance com o Campeão Mundial equivale a uma típica história de Cinderela. Na arrancada a caminho da luta, descobre valores pessoais que jamais julgara reunir. Lembrem-se que ele era um perdedor sem moral, um detalhe imprescindível, Rocky era alijado de moral. Apesar do bom coração, aos olhos dos demais, não valia o esforço demandado para conhecê-lo melhor. Reporto-me à cena no primeiro filme, e as pessoas que amam a série tanto quanto eu se recordarão do instante imediatamente: Rocky escolta uma menina do bairro de volta para casa. Seu lado altruísta o leva a aconselhá-la a não se relacionar com vadios, a não fumar, a estudar. Ele explica que acabamos nos tornando como as pessoas com quem andamos. Ele é gracioso e gentil, desinteressadamente gentil, e a menina parece escutá-lo, porém assim que Rocky a deixa na porta de casa e vai se despedir, ela o insulta "Ei, Rocky, dane-se, seu cretino". Sylvester Stallone é um escritor tão talentoso, tão conhecedor da vida, que quando elaborou a trama do penúltimo filme, o de 2006, deu um jeitinho de incorporar a menina, agora uma mulher. Eles acabam desenvolvendo um sentimento platônico um pelo outro no curso do 6° filme. Quando ele nos reapresenta a Marie, 30 anos após o primeiro filme, a encontramos como uma mulher de meia idade, mãe solteira, garçonete no bar que Rocky frequentou no passado. Ele não se recorda imediatamente da moça, e Marie o ajuda a se lembrar daquela noite, 30 anos antes, quando a escoltou até a casa e ela o mandou se danar. O brilhantismo da cena é a maneira como Stallone a reintroduz depois de tantos anos. Ela está mais humilde e madura, e se comporta desconcertada quanto ao ocorrido, realmente arrependida, o que é de se esperar de uma boa pessoa. Nisso, uma menina mal-educada, uma versão da própria Marie 30 anos atrás, se aproxima inconveniente para pedir uma rodada de bebidas para a turma. Marie recomenda que a adolescente o deixe tomar a cerveja em paz, e a menina profere uma série de insultos à mulher. Rocky diz para a menina algo nas linhas de "Não faça papel de tola por aquele cara (o namorado)" e lhe dá uma lição de moral, enquanto a câmera ocasionalmente retorna para o rosto de Marie, parada em um canto, assistindo a tudo, mordendo o lábio inferior, visivelmente dolorida por causa dos insultos que lhe foram atirados na cara. É uma cena discreta, que revela coisas sobre como a sabedoria da vida se aplica sobre nossas cabeças, e o papel do tempo no processo de aprendizagem. No primeiro filme, de 1976, Rocky era um homem digno, mas de moral vulnerabilizada. Sabemos que a melhor maneira de se aleijar um ser humano é o desumanizando, o destruindo moralmente, invalidando seus argumentos, subtraindo qualquer valor de seu discurso, de forma que sua fala não guarde significado algum. O fato é que a preparação para a luta com o Campeão é o catalisador do processo de reparação de Rocky, que descobre a própria dignidade. O que devia se desenrolar conforme o planejado, um espetáculo de alguns assaltos e a vitória fácil de Apollo, se torna uma luta feroz pela sobrevivência, quando o Campeão descobre o verdadeiro caráter do adversário, acorda para o fato de que aquilo acaba de se tornar uma luta muito real, e se foca em defender desesperadamente o título. Eu cito o exemplo de "Rocky" pois se os amigos substituírem o Boxe do roteiro original por qualquer outro esporte (Futebol Americano, Atletismo, Automobilismo, etc.), a espinha dorsal do filme, o cerne, permanecerá preservado. "Rocky" é um filme sobre muitas coisas - honra, desenvolvimento pessoal, renascimento espiritual por maiores que sejam as adversidades, por mais que as pessoas ao redor tentem insistentemente quebrá-lo moralmente, encontrar alguém digno de seu tempo & valor, construir uma base sólida junto a essas pessoas queridas ( Adrian, Mickey, Paulie e, conforme o último filme da série, de 2015, Adonis, o filho do Apollo) - menos sobre Boxe. "Boulevard" funciona na mesma frequência. No filme, assistimos ao drama de um homem em busca de uma saída, após se conscientizar da própria sexualidade e de que jamais viverá uma existência autêntica enquanto não enfrentar seus medos. No cerne, a proposta é bem mais ampla. Na essência, a ideia se sustenta sobre o trauma inerente aos decisivos momentos de transformação, sejam referidos momentos correspondentes `a morte de um ente querido, a um processo de enfermidade, ou a um rito de passagem. Eu creio que uma das razões de Robin Williams ter se saído tão bem se deva justamente à flexibilidade de temas que o núcleo admite. Na época, ele atravessava um processo de depressão, e sua angústia emana da performance e tristemente serve muito bem ao drama do personagem. Nas telas, Nolan luta para ficar em bons termos com a própria sexualidade, fora das telas Williams lidava com a depressão. Em ambos os lados, contudo, aqueles indivíduos atravessavam um momento transformador de crise, e a reação à dor guarda uma linguagem universal a que todos nós precisamos nos habituar em algum momento da vida. Quando Nolan fazia o bem ao personagem de Roberto Aguire, e repudiava qualquer intimidade de contato, priorizando um tipo de sentimento mais platônico, a reação parece similar às escolhas de qualquer outra pessoa quando se vê encurralada em um beco sem saída: a dor nos deixa mais suscetíveis ao ambiente, os canais mais abertos, as emoções mais a flor da pele, principalmente em relação aos sentimentos dos outros. O jeito com que Nolan cuida do personagem de Aguire não diferiria, por exemplo, do jeito com que o pai vivido por Nanni Moretti em "O Quarto do Filho" se afeiçoa gratuitamente por uma moça apenas de passagem na Itália a caminho da França, que apareceu somente para entregar um maço de fotos do falecido namorado (filho do psicanalista). No filme de Moretti, a família trata a ambos - visitante e novo namorado - tão bem, tão gratuitamente, que sabemos de onde vem o tocante carinho: da brutal necessidade de conforto após um evento tão definitivo quanto a perda de um filho querido. O respeito velado e a maneira como o Nolan de "Boulevard" tenta colocá-lo na direção de uma vida melhor guardam paralelos com a solidariedade do psicanalista e família à namorada do rapaz morto de "O Quarto do Filho", quando ao invés de meramente darem carona à mocinha & namorado à rodoviária, onde apanharão o ônibus para a França, acabam deixando o casal dormir confortavelmente no banco detrás, e Moretti dirige através da autoestrada e pela madrugada, em direção à fronteira com a França, quando na quietude do interior do carro tem a oportunidade de conversar mais calorosamente com a esposa pela primeira vez desde o afogamento do filho, e ambos acabam resolvendo suas desavenças e reafirmando seu amor. Tamanha a dedicação do ator Robin Williams ao papel, é difícil identificar onde termina o artista e começa o personagem, vez que as angústias existenciais de ambos permanecerão eternamente entrelaçadas, principalmente agora que ele se foi.
Robin Williams era um brilhante comediante cujo humor, por mais histérico que fosse, escondia uma qualidade inerente ao desespero existencial. Mesmo quando fazia rir, seus olhos transmitiam tocante tristeza, também constatável por trás do sorriso. Fazer rir provavelmente jamais foi a principal preocupação do astro. O expediente da comédia nunca foi um fim, mas um mecanismo de sobrevivência que talvez tenha aprendido a aprimorar, de modo que dor & humor convivessem dentro de uma certa harmonia, e ele conseguisse viver uma existência altamente funcional e produtiva, com os demônios anestesiados, silentes e em xeque pela maior parte do tempo, ao menos até seu último ano, quando a depressão emergiu para arruiná-lo de vez. Kathy Baker, uma fenomenal atriz com uma longa, profícua carreira iniciada em 1983, completa a performance do colega Williams, e os dois gozam de cumplicidade perfeita. Eu me recordo de quando escrevi na minha análise de "Hellraiser 2 - Renascido das Trevas" que a presença de uma atriz talentosa como Clare Higgins torna seus colegas ainda mais empenhados em suas performances. Seus papéis se sobressaem ainda mais quando contrastados com a absoluta agressividade com que Clare vive a vilã principal. O mesmo acontece a "Boulevard", através da contribuição de Baker. A luta de um homem de 60 anos por uma guinada na vida parece suficientemente dramática, contudo com a participação dessa excelente atriz no papel da esposa, torna-se particularmente devastadora. Baker é uma típica "character actor", artistas que fogem da exposição de estrelas, são multifacetados e habitam todos os papéis, verdadeiros camaleões. Os amigos certamente a viram antes em uma porção de filmes, sendo um de seus melhores desempenhos a contribuição como a mãe sofrida dos personagens de Joaquin Phoenix & Billy Crudup em "Círculo de Paixões", de 1996. Somente uma grande atriz comunica sentimentos talvez até mais poderosamente através do silêncio. Ela compõe a sua Joy com uma resignada serenidade que ao final eu me perguntei se ela não viveria semelhante drama, porém silenciara em favor da maravilhosa cumplicidade que regia sua relação com Nolan. Algo no desempenho de Baker me leva a crer que ela também era homossexual, uma energia distinta na cena em que avisa a Nolan que passará alguns dias fora e uma amiga a ajuda a dispor as malas no hall enquanto esperam o táxi, ou mesmo no final, quando resolve concretizar o sonho de viajar em um cruzeiro, e de seus modos com a moça da agência emane a quentura que embora caiba a duas pessoas cordiais, também serve a um incipiente flerte. Roberto Aguire começou a carreira muito recentemente. Conforme pesquisa no internet movie database, Seus primeiros créditos datam de 2011, e "Boulevard" deve ser o seu melhor momento até agora. Em sua primeira verdadeira chance no cinema, enriquece o papel da maneira correta, imbuindo-o da vulnerabilidade de um animal sem dono, o que faz do destino de Leo ainda mais trágico, porque alguém tão sensível jamais teria mesmo como sobreviver à brutalidade envolvida na vida de garoto de programa. Ele jamais viverá para amadurecer e deixar as ruas, será a vítima de algum monstro bem antes de crescer para saber melhor e abrir os olhos para a maldade que nos cerca. O inferno, dizia Sartre, são os outros.
"Boulevard" merece uma conferida mesmo por aqueles que a julgar pela premissa já o querem rotular como algo a se evitar. Eu também achei que não o apreciaria, mas pela execução perfeita, pela melancolia palpitante que se faz sentir através de uma fotografia que captura a tristeza de ruas e calçadas bem amplas pinceladas por luzes de neon ou de semáforos nos moldes do que Morten Soborg fez para o empolgante "w Delta z", pelo respeito com que o roteiro trata seus personagens, "Boulevard" recebe meus aplausos como uma imperdível adição à lista de trabalhos mais sérios e sombrios de Williams, onde vêm à tona suas melhores qualidades como artista. O filme é devastador dos dois lados da vida. Apesar de se explicitar mais aos nossos olhos o dilema do personagem da trama, não teremos como dissociar o papel do homem que lhe deu vida e, no âmbito privado, batalhava contra uma grave depressão. Em "Boulevard", Nolan Mack mereceu a chance de viver a existência que julgava melhor para si. Na vida real, as coisas não funcionaram muito bem para seu criador.
Semelhante ao segmento "Second Honeymoon" da coletânea "V/H/S", "Creep" introduz a trama como se a mesma fosse um
autêntico "Road movie". Aaron Franklin (Patrick Brice, também diretor do filme) é um cineasta amador documentando a
viagem que faz em uma ampla rodovia que abre para a vista de uma gloriosa
cordilheira de serras à frente. Aaron respondeu a um anúncio no Craigslist, uma
oferta de trabalho pela qual um cavalheiro desembolsará U$ 1.000,00 por um dia
de realização de imagens em sua cabine nas serras. "Discrição seria enormemente
apreciada", recomendava o anunciante, o que o deixou intrigado. A cabine se
localiza em uma cidadezinha no alto da serra, circundada por um lago de grande beleza turística. Tendo chegado por precaução mais cedo do que o combinado, Aaron não
encontra o empregador naquela remota cabine, cujas escadas são muito
grandes e precisam dar algumas voltas até chegar à casa. Ele se entretém ali no alpendre, à espera do proprietário, e quando o horário combinado passa,
escolhe aguardar dentro do carro. Cravado na base de um tronco de árvore
derrubado, um machado chama a atenção do cinegrafista amador. Ele não pensa
muito a respeito.
Distraído, Aaron não percebe quando o
homem se achega à porta do carro para cumprimentá-lo, e toma um terrível susto,
pelo que o estranho se desculpa. Aprenderemos, no decorrer da fita, que o
expediente dos sustos se tornará uma das táticas preferidas do empregador
para azucrinar a vida do rapaz. Josef (Mark Duplass) parece um anfitrião apenas
um pouquinho diferente: ele começa dizendo que os dois terão um fantástico dia
de aventura pela frente, e o abraça forte, com a intimidade de um melhor amigo. Sim, Aaron
acha a situação meio incomum, mas até dá risadas e silencia o sexto sentido,
possivelmente o tomando como uma pessoa mais carente e ansiosa por calor
humano.
Eles sobem as escadas, e já na
antessala, Josef faz questão de lhe entregar U$ 1.000,00. O empregador
apresenta o lugar como a cabine da família. Ele destrincha as razões de ter
chamado Aaron até ali, e revela a natureza do trabalho. Josef conta que há
alguns anos sobreviveu a um câncer que começara no fígado e se espalhara para
os pulmões. A quimioterapia o salvou por completo, e o câncer entrou em remissão.
Lamentavelmente, há dois meses, depois de sentir tonturas, ao voltar ao hospital, o médico diagnosticou um inoperável tumor cerebral, e lhe
deu de dois a 3 meses de vida. Josef se denomina otimista nato, e espera surpreender o
prognóstico com a força do pensamento positivo. Casado há 6 anos com Ângela,
Josef explica que será pai de primeira viagem. Inspirado por um filme, ele teve a
ideia de registrar momentos da própria vida, para que caso não sobreviva à
batalha contra o câncer seu filho possa conhecê-lo através das imagens. Aaron
será o homem por trás da câmera, aquele que o registrará para que mais tarde o
filho conheça quem foi seu pai. Tocado pela bela história, que em nenhum
momento cogita questionar, Aaron topa a empreitada, e Josef recomenda que comecem imediatamente.
Aaron estranha quando Josef o convida para o andar de cima, onde revela que deseja que o rapaz o filme na banheira.
Josef tenta se justificar. Ele conta que quando criança um dos melhores momentos do dia acontecia quando o pai o levava para tomar banho. Como jamais terá a chance de fazer
o mesmo pelo filho, deseja realizar aquilo diante da lente, para que o garoto sinta que compartilhou com o pai o momento. Vejam, não há nada de errado
em um pai ou mãe levar um bebezinho para tomar banho. A menos que estejamos
falando de pedófilos ou maníacos, não há malícia alguma envolvida no ato. O que há de esquisito na cena não é o papo sobre pai & bebezinho na banheira, e sim a
insistência do cara em ser filmado por Aaron. Ora, ele poderia ter deixado a
câmera sobre um móvel e cuidado disso sozinho! O fato é que Aaron guarda suas
impressões para si, e atende as vontades de Josef, filmando-o dentro da banheira, como que com
o bebezinho nas mãos, lhe dando banho. As imagens são feitas, e em dado momento
o semblante de Josef parece escurecer. Ele desabafa que seria até mais simples
terminar aquele drama e se suicidar. Josef submerge na água, sob os protestos
de Aaron para que pare com aquela conversa. Quando o cinegrafista se aproxima
preparado para arrancá-lo à força, Josef emerge com um grito, e segue com
gargalhadas, pregando um novo, horroroso susto no rapaz. É a 2ª vez que ele
maneja o expediente, apenas para retomar com pedidos de desculpas, dizendo que
o clima lhe parecia muito depressivo, e portanto achara uma boa ideia pregar a peça.
Josef agora o convida a fazer imagens
fora da cabine, e o orienta a procurar no guarda-roupas por botas e chapéus apropriados para o
frio. O 3° susto da manhã acontece quando ao abrir a cortina
Aaron dá de cara com uma máscara aterrorizante do Lobo Mau. Josef corre para
saber o que aconteceu, e ao ver que ele se assustou com a máscara, trata de
contar a história de "Peachfuzz", o "Lobo Mau", um personagem infantil
inventado pelo pai, que Josef guardou consigo por todos aqueles anos. Ele
veste a máscara e desempenha um número musical para a câmera de Aaron. Ao
tentar tornar a bizarra situação mais leve, Josef só consegue deixar as coisas
mais constrangedoras: a imagem daquele lobo aterrorizante cantando e ensaiando passos
é no mínimo enervante. No carro, depois de tomarem a estrada, Josef explica
que o levará a um ponto turístico que conheceu através de uma senhora
espanhola. A trilha os levará às "águas milagrosas do coração", um lugar onde,
consoante a lenda, todas as doenças podem ser misteriosamente curadas, desde que
as pessoas sejam puras de coração.
Eles correm pela trilha, e Josef se
esconde para preparar o 4° susto da manhã, ao saltar de trás de uma rocha para
alertá-lo com um grito. Desta vez, Aaron não gosta nada da brincadeira, e Josef
pede perdão. Ele diz que por um momento enxergou no olhar de Aaron a intenção
de agredi-lo. O cinegrafista minimiza a importância, o aborrecimento já passou.
Josef insiste que não se ofendeu, tratou-se de uma reação visceral. Ele
complementa que Aaron tem um "Lobo Mau", um "Peachfuzz" dentro de si, e nem
sabe ainda. Josef pergunta se Aaron precisa fazer as pazes com alguém neste
mundo, antes de partir, e Aaron menciona uma ex-namorada que o magoou
terrivelmente. Josef indaga se quando Aaron enxergou o machado cravado no
tronco chegou a considerar que poderia ser morto, e quando o relutante
cinegrafista responde que sim, Josef dá uma gargalhada.
Finalmente, os dois alcançam as "águas
milagrosas no coração", uma fenda nas rochas que, de fato, lembra o formato de um coração. O
cenário é belíssimo, típica serra com árvores cujas copas são muito altas, onde o rio corre entre formações rochosas. Eles parecem ter penetrado bastante na floresta. O frio rigoroso não os desencoraja de se banharem nas águas, e os dois parecem bastante animados aos pés
da cachoeira. Josef grafa em uma rocha o termo "J. & A." dentro de um
coração. Aaron presume que o estranho se refere à esposa Ângela, claro. Depois
de se cansarem o bastante, Josef o convida a experimentar as saborosas panquecas do "Billy
Bears", a melhor diner da região. "Vamos ver o que há de bom aqui", Josef
comenta ao abrir o cardápio, a que Aaron comenta "As panquecas. Você não disse
que costumava vir aqui com sua família?". Josef parece meio atrapalhado e
constrangido, e conserta o equívoco dizendo que sim, apenas gostaria de saber
se estão oferecendo novos pratos. Durante a conversa à mesa, Josef move o
papo no sentido de se abrirem sobre coisas das quais hoje teriam vergonha de confessar. Aaron
faz menção a um episódio da infância quando urinou nas calças na frente dos
amigos. Quando chega a vez de Josef, ele exibe fotos que Aaron
reconhece como suas, no celular, quando chegou pela primeira vez à cabine. Josef revela que as
tirou escondido, e que o fez porque assim o estaria conhecendo previamente, de
modo que quando se apresentasse "pela primeira vez", não se sentiria tão envergonhado. Josef gostaria de saber se Aaron tem como desconsiderar sua atitude.
A essa altura, qualquer pessoa de bom
senso agiria com mais prudência, mas Aaron novamente o perdoa. Quando os dois
regressam à cabine, é noite fechada. Aaron parece reunir bom senso o suficiente
para explicar a Josef que talvez tenha chegado a hora de partir. É uma cena
visualmente inquietante, porque apesar de alguma luz se deitar sobre as
escadas, já é noite, quando os arredores do bosque se tornam maiores e mais assustadores do que efetivamente o são. Ademais, não bastasse a Aaron encontrar-se em uma região desconhecida,
Josef opina que ele deveria aceitar o convite e tomar um drinque antes de
partir, sutilmente o coagindo a permanecer um pouco mais. Josef explica que como Aaron dirigirá pela autoestrada,
não levará mais do que 20 minutos para descer a serra, então não há motivo
algum para recusar o convite (exceto, evidentemente, pelo temor que o
comportamento macabro de Josef incute). Meio a contragosto, Aaron aceita tomar
uma bebida antes de partir em definitivo. Josef ganha rapidamente os últimos lances, e Aaron sobe em seu encalço. Ao entrar na cabana, Josef salta de dentro de um cômodo, novamente em algazarra, azucrinando-o com o 5° susto do dia
envolvendo gritos. Aaron rapidamente se recompõe, e Josef vai apanhar a garrafa
para que se sirvam à mesa da sala de estar.
Aparentando descontração, Josef
discorre sobre como o dia foi perfeito, e sente que na pessoa de Aaron conheceu um
novo amigo. A fluidez do bate-papo os acaba levando à questão de dinheiro, e
Josef pergunta por que o rapaz aceitou o emprego oferecido no Craigslist.
Basicamente, Aaron precisava de grana, e U$ 1.000,00 por um dia apenas de
trabalho resolveria alguns problemas. Envergonhado em se aprofundar nos problemas financeiros,
Aaron acaba soltando que de fato precisa de dinheiro, habilidosamente manipulado pelo perspicaz Josef, que primeiro ganha sua confiança fingindo-se atencioso ouvidor, para
depois deixá-lo se abrir. Ele retoma com um papo estranho, que deixa o rapaz
com uma pulga atrás da orelha, ao decretar que adoraria ajudá-lo
financeiramente. Hesitante, Aaron o agradece pela oferta, mas a recusa. Quando se
levanta para apanhar a chave do carro para partir, Josef pede que não se vá
ainda. Sua expressão, até então descontraída, adquire linhas retesadas, e ele
retifica que mentiu sobre a origem de "Peachfuzz". Ele o chama de volta à mesa,
porém antes pede que desligue o equipamento. Antevendo a gravidade da revelação por
vir, Aaron apenas tampa a lente, no entanto continua a registrar o áudio da conversa.
Em filmes de terror, usualmente há uma
cena definitiva pela qual você imediatamente passa a resgatar as outras imagens encadeadas para
recompor as lembranças de uma determinada obra. Em "Creep", mais do que
nunca, percebemos que não é pelo viés da violência ou excessos que um filme
deixa uma impressão duradoura em nossas mentes. É justamente no instante em que
só temos áudio, na verdade um monólogo, que a trama derruba nossa falsa sensação de segurança, e esse filme verdadeiramente se insinua para dentro de nossas cabeças. "Creep" é o tipo de coisa que
perdurará nos pensamentos enquanto você espera o sono chegar. Josef conta
que há cerca de 4 anos, a velocidade da internet doméstica decaiu bastante. Um colega de trabalho o orientou a apagar o histórico de navegações,
pois o mesmo poderia estar retardando a velocidade de carregamento das páginas.
Ao retornar para casa para examinar o computador, Josef conectou-se à internet
e descobriu coisas inomináveis no histórico do navegador, a maioria pornografia envolvendo animais. Só
duas pessoas – ele e Ângela – tinham acesso`a internet de casa, e Josef sabia
que não fora ele quem navegara atrás de coisas tão pervertidas. Ao confrontar a
esposa acerca da macabra descoberta, Ângela negou envolvimento. Os dois
começaram a se distanciar emocionalmente, até Josef convidá-la a passar um fim de
semana na cabine da serra. Durante o fim de semana, ele inventou uma emergência
qualquer de escritório, prometendo regressar na manhã seguinte. Josef estava
mentindo. Ele adquiriu a máscara do lobo em uma loja de fantasias, e 3 horas depois retornou para a cabine.
Josef invadiu o interior pela janela do banheiro, e encontrou a esposa dormindo. Amarrada enquanto ainda inconsciente, Ângela despertou com aquela figura monstruosa sobre seu corpo. Josef a violentou implacavelmente, certo de que a mulher não o reconheceria na escuridão e principalmente atrás da máscara. Depois da violência sexual, Josef a deixou desmaiada e fugiu. Ele retornou na
manhã seguinte, aparentando normalidade, como se tivesse cumprido com os
afazeres do trabalho. Na cabine, Ângela aparentava revigorada disposição e felicidade, e
vestia um sorrisinho misterioso e realizado no canto dos lábios. No espaço da
semana seguinte, a velocidade da internet recuperou o pique e voltou ao normal (ou
seja, Ângela parou de olhar para aqueles sites monstruosos de bestialismo, pois
fora sexualmente atendida) e o casal superou a crise conjugal. Eles jamais conversaram sobre
o ocorrido na serra.
Se anteriormente Aaron conseguira
manter em xeque o nervosismo, agora mal pode esperar para partir o quanto antes. O rapaz finge normalidade, porém se sente bastante intimidado quanto as coisas aterrorizantes que lhe foram confidenciadas. O nervosismo fica patente quando
Aaron não consegue encontrar a chave do carro e seus modos adquirem expressões mais inquietantes. Josef o persuade a deixar para
descer a serra na manhã seguinte. Mesmo que a encontre, o fato de ter bebido
alguns drinques o tornaria vulnerável caso resolvesse percorrer a sinuosa estrada à noite, sem
falar na Polícia Rodoviária, que poderia prendê-lo. Aaron aparentemente aceita a
oferta de Josef, e já que permanecerá mesmo na cabine para a noite, se
voluntaria para preparar uma nova rodada de drinques para a dupla. O rapaz volta da cozinha com as bebidas, e Josef toma sua dose em um único gole. Eles decidem encerrar os
trabalhos, e o homem se despede do filho que jamais conhecerá, reafirmando o quanto o ama para a câmera. Josef comenta o gosto esquisito do drinque, e então apaga. Aaron
"batizou" a bebida com um calmante encontrado em uma das gavetas. Aterrorizado, o rapaz só queria encontrar a
chave e deixar a cabine enquanto Josef não pudesse lhe causar mal.
Ele deduz que a chave só pode se
encontrar no bolso da camisa do homem. Repentinamente, o celular de Josef
começa a chamar, e Aaron corre com o aparelho em direção ao banheiro, para que ele não desperte de seu torpor. Em uma cena genuinamente arrepiante, Aaron escuta uma
voz feminina e sonolenta do outro lado da linha. "Alô?", diz a voz. Aaron
pergunta se se trata de Ângela. Ela responde que sim, e diz que gostaria de
falar com o irmão. Aaron explica que ele está dormindo, e ao se identificar
como cineasta rodando o filme de Josef para que seu filho o conheça depois da morte por causa do câncer, Aaron fica abismado com a resposta. "Meu irmão
tem problemas", ela anuncia, com uma voz triste, porém estranhamente monocórdia. Ângela não é
esposa de Josef, mas sim a irmã. Diferente do que utilizou como trunfo, Josef jamais teve câncer, tampouco a família possui qualquer chalé, a cabine foi alugada. A moça o orienta a deixar a
cabine e seguir caminhando. Ela pede o endereço do lugar, para que a família
possa chegar a Josef para finalmente interná-lo. "Eu corro algum perigo aqui?",
Aaron indaga, e ela é enfática "Escute-me, saia dessa casa agora". O sinal parece falhar,
e eles perdem a conexão.
Ao voltar para a sala, Aaron não
encontra mais Josef deitado próximo à lareira. A tensão é imensa, pois ele não
sabe onde o estranho se meteu. Apesar de chamar pelo nome de Josef, Aaron não
obtém uma resposta. É quando deixa a cabine para a varanda que o homem o
surpreende. Josef reaparece choroso, com a ladainha "Eu não quero morrer,
Aaron". Aaron o abraça e o consola. Ele escancara que já sabe de parte da verdade, que
Josef não tem câncer algum, é apenas uma pessoa bastante problemática, e está
disposto a ajudá-lo. Ao revelar que conversou com Ângela, Aaron o deixa apavorado, e
Josef dispara em uma carreira, cabine adentro. Cautelosamente, o cinegrafista procura
chegar à porta para deixar o lugar, quando dá de cara com uma cena apavorante.
Josef se encontra parado de pé bem no meio da passagem, vestindo a máscara do
Lobo Mau, uma imagem genuinamente perturbadora. Aaron consegue reunir paciência
para perguntar por que ele age daquela maneira com alguém que não lhe causou nenhum mal. Josef limita-se a grunhir como um lobo, e passa a mover
ritmicamente o quadril, uma sinistra paródia de atração sexual, o que
efetivamente deixa o rapaz apavorado e o encoraja a partir para cima da porta para
fugir a qualquer custo, mesmo sobre o corpo de seu captor.
Quando reencontramos Aaron, ele
conseguiu descer a serra e se encontra devolvido à segurança do lar. Já se passaram
alguns dias desde os macabros eventos na cabine. Ele revela que depois de partir
para cima de Josef, o estranho simplesmente empreendeu fuga, de máscara e
tudo, e Aaron pôde chamar o reboque para tirar o carro do lugar e voltar
para a cidade. Depois de ter retomado a vida, o cinegrafista
dispusera-se a se esquecer do encontro, quando, um dia atrás, recebeu uma
encomenda dos Correios, um DVD, para ser mais exato. As imagens mostram Josef
cavando uma sepultura e atirando sacos pretos dentro. O DVD soa como uma ameaça de
morte, como se Josef estivesse prometendo retaliação. Ainda determinado a tirar por menos, esquecer o ocorrido e seguir com a vida, Aaron joga o disco no lixo e torce para nunca mais escutar falar de Josef.
Aaron não sofreu nenhuma violência
física, no entanto o encontro deixou profundas cicatrizes psicológicas.
Uma noite, ele desperta coberto por uma película de suor, impressionado com um pesadelo muito
vívido. No pesadelo, ele se via de volta a aquela cachoeira, e estava na água
com Josef, o estranho vestindo a incômoda máscara do Lobo Mau. A água parecia
uma banheira quente. Aaron vestia uma máscara parecida, apenas menor: no sonho, ele
se via como filhote de lobo. Josef lhe dava banho com vinho, mas ao olhar para
baixo, Aaron notava que o riacho se tornara sangue. Ele narra o pesadelo bastante emocionado, e desabafa que precisa parar de pensar naquele cara. Na manhã
seguinte, enquanto toma banho, a campainha toca. Ele recebeu uma encomenda, uma
caixa enorme. Aaron hesita em abri-la, contudo eventualmente abre o pacote, e
examina os itens, um a um. Primeiro, encontra uma faca e um DVD, e ao alimentar o
aparelho com o disco, assiste a um recado gravado especialmente por Josef.
Ele se desculpa pelo DVD anterior (onde aparecia trabalhando em uma cova), e se
justifica, descrevendo o comportamento como compreensivo, considerando que Aaron
o drogara, o que o havia deixado furioso. Ele diz que com os presentes, pretende fazer as
pazes. Segundo, ao vasculhar a caixa mais cuidadosamente, Aaron acha um lobinho de
pelúcia. Na gravação, Josef discorre que admira lobos porque os compreende: lobos
amam muito, mas não sabem como expressar o sentimento, costumeiramente agem com
violência, e frequentemente matam o objeto de seu afeto. "Esse lobinho é uma
gracinha, me faz pensar em ti, honestamente, naquele momento em que eu te
assustei na floresta e havia assassinato em seus olhos, mas um olhar assassino
próprio a filhotes, pois você ainda não está pronto para caçar. Dessa forma, quero
encorajá-lo a abraçar seu lobo interior, então tome para si o lobinho, e, mais
importante, a faca, e não relute em usá-la, pois quando você crava a faca em
algo, e arranca as entranhas e cava até dentro, eu não sei, cara, é lindo".
Aaron assiste a tudo em estado de choque. Quando examina o bichinho de pelúcia, encontra
um pingente em forma de coração, com duas fotos dentro, Josef & Aaron (a
foto de Aaron, uma daquelas tiradas por Josef, às escondidas). Grafada no
coração, a promessa de amor "J. & A. Para Sempre".
Aaron deveria ter contatado a Polícia muito
antes do recebimento da encomenda, todavia, pela primeira vez, procura as
autoridades para denunciar o assédio e expor suas preocupações. O rapaz não
vocaliza muito bem a natureza do problema, irrita-se facilmente quando precisa
admitir que não sabe o sobrenome de Josef. Ele parece se esquecer de todas as
imagens do sociopata que realizou na serra, evidência o suficiente para a Polícia
tomar alguma medida mais energética. Ele paga um preço caro pela inocência,
pois naquela mesma noite, ao acordar de madrugada movido por um novo
pesadelo, o assédio se revela mais urgente, e Aaron entende que Josef se
encontra mais perto do que imagina quando uma forte pancada do lado de fora acusa
a presença de um visitante. Aaron se arma com uma faca, e enquanto fala para as
paredes anunciando que não hesitará em usá-la, não percebe que Josef o
observa com olhos cheios de apetite, pela porta, em uma cena muito arrepiante. Quando
resolve investigar do lado de fora, Aaron não encontra nada mais do que calçadas
vazias, no entanto, ao se atentar ao lixo revirado, erroneamente associa o
barulho que escutara com a obra de algum animal.
Enquanto vasculhava a calçada e as
vizinhanças, Aaron não se deu pela ação de Josef, que de fato provocara o susto
e se aproveitara para entrar, para esperar que o cinegrafista dormisse, e cortar uma mecha de cabelo. Alguns dias se passam sem sobressaltos, até que em
uma determinada manhã Aaron encontra a janela do quarto quebrada e um novo DVD
de Josef. Desta vez, o sociopata fala de um píer à margem da localidade
turística onde se conheceram. A panorâmica dá para um belo
espetáculo visual. Josef mostra o disco que Aaron atirara no lixo. Ele diz que
pôde até entender seu gesto, Aaron provavelmente se assustara com a imagem de
Josef abrindo uma cova, porém o que realmente o deixou arrasado foi achar o
pingente dentro do saco. O coração do pingente representava "o laço de amizade" que teriam forjado durante a aventura, e ao perceber que Aaron não nutria consideração pela sua pessoa, Josef fora tomado por uma fúria que mais tarde o
convidou à reflexão. Josef explica que concorda com a opção do amigo em repudiar
qualquer contato, e decide revelar um pouco sobre si, ao admitir que procurou
psiquiatras para conseguir ajuda, e os médicos jamais conseguiram escolher
entre medicá-lo ou encorajá-lo a encontrar uma resposta por si. No começo,
Josef disse que tentou ser ator, pois atores ganham a vida mentindo,
"fazendo de conta". Descobriu que somente experimentaria verdadeiro
prazer se agisse como ator na vida real. Ele já vinha postando anúncios no
Craigslist e arrastando incautos para farsas do tipo há algum tempo, apenas
pela satisfação pessoal envolvida: "A verdade é que eu não sei por que faço isso, eu sempre
faço essas coisas!", ele anuncia, em dado momento. Ele segue explicando como seu
comportamento fez com que as irmãs e os pais se afastassem. Josef praticamente
não tem amigos, e Aaron é a última oportunidade de conhecer alguém que
genuinamente se importe. Josef apela para o coração bondoso do rapaz, e usa sua
ingenuidade contra o próprio.
Josef compromete-se a deixá-lo em paz,
apenas insiste em uma última chance para dialogarem. Se após a conversa o
rapaz expressar que de fato não deseja mais a amizade, Josef o deixará em paz, desde
que antes lhe dê uma derradeira chance. Aaron fica pensativo, tentando sopesar as
escolhas. De se esperar, o coração generoso está para metê-lo
novamente em uma fria, pois ele sente pena de Josef, enxergando-o como um homem
incompreendido e solitário. Ele resolve lhe conceder uma nova oportunidade. O
lugar marcado para o encontro, um cenário turístico à margem do lago onde
originalmente haviam feito amizade, é um espaço público, e Josef jura que não lhe
fará mal algum. Na manhã do encontro, Aaron estaciona o carro de modo que a
frente dê para um espaço com bancos à beira do lago. Ele deixa a câmera ligada sobre o painel, filmando a linha dos bancos, por precaução. Por uma tomada realizada silenciosamente e à
distância, assistimos ao estúpido Aaron distraído, sentado no banco, à espera
de Josef, certo de que farão as pazes e tudo terminará bem, quando o sociopata surge nas suas costas, sem acusar presença. Ele
permanece um tempo observando Aaron, sem nada acrescentar, até vestir a máscara do
Lobo Mau, puxar um machado de dentro do casaco e executá-lo com dois golpes
certeiros no crânio. Josef vasculha o carro do rapaz e se apossa da câmera. Em
uma cena no interior da casa de Josef, vemos quando ele arquiva o DVD onde
conservou todas as filmagens de sua "amizade" com Aaron. Dirigindo-se à câmera, Josef declara eterno e incondicional amor ao rapaz, nominando-o seu "preferido". Ele diz que o admira pois até o último minuto Aaron nem se preocupou em olhar para trás. Aaron acreditara em Josef e o tomara como um homem problemático, mas incapaz de maldade, cego à malícia no seu coração, o que tragicamente lhe valeu um golpe de machado na cabeça. Entre uma porção de
outros discos, possivelmente vítimas anteriores do sociopata, ele destaca o filme de Aaron
com o desenho de um coração feito à caneta porosa. O filme conclui ao
escutarmos Josef ao telefone com um candidato que atraiu com
algum novo anúncio falso no Craigslist.
Filme tétrico, contundente, intimista e
apavorante, "Creep" veio para satisfazer a sede de gente que se aterrorizou com
"Poughkeepsie Tapes" e desde então procura por uma obra que retrate com
semelhante honestidade o mesmo tipo de personalidade psicopática. Enquanto "Poughkeepsie
Tapes" se desenrola como um "mockumentary" (pensem em um episódio do extinto
"Linha Direta Especial", tipo "A Fera da Penha"), "Creep" ousa com uma
abordagem mais "in your face": não há uma variedade em termos de elenco, você só verá os
protagonistas em uma jornada claustrofóbica de interação e
conhecimento. Se os amigos leram o meu trabalho sobre "Poughkeepsie Tapes" e
assistiram ao filme, provavelmente concordarão comigo que os mais interessantes
aspectos da obra de John Erick Dowdle são as intervenções de peritos forenses
e psiquiatras do FBI, quando expõem seus pontos de vista sobre a personalidade
do assassino serial fetichista e tentam esboçar um perfil. "Creep" não corre o
risco de beirar a verborragia, pois ao invés do expediente de intervenções de
terceiros, permite que o desenrolar dos fatos, ali à nossa frente, nos guie às
nossas próprias conclusões sobre as pessoas em torno de quem a trama gira. Com
pouquíssimos recursos, o diretor/ator Patrick Brice realizou um dos melhores
filmes de horror do ano, a partir de uma mera conversa entre amigos, um
bate-papo a partir do qual esboçaram a espinha dorsal do roteiro que se tornaria "Creep".
Brice & Duplass, mais familiarizados ao trabalho diante das câmeras do que
atrás das mesmas, foram atuando e criando cenas conforme seus instintos, e ao longo
da jornada os personagens ganharam forma e substância, um processo de criação
realmente diferente e inovador. Para polir o produto final, levaram o
filme bruto para Jason Blum, o timoneiro da Blumhouse Pictures, de onde vieram
as melhores produções de horror dos últimos anos, tais como "A Entidade" &
a franquia "Atividade Paranormal". Habituado ao paladar
do público do gênero, o pessoal da Blumhouse cortou as arestas certas, enxugou a trama, eliminou a
flacidez, e o produto final foi uma versão ágil e tensa que ao mesmo tempo em que
conserva o estilo independente de seus realizadores, reveste-se das
características que enchem as salas de cinema com gente que curte e torce a
cada verão por um novo filme "Atividade Paranormal" ou algo do gênero. A
relação do ator Duplass com o produtor Jason Blum deve-se ao fato de
pertencerem ao mesmo círculo, e serem todos amigos. O maravilhoso "O Presente", por exemplo, também produzido por Jason Blum, traz no elenco a atriz Katie
Aselton no papel da irmã do personagem de Jason Bateman. Na vida real, Aselton
é esposa de Duplass. Em que pese a semelhança de focos – "Poughkeepsie Tapes" & "Creep" nos guiam por recantos muito escuros envolvendo o funcionamento de
mentes psicopatas – "Creep" sobressai-se como mais digerível dos dois, o tipo
de coisa que, apesar de desconfortável, garante bilheteria e salas de cinema
cheias. Embora bem-feito e empolgante, "Poughkeepsie Tapes" é um filme mais
difícil – para não dizer impossível – de se vender. Destinado a se tornar cult
movie, "Poughkeepsie Tapes" fez a fama do diretor John Erick Dowdle, que
recentemente realizou o excelente "Horas de Desespero", porém habita um limbo entre cinema marginal & obra de arte. Sua longevidade se deve ao
falatório que provoca entre aqueles que conseguiram uma cópia e se
impressionaram e os outros que desejam conferi-lo, mas não o encontram em lugar algum. Quem não estiver pronto para
algo como "Poughkeepsie Tapes" faria melhor começando por "Creep".
Filmes são interessantes por uma série de razões, entre elas a maneira como os descobrimos e redescobrimos, um elemento
certamente inconstante. Algo muito dominante visto durante nossas infâncias não
traria a mesma agressividade, caso o revisitássemos na fase adulta; algo que nos
cativou possivelmente continuará a nos tocar por diferentes razões, pois apenas enxergaremos
diferentes aspectos que escaparam aos nossos olhos na infância. Eu creio que se tivesse assistido a "Creep" aos 15
anos, o teria apreciado bastante, mas aos 36, suponho que hoje eu veja detalhes
cruciais à compreensão, e conforme aprendemos com a vida, os detalhes não podem ser subestimados. "Creep" exige mais de uma exibição até que a ficha caia e você perceba que o
filme é tanto sobre sociopatas quanto sobre o sexto sentido e a capacidade
inerentes a pessoas comuns para antecipar e reagir a tempo de neutralizar a maldade que nos cerca.
As situações em "Creep" soam
verossímeis, porque jamais testam nossa boa vontade. Ao contrário, acontecem em
um movimento constante e crescente como se diante de Aaron fossem impostos sucessivos testes,
cujos limites são constantemente desrespeitados por Josef, que em sua conduta subversiva busca
provocá-lo, compreendê-lo enquanto ser humano, descobrir quais botões apertar, como
conseguir essa ou aquela reação. Ao passar a vista pelos debates acirrados
nas message boards de "Creep", na internet movie database, vi que as pessoas discutem insistentemente acerca do mesmo ponto: afinal de contas, se você estivesse no lugar de Aaron, em
que momento teria "desistido" de Josef? Considerando todas as bandeiras
vermelhas que sua conduta imprópria sinaliza, quando teria dado as costas
e tratado de correr para bem longe? Pertinente, a questão também me parece o pilar do filme, sua razão de existir, principalmente depois de tê-lo visto inúmeras vezes. O debate provocado é um testamento à habilidade dos dois atores que
conseguiram transcender à fórmula de filmes sobre serial killers para criar
algo original.
Há um importante livro chamado "The
Gift of Fear", do autor Gavin de Becker, consultor de segurança cujos clientes
incluem agências governamentais federais e departamentos de polícia. O livro
ensina pessoas, mulheres na maioria, a reconhecerem sinais de potenciais
agressores, e tomarem medidas eficazes para evitar os ataques antes que os mesmos sejam deflagrados, ou retaliar, quando tarde demais. O livro, portanto, recomenda estratégias para lidar com os problemas antes que escalem para situações de vida ou morte. Segundo a obra, uma das armas dos
agressores é justamente o altruísmo dos candidatos a vítimas, que parecem
subestimar sinais em nome de um infundado receio em ofender um pretenso agressor. Por um viés diferente,
o filme "Creep", mesmo através da desculpa do entretenimento, não deixa de prestar semelhante serviço. Eu fiz menção ao impacto de um mesmo filme assistido em distintos
momentos da vida porque no caso de "Creep" eu imagino que se o tivesse visto
adolescente, não teriam saltado aos meus olhos os indícios da terrível cilada
urdida por Josef bem diante dos olhos de Aaron. Eu me surpreendi, porque se
levarmos em conta a faixa etária de Aaron, e supormos que ele se encontra na faixa dos
25-30 anos, já teria maturidade de sobra para interpretar a linguagem de Josef,
enxergar a malícia por trás da amabilidade. No entanto, o sociopata o testa incansavelmente até descobrir os limites de Aaron; infelizmente, a decência do
rapaz não lhe permite traçar um ponto a partir do qual não se permitirá ser machucado. Josef segue avançando os sinais e
sendo exaustivamente "resgatado" por Aaron, que se sente péssimo pelo estado
psicológico do estranho. Surpreendentemente, após cada pisada no calo, a vítima
segue perdoando, certo que gradualmente mais hesitante, mas sempre leniente.
Logo no primeiro minuto do encontro,
Josef descobre que a ingenuidade de Aaron facilitará a prática de seus planos cruéis. Ele o recebe com um abraço forte, e a risada desconcertada de
Aaron indica que aceita o cumprimento como uma mostra do comportamento liberal
de Josef, a quem simultaneamente presume que se trata de um ser humano decente, incapaz de malícias. A partir do sucesso do primeiro teste, quando vê que
"cruzou o sinal vermelho" e Aaron não protestou, a sucessão de pequenas
provocações se segue interminavelmente. Depois de um papo furado envolvendo um filho por nascer e a baboseira sobre câncer, Aaron toma a conversa
como incontestável verdade. A mera menção ao termo "câncer" o lança ao cativeiro de um estado
emocional onde a mera suspeição do caráter de Josef engatilha um processo auto punitivo, como se pessoa alguma no mundo pudesse falsear um assunto tão sério. O vitimismo e a inversão de culpa que regem o movimento de peças no tabuleiro por parte de Josef provam-se jogadas de mestre. Em seguida, o assassino procura elastecer o senso
crítico do rapaz, e tira da manga o truque da filmagem na banheira, intentando
ganhar imediatamente sua confiança. Se Aaron morder a isca – como de fato morde,
porque concorda, apesar de estranhar – Josef sabe que dali para frente poderá
provocá-lo como bem entender. Ele é o gato divertindo-se com o rato, prolongando
ao máximo o momento do abate: divertir-se com a comida lhe interessa mais do
que simplesmente devorá-la. Ele atormenta o rapaz com sustos estúpidos quando salta por trás de portas e rochas apenas pelo prazer de tirá-lo de centro. Mais
tarde, na diner, confia na inocência de Aaron a ponto de exibir as fotos
tiradas em segredo, quando ele havia chegado à cabana. Em todas essas diferentes situações, Aaron escolhe não enxergar a maldade por trás da estranheza, e segue
marchando conforme a batida ditada pelo algoz, rumo ao precipício. Habilidoso, o sociopata sabe
como acessar as emoções fáceis e altruístas da presa, sendo prova da assertiva a
maneira como mesmo depois de deixar a cabine, o subconsciente de Aaron o pune, a cabeça povoada por
pesadelos horrorosos de cunho sexual, como quando se imagina como um
bebê, Josef lhe dando um banho com a máscara horrorosa do Lobo Mau, um detalhe
bastante emblemático, afinal de contas não há nada mais indefeso e puro do que
uma criança, e a antítese da alma cristalina e intocada de um bebê seria a
figura do lobo, o predador supremo, a representação da subversão e
perversidade. Ele criou um vínculo emocional indesejado com a vítima através de
um número de expedientes emocionais meticulosamente calculados para aquele fim, como o papo sobre câncer, o segredo
sobre a esposa interessada em fetiches relacionados a bestialismo, e o estupro... pouco
importa se apenas parte disso for real. Josef conseguiu cativá-lo, marcá-lo
psicologicamente. Para facilitar o "abate", o predador embaralhou a cabeça do
homem fraco cujo calcanhar de Aquiles se dá pelo viés da compaixão. Já vimos algo parecido em outros veículos, não? Se assistirmos a
documentários sobre a vida selvagem, veremos como os predadores abatem as presas. Onças
ficam a espreita da manada de zebras, e antes de atacar, "marcam" as mais indefesas, vulneráveis. Nesse sentido, diferente das representações extravagantes de
psicopatas em grandes filmes, a performance de Duplass goza de uma intimidade
constrangedora, já que real. Sempre calculista quanto aos passos, sua contenção
parece genuinamente crível e assustadora. Eu pensei no perturbador "Estranhos
Prazeres", de David Cronenberg, sobre o qual escrevi nesse blog. Ali, os atores "não devoravam o cenário" (expressão que os americanos usam, "chew the scenery", alusão a interpretações afetadas, desafinadas) ao encarnar seus personagens, não queriam
parecer maiores do que efetivamente o eram. Ocorre que no silêncio, no jogo de
olhares, na arte da manipulação e do sexo corrompido, você observa as
ferramentas de manipulação a que os protagonistas da aventura, sociopatas
perigosíssimos, lançam mão para a satisfação do hedonismo. Igualmente, o Josef de "Creep" não foi concebido com descuidos
de tintas fortes, o roteiro não devaneou. A verdade sempre nos acertará mais em
cheio do que a fantasia, daí minha admiração
pelo esmero criativo dos dois atores. Eles conceberam um pesadelo e o ambientaram
em um mundo muito real, com os horrores do dia a dia, tais como abusos sexuais, perversões e desvio de
personalidade, a serviço de um dos ditados mais certos e verificados por todos
os lados, nas diferentes searas, pelas mãos das pessoas que você conhece no
escritório onde trabalha até os amigos que faz: nenhuma boa ação sai impune.
Também digno de nota, eu destaco o mistério,
as muitas perguntas que o filme se permite terminar sem endereçar. Muitas
pessoas costumam atribuir falta de respostas a um roteiro pífio. Eu discordo.
Dois artistas que bolaram um suspense tão sensacional sem que uma única gota de
sangue tivesse que ser derramada jamais falhariam na execução do script. A meu
ver, as lacunas foram deixadas propositalmente, e eu posso citar algumas
anotações mentais sobre diversas situações que durante o filme permitem interpretações dúbias. Chamou-me a atenção um dos momentos mais desconfortáveis
de "Creep", a ligação da irmã, enquanto Josef dorme após ingerir bebida
alcoólica com tranquilizantes. Eu poderia citar o tom
monocórdio da voz da mulher, que eriçou os cabelos de minha nuca (ela soava
calma, calma até demais), no entanto gostaria de focar na questão dos tranquilizantes.
Aaron encontra uma caixa de tranquilizantes em uma das gavetas da cozinha, e cuidadosamente
os esfarela dentro do drinque de Josef. Não consigo deixar de pensar que a caixa de comprimidos foi encontrada por Aaron na cabana de Josef. O
sociopata queria que Josef encontrasse os tranquilizantes, esperou que
Aaron esfarelasse os comprimidos e os polvilhasse no drinque. Nesse sentido,
portanto, os comprimidos não seriam necessariamente tranquilizantes, podiam ser algo inócuo, mas Josef queria criar tal ilusão na cabeça de Aaron. Creio que Josef não foi drogado, porém quis criar na cabeça da
vítima a ilusão de que estava dopado, justamente para manipulá-lo, pegá-lo com a
guarda baixa, incentivá-lo a alguma ação. Algo me diz que Ângela estava envolvida na jogada. Ela seria parceira
de Josef, por que não? Não deve ser mera coincidência Ângela ligar justamente quando Josef "dorme". Sua participação na cilada giraria em torno de aterrorizar o desavisado rapaz ainda mais, incentivá-lo a deserdar a cabine,
talvez porque ela, Ângela, estivesse à espreita para lhe fazer mal do lado de
fora. Eu não poderia afirmar se Ângela seria ou não a irmã de Aaron, porém estou
inclinado a acreditar que há mais à trama do que nossos olhos conseguem absorver.
A propriedade de deixar pessoas discutindo a respeito do que viram é característica
dos grandes filmes. A julgar que "Creep" promete ser o primeiro de uma
trilogia, a Blumhouse Productions realmente investiu no potencial do material de primeira que tem em mãos. As questões deixadas pelo primeiro, como o papel da mulher que
realiza a ligação, prometem ser respondidas nos próximos. Vamos esperar!
Além de um dos mais interessantes filmes do ano, "Creep" me fez pensar no que eu teria feito com a premissa, para onde eu a teria levado, as mudanças que eu teria promovido para tornar a trama mais intrigante. Quando um filme me encanta, o meu fascínio pelo cinema me leva ao exercício de imaginação através do qual exercito como eu teria usado o que conheço sobre filmes para fazer algo igualmente envolvente. Eu acho que comecei a escrever não apenas por afeto à expressão através da escrita, mas como válvula de escape para o desejo primordial, que seria dirigir essas fantasias delirantes e maravilhosas. Eu não acho que elaboraria uma melhor estória da que Duplass & Brice bolaram, mas penso que ao fazer algumas coisas diferentes, o resultado teria sido no mínimo bem interessante! Algo curioso aconteceu quando eu assisti a "Creep", porque como o filme tem momentos de humor negro, algo me fez pensar naquelas comédias românticas estreladas no final dos anos 80/começo dos anos 90 por Tom Selleck, estilo "Adorável Sedutora" & "3 Solteirões & um Bebê". A partir daí, as ideias foram me assaltando, então escutem só a estrutura que eu teria montado: KIT MANNING (TOM SELLECK) é um ex-executivo de uma poderosa empresa de Publicidade & Propaganda que após perder o emprego há 5 anos, também foi deixado pela ex-mulher, e vive um momento financeiramente desconfortável da vida. Kit teve que voltar a morar na casa da avó, a única pessoa que realmente não o abandonou quando as coisas ficaram ruins de uma hora para a outra. Em uma honesta tentativa de juntar os cacos da própria vida, ele passa a trabalhar com filmagens de casamentos e coisas do gênero. Um dia, recebe o telefonema de uma senhorita que pede especificamente pelos seus serviços de filmagem. Kit mal aceita o serviço, ele recebe na porta de casa uma passagem aérea em seu nome, um voo para Las Vegas, onde se dará a prestação do contrato. Intrigado, Kit se despede da avó e promete não se demorar em Las Vegas. Em Vegas, Kit é recebido no aeroporto por DA SILVA (ANDREW JACOBS, "Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal"), um rapaz escalado especialmente para facilitar a estadia de Manning na cidade. Da Silva será seu motorista, e providenciará tudo o que Kit julgar necessário. Instantaneamente, Kit e o garoto, cerca de 15 anos mais jovem do que o protagonista, formam uma bela amizade. Kit é levado ao hotel 5 estrelas onde seu empregador o hospedou, e naquela mesma noite é apresentado a CHERYL CROSS (RACHEL McADAMS). Ela foi a pessoa que requisitou especificamente pelos seus serviços de filmagem. Aos 30 e poucos, elegante, simpática, perspicaz e muito bonita, Cheryl é uma executiva muito importante e de sucesso, e consegue deixa-lo à vontade. Algo no jeito desastrado e respeitador de Kit a deixa encantada. Desde o começo, ele se surpreende com o sentimento de intimidade que ela cria: Cheryl o chama bem-humoradamente de "Kit-Kat". Fragilizado pela vida, Kit parece um homem muito mais maduro do que seus 30 anos levam a crer (a título de imaginação, eu escrevi o roteiro para um Tom Selleck na faixa etária correta), talvez porque já tenha sofrido bastante. Naquele fim de semana em Las Vegas acontecerá o Campeonato Mundial de Karatê. Cheryl faz parte do time norte-americano feminino. Ela explica a Kit que apesar de casada e jovem mãe, embora tenha conquistado tudo o que havia a provar, profissionalmente falando, há um sonho não concretizado que finalmente poderá se tornar realidade. Cheryl explica que gostava desse rapaz que estudou com ela há muitos anos atrás, porém jamais pôde lhe dizer o quanto ele era importante. Cheryl diz que precisa dos serviços de filmagem de Kit, pois não somente pretende mostrar ao referido rapaz as suas lutas, Cheryl também quer ganhar a medalha de ouro para lhe dar de presente. Kit fica tocado que uma mulher tão sofisticada vocalize um desejo tão cândido e puro, e eles selam o contrato com um abraço. Como os amigos podem ver até agora, eu promovi algumas mudanças bem profundas no roteiro original de "Creep" (aliás, na minha versão, teria um outro nome, mas abordarei o ponto no momento adequado): Josef agora é uma mulher e se chama Cheryl, Aaron agora se chama Kit, e sendo mais velho, move-se com mais maturidade, mais presença e elegância. Eu introduzi novos personagens, e mudei o plano de fundo para Las Vegas, durante o fim de semana onde acontecerá o Campeonato Mundial de Karatê. O campeonato ocorrerá dali a dois dias, então Kit e Cheryl acabam tendo tempo para se conhecerem melhor. O filme, portanto, se desenvolve como uma comédia romântica, ao longo do primeiro 1/3 de projeção, pois entre situações cômicas & dramáticas, assistiremos aos dois caminhando lado a lado em passeios públicos e transitando entre jantares, em um verdadeiro estudo psicológico, mais sobre Kit, que Cheryl vem a conhecer melhor, já que ele é transparente. Kit, claro, deveria saber melhor antes de falar sobre o padrasto que amava como pai ou a mãe que se suicidou após sua morte, ou a avó que o criou como mãe. Ele fornece tão desapegada & graciosamente informações sobre a vida pessoal que dentro de dois dias Cheryl já o conhece muito bem. O roteiro encontra um jeito, claro, de incluir Da Silva em parte dessas cenas. De certa forma, Da Silva interpreta o papel do "sidekick" engraçadinho. Ele se torna muito amigo do herói, alívio cômico e, mais tarde, valioso aliado. Haveria um papel também para a Kristen Bell. Ela faria o papel de uma card dealer de um cassino em Vegas chamada ISABELE. Ao visitar um cassino durante a espera para o grande evento, Kit reconhece a card dealer, pois há 5 anos Isabele tinha estagiado na empresa de publicidade onde ele era executivo. Kit fora uma pessoa generosa e cativante não apenas para Isabele como também para toda a turma de estágio que havia passado pelo seu setor naquela época. A participação de Isabele na trama fará mais sentido posteriormente, no entanto, por ora, eles ficam muito felizes por terem se reencontrado, e Kit explica que está em Vegas a trabalho para realizar imagens de um importante evento. Na escalada até o grande dia, veremos Kit e Isabele se encontrando ocasionalmente, quando o rapaz acha tempo vago para visitá-la durante as tardes. Quando chega o dia do Campeonato onde Cheryl lutará, é claro que Kit & Cheryl já estão bem familiarizados um com o outro. Eu mencionei no começo de minha exposição que o filme prestaria homenagem ao "feeling" daqueles clássicos da adolescência que todos acima de 30 anos aprenderam a amar, então uma porção das músicas daquele tempo, anos 80/90, seriam resgatadas para dar às cenas o tom correto. Por exemplo, para abrir o filme com um sentimento alto astral, sublinhando uma montagem de cenas do Tom Selleck trabalhando e confraternizando com a galera do aeroporto (no filme, além de cinegrafista, ele trabalha meio período descarregando carga no aeroporto), uma sequência poderosíssima, pois mais tarde a trama se direcionará ao mais absoluto horror, usaríamos "Always Thinking of You", de Donna Delory, que inclusive introduz a abertura de "3 Solteirões e uma Pequena Dama". Nas cenas envolvendo o campeonato, a Rachel McAdams competindo e vencendo as muitas lutas, gradualmente mais difíceis, aplicaríamos "You’re the Best Around", de Joe Esposito, que carrega a sequência das lutas no final de "Karatê Kid". Vejam bem, eu estou apenas traçando um "outline" para a trama, claro que há muitos detalhes, não cabem a mim, estender-me. O fato é que mesmo depois de apanhar ao longo do campeonato (uma adversária inclusive conecta o cotovelo no nariz dela), a personagem da Rachel McAdams chega até a final, uma luta duríssima que precisa ir para o tempo extra para resolver quem será a vencedora, quando a primeira que acertar um golpe ganha a luta. Ela infelizmente perde, mas então quando as pessoas aplaudem os esforços das duas e Kit a abraça bem forte, para Cheryl, o segundo lugar se torna a coisa mais importante do mundo. A melhor cena, a "calmaria antes do horror", envolveria uma noite de comemorações que Kit e Cheryl teriam após o encerramento do campeonato. Há esse grande baile à fantasia em um importante e grandioso parque temático de Vegas, e como a cidade recebeu uma demanda enorme por causa do campeonato, é de se esperar que todas as pessoas que vieram para assistir às lutas também compareçam. Em outras palavras, será uma noite para recordar. Kit e Cheryl estão arrumando detalhes para a festa (em uma cena particularmente doce, ela ajuda o atrapalhado Kit com a gravata, que ele não sabe amarrar). Ela pede que Kit apanhe suas roupas no closet, e Kit topa com uma fantasia de super herói que por razões próprias lhe chama a atenção. Ele nada comenta, e quando Cheryl pergunta o que ele achou, Kit diz que ela está linda. Daí, rola a tal cena da festa à fantasia, e o momento é conduzido por "Feel the Night", de Baxter Robertson, uma montagem romântica importantíssima onde vemos os dois rindo e se divertindo e dançando... eles não se envolvem amorosamente, mas o que há de bonito na montagem é a pureza e doçura do clima de paquera envolvido: ambos passeando no rinque de gelo, e ela movendo os quadris, os dois brincando no kart, Kit acertando um tiro no alvo e e entregando à Cheryl um gatinho de pelúcia, e por aí vai. A cena funciona primordialmente por causa da música, que imprime a energia certa ao instante. Eu acrescentaria um lance em que antes de Cheryl lutar, Kit prometera que torceria bastante por ela, e inclusive rasparia o próprio bigode como uma promessa caso ela ganhasse o primeiro lugar. Cheryl e Kit chegam ao hotel depois da fervilhante festa à fantasia, e em uma atitude ousada, ele a leva à suíte no colo. Precisamos nos lembrar que apesar de os dois mal poderem se conter de alegria, ela está toda ferrada, o nariz arrebentado, um olho roxo, as costelas doídas, etc. Uma vez que ficam em silêncio, na suíte, Cheryl comenta que agora que ela perdeu, ele nem precisará tirar mais o bigode, e quando ela diz isso, seus olhos ficam muito tristes. Kit se escusa, tranca-se no banheiro para lhe fazer uma surpresa, e quando sai, ressurge com uma nova cara, sem bigode. Ele explica que não importa que lugar tirou, para Kit, ela sempre será número 1. Enfim, vocês podem ter uma ideia de para onde essa clima está levando, mas depois que ela começa a tirar apressadamente as botas, saltitando sobre um pé para tirá-la do outro, e também se livra da máscara, Kit a abraça de frente e eles ficam só nisso. Com a voz cheia de dor, Cheryl pede para que Kit não se vá. Ele permanece ao lado da moça, na cama, e a abraça sem malícia alguma, até ela dormir. Em determinado ponto da madrugada, depois que se certifica de que ela mergulhou em um sono profundo, Kit a cobre com o cobertor e, cuidadosamente, escreve uma carta em que afirma o quanto apreciou cada minuto ao seu lado, e o quanto faz votos para que seja sempre muito feliz ao lado da família. Kit também deixa ao lado da carta, na escrivaninha, a caixa com o DVD das filmagens das lutas de Cheryl, e dentro da caixa, o dinheiro que ela lhe pagou, porque ele gostou tanto da companhia dela que se sentiria mal caso aceitasse algum valor. Kit prefere quitar a estadia no hotel do próprio bolso, e Da Silva, que se encontra por ali, no estacionamento, lhe pergunta o que houve, intrigado ao vê-lo de malas. Kit explica que partirá de volta para casa naquela madrugada, e não quer deixar Cheryl triste, portanto preferiu ir embora enquanto ela dormia. Antes de partirem diretamente para o aeroporto internacional, Kit pede a Da Silva que dê uma passada no parque temático, pois crê que Isabele ainda se encontre por lá, e gostaria de se despedir dela também. Até agora, os amigos devem se perguntar: mas e o Horror? Depois do desenvolvimento de atmosfera na primeira metade, o terror chegaria com toda força para a segunda metade, pois ao procurar Isabele para se despedir, ela lhe diz que precisam conversar sobre algo muito importante. Ela conta que inicialmente não teve certeza, contudo ao prestar mais atenção reconheceu a senhorita que estava a seu lado no parque. Isabele pergunta se Kit realmente não se lembra de Cross, porque ela o conhece há mais tempo do que Kit possa imaginar. Isabele rememora sua passagem pela empresa de publicidade, como estagiária, 5 anos antes. Cross ascendeu na hierarquia da empresa, mas entrou ali na mesma época em que Kit ingressou nos quadros, 5 anos atrás, e pelo que Isabele consegue se recordar, sabia muito bem quem Kit era. Como estagiária, Isabele transitava entre distintos setores, o que lhe valeu a chance de conhecê-la. Isabele revela que Cheryl dizia que havia estudado junto com Kit, quando ambos não deviam ter mais do que 15 anos. A maneira incisiva como falava de Kit a levava a crer que Cheryl tinha algo pessoal contra o rapaz, e embora intrigada pelo passado entre os dois e o que a levara a odiá-lo tão gratuitamente, Isabele preferira guardar consigo suas observações. Kit fica desconcertado, porque jamais imaginou que seus caminhos tivessem se cruzado anteriormente. Ele apreciou tanto os momentos que haviam passado juntos em Las Vegas que jamais teria suposto que Cheryl o odiasse ou quisesse seu mal. A parte de horror da trama fica reservada para a segunda metade do filme, depois que Kit regressa para Nova Jersey e, gradualmente, através de pesquisas na internet e uma visita ao colégio onde estudou, monta uma imagem diferente da amiga que pensou ter feito em Las Vegas. É claro que a segunda metade se serviria a desenvolver o mais puro horror. Existiria um paralelo entre as sugestões sexuais perversas que o Josef de "Creep" incute na cabeça de Aaron, nesta nova derivação da trama: enquanto em "Creep" Josef lança mão da baboseira da máscara do lobo e a esposa com fetiche por bestialismo, na minha versão, como Cheryl já trazia uma bagagem, uma história com Kit, por mais que ele verdadeiramente não se lembrasse, ela tinha acesso ao passado do rapaz. Não foi por acaso que o arrastou à festa à fantasia e se caracterizou com a fantasia de uma determinada heroína. Cheryl o conheceu originalmente aos 15 anos, e parte do adulto que Kit se tornou deve-se a um evento traumático acontecido na mesma época. Ao longo de 3 anos, quando criança, Kit foi abusado sexualmente por uma prima mais velha que ficou na sua casa. A questão do fetiche do uniforme de super herói - as botas, as luvas, a máscara que Cheryl usa para inebriá-lo - pode ser rastreada à natureza da primeira violência que Kit, quando criança, sofreu nos braços da prima, porque a primeira vez em que foi abusado, aconteceu após um baile à fantasia a que sua prima o levara. Ela vestia uma fantasia do mesmo tipo, e quando os dois voltaram para casa, ele ainda uma criança e ela no mínimo 10 anos mais velha, e alcoolizada, a prima cometeu a maldade. Ela viria a programá-lo de que tudo aquilo era uma coisa natural e saudável, e ao longo de 3 anos, Kit foi sistematicamente abusado. Como Cheryl saberia de um segredo tão sujo permanece um mistério para Kit, tão inexplicável quanto as razões que a levaram a mantê-lo no radar para saber de cada passo seu após o colégio. Por mais que Cheryl tenha conquistado por mérito uma relevância para poucos no mercado publicitário, por mais que tenha crescido, prosperado, por mais feliz que se sinta ao lado da família, ela não conseguiu deixar Kit para lá, e por motivos que ao roteiro não cabe elucidar, agora quer caçá-lo e arruiná-lo porque simplesmente pode. Cinco anos antes, fora Cheryl quem provocara a demissão de Kit, o que lhe custou o próprio casamento. Agora, ela consumirá a sua vida, sob o manto do álibi perfeito, pois como uma mulher exemplar e acima de qualquer suspeita, pode agir livremente para jogar com a cabeça da vítima até achar que sabe o suficiente sobre Kit, ao menos antes de matá-lo. Assim como ocorreu em "Creep", quando Kit volta para casa, já ciente da história com Cheryl graças à Isabele, apesar de tentar retomar a vida de onde deixou, é assolado por pesadelos terríveis envolvendo o fim de semana em Las Vegas e o estupro na infância. Ele recebe uma encomenda dos Correios, com a medalha de prata que Cheryl ganhou no campeonato e uma nota onde ela escreveu "Eu ganhei para você". A trama faz um "link" com a menção de Cheryl a ganhar uma medalha para essa pessoa de quem ela gostava muito desde o colegial. Kit não sabia então, mas ele era a tal pessoa. Ele resolve se livrar da medalha, e na mesma noite acorda após um pesadelo horroroso, onde via a si, como criança, só que ao invés de se encontrar nos braços da prima, era Cheryl quem o maltratava, vestida, claro, como super herói. Nisso, escuta um forte barulho vindo do lado de fora, como uma pancada na janela, e sai para investigar. Essas passagens acontecem similarmente ao que já vimos em "Creep": ela entra na casa enquanto Kit se encontra vasculhando as calçadas e o quintal, onde encontra o lixo revirado e atribui o fato a algum animal, esconde-se, espera que ele durma, e então corta uma mecha de seu cabelo. Cheryl manda uma nova encomenda, desta vez um DVD onde exibe a medalha de prata que encontrou no lixo, e diz que até consegue compreender por que ele quis se afastar, mas não pôde aceitar que tenha atirado a medalha fora, vez que emblemática da amizade que os dois haviam feito em Las Vegas. Eu também preservaria o discurso do lobo, e o lobinho de pelúcia com um pingente dentro, onde Kit encontraria uma foto sua, uma muito antiga, de meado dos anos 90, 1995, quando ele tinha 15 anos, ao lado da de Cheryl, com a mesma idade, dentro de um coração. A razão de existir da figura do lobo, além de simbolizar a crueldade pela qual Kit passou, quando criança, nas mãos de uma predadora, deve-se ao símbolo da equipe de karatê pela qual Cheryl competiu, por exemplo. Para a sequência das lutas, durante a primeira metade do filme, eu havia visualizado a Rachel McAdams vestindo aquela roupa preta igual a que os "Cobra Kai" vestem em "Karatê Kid", ou seja, sem mangas, o que realçaria os braços fortes, mas femininos da atriz, sendo a diferença o fato de nas costas haver um lobo ao invés de cobra. Eu encontraria uma forma de aproveitar Da Silva & Isabele no segundo segmento, quando o Horror substituísse a comédia romântica. Não pensei muito sobre algumas vertentes a explorar, a partir do retorno de Kit para casa. Escrever é um exercício de imaginação constante, e até terminar esse trabalho, as ideias discutidas acima representam tudo o que pensei a respeito de uma nova versão, que, aliás, eu chamaria de "First Strike". Lembram-se quando eu discorri sobre a passagem das lutas? Que a Rachel McAdams vai vencendo e vencendo, porém ao chegar à competição final a luta não consegue ser decidida no tempo regulamentado, e elas precisam ir para o tempo extra? Onde quem conectar o primeiro golpe ganha a luta? Muito bem, vamos supor que esse lance se chama "First Strike", ou "Primeiro Golpe". Daí a minha ideia de usar o termo como novo título. E então, comparada ao roteiro original, o que os amigos acharam da nova trama?
Todos os direitos autorais reservados a Blumhouse Productions. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
Além de um dos mais interessantes filmes do ano, "Creep" me fez pensar no que eu teria feito com a premissa, para onde eu a teria levado, as mudanças que eu teria promovido para tornar a trama mais intrigante. Quando um filme me encanta, o meu fascínio pelo cinema me leva ao exercício de imaginação através do qual exercito como eu teria usado o que conheço sobre filmes para fazer algo igualmente envolvente. Eu acho que comecei a escrever não apenas por afeto à expressão através da escrita, mas como válvula de escape para o desejo primordial, que seria dirigir essas fantasias delirantes e maravilhosas. Eu não acho que elaboraria uma melhor estória da que Duplass & Brice bolaram, mas penso que ao fazer algumas coisas diferentes, o resultado teria sido no mínimo bem interessante! Algo curioso aconteceu quando eu assisti a "Creep", porque como o filme tem momentos de humor negro, algo me fez pensar naquelas comédias românticas estreladas no final dos anos 80/começo dos anos 90 por Tom Selleck, estilo "Adorável Sedutora" & "3 Solteirões & um Bebê". A partir daí, as ideias foram me assaltando, então escutem só a estrutura que eu teria montado: KIT MANNING (TOM SELLECK) é um ex-executivo de uma poderosa empresa de Publicidade & Propaganda que após perder o emprego há 5 anos, também foi deixado pela ex-mulher, e vive um momento financeiramente desconfortável da vida. Kit teve que voltar a morar na casa da avó, a única pessoa que realmente não o abandonou quando as coisas ficaram ruins de uma hora para a outra. Em uma honesta tentativa de juntar os cacos da própria vida, ele passa a trabalhar com filmagens de casamentos e coisas do gênero. Um dia, recebe o telefonema de uma senhorita que pede especificamente pelos seus serviços de filmagem. Kit mal aceita o serviço, ele recebe na porta de casa uma passagem aérea em seu nome, um voo para Las Vegas, onde se dará a prestação do contrato. Intrigado, Kit se despede da avó e promete não se demorar em Las Vegas. Em Vegas, Kit é recebido no aeroporto por DA SILVA (ANDREW JACOBS, "Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal"), um rapaz escalado especialmente para facilitar a estadia de Manning na cidade. Da Silva será seu motorista, e providenciará tudo o que Kit julgar necessário. Instantaneamente, Kit e o garoto, cerca de 15 anos mais jovem do que o protagonista, formam uma bela amizade. Kit é levado ao hotel 5 estrelas onde seu empregador o hospedou, e naquela mesma noite é apresentado a CHERYL CROSS (RACHEL McADAMS). Ela foi a pessoa que requisitou especificamente pelos seus serviços de filmagem. Aos 30 e poucos, elegante, simpática, perspicaz e muito bonita, Cheryl é uma executiva muito importante e de sucesso, e consegue deixa-lo à vontade. Algo no jeito desastrado e respeitador de Kit a deixa encantada. Desde o começo, ele se surpreende com o sentimento de intimidade que ela cria: Cheryl o chama bem-humoradamente de "Kit-Kat". Fragilizado pela vida, Kit parece um homem muito mais maduro do que seus 30 anos levam a crer (a título de imaginação, eu escrevi o roteiro para um Tom Selleck na faixa etária correta), talvez porque já tenha sofrido bastante. Naquele fim de semana em Las Vegas acontecerá o Campeonato Mundial de Karatê. Cheryl faz parte do time norte-americano feminino. Ela explica a Kit que apesar de casada e jovem mãe, embora tenha conquistado tudo o que havia a provar, profissionalmente falando, há um sonho não concretizado que finalmente poderá se tornar realidade. Cheryl explica que gostava desse rapaz que estudou com ela há muitos anos atrás, porém jamais pôde lhe dizer o quanto ele era importante. Cheryl diz que precisa dos serviços de filmagem de Kit, pois não somente pretende mostrar ao referido rapaz as suas lutas, Cheryl também quer ganhar a medalha de ouro para lhe dar de presente. Kit fica tocado que uma mulher tão sofisticada vocalize um desejo tão cândido e puro, e eles selam o contrato com um abraço. Como os amigos podem ver até agora, eu promovi algumas mudanças bem profundas no roteiro original de "Creep" (aliás, na minha versão, teria um outro nome, mas abordarei o ponto no momento adequado): Josef agora é uma mulher e se chama Cheryl, Aaron agora se chama Kit, e sendo mais velho, move-se com mais maturidade, mais presença e elegância. Eu introduzi novos personagens, e mudei o plano de fundo para Las Vegas, durante o fim de semana onde acontecerá o Campeonato Mundial de Karatê. O campeonato ocorrerá dali a dois dias, então Kit e Cheryl acabam tendo tempo para se conhecerem melhor. O filme, portanto, se desenvolve como uma comédia romântica, ao longo do primeiro 1/3 de projeção, pois entre situações cômicas & dramáticas, assistiremos aos dois caminhando lado a lado em passeios públicos e transitando entre jantares, em um verdadeiro estudo psicológico, mais sobre Kit, que Cheryl vem a conhecer melhor, já que ele é transparente. Kit, claro, deveria saber melhor antes de falar sobre o padrasto que amava como pai ou a mãe que se suicidou após sua morte, ou a avó que o criou como mãe. Ele fornece tão desapegada & graciosamente informações sobre a vida pessoal que dentro de dois dias Cheryl já o conhece muito bem. O roteiro encontra um jeito, claro, de incluir Da Silva em parte dessas cenas. De certa forma, Da Silva interpreta o papel do "sidekick" engraçadinho. Ele se torna muito amigo do herói, alívio cômico e, mais tarde, valioso aliado. Haveria um papel também para a Kristen Bell. Ela faria o papel de uma card dealer de um cassino em Vegas chamada ISABELE. Ao visitar um cassino durante a espera para o grande evento, Kit reconhece a card dealer, pois há 5 anos Isabele tinha estagiado na empresa de publicidade onde ele era executivo. Kit fora uma pessoa generosa e cativante não apenas para Isabele como também para toda a turma de estágio que havia passado pelo seu setor naquela época. A participação de Isabele na trama fará mais sentido posteriormente, no entanto, por ora, eles ficam muito felizes por terem se reencontrado, e Kit explica que está em Vegas a trabalho para realizar imagens de um importante evento. Na escalada até o grande dia, veremos Kit e Isabele se encontrando ocasionalmente, quando o rapaz acha tempo vago para visitá-la durante as tardes. Quando chega o dia do Campeonato onde Cheryl lutará, é claro que Kit & Cheryl já estão bem familiarizados um com o outro. Eu mencionei no começo de minha exposição que o filme prestaria homenagem ao "feeling" daqueles clássicos da adolescência que todos acima de 30 anos aprenderam a amar, então uma porção das músicas daquele tempo, anos 80/90, seriam resgatadas para dar às cenas o tom correto. Por exemplo, para abrir o filme com um sentimento alto astral, sublinhando uma montagem de cenas do Tom Selleck trabalhando e confraternizando com a galera do aeroporto (no filme, além de cinegrafista, ele trabalha meio período descarregando carga no aeroporto), uma sequência poderosíssima, pois mais tarde a trama se direcionará ao mais absoluto horror, usaríamos "Always Thinking of You", de Donna Delory, que inclusive introduz a abertura de "3 Solteirões e uma Pequena Dama". Nas cenas envolvendo o campeonato, a Rachel McAdams competindo e vencendo as muitas lutas, gradualmente mais difíceis, aplicaríamos "You’re the Best Around", de Joe Esposito, que carrega a sequência das lutas no final de "Karatê Kid". Vejam bem, eu estou apenas traçando um "outline" para a trama, claro que há muitos detalhes, não cabem a mim, estender-me. O fato é que mesmo depois de apanhar ao longo do campeonato (uma adversária inclusive conecta o cotovelo no nariz dela), a personagem da Rachel McAdams chega até a final, uma luta duríssima que precisa ir para o tempo extra para resolver quem será a vencedora, quando a primeira que acertar um golpe ganha a luta. Ela infelizmente perde, mas então quando as pessoas aplaudem os esforços das duas e Kit a abraça bem forte, para Cheryl, o segundo lugar se torna a coisa mais importante do mundo. A melhor cena, a "calmaria antes do horror", envolveria uma noite de comemorações que Kit e Cheryl teriam após o encerramento do campeonato. Há esse grande baile à fantasia em um importante e grandioso parque temático de Vegas, e como a cidade recebeu uma demanda enorme por causa do campeonato, é de se esperar que todas as pessoas que vieram para assistir às lutas também compareçam. Em outras palavras, será uma noite para recordar. Kit e Cheryl estão arrumando detalhes para a festa (em uma cena particularmente doce, ela ajuda o atrapalhado Kit com a gravata, que ele não sabe amarrar). Ela pede que Kit apanhe suas roupas no closet, e Kit topa com uma fantasia de super herói que por razões próprias lhe chama a atenção. Ele nada comenta, e quando Cheryl pergunta o que ele achou, Kit diz que ela está linda. Daí, rola a tal cena da festa à fantasia, e o momento é conduzido por "Feel the Night", de Baxter Robertson, uma montagem romântica importantíssima onde vemos os dois rindo e se divertindo e dançando... eles não se envolvem amorosamente, mas o que há de bonito na montagem é a pureza e doçura do clima de paquera envolvido: ambos passeando no rinque de gelo, e ela movendo os quadris, os dois brincando no kart, Kit acertando um tiro no alvo e e entregando à Cheryl um gatinho de pelúcia, e por aí vai. A cena funciona primordialmente por causa da música, que imprime a energia certa ao instante. Eu acrescentaria um lance em que antes de Cheryl lutar, Kit prometera que torceria bastante por ela, e inclusive rasparia o próprio bigode como uma promessa caso ela ganhasse o primeiro lugar. Cheryl e Kit chegam ao hotel depois da fervilhante festa à fantasia, e em uma atitude ousada, ele a leva à suíte no colo. Precisamos nos lembrar que apesar de os dois mal poderem se conter de alegria, ela está toda ferrada, o nariz arrebentado, um olho roxo, as costelas doídas, etc. Uma vez que ficam em silêncio, na suíte, Cheryl comenta que agora que ela perdeu, ele nem precisará tirar mais o bigode, e quando ela diz isso, seus olhos ficam muito tristes. Kit se escusa, tranca-se no banheiro para lhe fazer uma surpresa, e quando sai, ressurge com uma nova cara, sem bigode. Ele explica que não importa que lugar tirou, para Kit, ela sempre será número 1. Enfim, vocês podem ter uma ideia de para onde essa clima está levando, mas depois que ela começa a tirar apressadamente as botas, saltitando sobre um pé para tirá-la do outro, e também se livra da máscara, Kit a abraça de frente e eles ficam só nisso. Com a voz cheia de dor, Cheryl pede para que Kit não se vá. Ele permanece ao lado da moça, na cama, e a abraça sem malícia alguma, até ela dormir. Em determinado ponto da madrugada, depois que se certifica de que ela mergulhou em um sono profundo, Kit a cobre com o cobertor e, cuidadosamente, escreve uma carta em que afirma o quanto apreciou cada minuto ao seu lado, e o quanto faz votos para que seja sempre muito feliz ao lado da família. Kit também deixa ao lado da carta, na escrivaninha, a caixa com o DVD das filmagens das lutas de Cheryl, e dentro da caixa, o dinheiro que ela lhe pagou, porque ele gostou tanto da companhia dela que se sentiria mal caso aceitasse algum valor. Kit prefere quitar a estadia no hotel do próprio bolso, e Da Silva, que se encontra por ali, no estacionamento, lhe pergunta o que houve, intrigado ao vê-lo de malas. Kit explica que partirá de volta para casa naquela madrugada, e não quer deixar Cheryl triste, portanto preferiu ir embora enquanto ela dormia. Antes de partirem diretamente para o aeroporto internacional, Kit pede a Da Silva que dê uma passada no parque temático, pois crê que Isabele ainda se encontre por lá, e gostaria de se despedir dela também. Até agora, os amigos devem se perguntar: mas e o Horror? Depois do desenvolvimento de atmosfera na primeira metade, o terror chegaria com toda força para a segunda metade, pois ao procurar Isabele para se despedir, ela lhe diz que precisam conversar sobre algo muito importante. Ela conta que inicialmente não teve certeza, contudo ao prestar mais atenção reconheceu a senhorita que estava a seu lado no parque. Isabele pergunta se Kit realmente não se lembra de Cross, porque ela o conhece há mais tempo do que Kit possa imaginar. Isabele rememora sua passagem pela empresa de publicidade, como estagiária, 5 anos antes. Cross ascendeu na hierarquia da empresa, mas entrou ali na mesma época em que Kit ingressou nos quadros, 5 anos atrás, e pelo que Isabele consegue se recordar, sabia muito bem quem Kit era. Como estagiária, Isabele transitava entre distintos setores, o que lhe valeu a chance de conhecê-la. Isabele revela que Cheryl dizia que havia estudado junto com Kit, quando ambos não deviam ter mais do que 15 anos. A maneira incisiva como falava de Kit a levava a crer que Cheryl tinha algo pessoal contra o rapaz, e embora intrigada pelo passado entre os dois e o que a levara a odiá-lo tão gratuitamente, Isabele preferira guardar consigo suas observações. Kit fica desconcertado, porque jamais imaginou que seus caminhos tivessem se cruzado anteriormente. Ele apreciou tanto os momentos que haviam passado juntos em Las Vegas que jamais teria suposto que Cheryl o odiasse ou quisesse seu mal. A parte de horror da trama fica reservada para a segunda metade do filme, depois que Kit regressa para Nova Jersey e, gradualmente, através de pesquisas na internet e uma visita ao colégio onde estudou, monta uma imagem diferente da amiga que pensou ter feito em Las Vegas. É claro que a segunda metade se serviria a desenvolver o mais puro horror. Existiria um paralelo entre as sugestões sexuais perversas que o Josef de "Creep" incute na cabeça de Aaron, nesta nova derivação da trama: enquanto em "Creep" Josef lança mão da baboseira da máscara do lobo e a esposa com fetiche por bestialismo, na minha versão, como Cheryl já trazia uma bagagem, uma história com Kit, por mais que ele verdadeiramente não se lembrasse, ela tinha acesso ao passado do rapaz. Não foi por acaso que o arrastou à festa à fantasia e se caracterizou com a fantasia de uma determinada heroína. Cheryl o conheceu originalmente aos 15 anos, e parte do adulto que Kit se tornou deve-se a um evento traumático acontecido na mesma época. Ao longo de 3 anos, quando criança, Kit foi abusado sexualmente por uma prima mais velha que ficou na sua casa. A questão do fetiche do uniforme de super herói - as botas, as luvas, a máscara que Cheryl usa para inebriá-lo - pode ser rastreada à natureza da primeira violência que Kit, quando criança, sofreu nos braços da prima, porque a primeira vez em que foi abusado, aconteceu após um baile à fantasia a que sua prima o levara. Ela vestia uma fantasia do mesmo tipo, e quando os dois voltaram para casa, ele ainda uma criança e ela no mínimo 10 anos mais velha, e alcoolizada, a prima cometeu a maldade. Ela viria a programá-lo de que tudo aquilo era uma coisa natural e saudável, e ao longo de 3 anos, Kit foi sistematicamente abusado. Como Cheryl saberia de um segredo tão sujo permanece um mistério para Kit, tão inexplicável quanto as razões que a levaram a mantê-lo no radar para saber de cada passo seu após o colégio. Por mais que Cheryl tenha conquistado por mérito uma relevância para poucos no mercado publicitário, por mais que tenha crescido, prosperado, por mais feliz que se sinta ao lado da família, ela não conseguiu deixar Kit para lá, e por motivos que ao roteiro não cabe elucidar, agora quer caçá-lo e arruiná-lo porque simplesmente pode. Cinco anos antes, fora Cheryl quem provocara a demissão de Kit, o que lhe custou o próprio casamento. Agora, ela consumirá a sua vida, sob o manto do álibi perfeito, pois como uma mulher exemplar e acima de qualquer suspeita, pode agir livremente para jogar com a cabeça da vítima até achar que sabe o suficiente sobre Kit, ao menos antes de matá-lo. Assim como ocorreu em "Creep", quando Kit volta para casa, já ciente da história com Cheryl graças à Isabele, apesar de tentar retomar a vida de onde deixou, é assolado por pesadelos terríveis envolvendo o fim de semana em Las Vegas e o estupro na infância. Ele recebe uma encomenda dos Correios, com a medalha de prata que Cheryl ganhou no campeonato e uma nota onde ela escreveu "Eu ganhei para você". A trama faz um "link" com a menção de Cheryl a ganhar uma medalha para essa pessoa de quem ela gostava muito desde o colegial. Kit não sabia então, mas ele era a tal pessoa. Ele resolve se livrar da medalha, e na mesma noite acorda após um pesadelo horroroso, onde via a si, como criança, só que ao invés de se encontrar nos braços da prima, era Cheryl quem o maltratava, vestida, claro, como super herói. Nisso, escuta um forte barulho vindo do lado de fora, como uma pancada na janela, e sai para investigar. Essas passagens acontecem similarmente ao que já vimos em "Creep": ela entra na casa enquanto Kit se encontra vasculhando as calçadas e o quintal, onde encontra o lixo revirado e atribui o fato a algum animal, esconde-se, espera que ele durma, e então corta uma mecha de seu cabelo. Cheryl manda uma nova encomenda, desta vez um DVD onde exibe a medalha de prata que encontrou no lixo, e diz que até consegue compreender por que ele quis se afastar, mas não pôde aceitar que tenha atirado a medalha fora, vez que emblemática da amizade que os dois haviam feito em Las Vegas. Eu também preservaria o discurso do lobo, e o lobinho de pelúcia com um pingente dentro, onde Kit encontraria uma foto sua, uma muito antiga, de meado dos anos 90, 1995, quando ele tinha 15 anos, ao lado da de Cheryl, com a mesma idade, dentro de um coração. A razão de existir da figura do lobo, além de simbolizar a crueldade pela qual Kit passou, quando criança, nas mãos de uma predadora, deve-se ao símbolo da equipe de karatê pela qual Cheryl competiu, por exemplo. Para a sequência das lutas, durante a primeira metade do filme, eu havia visualizado a Rachel McAdams vestindo aquela roupa preta igual a que os "Cobra Kai" vestem em "Karatê Kid", ou seja, sem mangas, o que realçaria os braços fortes, mas femininos da atriz, sendo a diferença o fato de nas costas haver um lobo ao invés de cobra. Eu encontraria uma forma de aproveitar Da Silva & Isabele no segundo segmento, quando o Horror substituísse a comédia romântica. Não pensei muito sobre algumas vertentes a explorar, a partir do retorno de Kit para casa. Escrever é um exercício de imaginação constante, e até terminar esse trabalho, as ideias discutidas acima representam tudo o que pensei a respeito de uma nova versão, que, aliás, eu chamaria de "First Strike". Lembram-se quando eu discorri sobre a passagem das lutas? Que a Rachel McAdams vai vencendo e vencendo, porém ao chegar à competição final a luta não consegue ser decidida no tempo regulamentado, e elas precisam ir para o tempo extra? Onde quem conectar o primeiro golpe ganha a luta? Muito bem, vamos supor que esse lance se chama "First Strike", ou "Primeiro Golpe". Daí a minha ideia de usar o termo como novo título. E então, comparada ao roteiro original, o que os amigos acharam da nova trama?
"O mundo é governado por personagens muito distintos do que imaginamos". – Benjamin Disraeli, Primeiro Ministro britânico, 1874-1880. "The Conspiracy" começa com a intrigante frase acima, e no curso do filme, a compreenderemos melhor. Se vocês se arrepiaram com "Creep" e sua abordagem da mente sociopata, esperem para conferir "The Conspiracy", um olhar corajoso à "Nova Ordem" e ao exclusivo, reservado mundo das sociedades secretas. Se Stanley Kubrick já flertou com a questão em "De Olhos Bem Fechados", "The Conspiracy" vai mais além, neste macabro "mockumentary" sobre dois amigos em busca da verdade sobre um grupo secreto e a forma como são tragados a um submundo cuja profundidade mal conseguem compreender. Em julho de 2011, Aaron Poole & James Gilbert (os atores usaram seus nomes reais para imprimir ainda mais veracidade a esse filme que, frise-se desde já, deve ser visto como um "mockumentary", ou seja, um documentário "de mentirinha", recurso que reveste a obra de uma elegância quase jornalística e, no caso do gênero Horror, os deixa ainda mais autênticos) são dois jovens cineastas que resolvem rodar um documentário sobre um cavalheiro chamado "Terrance G.". No início do filme, uma série de takes de tirar o fôlego nos exibe as fachadas de monólitos de Wall Street, enquanto escutamos a voz de Terrance G. ressoar, pregando que todos nós somos escravizados pela mídia. Terrance G. defende uma porção de teorias da conspiração, fantásticas demais para serem reais, contundentes demais para soarem unicamente como fantasias... ele crê que os principais eventos da História Moderna foram ditados por forças alheias. Tais forças pertenceriam a aquelas pessoas que verdadeiramente ditam o rumo de nossa sociedade. Não me refiro a Presidentes ou políticos, e sim a figuras que atuam exclusivamente nos bastidores e mantêm as figuras públicas como títeres, nada mais. Os rapazes prestam uma visita ao humilde apartamento de Terrance, e como todo bom conspirador, ele traz suas paredes forradas por uma série de recortes de notícias da política americana e mundial que busca reinterpretar conforme suas crenças. Nada passa despercebido do crivo do estudioso Terrance.
Aaron & Jim tiveram o contato
inicial com Terrance através de um outro amigo, que lhes enviara o link de um
vídeo onde ele aparecia doutrinando com o megafone bem no meio de um movimentado
cruzamento em Toronto. Inicialmente, os rapazes não deram muita bola às teorias malucas, mas quando
leram os comentários abaixo do vídeo, surpreenderam-se como ao invés de
invalidarem os argumentos do cavalheiro as pessoas expressaram concordância,
como se parte delas imaginasse que as histórias guardassem mesmo um fundo de verdade e,
de fato, as engrenagens do mundo não funcionassem exatamente como as vemos e as
interpretamos.
Terrance G. explica que aprofundar-se
nas questões apenas dentro de seu círculo de amizades jamais ajudaria a transformar o estado das coisas.
Ele precisa compilar as informações, os dados, e levá-los ao "rebanho", as "ovelhas", pessoas como a gente, que vivem suas vidas alheias ao que realmente
acontece acima da capacidade de compreensão. Terrance G. costuma levar
seu quadro negro para o meio de um parque, onde passa a expor suas versões para
acontecimentos notórios, para aqueles que tirarem um tempo para ouvir. Se somente Terrance for
o detentor do conhecimento, individualmente de nada valerá. Se outras pessoas despertarem para
o mundo da mesma maneira, todavia, elas se tornarão ameaças às forças macabras no Poder.
Depois de uma entrevista no dia 20 de julho de 2011, Jim e Aaron perdem o
contato com Terrance G. por 4 semanas. Ao procurarem pela Polícia, e mais tarde por
Hospitais, não são capazes de reunir informação alguma sobre o paradeiro do
homem. Uma visita ao apartamento de Terrance revela que o lugar foi revirado e suas coisas remexidas, como se ele tivesse arrumado as malas e desaparecido, da noite para o dia. Aaron
guarda os recortes e coisas de Terrance em um saco. Ele os quer levar consigo,
dar prosseguimento aos estudos e trabalhos do cientista.
Eles se aventuram em algumas incursões
por aquele mundo de estudiosos de teoria de conspiração. Visitam uma livraria
chamada Conspiracy Cultural, onde Jim deseja saber por que os proprietários se servem de
livros, quando a principal fonte de informações encontra-se online. O dono
explica que ao passo que a internet se prova uma ameaça a sociedades secretas,
também é sua maior arma, pois cada ação feita no meio pode ser monitorada, espionada.
"George Orwell previu que o Big Brother estaria nos observando um dia, mas o
que ele não imaginou é que nós mesmos criaríamos o Big Brother e
voluntariamente nos entregaríamos ao mesmo", ele sumariza. Realmente, as
palavras chave que utilizamos em mecanismos de pesquisa, os sites de
conspiração pelos quais navegamos, tudo deixa rastros. Em Ohio, um grupo de jovens
lança virais no Youtube, alguns deles com até mais de 200.000 visitas. Eles
treinam para uma guerra por vir. "Algo está chegando", um dos rapazes avisa, "Eles não estão tirando nossos direitos e liberdades por nada". Se
vocês prestarem atenção, o discurso dos adeptos da teoria da conspiração sempre
revolve uma luta contra "Eles". Jim questiona "Nós ouvimos falar um monte de
gente falar sobre Eles, quem são Eles?". As respostas, claro, variam de acordo com o ponto de vista: o Grupo
Bilderberg, os Illuminati, o Complexo Industrial Militar, os Rothschild, os
Rockefeller, a CIA, os britânicos através do MI6, o FMI, o Banco Mundial... os
rapazes também frequentam um meio virtual onde você pode interagir com muitas
pessoas ao redor do mundo naquela versão alternativa da realidade, em um salão
social.
No dia da última entrevista de
Terrance, filmada em um bistrô qualquer do centro de Toronto, o cientista político discorria sobre os rapazes aprenderem a não engolir as versões que ele
ventilou apenas em razão de sua contundência. Terrance queria que os cineastas
aprendessem a enxergar o essencial pelos próprios olhos. Durante a conversa,
ele se aborrece quando teima que um ciclista de óculos e roupas escuras o está
vigiando. Ele não está somente passeando pela calçada, pois não é a primeira vez que Terrance o
avista. Agora que o amigo desapareceu, os rapazes assistem às imagens e se
perguntam se Terrance esteve sendo efetivamente perseguido. Filmagens da festa
de aniversário de Jim no mês seguinte, agosto, comprovam o quanto Aaron vem investindo o melhor de si
nas teorias de Terrance. Enquanto os amigos conversam animadamente, bebendo e dançando, Aaron se isola diante da televisão para assistir a imagens do momento
do choque dos aviões nas Torres Gêmeas, intrigado. Diferente de Aaron,
solteirão e independente, Jim tem uma esposa, e acaba de virar pai de primeira
viagem.
Sobre a questão do 11/09, Aaron fica
obcecado com o trabalho de Terrance G., e assiste aos vídeos onde ele apregoava que
o ataque terrorista não passou de um trabalho interno, que o governo o deixou acontecer para justificar a invasão do Iraque que se daria dali a dois anos. Em uma cena tétrica, ele cita diversos casos para comprovar a tese de que são trabalhos internos secretos aqueles que antecedem o envolvimento da
América do Norte em grandes conflitos mundiais. Por exemplo, ele cita a Primeira Guerra
Mundial, em 1913, quando o assessor de Woodrow Wilson, Edward House, enviou deliberadamente um navio de passageiros, o RMS Lusitânia, para águas controladas
por alemães, com a intenção secreta de que fosse atingido por um submarino, o que aconteceu, arrastando a América para a Primeira Guerra Mundial; ou o
Incidente do Golfo de Tonkin, dois barcos dos Estados Unidos atacados por
3 embarcações vietnamitas, o que levou o país para o conflito do Vietnã; sabe-se que
em 2005 a NSA liberou um documento confidencial onde resta declinado que o
incidente do Golfo de Tonkin jamais existiu. Obcecado, Aaron pendura os
recortes de Terrance G. nas paredes de seu apartamento. Jim assiste a tudo com
preocupação. Apesar de respeitar Terrance G., ele o achava meio desequilibrado.
Quando menos espera, Aaron começa a enxergar padrões em todos os eventos
aparentemente distintos da História.
Para chegar a um padrão, Aaron elenca
os referidos eventos, e depois os agrupa por datas. Ao dispor as datas em ordem
cronológica, ele rastreia uma notícia sobre um tal Clube Tarsus, uma espécie de
sociedade para políticos e líderes empresariais, grandes personalidades
mundiais. Um poderoso homem de negócios, Murray Chance, fundador da Chance
Investments e sócio do Clube Tarsus, tinha muitos escritórios no World Trade Center, Bloco 7. O artigo
se reporta a reuniões específicas do Tarsus em abril de 1946, maio de 1862 e
maio de 2001, ocorridas meses antes de grandes eventos mundiais. Aaron
finalmente encontrou um padrão, e desatou os nós, descobrindo o vínculo entre as pessoas
supostamente por trás de eventos tão determinantes na cronologia de eventos da humanidade.
No site oficial do Tarsus Club, não há nenhuma informação realmente concreta
sobre os objetivos da sociedade, e ao contatarem o número de telefone
discriminado, escutam somente uma voz feminina que se limita a repetir o número
de telefone da casa de Aaron. Intrigados, eles se focam no artigo da internet
sobre o Tarsus Club, e tentam localizar o autor do trabalho, um tal de Mark Tucker, sem
sucesso.
Durante os trabalhos de pesquisa, em um
momento de descontração, aprendemos que Aaron mantém o sonho de se juntar a uma
comunidade de pessoas que pretendem viver isoladas desse mundo cada vez mais
confuso, em um condomínio ao norte de Alberta, Canadá, onde poderão plantar a
própria comida, e ditar as regras de convivência. Esse detalhe – a ocasional vontade de
Aaron de "sumir" – virá a ser usada contra o ingênuo rapaz mais tarde. O fato é que através da internet,
do referido meio virtual onde interações se tornam mais fluidas, os dois amigos chegam à
figura de Mark Tucker, na verdade um pseudônimo utilizado pelo autor para evitar ameaças à própria vida. Segundo Tucker, seu trabalho representa o
único documento na internet sobre o Tarsus Club. Tucker explica que o artigo
original era muito mais ousado, porém o chefe o obrigara a editá-lo, até perder a
contundência. O pesquisador escrevia uma obra bibliográfica sobre o magnata Murray
Chance, e por acaso tropeçara no fato de que a família Chance havia comparecido
ao retiro anual do Tarsus Club por muitas gerações. Mudanças enormes no mercado
financeiro e até mesmo naquilo que tomamos como eventos aleatórios coincidem com esses retiros. De uma estranha maneira, o Tarsus Club até apreciou a existência do artigo
de Tucker online porque no frigir dos ovos o mínimo de informação sobre a sociedade se
faz necessário, principalmente para afastar os curiosos. O vácuo completo seria
preenchido por fantasias concebidas por imaginações férteis, nocivas aos planos
de dominação da sociedade. De tempo em tempo, precisam soltar alguma notícia que a menos sugira quão poderosos são. Conforme Tucker, a sociedade Tarsus busca
implementar a nova ordem mundial, um inédito modelo de dominação, onde um seleto grupo
de pessoas controlaria a economia, as riquezas & a política de diferentes nações, o poder
concentrado nas mãos dos poucos pertencentes à "família". Se prestarmos
atenção, veremos que em algum momento os principais governantes tais como
Herbert Walker Bush, Gorbachev, e George Soros fizeram menção à necessidade de uma nova ordem mundial, durante pronunciamentos.
Quando menos espera, Aaron se vê tão
absorvido pela busca que o mesmo homem que parecia assediar Terrance G. passa a
ser avistado pelos cineastas em muitos lugares que frequentam, como numa tarde quando tomam café no mesmo bistrô. Em
21 de outubro, ao retornar para casa, Aaron encontra o apartamento revirado.
Uma parte de Jim fica satisfeita, pois crê que assim o amigo se afastará das investigações, contudo o rapaz persevera. Jim e a esposa acolhem o amigo por
um tempo indeterminado. Eles realizam novas entrevistas com Mark Tucker, e o estranho os
coloca a par de detalhes dos encontros da elite, como o ritual observado a
partir de meia noite, quando soltam um touro para caçá-lo. O ritual é baseado
em um antigo e secreto conjunto de crenças referente ao culto de Mithras. A
intervenção de um professor elucida que o culto de Mithras foi tanto uma
sociedade quanto um culto religioso, focado na adoração de um deus chamado
Mithras, uma divindade que apareceu pela primeira vez na Pérsia, mais de 4.000
anos atrás. Consoante o mito, ele nasceu no dia 25 de dezembro, e morreu e
ressuscitou 3 dias depois. Isso ocorreu 2.000 anos antes do nascimento de Jesus
Cristo, e muitos estudiosos creem que foi Mithras a base do cristianismo. Por
slides, o filme nos apresenta a lugares como a Caverna Mithraic, onde eles
secretamente adoravam a divindade, e muitos outros pontos descobertos no curso
do Império Romano e, mais tarde, em escavações pelos mais díspares locais no planeta, da Escócia à Rússia, do Deserto do Saara ao coração da Índia. Os
adoradores de Mithras constituíram a primeira sociedade verdadeiramente secreta do mundo. As representações de Mithras o retratam como um nobre guerreiro
com lança que caça um feroz touro, uma imagem poderosíssima para a sociedade, tão emblemática para eles quanto a representação da crucificação para nós cristãos, a imagem central de um arcabouço de crenças. O touro reaparece em diversos ícones do mercado financeiro. Como sabemos, a
estátua do touro é o símbolo maior de Wall Street, por exemplo. Tucker revela
que mesmo o aperto de mãos entre membros da sociedade difere da etiqueta geral, e
os ensina a como desempenhar o cumprimento. Imagens de arquivo, onde grandes
líderes como Putin apertam as mãos entre si, coincidem tenebrosamente com o modo
retratado por Tucker.
O filme nos apresenta a uma jornalista freelance
chamada Sarah Lalonde, que fez imagens de gente importante, políticos em sua maioria, transitando pelo lobby do prédio da Tarsus no Canadá. Ela conserva o material para
arquivo pessoal, já que nenhum jornal ousaria escrever uma linha sequer sobre a sociedade
secreta. Entre suas imagens, chama a atenção a fotografia de pessoas à
distância banhadas pela luz de uma enorme fogueira. Ela conta que a foto foi
batida em 2002, em Praga, o único registro que se tem da caça ao touro. Mark
acha que a depender dos esforços, se alguém realmente quisesse, teria como se
infiltrar em um desses rituais. Vez ou outra, informações vazam, de modo que a variar do dinheiro para suborno, poder-se-ia chegar a informações sobre onde se
dará o próximo encontro do Tarsus com alguma antecedência. Antevendo o próximo passo
dos trabalhos, Aaron e Jim compram câmeras suficientemente pequenas, facilmente
confundíveis com botões de paletó, de modo a não levantarem suspeita.
Ao voltarem de carro para casa após
adquirirem as câmeras, são perseguidos por uma van, em uma evidente campanha de
intimidação. A esposa de Jim não gosta nada da situação, e ele vacila quanto a
ideia de continuar com as investigações. Se for verdade que há uma sociedade
secreta cujos membros decidem o curso da História, não serão dois meros cineastas que
transformarão o estado das coisas. Naquela mesma noite, através das persianas,
os amigos enxergam o mesmo carro estacionado do outro lado da rua. Aaron perde a cabeça e sai da casa
aos gritos, dizendo que não se intimidará. Tucker ressurge com novidades. Ele
conseguiu entrar em contato com um homem que trabalhará no cerimonial da
próxima reunião do Tarsus Club. Ele topou conversar com os cineastas próximo à
fronteira, onde poderão passar despercebidos. Ali, acertam que por uma
certa quantia em dinheiro, quando estiver a caminho do grande evento, o homem os aguardará com a camionete em um determinado ponto da estrada, cercada por
bosques, para colhê-los. A ideia gira em torno de introduzi-los desapercebidos, dentro de
sacos pretos usados para transportar uma variedade de materiais de serviço: os
amigos devem se preparar com ternos apropriados à gala, para não levantarem
suspeita ao "vazar" dos sacos na cozinha para se intrometer na festa sem alarde
algum. Prestes a embarcarem em uma viagem rumo ao desconhecido, Tucker pergunta
se eles estão convictos disso. Embora hesitantes, eles sabem que não haverá outra
oportunidade, e se preparam para a aventura mais perigosa de suas vidas.
Os rapazes se preparam em um quarto de
motel de beira de estrada, e amigos o deixam em um inóspito ponto do bosque,
onde aguardam pela passagem do contato que os levará para dentro da festa.
Eles encontram uma cabine abandonada no bosque, e acordam de se servir do local como
ponto de encontro, caso acabem se separando durante a festa. Quando começa a
anoitecer, a camionete aparece e o motorista aguarda pelos cineastas no
acostamento. Eles deixam o bosque, entram nos sacos e ficam bem quietos na carroceria, entre os demais itens a serem estocados na cozinha da mansão que
receberá a grande festa da sociedade secreta. O filme corta para um antigo
pronunciamento do Presidente Kennedy, uma gravação autêntica, onde abordava a questão da subversão e grupos secretos que pretendem governar o mundo. Escutamos a fala
de Kennedy enquanto vemos cenas de seu assassinato. Teria sido ele morto pela
mesma sociedade? Os rapazes são "desovados" quando se veem a sós na sala
reservada para estoque de material & comida, e logo ganham os elegantes corredores
da mansão onde uma festa da alta sociedade se desenrola. Esforçando-se para se
manterem tranquilos, os rapazes se introduzem na festa, onde há pessoas
importantíssimas. Alguém dedilha melodias no piano de cauda. No bar, eles pedem
drinques, e se comportam como qualquer outro presente, apenas mais cautelosos.
Um cavalheiro de meia idade chega ao bar naquele ínterim e os cumprimenta com
festividade. Os rapazes ficam nervosos, claro, mas não perdem o controle, e
interagem com bom humor. Ele lhes pergunta se será sua primeira caçada. Os
cineastas respondem que sim. O cavalheiro se apresenta como membro dos "Leões".
Os mais jovens, aqueles que ensaiam os primeiros passos na sociedade,
enquadram-se no grupo dos "Corvos". Felizmente, o expansivo cavalheiro lhes estende a mão,
deseja-lhes uma boa caçada, e se mistura com os demais da festa. Ao perambular
pelos cômodos, um arranjo no gabinete lhes chama a atenção, uma mesa com facas
de diferentes tamanhos, expostas, em uma cena que ao menos para mim parece
reminiscente de "Nightbreed", de Clive Barker, quando descobrimos que o
Psiquiatra interpretado por David Cronenberg é um caçador de monstros que
passou a vida atrás das criaturas de Mídia, uma cidade mítica habitada pelos
seres mais macabros possíveis, que jamais poderiam viver em nossa civilização. Na
sala visitada pelos dois amigos, também há máscaras de corvos, preparadas numa
mesa ao lado. Um refinado membro do culto, de paletó bege, surge repentinamente
e lhes deseja uma Boa Noite. Ele se posiciona ao lado das facas, e pergunta se
não as acham fascinantes. Os rapazes respondem que sim. Apesar dos modos educados,
o cavalheiro de terno bege os deixa muito tensos.
A festa é interrompida pelo chamado dos
sinos. A sociedade se reúne no jardim para o ritual de batizado de novos
membros e a caça ao touro. A tensão é indescritível. Aaron e Jim não sabem como aquilo terminará. Os mais jovens, os "Corvos", são convidados a formar a fila
para o batizado. Tochas foram inflamadas ao longo de uma trilha que atravessa o jardim
em direção ao prédio onde efetivamente encontrarão o sacerdote que os graduará. Os "corvos" têm as mãos simbolicamente atadas por cordas. No instante do batizado, o
sacerdote deve rompê-las com um golpe de espada, e então vesti-los com as máscaras. O primeiro a ir na frente é Jim; Aaron entra em pânico ao ver
Mark Tucker de relance: o "repórter", na verdade, era o tempo inteiro um membro da
sociedade. Ele os atraiu propositalmente até ali. Os colegas "Corvos" o impedem de correr em
direção ao caminho das tochas, mas Aaron logo se acalma ao ver Jim retornando
calmamente pelo jardim, nada tendo lhe ocorrido. De volta ao interior da mansão,
Jim nota que os presentes agora vestem máscaras. O horror começa a dominá-lo. O cavalheiro de terno bege aproxima-se cordialmente
para parabenizá-lo. Ele pergunta o que ele achou da experiência de iniciação,
e Jim responde que jamais experimentou algo parecido. O cavalheiro concorda, "A
experiência pode ser mesmo esmagadora. Você acaba de se juntar a um círculo que
jamais terá como romper. Uma irmandade. Uma família. Nem um pouco menos
importante do que, digamos, uma esposa e criança pequena". A ameaça subliminar
soa evidente, e Jim compreende que a família corre risco. "Gostaria de mostrar
algo", o cavalheiro oferece, porém Jim se escusa com o argumento de que
precisa ir ao banheiro e estará de volta em questão de minutos. Apressadamente,
ele se afasta e desce as escadas que levam às galerias. Em pânico, Jim tecla o
número do celular da mulher, e para sua surpresa, escuta-o chamando de uma sala
contígua. Ao abrir a porta, descobre esposa e filho, rendidos pelos membros da
sociedade secreta, o cavalheiro de terno bege já ali.
O filme volta para a cerimônia de
batismo de Aaron. Ao se olhar no espelho, o rapaz percebe que, diferente do que
aconteceu aos demais, foi vestido com uma esquisita máscara de touro. Do caminho
de tochas, ele enxerga a mansão muito distante, os membros da sociedade
agregados em torno da fogueira, para o início da caça. O chamado do berrante
inicia a abertura do jogo. Subitamente, a terrível verdade escancara-se para
Aaron: ele é o touro. Centenas de homens puxam espadas e partem em direção ao
caminho das tochas. Apavorado, Aaron corre desesperadamente em direção ao
bosque, com a esperança de conseguir despistá-los em meio a árvores muito
altas. Aaron consegue chegar à cabana. Lembrem-se que Aaron combinara com Jim
que se algo desse errado e eles se separassem, a dupla se reencontraria no lugar. Quando Aaron abre a porta e encontra o amigo o esperando em um canto,
tudo parece bem. Ao olhar para uma parte menos iluminada da sala, ele enxerga
essas pessoas macabras com máscaras e adagas em mão, parecidas com monges. Aaron ainda tenta correr, mas é impiedosamente
esfaqueado e trucidado no bosque.
O filme conclui com uma entrevista de
um homem importante chamado William Jensen, CEO do Tarsus Club Internacional.
Ele insiste que graças à internet, teorias da conspiração acerca da sociedade
se alastraram como vírus, e a internet foi o substrato perfeito para a sobrevida das
fantasias sobre o clube. Uma senhora chamada Nicole Higgins, relações públicas
do Tarsus, também deprecia teorias do tipo, e afirma que as impressionantes imagens
encontradas, Aaron sendo supostamente esfaqueado, não passam de um grande susto.
Na verdade, a Tarsus se acostumou às investidas dos penetras, que insistem em
se meter nos encontros, e ocasionalmente prega peças do tipo, para matá-los de
susto e manter os curiosos distantes. Jim também depõe, e conta a sua versão para a noite. Segundo Jim, depois que entrou na sala e deu de cara com esposa e filhinho
rendidos pelo cavalheiro de terno bege, conta que foi levado a uma sala
separada, onde foi submetido a interrogatório por um bom tempo. Jim corrobora a
história da Tarsus Club, de que não passou de um grande susto. Na verdade, Jim conta que seu amigo saiu tão traumatizado da experiência que resolveu deixar a vida
pregressa para trás e se mudar para uma comunidade distante na Alberta
(lembram-se da cena no começo do filme? Aaron falando a respeito da vontade
secreta de sumir?). Nós sabemos, no entanto, a verdade. Aaron fora levado a
aquele lugar para morrer. Eles precisavam de uma testemunha, então deixaram o
Jim sobreviver, porque sabiam que como homem de família, tinha muito mais a perder do que Aaron,
e corroboraria qualquer versão advogada pelos criminosos. Livres para operar, a
sociedade prepara a nova ordem mundial, enquanto aqueles que se levantam para
denunciá-la jamais estiveram tão desacreditados.
Quem assistir a "The Conspiracy" instantaneamente fará a associação entre essa obscura curiosidade e o aclamado
"De Olhos Bem Fechados". Ambos brincam com fogo ao se aventurar pela escuridão
de sociedades secretas e teorias conspiratórias. A imersão do protagonista de
"De Olhos Bem Fechados" naquele submundo misterioso, a atmosférica orgia
perpetrada pela nata da elite, merece apenas uma parte do tempo de projeção,
mas em "The Conspiracy", do começo ao fim, os protagonistas mergulham de cabeça
naquele mundo de imagens surreais e macabras. Quem assistiu a
"De Olhos Bem Fechados" provavelmente o definiria como um autêntico filme de
arte, mas eu me recordo de ter lido o comentário de um usuário do internet
movie database que com muita propriedade o nominou uma das coisas mais
aterrorizantes já vistas, um autêntico espetáculo de Horror. Eu compartilho da
mesma percepção. Creio que ao mencionar o termo Horror, o resenhista tenha
obviamente pensado na incômoda sequência da orgia. Imaginar-se intruso naquele meio sem regras,
transitando entre aquela gente misteriosa sob o grave risco da descoberta, é um
dos cenários de suspense mais angustiantes que eu possa conceber. Quem viu o filme deve se recordar de quando o protagonista é apanhado em sua intromissão, e todas aquelas pessoas mascaradas o cercam. O sacerdote ordena que ele remova as roupas. O rapaz fica estupefato, em choque, sem saber o que fazer, quando uma das moças que participou da orgia oferece a própria vida para salvar a do médico. Eu não sei se os amigos pensaram a mesma coisa, mas eu sempre considerei... e se ela não tivesse aparecido? Ele teria sido morto? E antes da morte, teria sido estuprado, currado? "The
Conspiracy" deixa para o segmento final a imersão dos dois protagonistas
naquele limbo misterioso, no entanto, desde o início, palpita de excitamento graças à
enorme expectativa criada através do trabalho investigativo e as evidências
históricas, paradoxalmente logo ao nosso alcance, pela internet, por exemplo, contudo
simultaneamente distantes, em face de nosso embrutecimento e completa falta de atenção ao que
acontece à nossa volta. Enxergamos, porém não efetivamente vemos. Aqui,
lembro-me de um excelente filme de terror nipônico chamado "Occult", sobre o
ataque terrorista mais letal na história do Japão. O diretor Kôji Shiraishi
queria realizar algo esteticamente similar aos pavores amorfos evocados tão
bem na obra literário de H.P. Lovecraft, e havia essa cena onde ao realizar
imagens do fervilhante centro de Tóquio, o anti-herói capturava sombras
passeando por sobre fachadas e discos voadores acima dos arranha-céus. A grande
sacada do filme consistia na sobreposição casual de ordinário & extraordinário: as
pessoas estão tão absorvidas em suas preocupações diárias que nem imaginam quão esquizofrênica é a natureza do universo, e logo sobre suas
cabeças e por todos os lados paira a magia.
Embora o filme crie uma mitologia muito
rica para a sociedade secreta, assistir a "The Conspiracy" nos permite conhecer
as entranhas da organização do mesmo jeito que pareceria caminhar por um túnel
muito comprido onde apenas ocasionalmente as luzes se avivam. Nesse sentido, "The
Conspiracy" termina da mesma maneira que a trama começou: envolvido pela penumbra,
as muitas perguntas sem conclusões confortáveis. Ponderar a extensão e a
influência de semelhante sociedade não diferiria, por exemplo, de tentar
racionalizar os cenobitas de Clive Barker, ou a Isserley de "Under the Skin".
Precisamos aprender a nos satisfazer com as pequenas aberturas que seus
criadores nos deram a seus indecifráveis segredos, e aceitar de boa-fé que aquilo
que permanece misterioso assim deve continuar, em favor da longevidade do
conjunto. Obras literárias ou cinematográficas que dissecam seus segredos são
como damas que se entregam cedo demais a aqueles que as cortejam: uma vez que
se perde o segredo, vai-se pelo ladrão o sabor da descoberta. Que se permita
alguma transparência de parte dos segredos, tudo bem. Que os cenobitas surjam
apenas de passagem em "Hellraiser" & "Hellraiser 2", de modo que os
vejamos somente brevemente em seus "outfits" sadomasoquistas de couro e seus cinturões de tortura, tudo bem. "The Conspiracy" faz algumas concessões, abre
algumas janelas para dentro das entranhas de seu enigma, porém jamais vai além,
o que é ótimo. O filme não é dado a vulgaridades.
Já que mencionei "Hellraiser", uma
outra semelhança entre o trabalho seminal de Barker e a sociedade secreta de
"The Conspiracy" consiste na representação misteriosa de grupos a parte da
sociedade que conhecemos, clérigos movidos por códigos de ética bem distintos. Em "The
Conspiracy", pelo pouco que vimos, há elementos de ordem, de hierarquia, de um
mecanismo cujas complexas engrenagens mal teríamos como vislumbrar inteiramente, posto em
movimento para a consecução de seu objetivo maior, a "nova ordem mundial". Em
"Hellraiser", os cenobitas, criaturas fantásticas e surreais, existem através de
uma fenda perpetrada pela manipulação de um certo quebra-cabeças, para além da passagem
entre o mundo como o conhecemos e um outro, erotizado, diabólico, fetichista e
sadomasoquista. Embora não assistamos às orgias que se dão nos encontros
secretos entre os membros do Tarsus Club, é seguro afirmar que as mesmas
ocorrem. O sexo também pode ser uma arma psicológica poderosíssima, uma macabra ferramenta de dominação, como os próprios filmes de Cronenberg estão aí para provar, instrumento invocador da mais pura submissão, e similarmente à malícia que rege o empenho dos hedonistas sobre a configuração de Le Marchand pelas "maravilhas" dos cenobitas imaginados por Clive
Barker, os corredores das mansões onde se observam os encontros da Tarsus escondem toda
sorte de intercurso sexual, desde a cópula cúmplice a aquele engatilhado pelos mais
diabólicos joguinhos psicológicos.
O elenco, composto exclusivamente por atores desconhecidos e talentosos, chamou minha atenção pelos desempenhos afinados, com especiais menções a Alan C. Peterson como "Terrance G." e James Gilbert, que eu já havia visto antes no extraordinário "O Voo da Coruja", e que nesse filme mostra versatilidade e magnetismo, os elementos de que um artista precisa para deixar uma impressão. Aqui, ele me lembra um jovem Bradley Cooper. A depender de suas futuras escolhas, podemos aguardar uma promissora carreira para Gilbert. "The Conspiracy" foi o único filme rodado por Christopher MacBride (ele dirigiu um curta-metragem, nada mais). Na montagem de um impressionante suspense cuja linguagem beira o documental, sua habilidade me fez pensar em Joel Anderson, um australiano que realizou o inesquecível "O Segredo do Lago Mungo", cuja estética "mockumentary" parece reproduzida por "The Conspiracy", e, lamentavelmente, após nos presentear com uma obra-prima, jamais nos ofereceu nova amostra de seu talento. Rostos manipulados digitalmente e vozes robóticas servidas a depoimentos, como os de Mark Tucker, contribuem com a proposta da "falsa veracidade", e a fotografia borrada, granulosa, nos remete aos tempos do VHS, quando as fitas de vídeo pareciam emular um saudoso sentimento de intimidade, algo importantíssimo para filmes do gênero.
"The Conspiracy" honra seu objetivo, e nos entretém do começo ao fim. Em que pese não passar de uma obra de ficção, muitas informações veiculadas no curso do filme não são fictícias, e inclusive foram testemunhadas por muitos de nós no curso dos últimos anos. A sincronicidade com que os dados veiculados por Terrance G. se encaixam nos deixa pensativos: até que ponto as fantasias delirantes descritas pelo personagem de um filme fictício poderiam calhar de ser verdade?
Todos os direitos autorais reservados a Resolute Films and Entertainment. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
Não foi surpresa alguma quando em agosto de 2014 iniciaram-se as filmagens principais de "A Entidade 2". O original, produzido a módicos U$ 3.000.000,00, uma micharia para os padrões dos grandes estúdios, havia rendido aproximadamente U$ 50.000.000,00, e firmado a Blumhouse Productions como a força criativa por trás dos mais originais filmes de horror dos últimos anos. Mais importante que dividendos financeiros, "A Entidade" merecera o respeito dos fãs e críticos mais exigentes, que enxergaram a eficiente execução, um filme sustentado por atmosfera emulada pelos esquisitíssimos rolos de Super-8 recheados de imagens fortíssimas e macabras de famílias passando por mortes horrorosas em grupo, no curso de diferentes décadas, ao som de melodias inquietantes. Enquanto "A Entidade" abre com a inesquecível imagem em Super 8 de uma família sendo atirada ao ar para morrer enforcada em um galho de árvore, "A Entidade 2" não deixa por menos, e nos mostra os membros de uma outra encapuzados e amarrados a cruzes bem no meio de um milharal. Uma mão aciona o isqueiro, e logo as chamas avançam para lamber aquelas pessoas indefesas, barbaramente assassinadas. Um garotinho subitamente desperta, e compreendemos que se trata de um pesadelo. Ele fica observando seu assustador guarda-roupa, que parece adquirir vida quando as cruzetas se movem sozinhas, e então das sombras emerge a figura de Bagul, o demônio do primeiro filme. Aprenderemos que o menino se chama Dylan, e com o irmão Zach e a mãe Courtney, os 3 fugindo do pai abusivo Clint, habita provisoriamente uma fazenda abandonada no meio do nada.
Retornando do primeiro filme, agora em uma participação mais central, o talentoso e eclético ator James Ransone interpreta o papel do ex-policial "Fulano de Tal" (era o apelido dado por Ethan Hawke ao rapaz, que o ajuda nas investigações, no filme anterior, jamais sabemos seu verdadeiro nome). Fulano de Tal presenciou os tétricos eventos antecedentes ao assassinato da família Oswalt. Pai, mãe e filho foram desmembrados a machadadas, e a menininha desapareceu sem deixar vestígio. Se os amigos viram o primeiro filme, sabem que os homicídios, embora praticados por crianças que drogam as famílias para incapacitá-las e trucidá-las a golpes de machado, têm como ingrediente a influência de um bizarro demônio chamado Bagul. Reza a lenda que Bagul existe em imagens, e seu objetivo revolve abduzir crianças, isso depois de subvertê-las a ponto de as incitarem a cometer os homicídios mais tenebrosos imagináveis. Fulano de Tal procura um sacerdote para se confessar. O padre o reconhece como um dos oficiais encarregados do caso Oswalt. Ao desabafar, Fulano de Tal pergunta se o padre acredita na existência do Mal. Ele deseja escutar de um homem de Deus como proceder para enfrentá-lo eficazmente. O Padre o surpreende, pois não apenas acredita piamente na existência de forças sobrenaturais, também recomenda que Fulano de Tal se mantenha fora de todo o imbróglio. Ele explica que não há como enfrentar o sobrenatural, apenas se esquivar das forças que a capacidade humana não tem como confrontar. Mesmo diante das orientações do sacerdote, Fulano de Tal se focou em uma cruzada contra Bagul: ele queimará os antigos lares de todas as famílias que caíram sob o jugo do demônio. Como podemos nos lembrar, conforme o primeiro filme, Bagul atua exclusivamente contra famílias que passam a habitar propriedades pertencentes a outras famílias anteriormente destruídas pelo demônio.
Courtney é uma mulher que suporta mais problemas do que uma pessoa comum conseguiria carregar. Não somente cuida sozinha dos filhos, ela também vive em fuga, evadindo-se do ex-marido violento. Uma mera passagem pelo supermercado com os meninos se torna um grande susto, quando ela nota que um cidadão, um "olheiro", decerto mandado pelo marido, bate fotos da moça com o celular, e ela precisa fugir com os filhos para que o sujeito não os siga e descubra onde estão morando. Embora não consiga segui-los a tempo, o detetive contata o ex-marido e anuncia que a esposa está vivendo em Indiana, sem sombra de dúvida. A mãe parece ter problemas com Dylan, o menino que guarda para si o monumental stress do divórcio dos pais e as visões horrorosas das crianças mortas por Bagul, que teimam em visitá-lo. Assoberbada por problemas, a mãe deixa passar batido o preocupante estado psicológico do menino.
Fulano de Tal preparou um quadro com um mapa dos Estados Unidos, onde traçados ilustram a ligação entre as famílias destruídas por Bagul ao longo das décadas. O policial liga para um corretor de imóveis da região de Indiana, em busca da velha fazenda pertencente à família Jacob. Ele faz de conta que tem um cliente interessado na propriedade, e suas perguntas são respondidas pelo corretor, que inclusive afirma que ninguém mais mora ali (claro que ele não sabe que Courtney e os meninos habitam a propriedade clandestinamente). Fulano de Tal se prepara para viajar até a região para pôr a antiga residência dos Jacob abaixo, em uma tentativa de sanar o Mal. À noite, coisas estranhas ocorrem à casa e à capela ao lado. Dylan sofre com visões inexplicáveis. No assoalho da capela, por exemplo, enxerga muito sangue vazando do espaço entre as tábuas. Courtney garante a Zach que a estadia naquele lugar tão remoto não se prolongará. O menino vocaliza as preocupações com Dylan, que sempre se comportou diferente. Quietinho em seu quarto, imerso na escuridão, Dylan recebe a visita das "crianças de Bagul", que o procuram todas as noites para assistir a filmes horríveis de famílias sendo assassinadas sem dó, tudo registrado por câmera Super 8, sublinhado por melodias grudentas. Ele é conduzido ao porão por Milo, uma das "crianças de Bagul". Os garotos preparam a sessão de cinema para Dylan. Inocente, o menino parece não entender que seus amiguinhos estão todos mortos.
Um garotinho loiro chamado Tim aparece com um rolo de filme e explica que aquelas imagens, foi ele quem as rodou. Vemos uma família, pai, mãe e filhos, confraternizando em uma casa de lago, enquanto uma melodia insistente de algumas notas de piano nos deixa ainda mais ansiosos. As cenas de uma bela tarde cortam para a noite. 4 pessoas – os pais e dois irmãos de Tim – podem ser vistos pendurados de ponta cabeça, um pouco acima do lago. Não sabemos como o menino conseguiu armar a proeza para deixá-los naquela posição comprometedora, porém ali estão os pais e irmãos. Dylan assiste a tudo com os olhos cheios de horror. Não compreende muito bem o que se dará, quando subitamente um crocodilo enorme emerge da água e morde uma daquelas pessoas dependuradas, engolindo a cabeça inteira, praticamente. Os demais parecem pressentir o que os aguarda, e começam a se debater desesperadamente. "Não devíamos estar assistindo a essas coisas, Milo, desligue isso agora!", Dylan implora, antes de deixar o porão. Ele se cobre sob os lençóis, bastante sacudido emocionalmente.
Fulano de Tal chega à propriedade com a falsa impressão de que ninguém se encontra, e desce com gasolina e fósforos para colocar fogo na casa. Courtney chega a tempo de evitar que ele atire gasolina na propriedade, assustando o policial, que jamais teria imaginado que uma família vivesse sob aquele teto. Courtney também parece equivocada, pois assume que Fulano de Tal trabalha a serviço do ex-marido. Depois do mal-entendido inicial, ela o convida a entrar para tomar uma xícara de café. Ao citar o caso Oswalt, Fulano de Tal fica feliz que Courtney ao menos conheça a história. Ela sabe que a capela ao lado foi palco de assassinatos semelhantes, porém não que os crimes estão ligados pela presença diabólica de Bagul. Fulano de Tal exibe os símbolos clássicos atribuídos à presença de Bagul, e pergunta se Courtney já viu coisa parecida em algum lugar da localidade. Ela diz que não. Courtney não se importa quando Fulano de Tal pergunta se poderia retornar na manhã seguinte, a única condição que impõe é que o policial não fale sobre o passado da casa para os meninos. A preocupação de Courtney parece não ter fundamento, pois quando vai pôr os filhos para dormir, mais tarde, um deles pergunta se Fulano de Tal apareceu por ali por causa do ocorrido na capela. Courtney não faz ideia de como Dylan sabe do acontecimento.
Hospedado em um motel de beira de estrada, Fulano de Tal descobre mais sobre Courtney através de uma pesquisa na internet. Ele lê um velho artigo sobre o casamento de Clint e Courtney, ele filho de um magnata local, ela a namoradinha dos tempos de adolescência. Ele mal mexe no teclado, salta para uma página que detalha o homicídio ocorrido na capela. Por mais que mova o mouse para sair das páginas, a internet parece ter vida própria. Através do reflexo da tela, ele enxerga a figura de Bagul se aproximando, mas o demônio some no próximo segundo. Subitamente, o notebook, que fora desligado, aviva para revelar o símbolo característico de Bagul. Para Dylan, o assédio continua. O espírito de Milo o convida a descer o porão para ver filmes Super 8. O menino tem um pesadelo muito vívido, que nos remete à sequência que abre "A Entidade 2". Ele vê a si no meio do milharal enquanto pessoas encapuzadas aguardam para serem imoladas em chamas. No porão, os espíritos das crianças prometem a Dylan que se ele assistir a todos os rolos, seus pesadelos desaparecerão.
O filme daquela noite gira em torno da véspera do feriado de Natal. Uma família composta por pai, mãe e 3 filhos (um deles, uma menina, é quem faz as imagens, será ela quem os executará) parece ter uma tarde espetacular aos pés de um lindo pinheiro, enquanto do lado de fora a neve polvilha sem parar. O filme corta para o período da noite, algumas dezenas de metros mais para longe da casa, onde 4 dos 5 membros surgem amarrados, imobilizados dentro de valas, cobertos parcialmente por neves, enquanto a menina registra a lenta morte por hipotermia. Os olhares em seus rostos são de pura confusão. Dylan se levanta e avisa aos amigos que chega de filmes por aquela noite. Se antes só os enxergava durante a noite, agora as crianças também o incomodam durante o dia. O irmão Zach o aborda na soleira, naquela manhã, e avisa que agora também pode enxergá-las. Courtney não escuta a conversa, e ao surgir na porta, vê a aproximação de um carro: como acertado, Fulano de Tal retornou para fazer novas pesquisas no terreno. A mãe os lembra de só falarem aquilo que lhes forem perguntado. Durante a caminhada pela igreja, Courtney lhe pergunta como as pessoas foram mortas. Em nome do bem-estar psicológico da moça, ele prefere omitir os detalhes. De posse de fotos do arquivo policial, passa a vista por porções da igreja onde os corpos foram encontrados. Explorando os corredores muito escuros, Fulano de Tal bate de frente com uma momentânea materialização de Bagul. O susto o lança para trás, e ao seguir retrocedendo, ele dá com as costas em um ponto da parede onde finalmente encontra o sinal. Quem liga para Fulano de Tal é um cavalheiro chamado Dr. Stomberg. Ele trabalhava com o Prof. Jonas, do primeiro filme, o homem que ajudou o personagem de Ethan Hawke a compreender a mitologia envolvendo a entidade pagã. Segundo Stomberg, Jonas desapareceu há algum tempo, e mais recentemente a Polícia resolveu encerrar as buscas.
Jonas deixou algo para Fulano de Tal, e o policial concorda em se encontrar com Stomberg para conversar. Após a investigação na igreja, Fulano de Tal avista Dylan solitário no alpendre e se aproxima para conversar. O menino vocaliza os angústias de precisar morar em um lugar do tipo. Pesadelos são um elemento que Fulano de Tal e o menino têm em comum. O policial tenta ajudar as pessoas para libertar o mundo das coisas terríveis com que sonha. Nisso, quem chega sem sobreaviso é o ex-marido de Courtney e pai dos meninos, Clint. Em seguida, dois carros de Polícia aparecem como reforço. Os oficiais não tinham como imaginar que Fulano de Tal, também policial, conhecesse a lei melhor do que ninguém. O conhecimento e autoridade de Fulano de Tal desencorajam os oficiais corruptos, e eles "baixam a bola", deixando a mulher e os meninos em paz. Desapontado, Clint fica possesso, e Fulano de Tal angaria a antipatia instantânea do ex-marido.
Courtney considera fugir. Fulano de Tal explica que agora que o pai sabe onde os meninos se encontram, se Courtney fugir, Clint terá um caso contra a ex-mulher e recuperará a custódia dos garotos. Courtney pede que o policial fique, ao menos para o jantar, e ele topa. Durante o jantar, ele revela que não é mais policial, desistiu daquela vida. As crianças parecem gostar de Fulano de Tal. Após o jantar, o rapaz ajuda Courtney a lavar as louças. Ela insiste que não parta, e quando Dylan faz coro, Fulano de Tal aceita dormir na propriedade por uma noite. Ao passar a lupa sobre fotografias da cena do crime na igreja, Fulano de Tal enxerga muito bem a imagem de Bagul nas sombras. Courtney escuta alguém na cozinha, e o encontra ali desperto, passando a vista por fotos. Eles acabam conversando no alpendre, e Courtney parece genuinamente interessada. Eles terminam se beijando na cozinha, após algum tempo nos balanços do lado de fora. Como ocorre toda noite, Milo aparece para chamar Dylan para a sessão de cinema. O crime em questão envolve a morte de uma família eletrocutada. Depois de drogar os pais, o menino os amarrou nos móveis e deixou as torneiras derramarem água até alagar a cozinha. Depois, arrancou os fios da tomada e os eletrocutou. Milo começa a procurar o outro menino, Zach, e explica que se ele quiser fazer parte do grupinho, terá de cometer um assassinato parecido. Na manhã seguinte, Courtney se despede de Fulano de Tal e lhe entrega uma garrafa térmica de café. Ela é amável e atenciosa, e Fulano de Tal fica de retornar dali a alguns dias. Ele precisa se encontrar com Stomberg.
Os dois se encontram no campus, e Stomberg parece nervoso. Na sala, há um rádio transmissor antigo. Stomberg aponta para o rádio e lhe conta uma história real que ocorreu nos anos 70, uma noite, quando vários rádios do tipo receberam uma inexplicável transmissão através de uma frequência pouco usada. A transmissão consistia nas notas de um piano para criança. Ao longo dos anos seguintes à primeira transmissão, ocasionalmente, a música do piano infantil ressurgiria, até que um dia, já no final da década de 70, alguém conseguiu gravar a mesma. Stomberg reproduz no notebook a arrepiante gravação, alguém dedilhando o piano, e uma voz de menininha lendo uma porção de números. Depois, os gemidos esquisitíssimos de alguém sendo morto. Os números consistiam em coordenadas para uma fazenda no meio da Noruega, onde uma família inteira foi trucidada em 1973. Fulano de Tal pergunta a Stomberg se no caso da Noruega alguma criança desapareceu, e Stomberg confirma. As características batem com um típico trabalho do demônio Bagul. Stomberg aperta o play e prossegue com a exposição. Agora, uma menina fala uma porção de coisas incongruentes, e em dado momento diz claramente "Bagul... Bagul". Stomberg afirma que 3 elementos já parecem claros quanto a casos envolvendo o demônio: primeiro, uma família sempre é sacrificada, segundo, uma criança escapa do massacre, mas desaparece, e terceiro, as cenas do crime mais se assemelham a representações artísticas à custa do sangue dos inocentes. A manifestação artística no calor dos assassinatos - imagem, literatura, música - parece uma exigência da entidade pagã. No caso da família da Noruega, Stomberg cita o dedilhado no piano infantil. Ele então traduz para Fulano de Tal a frase que escapa da boca da menina do vídeo enquanto executa os pais "Fiquem quietos, senão Bagul não escutará minha música". O rádio subitamente ganha vida, e insiste "Os meninos... ele quer os meninos... os meninos... ele quer os meninos".
Na fazenda, Dylan e Zach estão brigando mais frequentemente, a animosidade fomentada pelos espíritos das crianças. Elas tentam incutir na cabeça de Dylan o ódio pela mãe e pai, culpando-os pelos infortúnios de sua vida. Os espíritos o incentivam a fazer os culpados pagarem. À noite, a harmonia entre mãe e filhos azeda, e o menino mais novo chega a chamar a mãe de vadia. Ela o põe de castigo e o deixa trancado no quarto. Dylan tem um terrível pesadelo onde enxerga momentos da chacina na igreja, e depois se vê no meio do milharal. Quando desperta, encontra as crianças mortas ao redor o convidando para uma nova sessão. Milo promete a Dylan que aquele sera o mais emocionante vídeo de todos, pois foi ele, Milo, quem perpetrou o homicídio. Descobrimos que a chacina na igreja ao lado foi orquestrada por Milo. Pelo expediente da droga no vinho, o garoto os deixou vulneráveis a sua ação. Pelo Super 8, acompanhamos o desenrolar da ação: ele os deita no assoalho e forma um círculo. 5 pessoas são presas ao chão com pregos enormes cravados bem na altura dos pulsos, mas ainda se encontram vivos. Bagul aparece no púlpito, e abre os braços para convidar uma ninhada de ratos famintos. O menino os cozinha vivos com carvão em brasa, o que atrai os ratos famintos que terminam de matá-los a dentadas.
Farto de toda aquela insanidade, o garoto foge, contra os protestos das crianças que insistem em um último rolo de Super 8. Ao buscar guarida no celeiro, é perseguido por Bagul, mas se tranca na oficina a tempo de evitá-lo. Os espíritos de materializam ali dentro e avisam que não há problema algum: Dylan jamais foi o objeto principal do assédio de Bagul. O que o demônio e as crianças mortas realmente queriam era mexer com a cabeça do menor, Zach, amadurecê-lo para o próximo massacre. De fato, ao voltar ao porão, encontra Zach assistindo ao último rolo de filme, um massacre onde membros de uma família são eliminados como se se encontrassem em uma consulta dentária. O assassino usa uma broca para arrebentar os dentes das gengivas. Milo jura a Dylan que se ele contar o que viu à mãe, lhe fará algum terrível mal. Na manhã seguinte, Clint aparece com a polícia, dessa vez com um mandado judicial para pegar as crianças. Ele faz uma ameaça velada. A única forma de Courtney permanecer com as crianças será voltando para Clint. Courtney vê que não tem saída, a não ser voltar para o marido abusivo e compartilhar a guarda. Assim, aceita o convite de Clint para jantar na sua casa. Quando Fulano de Tal aparece na fazenda à noite e não encontra a mãe e os filhos, desespera-se. Ele a aconselhara a permanecer na propriedade. A entidade costuma armar o ataque justamente quando famílias deixam as propriedades por novos endereços.
Durante o jantar, Clint acaba perdendo o temperamento com a família, e age agressivamente com Dylan. Ele mantém a paciência em xeque quando a mulher protesta. Para todos os efeitos, voltaram a morar sob o mesmo teto. Fulano de Tal aparece na casa de Clint com a importante recomendação que retornem à fazenda antes que a entidade arquitete seu assalto, mas o marido não quer saber de conversa e o manda embora. Na manhã seguinte, vemos Zach escondido no milharal, com as crianças mortas semeando pensamentos ruins na cabeça sugestionável. Zach manipula uma câmera Super 8 e filma pai, mãe e irmão fazendo piquenique em uma clareira. Milo pergunta se Zach está preparado para cumprir com a missão (assassinar a própria família). Ele põe droga no suco. Pai e mãe bebem insuspeitos, contudo Dylan antecipa que há algo de errado. Ele apanha o celular da mãe e manda uma mensagem de texto para Fulano de Tal, pedindo socorro.
A noite chega, e no meio do milharal, amarrados a postes, encontramos Clint, Courtney e Dylan, todos encapuzados. O menino primeiro ateia fogo ao pai. Escutamos seus gritos e o vemos se contorcer desesperadamente até as chamas o consumirem por completo. Quando Fulano de Tal chega à propriedade, e avista a duma amarelada distante. Antes que o menino engolfe Courtney e Dylan em fogo, o ex-policial chega bem a tempo de abalrroar o carro no lado do menino, não gravemente, apenas o suficiente para tirar seu equilíbrio. Ele desamarra mãe e filho, e Zach, possuído, parte para cima do trio com uma foice. Eles chegam à casa a tempo, mas Zach também consegue entrar na propriedade, e agora conta com a ajuda dos espíritos de todas aquelas crianças corrompidas por Bagul. Para Courtney e Fulano de Tal, eles enxergam somente objetos e móveis sendo atirados por uma força invisível, como fenômenos de poltergeist, mas para os meninos, a imagem das crianças parece clara. Zach teria matado mãe e irmão, não fosse por Fulano de Tal, que chega a tempo de arrebentar a filmadora Super 8. O menino se desespera, e desce ao porão, onde as demais crianças contam que agora que o equipamento foi danificado, não terão como concluir o trabalho. Bagul chega por trás do menino, e magicamente o transporta para o outro lado da tela, que pega fogo. Fulano de Tal sabe que não há nada a ser feito pelo garoto, e antes que a casa inteira seja engolida pelas chamas, consegue tirá-los a tempo. Mais tarde, quando o vemos a sós no quarto de motel, um velho rádio subitamente se aviva sozinho, e Fulano de Tal pode escutar as crianças mortas. A face de Bagul subitamente entra no enquadramento, e as luzes se apagam.
Ninguém esperava que a sequência de "A Entidade" superasse o antecessor, e o lançamento da nova aventura prova correta a assertiva. O original guarda o charme da descoberta, pois como pioneiro, introduziu o imaginário que envolve a figura do misterioso Bagul, e contou com a performance vencedora de Ethan Hawke. Filmado praticamente no espaço interior de uma casa onde aconteceu um tenebroso assassinato, a trama era trabalhada como um mistério investigativo imerso em horror, de sorte que você se sentia um voyeur enquanto o escritor interpretado por Hawke montava peças de um quebra-cabeça que apontava para a existência de um estranho demônio vinculado a fotografias e filmes. "A Entidade 2" move-se para fora de uma casa, a trama transitando entre cenários e situações diversas, nos mesmos moldes do salto entre os excelentes "Uma Noite de Crime" & "Uma Noite de Crime 2", apenas não consegue reproduzir a empolgação própria ao prazer da descoberta. "A Entidade 2" é excelente, apenas não emula o frescor do primeiro, que por mais limitado que fosse em termos de espaço (passava-se exclusivamente no interior e cercanias de uma propriedade), envolvia melhor do que a sequência.
Considerando que continuações tendem a ser péssimos filmes, "A Entidade 2" é uma amena brisa fresca, porque honra o padrão estabelecido pelo antecessor, embora não ofereça nada de concretamente inédito. Quando os produtores anunciaram planos para uma continuação, acreditei que explorariam a origem de Bagul, se divertiriam com a concepção de uma mitologia. Pouquíssimas continuações foram capazes de superar os originais, e de cabeça eu posso citar "Hellraiser 2 - Renascido das Trevas" & "Atividade Paranormal Marcados pelo Mal". Ambos partiram da premissa estabelecida pelos originais, porém ousaram esmiuçar melhor suas mitologias em nome da descoberta de novas linhas narrativas. "A Entidade 2" baseia-se numa trama interessante - mãe e filhos fugindo de um pai abusivo, a suscetibilidade de crianças ao assédio de forças sobrenaturais - mas não elucida as origens de Bagul, tampouco cria oportunidades para tão sinistra figura desenvolver um histórico, um passado, uma voz. Claro que para filmes de horror a superexposição reflete um imperdoável pecado, o beijo da morte, no entanto, deve-se chegar a um meio termo. Aqui em "A Entidade 2", Bagul mais parece fazer uma "participação especial", pois creio que seu tempo total diante das câmeras não ultrapasse a marca dos 5 minutos! Barker, o artista definitivo do século XX, não perdeu de vista o meio termo ao abordar os cenobitas no primeiro "Hellraiser". Sim, eles apontam escassamente, mas tais aparições encontram-se cadenciadas ao longo do tempo de projeção, e apesar de eu não ter me preocupado em pôr na ponta do lápis a duração, surgem bem mais do que parcos 5 minutos. Nesse diapasão, aproveitando a menção a "Hellraiser", andei pensando na função do menino Milo em "A Entidade 2". Exercendo uma liderança natural entre as demais crianças mortas, vem de Milo o assédio sobre as mentes sugestionáveis de Zach & Dylan, ao passo que Bagul, apesar de "dirigir a ação", apenas observa distante e nas sombras. Ora, em "Hellraiser", os cenobitas não podem ser tomados como vilões. Imparciais e indiferentes, eles surgem quando a configuração é manipulada corretamente, e submetem seus exploradores ao prazer, que diverge do conceito que nós humanos reservamos ao termo. Sabemos que é Julia a vilã mais atuante, aliás, a trama, um conto sobre amores não-correspondidos, fetichismo, sadomasoquismo, e as porções mais sombrias e inconfessáveis da psique feminina, é carregada pela talentosíssima Clare Higgins, que a suporta sobre os ombros. Não obstante os cenobitas aparecerem ao fundo, Julia comete os assassinatos a marteladas ali na frente, nos moldes do "Milo" de "A Entidade 2", plantando sugestões nocivas na cabeça dos meninos, particularmente na de Zach, ferramenta em potencial para o cometimento dos assassinatos, enquanto Bagul descansa ao fundo para observar a ação. A dinâmica entre vilões de escalas diferentes foi um interessante toque, afinal no primeiro os espíritos das crianças resumiam-se a meros observadores. Penso, no entanto, que foi um equívoco reduzir tão significantemente a participação de Bagul. "A Entidade 2" também deixou um gostinho azedo familiar a minha boca, um sabor que eu já provei depois de ver o ótimo, empolgante "Imagens do Além": a conclusão me pareceu "um pouco apressada". "Imagens do Além" cometia o mesmo pecado. Refilmagem do tailandês "Espíritos A Morte Está ao Lado", os produtores americanos sentiram que para garantir a salutar "tradução" das ideias originais para o mercado ocidental, precisavam deixar o tempo de projeção dentro de 80 minutos, o que praticamente obrigou o diretor a atropelar os eventos na perna final da trama. Não prejudicou a obra como um todo, ao menos não fatalmente, todavia para olhos mais treinados, a montagem fica "truncada". No caso de "A Entidade 2", após os eventos na fazenda, quando Fulano de Tal tira Courtney e Dylan da casa em chamas, parece que a turma não soube como concluir a aventura dentro dos poucos minutos restantes, e simplesmente atropelou cenas até o desfecho apressado. Após os eventos na fazenda, creio que no mínimo 10 minutos fariam um enorme bem ao conjunto, pois permitiriam que a trama se fechasse mais redondinha para os principais envolvidos. Após termos nos investido emocionalmente nos personagens, nós fãs merecíamos no mínimo uma satisfação.
Tendo discorrido sobre alguns reparos quanto ao filme, que é excelente, permitam-me tecer considerações sobre seus pontos mais sólidos. Todo mundo ama uma boa estória de fantasma. Escutar a uma estória assustadora de fantasma ao redor de uma fogueira quando criança é ainda melhor! Depois que crescemos, perdemos a capacidade de processar o mesmo friozinho na barriga, uma das muitas posses mágicas do "mundo de cá", da infância, que o tempo se encarrega de subtrair à medida que realizamos a transição para o "mundo de lá", o dos adultos. Eu me recordo do maravilhoso "El Espinazo del Diablo", de Guillermo del Toro. Em 2000, a consagração do cineasta ainda o aguardava alguns anos mais à frente, porém mesmo ali, em um filme menor espanhol, dava mostras de sua excepcional força visual e criativa. O filme revolvia um orfanato perdido no meio de um deserto escaldante durante o último ano da Guerra Civil Espanhola (tema que o diretor revisitaria em "O Labirinto do Fauno", em 2007), e seus protagonistas eram crianças, alheias à brutalidade que acontecia ao país e mesmo às relações viciadas e perturbadoras entre os adultos que comandam seu universo, o do orfanato. A bem-intencionada diretora Carmen mantém encontros sexuais com o servente Jacinto (que crescera no orfanato, o que nos leva a crer que Carmen o usa sexualmente desde o tempo em que Jacinto era criança, isso explicaria seu estado psicológico confuso e raivoso), Prof. Casares é secretamente apaixonado por Carmen, e por aí vai... as crianças comentam que o orfanato é assombrado pelo espírito de um menino chamado Santi, que desapareceu misteriosamente na noite em que uma bomba caiu bem no pátio do orfanato (e não detonou). A imagem surreal da cauda daquela bomba, pronunciada para o alto, encapsula as tensões que regem o orfanato: com a aproximação do exército do General Francisco Franco, o lugar mais se assemelha a uma bomba prestes a explodir. A sensibilidade lírica com que del Toro conduz essa empoeirada, nostálgica estória sobre fantasmas e a inocência da infância arruinada por toda espécie de subversão psicológica & sexual de adultos falíveis & diabólicos catapulta "El Espinazo del Diablo" ao panteão dos melhores filmes de fantasmas de todos os tempos, ali ao lado de "The Innocents" (1961), de Jack Clayton. Ciarán Foy, o diretor de "A Entidade 2" não exibe a mesma sensibilidade de del Toro no trato da infância, mas como poderíamos culpá-lo? Aqui, dirige a continuação para uma possível franquia, e Scott Derrickson, que comandou o primeiro, escreveu um roteiro que se move muito rapidamente; del Toro fez um filme de arte europeu, com ritmo & humores mais comuns ao Velho Mundo. Ademais, como trabalho solo, não havia expectativa alguma depositada sobre "El Espinazo del Diablo", de forma que o filme pôde desenvolver sua própria identidade. Por menos espaço e mais limitações que teve, ao menos, Foy incorporou as crianças à mitologia de Bagul, e fez um belo trabalho em dirigir os atores mirins nas cenas mais desgastantes.
James Ransone & Shannyn Sossamon protagonizam "A Entidade 2" como Fulano de Tal & Courtney. A atriz se sai bem no clássico papel da mãe em perigo lutando para manter os filhos unidos. Derrickson, o roteirista, encontrou uma forma de adicionar a já pesada trama o difícil tema do divórcio, da ruptura familiar, o que dá personalidade extra ao conjunto. James Ransone, uma contribuição maravilhosa ao primeiro filme, um ator que por mais reduzido que seja seu tempo de exposição alavanca toda obra com sua participação, retorna como protagonista, e com muita naturalidade transita entre o bom humor e o jeitão meio atrapalhado que o fizeram tão especial no anterior. Ransone, um excelente ator que aqui me lembra um jovem Christian Bale, carrega o filme nos ombros, e em cena exibe o carisma que lhe deve valer mais papéis como protagonista. Além de brilhante ator, Ransone é um herói na vida real: em 2006, salvou a vizinha de um estupro, quando escutou os gritos vindo do apartamento ao lado, pôs abaixo uma porta de vidro e acertou o estuprador com golpes de barra de ferro nas costas. A Polícia ficou tão admirada com seu heroísmo que tentou convencê-lo a se juntar à Força. Disseram que poderia ser ator de dia, e tira à noite! Semelhante curiosidade, que explicita a natureza heroica de alguém, sempre merece menção.
O grande charme do primeiro filme consistia na bizarra combinação de músicas esquisitíssimas a imagens de filmes granulados Super 8. Os homicídios perpetrados pelas crianças já eram suficientemente macabros, todavia a adição de melodias absolutamente horrorosas e melosas dava ao conjunto um ar satânico & surreal. Derrickson reconheceu o potencial do recurso, e criou para Foy uma série de segmentos onde ele pôde "se divertir" criando imagens em Super 8, inesquecíveis, pelas mais tétricas razões. É difícil explicar em palavras a inquietante sensação experimentada uma vez que assistimos às intromissões do Super 8. A coisa mais próxima que eu poderia citar seriam os vídeos de um cavalheiro chamado Chris Hanson, no Youtube. Ele pôs vídeos sobre crimes reais ocorridos no curso dos anos 60 & 70, e adicionou melodias assustadoras a imagens já memoráveis, criando um sentimento de "vintage footage" que fará seus cabelos da nuca eriçarem. Salvo engano, os vídeos podem ser facilmente encontrados através de uma busca no Youtube pelas palavras chaves, tipo "Chris Hanson" e "True Crime". Como os vídeos já datam de muitos anos atrás, os mais recentes colocados há 4 anos, pergunto-me se o diretor Scott Derrickson teria se inspirado nos mesmos para escrever o primeiro "A Entidade"!
O roteiro pode não inovar, não criar novos parâmetros para filmes de terror, todavia apanha o que havia de melhor no anterior, recicla os sustos, e os aproveita em uma trama que comunga o típico thriller investigativo (através do trabalho de Fulano de Tal e sua busca pela fazenda onde ocorreu a chacina) com drama familiar (Courtney fazendo o melhor para cuidar dos filhos, um deles sensitivo, durante o período de maior vulnerabilidade de sua vida, a separação de um marido abusivo e ciumento). Se um dos grandes charmes do original era juntar ao lado de Ethan Hawke as peças do quebra-cabeças, de modo a descobrir um quadro aterrorizante no último minuto (quando os Oswalt são mortos pela filha caçula), não podemos realmente culpar o novo diretor por não conseguir oferecer a mesma atmosfera de antecipação intimista & esquisita que caracteriza o original. Quem apreciou o primeiro, gostará muito da segunda parte. A julgar pelo sucesso de bilheteria (o filme custou U$ 10.000.000,00 e gerou U$ 63.000.000,00), em breve teremos um terceiro capítulo. Minha sugestão? Focar nas origens do demônio. Até lá, o grande trunfo da franquia, os vídeos em Super 8, poderá dar sinais de cansaço. Um truque funciona até um determinado ponto, e depois... o terceiro filme precisa nos apresentar algo inédito e criar uma mitologia. A minha sugestão seria a de que o time criativo assistisse ao primeiro "Hellraiser" e depois ao segundo, "Hellraiser 2 Renascido das Trevas": eis a fórmula para criar uma mitologia sem agredir o original, buscar coisas inéditas, mas a partir do olhar para dentro da mitologia.
Amigos, um Feliz Natal & Próspero Ano Novo. Espero neste ano de 2016 publicar o meu romance "Valsa na Escuridão" (um dos 3 roteiros que eu escrevi) neste blog. A demora se deve ao trabalho de revisão (o original é extenso, com mais de 1.100 páginas só no processador do Word, em fonte Times New Roman, "10"), e à adição de um novo e último capítulo. De todos os roteiros, é o meu preferido, pois foi um trabalho que começou em 2002, o que tornou seus personagens, ao menos na minha cabeça, muito reais para mim. Paralelamente, sempre revisito os dois roteiros anteriores, "Nenhum Passo em Falso" & "Nosebleed", para fazer pequenas edições, nada muito especial - melhorar o Português, adicionar uma ou outra coisa. Também venho dedicando a mesma atenção às resenhas mais velhas, dei uma polida em "Hellraiser", "w Delta z"... a maioria, eu diria. Vim a descobrir os incalculáveis benefícios que escrever um blog fez por mim. O blog te obriga a melhorar em todos os sentidos: expressar-se melhor, compreender o mundo melhor. Dia desses, um amigo foi muito gracioso ao elogiar uma determinada resenha. Eu lhe disse, e com honestidade, que qualquer pessoa faria muito, muito melhor, basta querer. São suficientes a prática, a paixão e, mais do que nunca, a humildade. Você escreve e tenta fazer o melhor. Você vê que errou, e tenta novamente e erra... e eventualmente você acerta. Eu me lembro de algo que Sylvester Stallone disse em uma entrevista. Aproximadamente em 2005, ele apresentou esse reality show chamado "The Contender", onde pugilistas de diversas alçadas da vida lutavam em um campeonato de boxe para chegar a aquele que teria a chance de disputar um grande título em Las Vegas. Eu me recordo que naquele ano em particular, um brilhante boxeador chamado Sérgio Mora levou o grande prêmio. De toda sorte, em uma entrevista com o ator, lhe perguntaram se no seu entendimento Sérgio Mora "era o Rocky". Sylvester Stallone deu uma resposta inteligentíssima. Stallone disse que não, Sérgio Mora não era o Rocky, quem era o Rocky era um outro cara, um rapaz chamado Peter Manfredo. No reality, Manfredo não conseguira se qualificar: ele se esforçou, mas perdeu, e deixou o reality show. Por força da desistência de um outro participante, teve a oportunidade de regressar, e tentar novamente. Ele perseverou, tentou duramente, fez um esforço nobre & galante, e ao final perdeu para o Mora. Manfredo não era o cara que vencera ao final, no entanto era quem perseverara. "Mora não é o Rocky, o Manfredo é o Rocky, porque ele tenta, ele cai, e se levanta novamente". Jamais me esqueci disso, guardei na minha cabeça. Determinei que aplicaria o aprendizado na minha vida pessoal. Quem revisita os meus artigos provavelmente já deve ter notado paulatinas diferenças. Além do projeto de publicar "Valsa na Escuridão" até meados de 2016 em 15 postagens (cada postagem um capítulo), se eu encontrar tempo, adorarei apanhar "Nenhum Passo em Falso" & "Nosebleed" e torná-los romances ainda maiores. Eu os amo muito, todavia ao lê-los sempre penso "Rapaz, por que não pensei nisso ou aquilo...". Por ora, dedico-me a revisar "Uma Valsa na Escuridão" a tempo de publicá-lo antes de 2017. Quem sabe eu consiga? Eu sou um homem cheio de surpresas. E a melhor delas, eu reservei para o final.
Todos os direitos autorais reservados a Blumhouse Productions. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
O elenco, composto exclusivamente por atores desconhecidos e talentosos, chamou minha atenção pelos desempenhos afinados, com especiais menções a Alan C. Peterson como "Terrance G." e James Gilbert, que eu já havia visto antes no extraordinário "O Voo da Coruja", e que nesse filme mostra versatilidade e magnetismo, os elementos de que um artista precisa para deixar uma impressão. Aqui, ele me lembra um jovem Bradley Cooper. A depender de suas futuras escolhas, podemos aguardar uma promissora carreira para Gilbert. "The Conspiracy" foi o único filme rodado por Christopher MacBride (ele dirigiu um curta-metragem, nada mais). Na montagem de um impressionante suspense cuja linguagem beira o documental, sua habilidade me fez pensar em Joel Anderson, um australiano que realizou o inesquecível "O Segredo do Lago Mungo", cuja estética "mockumentary" parece reproduzida por "The Conspiracy", e, lamentavelmente, após nos presentear com uma obra-prima, jamais nos ofereceu nova amostra de seu talento. Rostos manipulados digitalmente e vozes robóticas servidas a depoimentos, como os de Mark Tucker, contribuem com a proposta da "falsa veracidade", e a fotografia borrada, granulosa, nos remete aos tempos do VHS, quando as fitas de vídeo pareciam emular um saudoso sentimento de intimidade, algo importantíssimo para filmes do gênero.
"The Conspiracy" honra seu objetivo, e nos entretém do começo ao fim. Em que pese não passar de uma obra de ficção, muitas informações veiculadas no curso do filme não são fictícias, e inclusive foram testemunhadas por muitos de nós no curso dos últimos anos. A sincronicidade com que os dados veiculados por Terrance G. se encaixam nos deixa pensativos: até que ponto as fantasias delirantes descritas pelo personagem de um filme fictício poderiam calhar de ser verdade?
Não foi surpresa alguma quando em agosto de 2014 iniciaram-se as filmagens principais de "A Entidade 2". O original, produzido a módicos U$ 3.000.000,00, uma micharia para os padrões dos grandes estúdios, havia rendido aproximadamente U$ 50.000.000,00, e firmado a Blumhouse Productions como a força criativa por trás dos mais originais filmes de horror dos últimos anos. Mais importante que dividendos financeiros, "A Entidade" merecera o respeito dos fãs e críticos mais exigentes, que enxergaram a eficiente execução, um filme sustentado por atmosfera emulada pelos esquisitíssimos rolos de Super-8 recheados de imagens fortíssimas e macabras de famílias passando por mortes horrorosas em grupo, no curso de diferentes décadas, ao som de melodias inquietantes. Enquanto "A Entidade" abre com a inesquecível imagem em Super 8 de uma família sendo atirada ao ar para morrer enforcada em um galho de árvore, "A Entidade 2" não deixa por menos, e nos mostra os membros de uma outra encapuzados e amarrados a cruzes bem no meio de um milharal. Uma mão aciona o isqueiro, e logo as chamas avançam para lamber aquelas pessoas indefesas, barbaramente assassinadas. Um garotinho subitamente desperta, e compreendemos que se trata de um pesadelo. Ele fica observando seu assustador guarda-roupa, que parece adquirir vida quando as cruzetas se movem sozinhas, e então das sombras emerge a figura de Bagul, o demônio do primeiro filme. Aprenderemos que o menino se chama Dylan, e com o irmão Zach e a mãe Courtney, os 3 fugindo do pai abusivo Clint, habita provisoriamente uma fazenda abandonada no meio do nada.
Retornando do primeiro filme, agora em uma participação mais central, o talentoso e eclético ator James Ransone interpreta o papel do ex-policial "Fulano de Tal" (era o apelido dado por Ethan Hawke ao rapaz, que o ajuda nas investigações, no filme anterior, jamais sabemos seu verdadeiro nome). Fulano de Tal presenciou os tétricos eventos antecedentes ao assassinato da família Oswalt. Pai, mãe e filho foram desmembrados a machadadas, e a menininha desapareceu sem deixar vestígio. Se os amigos viram o primeiro filme, sabem que os homicídios, embora praticados por crianças que drogam as famílias para incapacitá-las e trucidá-las a golpes de machado, têm como ingrediente a influência de um bizarro demônio chamado Bagul. Reza a lenda que Bagul existe em imagens, e seu objetivo revolve abduzir crianças, isso depois de subvertê-las a ponto de as incitarem a cometer os homicídios mais tenebrosos imagináveis. Fulano de Tal procura um sacerdote para se confessar. O padre o reconhece como um dos oficiais encarregados do caso Oswalt. Ao desabafar, Fulano de Tal pergunta se o padre acredita na existência do Mal. Ele deseja escutar de um homem de Deus como proceder para enfrentá-lo eficazmente. O Padre o surpreende, pois não apenas acredita piamente na existência de forças sobrenaturais, também recomenda que Fulano de Tal se mantenha fora de todo o imbróglio. Ele explica que não há como enfrentar o sobrenatural, apenas se esquivar das forças que a capacidade humana não tem como confrontar. Mesmo diante das orientações do sacerdote, Fulano de Tal se focou em uma cruzada contra Bagul: ele queimará os antigos lares de todas as famílias que caíram sob o jugo do demônio. Como podemos nos lembrar, conforme o primeiro filme, Bagul atua exclusivamente contra famílias que passam a habitar propriedades pertencentes a outras famílias anteriormente destruídas pelo demônio.
Courtney é uma mulher que suporta mais problemas do que uma pessoa comum conseguiria carregar. Não somente cuida sozinha dos filhos, ela também vive em fuga, evadindo-se do ex-marido violento. Uma mera passagem pelo supermercado com os meninos se torna um grande susto, quando ela nota que um cidadão, um "olheiro", decerto mandado pelo marido, bate fotos da moça com o celular, e ela precisa fugir com os filhos para que o sujeito não os siga e descubra onde estão morando. Embora não consiga segui-los a tempo, o detetive contata o ex-marido e anuncia que a esposa está vivendo em Indiana, sem sombra de dúvida. A mãe parece ter problemas com Dylan, o menino que guarda para si o monumental stress do divórcio dos pais e as visões horrorosas das crianças mortas por Bagul, que teimam em visitá-lo. Assoberbada por problemas, a mãe deixa passar batido o preocupante estado psicológico do menino.
Fulano de Tal preparou um quadro com um mapa dos Estados Unidos, onde traçados ilustram a ligação entre as famílias destruídas por Bagul ao longo das décadas. O policial liga para um corretor de imóveis da região de Indiana, em busca da velha fazenda pertencente à família Jacob. Ele faz de conta que tem um cliente interessado na propriedade, e suas perguntas são respondidas pelo corretor, que inclusive afirma que ninguém mais mora ali (claro que ele não sabe que Courtney e os meninos habitam a propriedade clandestinamente). Fulano de Tal se prepara para viajar até a região para pôr a antiga residência dos Jacob abaixo, em uma tentativa de sanar o Mal. À noite, coisas estranhas ocorrem à casa e à capela ao lado. Dylan sofre com visões inexplicáveis. No assoalho da capela, por exemplo, enxerga muito sangue vazando do espaço entre as tábuas. Courtney garante a Zach que a estadia naquele lugar tão remoto não se prolongará. O menino vocaliza as preocupações com Dylan, que sempre se comportou diferente. Quietinho em seu quarto, imerso na escuridão, Dylan recebe a visita das "crianças de Bagul", que o procuram todas as noites para assistir a filmes horríveis de famílias sendo assassinadas sem dó, tudo registrado por câmera Super 8, sublinhado por melodias grudentas. Ele é conduzido ao porão por Milo, uma das "crianças de Bagul". Os garotos preparam a sessão de cinema para Dylan. Inocente, o menino parece não entender que seus amiguinhos estão todos mortos.
Um garotinho loiro chamado Tim aparece com um rolo de filme e explica que aquelas imagens, foi ele quem as rodou. Vemos uma família, pai, mãe e filhos, confraternizando em uma casa de lago, enquanto uma melodia insistente de algumas notas de piano nos deixa ainda mais ansiosos. As cenas de uma bela tarde cortam para a noite. 4 pessoas – os pais e dois irmãos de Tim – podem ser vistos pendurados de ponta cabeça, um pouco acima do lago. Não sabemos como o menino conseguiu armar a proeza para deixá-los naquela posição comprometedora, porém ali estão os pais e irmãos. Dylan assiste a tudo com os olhos cheios de horror. Não compreende muito bem o que se dará, quando subitamente um crocodilo enorme emerge da água e morde uma daquelas pessoas dependuradas, engolindo a cabeça inteira, praticamente. Os demais parecem pressentir o que os aguarda, e começam a se debater desesperadamente. "Não devíamos estar assistindo a essas coisas, Milo, desligue isso agora!", Dylan implora, antes de deixar o porão. Ele se cobre sob os lençóis, bastante sacudido emocionalmente.
Fulano de Tal chega à propriedade com a falsa impressão de que ninguém se encontra, e desce com gasolina e fósforos para colocar fogo na casa. Courtney chega a tempo de evitar que ele atire gasolina na propriedade, assustando o policial, que jamais teria imaginado que uma família vivesse sob aquele teto. Courtney também parece equivocada, pois assume que Fulano de Tal trabalha a serviço do ex-marido. Depois do mal-entendido inicial, ela o convida a entrar para tomar uma xícara de café. Ao citar o caso Oswalt, Fulano de Tal fica feliz que Courtney ao menos conheça a história. Ela sabe que a capela ao lado foi palco de assassinatos semelhantes, porém não que os crimes estão ligados pela presença diabólica de Bagul. Fulano de Tal exibe os símbolos clássicos atribuídos à presença de Bagul, e pergunta se Courtney já viu coisa parecida em algum lugar da localidade. Ela diz que não. Courtney não se importa quando Fulano de Tal pergunta se poderia retornar na manhã seguinte, a única condição que impõe é que o policial não fale sobre o passado da casa para os meninos. A preocupação de Courtney parece não ter fundamento, pois quando vai pôr os filhos para dormir, mais tarde, um deles pergunta se Fulano de Tal apareceu por ali por causa do ocorrido na capela. Courtney não faz ideia de como Dylan sabe do acontecimento.
Hospedado em um motel de beira de estrada, Fulano de Tal descobre mais sobre Courtney através de uma pesquisa na internet. Ele lê um velho artigo sobre o casamento de Clint e Courtney, ele filho de um magnata local, ela a namoradinha dos tempos de adolescência. Ele mal mexe no teclado, salta para uma página que detalha o homicídio ocorrido na capela. Por mais que mova o mouse para sair das páginas, a internet parece ter vida própria. Através do reflexo da tela, ele enxerga a figura de Bagul se aproximando, mas o demônio some no próximo segundo. Subitamente, o notebook, que fora desligado, aviva para revelar o símbolo característico de Bagul. Para Dylan, o assédio continua. O espírito de Milo o convida a descer o porão para ver filmes Super 8. O menino tem um pesadelo muito vívido, que nos remete à sequência que abre "A Entidade 2". Ele vê a si no meio do milharal enquanto pessoas encapuzadas aguardam para serem imoladas em chamas. No porão, os espíritos das crianças prometem a Dylan que se ele assistir a todos os rolos, seus pesadelos desaparecerão.
O filme daquela noite gira em torno da véspera do feriado de Natal. Uma família composta por pai, mãe e 3 filhos (um deles, uma menina, é quem faz as imagens, será ela quem os executará) parece ter uma tarde espetacular aos pés de um lindo pinheiro, enquanto do lado de fora a neve polvilha sem parar. O filme corta para o período da noite, algumas dezenas de metros mais para longe da casa, onde 4 dos 5 membros surgem amarrados, imobilizados dentro de valas, cobertos parcialmente por neves, enquanto a menina registra a lenta morte por hipotermia. Os olhares em seus rostos são de pura confusão. Dylan se levanta e avisa aos amigos que chega de filmes por aquela noite. Se antes só os enxergava durante a noite, agora as crianças também o incomodam durante o dia. O irmão Zach o aborda na soleira, naquela manhã, e avisa que agora também pode enxergá-las. Courtney não escuta a conversa, e ao surgir na porta, vê a aproximação de um carro: como acertado, Fulano de Tal retornou para fazer novas pesquisas no terreno. A mãe os lembra de só falarem aquilo que lhes forem perguntado. Durante a caminhada pela igreja, Courtney lhe pergunta como as pessoas foram mortas. Em nome do bem-estar psicológico da moça, ele prefere omitir os detalhes. De posse de fotos do arquivo policial, passa a vista por porções da igreja onde os corpos foram encontrados. Explorando os corredores muito escuros, Fulano de Tal bate de frente com uma momentânea materialização de Bagul. O susto o lança para trás, e ao seguir retrocedendo, ele dá com as costas em um ponto da parede onde finalmente encontra o sinal. Quem liga para Fulano de Tal é um cavalheiro chamado Dr. Stomberg. Ele trabalhava com o Prof. Jonas, do primeiro filme, o homem que ajudou o personagem de Ethan Hawke a compreender a mitologia envolvendo a entidade pagã. Segundo Stomberg, Jonas desapareceu há algum tempo, e mais recentemente a Polícia resolveu encerrar as buscas.
Jonas deixou algo para Fulano de Tal, e o policial concorda em se encontrar com Stomberg para conversar. Após a investigação na igreja, Fulano de Tal avista Dylan solitário no alpendre e se aproxima para conversar. O menino vocaliza os angústias de precisar morar em um lugar do tipo. Pesadelos são um elemento que Fulano de Tal e o menino têm em comum. O policial tenta ajudar as pessoas para libertar o mundo das coisas terríveis com que sonha. Nisso, quem chega sem sobreaviso é o ex-marido de Courtney e pai dos meninos, Clint. Em seguida, dois carros de Polícia aparecem como reforço. Os oficiais não tinham como imaginar que Fulano de Tal, também policial, conhecesse a lei melhor do que ninguém. O conhecimento e autoridade de Fulano de Tal desencorajam os oficiais corruptos, e eles "baixam a bola", deixando a mulher e os meninos em paz. Desapontado, Clint fica possesso, e Fulano de Tal angaria a antipatia instantânea do ex-marido.
Courtney considera fugir. Fulano de Tal explica que agora que o pai sabe onde os meninos se encontram, se Courtney fugir, Clint terá um caso contra a ex-mulher e recuperará a custódia dos garotos. Courtney pede que o policial fique, ao menos para o jantar, e ele topa. Durante o jantar, ele revela que não é mais policial, desistiu daquela vida. As crianças parecem gostar de Fulano de Tal. Após o jantar, o rapaz ajuda Courtney a lavar as louças. Ela insiste que não parta, e quando Dylan faz coro, Fulano de Tal aceita dormir na propriedade por uma noite. Ao passar a lupa sobre fotografias da cena do crime na igreja, Fulano de Tal enxerga muito bem a imagem de Bagul nas sombras. Courtney escuta alguém na cozinha, e o encontra ali desperto, passando a vista por fotos. Eles acabam conversando no alpendre, e Courtney parece genuinamente interessada. Eles terminam se beijando na cozinha, após algum tempo nos balanços do lado de fora. Como ocorre toda noite, Milo aparece para chamar Dylan para a sessão de cinema. O crime em questão envolve a morte de uma família eletrocutada. Depois de drogar os pais, o menino os amarrou nos móveis e deixou as torneiras derramarem água até alagar a cozinha. Depois, arrancou os fios da tomada e os eletrocutou. Milo começa a procurar o outro menino, Zach, e explica que se ele quiser fazer parte do grupinho, terá de cometer um assassinato parecido. Na manhã seguinte, Courtney se despede de Fulano de Tal e lhe entrega uma garrafa térmica de café. Ela é amável e atenciosa, e Fulano de Tal fica de retornar dali a alguns dias. Ele precisa se encontrar com Stomberg.
Os dois se encontram no campus, e Stomberg parece nervoso. Na sala, há um rádio transmissor antigo. Stomberg aponta para o rádio e lhe conta uma história real que ocorreu nos anos 70, uma noite, quando vários rádios do tipo receberam uma inexplicável transmissão através de uma frequência pouco usada. A transmissão consistia nas notas de um piano para criança. Ao longo dos anos seguintes à primeira transmissão, ocasionalmente, a música do piano infantil ressurgiria, até que um dia, já no final da década de 70, alguém conseguiu gravar a mesma. Stomberg reproduz no notebook a arrepiante gravação, alguém dedilhando o piano, e uma voz de menininha lendo uma porção de números. Depois, os gemidos esquisitíssimos de alguém sendo morto. Os números consistiam em coordenadas para uma fazenda no meio da Noruega, onde uma família inteira foi trucidada em 1973. Fulano de Tal pergunta a Stomberg se no caso da Noruega alguma criança desapareceu, e Stomberg confirma. As características batem com um típico trabalho do demônio Bagul. Stomberg aperta o play e prossegue com a exposição. Agora, uma menina fala uma porção de coisas incongruentes, e em dado momento diz claramente "Bagul... Bagul". Stomberg afirma que 3 elementos já parecem claros quanto a casos envolvendo o demônio: primeiro, uma família sempre é sacrificada, segundo, uma criança escapa do massacre, mas desaparece, e terceiro, as cenas do crime mais se assemelham a representações artísticas à custa do sangue dos inocentes. A manifestação artística no calor dos assassinatos - imagem, literatura, música - parece uma exigência da entidade pagã. No caso da família da Noruega, Stomberg cita o dedilhado no piano infantil. Ele então traduz para Fulano de Tal a frase que escapa da boca da menina do vídeo enquanto executa os pais "Fiquem quietos, senão Bagul não escutará minha música". O rádio subitamente ganha vida, e insiste "Os meninos... ele quer os meninos... os meninos... ele quer os meninos".
Na fazenda, Dylan e Zach estão brigando mais frequentemente, a animosidade fomentada pelos espíritos das crianças. Elas tentam incutir na cabeça de Dylan o ódio pela mãe e pai, culpando-os pelos infortúnios de sua vida. Os espíritos o incentivam a fazer os culpados pagarem. À noite, a harmonia entre mãe e filhos azeda, e o menino mais novo chega a chamar a mãe de vadia. Ela o põe de castigo e o deixa trancado no quarto. Dylan tem um terrível pesadelo onde enxerga momentos da chacina na igreja, e depois se vê no meio do milharal. Quando desperta, encontra as crianças mortas ao redor o convidando para uma nova sessão. Milo promete a Dylan que aquele sera o mais emocionante vídeo de todos, pois foi ele, Milo, quem perpetrou o homicídio. Descobrimos que a chacina na igreja ao lado foi orquestrada por Milo. Pelo expediente da droga no vinho, o garoto os deixou vulneráveis a sua ação. Pelo Super 8, acompanhamos o desenrolar da ação: ele os deita no assoalho e forma um círculo. 5 pessoas são presas ao chão com pregos enormes cravados bem na altura dos pulsos, mas ainda se encontram vivos. Bagul aparece no púlpito, e abre os braços para convidar uma ninhada de ratos famintos. O menino os cozinha vivos com carvão em brasa, o que atrai os ratos famintos que terminam de matá-los a dentadas.
Farto de toda aquela insanidade, o garoto foge, contra os protestos das crianças que insistem em um último rolo de Super 8. Ao buscar guarida no celeiro, é perseguido por Bagul, mas se tranca na oficina a tempo de evitá-lo. Os espíritos de materializam ali dentro e avisam que não há problema algum: Dylan jamais foi o objeto principal do assédio de Bagul. O que o demônio e as crianças mortas realmente queriam era mexer com a cabeça do menor, Zach, amadurecê-lo para o próximo massacre. De fato, ao voltar ao porão, encontra Zach assistindo ao último rolo de filme, um massacre onde membros de uma família são eliminados como se se encontrassem em uma consulta dentária. O assassino usa uma broca para arrebentar os dentes das gengivas. Milo jura a Dylan que se ele contar o que viu à mãe, lhe fará algum terrível mal. Na manhã seguinte, Clint aparece com a polícia, dessa vez com um mandado judicial para pegar as crianças. Ele faz uma ameaça velada. A única forma de Courtney permanecer com as crianças será voltando para Clint. Courtney vê que não tem saída, a não ser voltar para o marido abusivo e compartilhar a guarda. Assim, aceita o convite de Clint para jantar na sua casa. Quando Fulano de Tal aparece na fazenda à noite e não encontra a mãe e os filhos, desespera-se. Ele a aconselhara a permanecer na propriedade. A entidade costuma armar o ataque justamente quando famílias deixam as propriedades por novos endereços.
Durante o jantar, Clint acaba perdendo o temperamento com a família, e age agressivamente com Dylan. Ele mantém a paciência em xeque quando a mulher protesta. Para todos os efeitos, voltaram a morar sob o mesmo teto. Fulano de Tal aparece na casa de Clint com a importante recomendação que retornem à fazenda antes que a entidade arquitete seu assalto, mas o marido não quer saber de conversa e o manda embora. Na manhã seguinte, vemos Zach escondido no milharal, com as crianças mortas semeando pensamentos ruins na cabeça sugestionável. Zach manipula uma câmera Super 8 e filma pai, mãe e irmão fazendo piquenique em uma clareira. Milo pergunta se Zach está preparado para cumprir com a missão (assassinar a própria família). Ele põe droga no suco. Pai e mãe bebem insuspeitos, contudo Dylan antecipa que há algo de errado. Ele apanha o celular da mãe e manda uma mensagem de texto para Fulano de Tal, pedindo socorro.
A noite chega, e no meio do milharal, amarrados a postes, encontramos Clint, Courtney e Dylan, todos encapuzados. O menino primeiro ateia fogo ao pai. Escutamos seus gritos e o vemos se contorcer desesperadamente até as chamas o consumirem por completo. Quando Fulano de Tal chega à propriedade, e avista a duma amarelada distante. Antes que o menino engolfe Courtney e Dylan em fogo, o ex-policial chega bem a tempo de abalrroar o carro no lado do menino, não gravemente, apenas o suficiente para tirar seu equilíbrio. Ele desamarra mãe e filho, e Zach, possuído, parte para cima do trio com uma foice. Eles chegam à casa a tempo, mas Zach também consegue entrar na propriedade, e agora conta com a ajuda dos espíritos de todas aquelas crianças corrompidas por Bagul. Para Courtney e Fulano de Tal, eles enxergam somente objetos e móveis sendo atirados por uma força invisível, como fenômenos de poltergeist, mas para os meninos, a imagem das crianças parece clara. Zach teria matado mãe e irmão, não fosse por Fulano de Tal, que chega a tempo de arrebentar a filmadora Super 8. O menino se desespera, e desce ao porão, onde as demais crianças contam que agora que o equipamento foi danificado, não terão como concluir o trabalho. Bagul chega por trás do menino, e magicamente o transporta para o outro lado da tela, que pega fogo. Fulano de Tal sabe que não há nada a ser feito pelo garoto, e antes que a casa inteira seja engolida pelas chamas, consegue tirá-los a tempo. Mais tarde, quando o vemos a sós no quarto de motel, um velho rádio subitamente se aviva sozinho, e Fulano de Tal pode escutar as crianças mortas. A face de Bagul subitamente entra no enquadramento, e as luzes se apagam.
Ninguém esperava que a sequência de "A Entidade" superasse o antecessor, e o lançamento da nova aventura prova correta a assertiva. O original guarda o charme da descoberta, pois como pioneiro, introduziu o imaginário que envolve a figura do misterioso Bagul, e contou com a performance vencedora de Ethan Hawke. Filmado praticamente no espaço interior de uma casa onde aconteceu um tenebroso assassinato, a trama era trabalhada como um mistério investigativo imerso em horror, de sorte que você se sentia um voyeur enquanto o escritor interpretado por Hawke montava peças de um quebra-cabeça que apontava para a existência de um estranho demônio vinculado a fotografias e filmes. "A Entidade 2" move-se para fora de uma casa, a trama transitando entre cenários e situações diversas, nos mesmos moldes do salto entre os excelentes "Uma Noite de Crime" & "Uma Noite de Crime 2", apenas não consegue reproduzir a empolgação própria ao prazer da descoberta. "A Entidade 2" é excelente, apenas não emula o frescor do primeiro, que por mais limitado que fosse em termos de espaço (passava-se exclusivamente no interior e cercanias de uma propriedade), envolvia melhor do que a sequência.
Considerando que continuações tendem a ser péssimos filmes, "A Entidade 2" é uma amena brisa fresca, porque honra o padrão estabelecido pelo antecessor, embora não ofereça nada de concretamente inédito. Quando os produtores anunciaram planos para uma continuação, acreditei que explorariam a origem de Bagul, se divertiriam com a concepção de uma mitologia. Pouquíssimas continuações foram capazes de superar os originais, e de cabeça eu posso citar "Hellraiser 2 - Renascido das Trevas" & "Atividade Paranormal Marcados pelo Mal". Ambos partiram da premissa estabelecida pelos originais, porém ousaram esmiuçar melhor suas mitologias em nome da descoberta de novas linhas narrativas. "A Entidade 2" baseia-se numa trama interessante - mãe e filhos fugindo de um pai abusivo, a suscetibilidade de crianças ao assédio de forças sobrenaturais - mas não elucida as origens de Bagul, tampouco cria oportunidades para tão sinistra figura desenvolver um histórico, um passado, uma voz. Claro que para filmes de horror a superexposição reflete um imperdoável pecado, o beijo da morte, no entanto, deve-se chegar a um meio termo. Aqui em "A Entidade 2", Bagul mais parece fazer uma "participação especial", pois creio que seu tempo total diante das câmeras não ultrapasse a marca dos 5 minutos! Barker, o artista definitivo do século XX, não perdeu de vista o meio termo ao abordar os cenobitas no primeiro "Hellraiser". Sim, eles apontam escassamente, mas tais aparições encontram-se cadenciadas ao longo do tempo de projeção, e apesar de eu não ter me preocupado em pôr na ponta do lápis a duração, surgem bem mais do que parcos 5 minutos. Nesse diapasão, aproveitando a menção a "Hellraiser", andei pensando na função do menino Milo em "A Entidade 2". Exercendo uma liderança natural entre as demais crianças mortas, vem de Milo o assédio sobre as mentes sugestionáveis de Zach & Dylan, ao passo que Bagul, apesar de "dirigir a ação", apenas observa distante e nas sombras. Ora, em "Hellraiser", os cenobitas não podem ser tomados como vilões. Imparciais e indiferentes, eles surgem quando a configuração é manipulada corretamente, e submetem seus exploradores ao prazer, que diverge do conceito que nós humanos reservamos ao termo. Sabemos que é Julia a vilã mais atuante, aliás, a trama, um conto sobre amores não-correspondidos, fetichismo, sadomasoquismo, e as porções mais sombrias e inconfessáveis da psique feminina, é carregada pela talentosíssima Clare Higgins, que a suporta sobre os ombros. Não obstante os cenobitas aparecerem ao fundo, Julia comete os assassinatos a marteladas ali na frente, nos moldes do "Milo" de "A Entidade 2", plantando sugestões nocivas na cabeça dos meninos, particularmente na de Zach, ferramenta em potencial para o cometimento dos assassinatos, enquanto Bagul descansa ao fundo para observar a ação. A dinâmica entre vilões de escalas diferentes foi um interessante toque, afinal no primeiro os espíritos das crianças resumiam-se a meros observadores. Penso, no entanto, que foi um equívoco reduzir tão significantemente a participação de Bagul. "A Entidade 2" também deixou um gostinho azedo familiar a minha boca, um sabor que eu já provei depois de ver o ótimo, empolgante "Imagens do Além": a conclusão me pareceu "um pouco apressada". "Imagens do Além" cometia o mesmo pecado. Refilmagem do tailandês "Espíritos A Morte Está ao Lado", os produtores americanos sentiram que para garantir a salutar "tradução" das ideias originais para o mercado ocidental, precisavam deixar o tempo de projeção dentro de 80 minutos, o que praticamente obrigou o diretor a atropelar os eventos na perna final da trama. Não prejudicou a obra como um todo, ao menos não fatalmente, todavia para olhos mais treinados, a montagem fica "truncada". No caso de "A Entidade 2", após os eventos na fazenda, quando Fulano de Tal tira Courtney e Dylan da casa em chamas, parece que a turma não soube como concluir a aventura dentro dos poucos minutos restantes, e simplesmente atropelou cenas até o desfecho apressado. Após os eventos na fazenda, creio que no mínimo 10 minutos fariam um enorme bem ao conjunto, pois permitiriam que a trama se fechasse mais redondinha para os principais envolvidos. Após termos nos investido emocionalmente nos personagens, nós fãs merecíamos no mínimo uma satisfação.
Tendo discorrido sobre alguns reparos quanto ao filme, que é excelente, permitam-me tecer considerações sobre seus pontos mais sólidos. Todo mundo ama uma boa estória de fantasma. Escutar a uma estória assustadora de fantasma ao redor de uma fogueira quando criança é ainda melhor! Depois que crescemos, perdemos a capacidade de processar o mesmo friozinho na barriga, uma das muitas posses mágicas do "mundo de cá", da infância, que o tempo se encarrega de subtrair à medida que realizamos a transição para o "mundo de lá", o dos adultos. Eu me recordo do maravilhoso "El Espinazo del Diablo", de Guillermo del Toro. Em 2000, a consagração do cineasta ainda o aguardava alguns anos mais à frente, porém mesmo ali, em um filme menor espanhol, dava mostras de sua excepcional força visual e criativa. O filme revolvia um orfanato perdido no meio de um deserto escaldante durante o último ano da Guerra Civil Espanhola (tema que o diretor revisitaria em "O Labirinto do Fauno", em 2007), e seus protagonistas eram crianças, alheias à brutalidade que acontecia ao país e mesmo às relações viciadas e perturbadoras entre os adultos que comandam seu universo, o do orfanato. A bem-intencionada diretora Carmen mantém encontros sexuais com o servente Jacinto (que crescera no orfanato, o que nos leva a crer que Carmen o usa sexualmente desde o tempo em que Jacinto era criança, isso explicaria seu estado psicológico confuso e raivoso), Prof. Casares é secretamente apaixonado por Carmen, e por aí vai... as crianças comentam que o orfanato é assombrado pelo espírito de um menino chamado Santi, que desapareceu misteriosamente na noite em que uma bomba caiu bem no pátio do orfanato (e não detonou). A imagem surreal da cauda daquela bomba, pronunciada para o alto, encapsula as tensões que regem o orfanato: com a aproximação do exército do General Francisco Franco, o lugar mais se assemelha a uma bomba prestes a explodir. A sensibilidade lírica com que del Toro conduz essa empoeirada, nostálgica estória sobre fantasmas e a inocência da infância arruinada por toda espécie de subversão psicológica & sexual de adultos falíveis & diabólicos catapulta "El Espinazo del Diablo" ao panteão dos melhores filmes de fantasmas de todos os tempos, ali ao lado de "The Innocents" (1961), de Jack Clayton. Ciarán Foy, o diretor de "A Entidade 2" não exibe a mesma sensibilidade de del Toro no trato da infância, mas como poderíamos culpá-lo? Aqui, dirige a continuação para uma possível franquia, e Scott Derrickson, que comandou o primeiro, escreveu um roteiro que se move muito rapidamente; del Toro fez um filme de arte europeu, com ritmo & humores mais comuns ao Velho Mundo. Ademais, como trabalho solo, não havia expectativa alguma depositada sobre "El Espinazo del Diablo", de forma que o filme pôde desenvolver sua própria identidade. Por menos espaço e mais limitações que teve, ao menos, Foy incorporou as crianças à mitologia de Bagul, e fez um belo trabalho em dirigir os atores mirins nas cenas mais desgastantes.
James Ransone & Shannyn Sossamon protagonizam "A Entidade 2" como Fulano de Tal & Courtney. A atriz se sai bem no clássico papel da mãe em perigo lutando para manter os filhos unidos. Derrickson, o roteirista, encontrou uma forma de adicionar a já pesada trama o difícil tema do divórcio, da ruptura familiar, o que dá personalidade extra ao conjunto. James Ransone, uma contribuição maravilhosa ao primeiro filme, um ator que por mais reduzido que seja seu tempo de exposição alavanca toda obra com sua participação, retorna como protagonista, e com muita naturalidade transita entre o bom humor e o jeitão meio atrapalhado que o fizeram tão especial no anterior. Ransone, um excelente ator que aqui me lembra um jovem Christian Bale, carrega o filme nos ombros, e em cena exibe o carisma que lhe deve valer mais papéis como protagonista. Além de brilhante ator, Ransone é um herói na vida real: em 2006, salvou a vizinha de um estupro, quando escutou os gritos vindo do apartamento ao lado, pôs abaixo uma porta de vidro e acertou o estuprador com golpes de barra de ferro nas costas. A Polícia ficou tão admirada com seu heroísmo que tentou convencê-lo a se juntar à Força. Disseram que poderia ser ator de dia, e tira à noite! Semelhante curiosidade, que explicita a natureza heroica de alguém, sempre merece menção.
O grande charme do primeiro filme consistia na bizarra combinação de músicas esquisitíssimas a imagens de filmes granulados Super 8. Os homicídios perpetrados pelas crianças já eram suficientemente macabros, todavia a adição de melodias absolutamente horrorosas e melosas dava ao conjunto um ar satânico & surreal. Derrickson reconheceu o potencial do recurso, e criou para Foy uma série de segmentos onde ele pôde "se divertir" criando imagens em Super 8, inesquecíveis, pelas mais tétricas razões. É difícil explicar em palavras a inquietante sensação experimentada uma vez que assistimos às intromissões do Super 8. A coisa mais próxima que eu poderia citar seriam os vídeos de um cavalheiro chamado Chris Hanson, no Youtube. Ele pôs vídeos sobre crimes reais ocorridos no curso dos anos 60 & 70, e adicionou melodias assustadoras a imagens já memoráveis, criando um sentimento de "vintage footage" que fará seus cabelos da nuca eriçarem. Salvo engano, os vídeos podem ser facilmente encontrados através de uma busca no Youtube pelas palavras chaves, tipo "Chris Hanson" e "True Crime". Como os vídeos já datam de muitos anos atrás, os mais recentes colocados há 4 anos, pergunto-me se o diretor Scott Derrickson teria se inspirado nos mesmos para escrever o primeiro "A Entidade"!
O roteiro pode não inovar, não criar novos parâmetros para filmes de terror, todavia apanha o que havia de melhor no anterior, recicla os sustos, e os aproveita em uma trama que comunga o típico thriller investigativo (através do trabalho de Fulano de Tal e sua busca pela fazenda onde ocorreu a chacina) com drama familiar (Courtney fazendo o melhor para cuidar dos filhos, um deles sensitivo, durante o período de maior vulnerabilidade de sua vida, a separação de um marido abusivo e ciumento). Se um dos grandes charmes do original era juntar ao lado de Ethan Hawke as peças do quebra-cabeças, de modo a descobrir um quadro aterrorizante no último minuto (quando os Oswalt são mortos pela filha caçula), não podemos realmente culpar o novo diretor por não conseguir oferecer a mesma atmosfera de antecipação intimista & esquisita que caracteriza o original. Quem apreciou o primeiro, gostará muito da segunda parte. A julgar pelo sucesso de bilheteria (o filme custou U$ 10.000.000,00 e gerou U$ 63.000.000,00), em breve teremos um terceiro capítulo. Minha sugestão? Focar nas origens do demônio. Até lá, o grande trunfo da franquia, os vídeos em Super 8, poderá dar sinais de cansaço. Um truque funciona até um determinado ponto, e depois... o terceiro filme precisa nos apresentar algo inédito e criar uma mitologia. A minha sugestão seria a de que o time criativo assistisse ao primeiro "Hellraiser" e depois ao segundo, "Hellraiser 2 Renascido das Trevas": eis a fórmula para criar uma mitologia sem agredir o original, buscar coisas inéditas, mas a partir do olhar para dentro da mitologia.
Amigos, um Feliz Natal & Próspero Ano Novo. Espero neste ano de 2016 publicar o meu romance "Valsa na Escuridão" (um dos 3 roteiros que eu escrevi) neste blog. A demora se deve ao trabalho de revisão (o original é extenso, com mais de 1.100 páginas só no processador do Word, em fonte Times New Roman, "10"), e à adição de um novo e último capítulo. De todos os roteiros, é o meu preferido, pois foi um trabalho que começou em 2002, o que tornou seus personagens, ao menos na minha cabeça, muito reais para mim. Paralelamente, sempre revisito os dois roteiros anteriores, "Nenhum Passo em Falso" & "Nosebleed", para fazer pequenas edições, nada muito especial - melhorar o Português, adicionar uma ou outra coisa. Também venho dedicando a mesma atenção às resenhas mais velhas, dei uma polida em "Hellraiser", "w Delta z"... a maioria, eu diria. Vim a descobrir os incalculáveis benefícios que escrever um blog fez por mim. O blog te obriga a melhorar em todos os sentidos: expressar-se melhor, compreender o mundo melhor. Dia desses, um amigo foi muito gracioso ao elogiar uma determinada resenha. Eu lhe disse, e com honestidade, que qualquer pessoa faria muito, muito melhor, basta querer. São suficientes a prática, a paixão e, mais do que nunca, a humildade. Você escreve e tenta fazer o melhor. Você vê que errou, e tenta novamente e erra... e eventualmente você acerta. Eu me lembro de algo que Sylvester Stallone disse em uma entrevista. Aproximadamente em 2005, ele apresentou esse reality show chamado "The Contender", onde pugilistas de diversas alçadas da vida lutavam em um campeonato de boxe para chegar a aquele que teria a chance de disputar um grande título em Las Vegas. Eu me recordo que naquele ano em particular, um brilhante boxeador chamado Sérgio Mora levou o grande prêmio. De toda sorte, em uma entrevista com o ator, lhe perguntaram se no seu entendimento Sérgio Mora "era o Rocky". Sylvester Stallone deu uma resposta inteligentíssima. Stallone disse que não, Sérgio Mora não era o Rocky, quem era o Rocky era um outro cara, um rapaz chamado Peter Manfredo. No reality, Manfredo não conseguira se qualificar: ele se esforçou, mas perdeu, e deixou o reality show. Por força da desistência de um outro participante, teve a oportunidade de regressar, e tentar novamente. Ele perseverou, tentou duramente, fez um esforço nobre & galante, e ao final perdeu para o Mora. Manfredo não era o cara que vencera ao final, no entanto era quem perseverara. "Mora não é o Rocky, o Manfredo é o Rocky, porque ele tenta, ele cai, e se levanta novamente". Jamais me esqueci disso, guardei na minha cabeça. Determinei que aplicaria o aprendizado na minha vida pessoal. Quem revisita os meus artigos provavelmente já deve ter notado paulatinas diferenças. Além do projeto de publicar "Valsa na Escuridão" até meados de 2016 em 15 postagens (cada postagem um capítulo), se eu encontrar tempo, adorarei apanhar "Nenhum Passo em Falso" & "Nosebleed" e torná-los romances ainda maiores. Eu os amo muito, todavia ao lê-los sempre penso "Rapaz, por que não pensei nisso ou aquilo...". Por ora, dedico-me a revisar "Uma Valsa na Escuridão" a tempo de publicá-lo antes de 2017. Quem sabe eu consiga? Eu sou um homem cheio de surpresas. E a melhor delas, eu reservei para o final.