sábado, 31 de agosto de 2013

Invocação do Mal ("The Conjuring", 2013, James Wan) - Filmes de horror não ficam mais excitantes do que este!Não percam!


Invocação do Mal reconstitui o verídico e apavorante caso da família Perron, revisitando o período quando foi implacavelmente assediada por espíritos na casa de campo onde havia ido morar em Rhode Island. A assombração era causada, acredita-se, por uma mulher que existiu no século XIX, esposa de um rico fazendeiro dono do lugar, executada sob a acusação de bruxaria. Não apenas a família Perron como também os proprietários anteriores tiveram fins terríveis O filme abre em 1970, com um caso prévio. Lorraine & Ed Warren (Vera Farmiga & Patrick Wilson) são um casal de intrépidos e astutos investigadores de atividade paranormal desde os anos 50, e que, ao longo de suas carreiras, analisaram cerca de 4.000 assombrações, entre elas as mais notórias. Os Warren estão atendendo a clientes - duas enfermeiras e o noivo de uma delas - que acreditam que o espírito de uma garotinha habita o apartamento onde vivem. Consoante as enfermeiras, Donna & Angie, tudo começou quando uma delas ganhou da mãe uma boneca de pano muito bonita chamada Annabelle. Não demorou a que pequenas manifestações chamassem a atenção do trio, que inicialmente não levou a situação a sério. Diz uma das moças que há aproximadamente um ano, a boneca começou a se "locomover" dentro do apartamento, sem que ninguém estivesse presente para testemunhar o inusitado. As moças saiam para o trabalho ou para um passeio, e quando retornavam, encontravam-na em uma posição ligeiramente diferente de como a haviam deixado: se as tinham deixado com as pernas e os bracinhos esticados, ao retornar, encontravam-na com as pernas cruzadas, por exemplo, ou os braços à frente das pernas, sobre os joelhos. Algum tempo depois, à medida que a esquisita situação foi se tornando mais frequente, a atenção das enfermeiras focou-se sobre a boneca. Logo, as manifestações se tornaram mais significantes, pois Annabelle não se limitava mais a fazer poses enquanto as suas donas estavam fora. Annabelle passou a trocar de cômodos, de quartos. Uma noite, depois de um dia de trabalho, as amigas a encontraram sentada na cadeira da sala.

O que começou estranho se tornou surreal quando além de encontrarem a boneca sentada nos lugares mais inesperados, a mesma passou a lhes deixar "recados", notas escritas a lápis de cera, que diziam "Ajudem-nos". Assustadas, as enfermeiras investigaram a natureza do material encontrado - papel, tipo de lápis - e reviraram a casa. Não encontraram lápis de cera algum, tampouco papel de mesma origem. Ed pergunta se as moças consideraram a possibilidade de alguém que tinha acesso ao imóvel vir lhes pregando uma peça, porém elas explicam que, tendo ponderado a mesma possibilidade, haviam colocado marcas nas portas e janelas, para que no evento da entrada de estranhos, a sua passagem não passasse desapercebida. Nunca tinham encontrado sinal algum de invasão. Nas vésperas do Natal, o trio encontrou uma barra de chocolate materializada próxima ao som, sendo que ninguém a havia comprado, o que os levou a crer que se tratou de um "presente" da boneca. Uma médium foi contatada, aproximadamente um mês após o início das manifestações. As moças também realizaram o levantamento da história da residência. Com a ajuda da médium, concluíram que o espírito de uma menina chamada Annabelle Higgins, que quando em vida costumava brincar na região, antes que os blocos dos prédios fossem levantados, e que morrera prematuramente aos sete anos de idade, era o que estava se manifestando através da boneca de pano. Tudo o que queria, acreditava a médium, era ser amada por uma "família",e que acreditou que se se movesse pelo apartamento, eventualmente os moradores dariam pela sua presença. Sensibilizadas, as enfermeiras autorizaram a médium a que invocasse o espírito de Annabelle "para dentro" da boneca de pano, de modo que assim, o espírito jamais se sentisse sozinho novamente. Ao escutar esta parte, Ed intervém e lhes dá uma reprimenda pela conduta irresponsável: ele recapitula toda a narrativa, e abre os seus olhos ao fato de terem acreditado em absolutamente tudo o que o "espírito" lhes contara, sendo que jamais tinham visto o espírito da garotinha. Ele ainda insiste na questão da materialização da barra de chocolate, e avisa que espíritos não são capazes de semelhantes feitos. Diz que cometeram um erro ao dar à boneca tanto crédito, a acreditar incondicionalmente em sua palavra. Ademais, o namorado de uma das moças conta que desde que trouxeram a boneca para dentro do apartamento, sofre de pesadelos horríveis todas as noites, tendo chegado ao ponto de passar por uma inesquecível experiência, quando sofreu da notória "paralisia do sono", quando se está acordado, mas não se consegue mover o corpo. Ele explica que quando sofreu de "paralisia do sono", enxergou a boneca subindo na cama e na altura de seu peito, para estrangulá-lo.

As garotas se defendem, afirmando que o que fizeram foi porque tinham se sensibilizado com a história triste da garotinha, porém os Warren abrem o jogo e revelam a dura verdade: o que vem prejudicando as suas vidas não é o espírito de uma menina, mas uma entidade demoníaca. Ed lhes explica que espíritos não "possuem" coisas, apenas pessoas. Espíritos tampouco guardam a força para provocar os fenômenos mais inusitados observados, tais como a materialização da barra de chocolate ou as notas escritas a lápis de cera. Quando o trio se sensibilizou com a mentira contada pelo demônio e o convidou a habitar a boneca, eles deram à entidade justamente o que mais precisava, para se tornar mais forte e atuante: atenção, crédito. Para a resolução da questão, os Warren recomendam que um padre experiente em exorcismos abençoe a casa e afaste o Mal a tempo, e é isso que as amigas fazem, com a ajuda dos investigadores. Depois que um padre, amigo dos Warren,realiza o exorcismo e abençoa o apartamento, o trio se vê livre da influência nefasta do demônio. A boneca é levada e mantida no sótão da residência dos Warren, utilizado como depósito seguro para todos os objetos que fizeram parte de suas investigações e hoje precisam ser guardados em um lugar fora do alcance das demais pessoas. A sequência inicial serve para nos apresentar os protagonistas - o casal Warren - e a sua linha de trabalho.

É inverno de 1970. Decididos a mudar-se da cidade grande para um lugar mais afastado e pacato, Roger & Carolyn Perron (Ron Livingston & Lily Taylor) adquirem uma bela e espaçosa propriedade, erguida no século XIX, à margem de um grande lago, em Harrisville, Rhode Island. Há muitos quartos para as cinco filhas, e quando ali chegam para a mudança, a atmosfera é de expectativa e festa. Logo na chegada, todavia, um incidente menor aponta os maus tempos por vir: os desavisados Perron entram em algazarra e felicidade, porém a cadelinha, Sadie, recusa-se a pôr as patas dentro de casa, e fica chorando no alpendre. Sob uma enorme árvore, ali nas imediações, uma das menininhas, chamada April, encontra uma caixinha musical muito antiga, e resolve guardá-la.A casa tem um porão muito sombrio, que guarda um velho piano, entre outras coisas muito antigas. Durante a primeira noite, Sadie fica latindo do lado de fora, recusando-se a entrar.No segundo dia, Carolyn acorda com manchas roxas na perna. Uma das filhas, a mais velha, reclama de um esquisito odor no seu quarto, na noite anterior, porém como parece ter sumido, a mãe não dá muita importância à queixa. Carolyn encontra o marido fazendo pequenos trabalhos de manutenção no porão. Ele está tentando consertar o aquecedor, e pensa em se livrar dos entulhos deixados no lugar. Carolyn está preparando o café da manhã da família, quando escuta a filha chorando. Infelizmente, a família encontra a cachorrinha morta, sem razão aparente, do lado de fora.

O diretor corta para os Warren. Ed está conversando com um repórter, que lhe indaga sobre as suas investigações. Ele conduz a entrevista no "museu" onde o casal guarda os artefatos oriundos dos diferentes casos. O repórter fica intrigado com o material. O lugar, que parece uma oficina, é mesmo assustador. Ed o alerta a não tocar nos artefatos, e o visitante lhe pergunta por que não os joga fora ou os queima. Ed responde que se assim o fizesse, estaria apenas destruindo o "veículo" das entidades associadas aos objetos, não as entidades em si, e que, às vezes, era "melhor deixar o gênio preso à garrafa". O repórter diz que gostaria de saber mais sobre a boneca Annabelle. Ed o leva a uma vitrine por meio da qual é possível enxergar a famosa boneca. Ele conta que o brinquedo era o "meio condutor" para um poderoso demônio. Ed é questionado sobre se não tem medo de conservar todas aquelas coisas, tão próximas, e revela que um padre sempre os visita mensalmente, para abençoar os artefatos e desejar paz às entidades vinculadas aos mesmos.

Na casa da família Perron, os fenômenos inexplicáveis escalam. Uma das garotinhas tem o pé puxado para fora da cama. Ela reclama para a irmã, que jura não ser a responsável, e o questionamento termina aí. Roger, que acabou cochilando no gabinete, é acordado por muitas batidas, que parecem vir das paredes. Ao investigar, encontra a filha adolescente, Andrea, na escada. Ela lhe avisa que a irmã Cindy está passando por mais um episódio de sonambulismo, batendo vagarosamente a testa na porta do armário. O pai delicadamente a devolve para a cama, e Andrea lhe confidencia que nunca viu a irmã ter episódios tão recorrentes. Na manhã seguinte, Roger & Carolyn estão conversando sobre o ocorrido, e o rapaz dá pelo surgimento de novas manchas arroxeadas pelo corpo da mulher. Ele pede para que procure um médico, e ela concorda.A mãe deixa as quatro filhas no ponto da estradinha onde passa o ônibus escolar, e depois que as meninas partem, vai ficar com a mais nova. Ao procurar pela filha, encontra-a falando sozinha com um "amigo imaginário". A garotinha conta a mãe que o seu amigo se chama Rory e que pode vê-lo sempre que dá corda à caixa musical. Naquela manhã, Carolyn terá a primeira experiência que a levará a crer que a casa está definitivamente assombrada por forças cuja natureza não consegue vislumbrar.A garotinha convida a mãe a participar do "jogo das palmas". Ela vai vendar a mãe e se esconder, e Carolyn tentará encontrar o seu esconderijo com os olhos vendados. Quando achar que está próxima da filha, deverá dizer "Palmas", que a menininha terá que obedecer, revelando a sua localização. A brincadeira começa, e a menininha vai batendo palmas, conduzindo a mãe pelos corredores e cômodos. Ela vai parar em um quarto onde há um velho armário. As portas lentamente se abrem,e Carolyn pensa que finalmente encontrou a filha. "Palmas", ela exclama, e dois braços femininos e adultos pronunciam-se dos vestidos pendurados, para aplaudir. Carolyn se aproxima do armário, para "apanhar a filha", mas dá de cara com vestidos pendurados e nada mais. Ela questiona a filha, que responde que sequer entrou no quarto. Carolyn se convence que a casa está assombrada.

O negócio de Roger revolve transporte de carga, ele é caminhoneiro. Os negócios não vão bem, e Roger tem de aceitar as propostas que aparecem, vez que precisa quitar o pagamento da propriedade com o banco. Roger precisará passar duas semanas fora, para um trabalho na Flórida.Naquela noite, a garotinha Christine, que se queixara de ter os pés puxados à noite, é quase arrancada, pela canela, da cama. Ela acorda sobressaltada, e cisma que há uma presença ao pé da porta. Christine acorda a irmã com quem divide o quarto, e aos prantos, diz que há uma entidade presente, à porta. Nancy se levanta, examina a porta, diz que não há ninguém na passagem, porém repentinamente a porta se fecha com toda a força. Os gritos das duas acordam o restante da família.Pai e mãe despertam e em um salto estão no quarto das filhas, pedindo para que se acalmem, perguntando o que está acontecendo. Logo, as outras também chegam. Christine insiste que havia alguém puxando a sua perna. Ela diz que o espírito também sussurra coisas ruins em seu ouvido e que deseja a sua família morta.

Roger precisa fazer a viagem para a Flórida, e enquanto está fora, a delicada situação se agrava. Aqui, vem o meu momento preferido do filme. As meninas já estão na cama e, sozinha em seu quarto, Carolyn está tomando os remédios receitados pelo médico. Ela observa os enormes hematomas, e em seu rosto há uma expressão de angústia e temor. O rádio de pilhas está estalando um antigo single romântico de 1959 cantado por Bette Anne Steele, Sleep Walk. Há uma atmosfera de quietude que mais se assemelha ao silêncio que precede a tempestade. Realmente, acontecimentos assustadores vão se dar dentro de alguns minutos, todavia é esse instante - Carolyn engolindo os comprimidos, abrindo discretamente o "V" da gola para examinar as manchas roxas - o que mais conectou o sentimento de frustração, desesperança e tensão, que àquela altura já começava a se amontoar sobre os ombros dos Perron. Carolyn desliga o rádio, e assim que o faz, escuta palmas. O breu toma conta da casa, as meninas já estão dormindo, e no entanto, repentinamente, os retratos emoldurados da família, pendurados na escada, vão abaixo em estardalhaço. As palmas continuam, oriundas do porão. A porta se abre, rangendo ao movimento, como se a estivesse convidando. A mãe chega ao topo das escadas do porão e exclama que seja quem for que esteja pregando a peça,fechará a porta e o trancará. A porta violentamente se fecha sozinha, batendo nas costas de Carolyn e a jogando escada abaixo. Carolyn se vê sozinha dentro do abandonado, assustador porão, onde só há quinquilharias. Há uma precária lâmpada que oferece alguma iluminação. Quando uma bola de tênis subitamente "salta" do meio dos móveis velhos, como se alguém a estivesse gentilmente convidando a jogar, ela entra em pânico e corre. Ao mesmo tempo, a lâmpada morre, sem esperanças de avivar. Carolyn bate à porta, lutando para abri-la, sem sucesso. Risca um fósforo, para procurar enxergar o que há ali embaixo, quando uma voz feminina lhe pergunta "Gostaria de brincar de palma esconde?". Em seguida, duas mãos femininas aparecem sobre os ombros da dona de casa e batem palmas. Carolyn começa a gritar e esmurrar freneticamente a porta, suplicando para que alguém a tire dali.

No quarto das meninas, Cindy continua manifestando sonambulismo, batendo vagarosa e insistentemente a testa contra a porta do armário, em transe. Andrea acorda e vai buscá-la. Gentilmente, devolve-a à cama, e quando se prepara para ir deitar, ao olhar para cima do armário, enxerga claramente uma mulher agachada, com um insano, malicioso sorriso desenhado na cara demoníaca, observando-as. As meninas começam a gritar, cheias de horror. Roger, que estava voltando de viagem naquele momento, corre para dentro, liberta a mulher do porão, e os dois sobem para socorrer as meninas. Ali, as encontram debatendo-se e gritando, mas nenhum sinal da misteriosa mulher.

O filme corta para uma palestra dos Warren, no auditório da universidade, exibindo imagens de um caso onde um homem foi possuído por um demônio e precisou de um exorcismo para ter a alma salva. Ed ensina para a plateia que há três estágios para o assédio demoníaco: infestação, opressão e possessão.Tudo começa com a infestação, quando a pessoa escuta passos, barulhos, sente respirações, a presença de uma força invisível. A infestação evolui para a opressão, quando a entidade assedia a vítima mais psicologicamente vulnerável e passa a agredi-la fisicamente, justamente para "quebrar" o seu espírito. O estágio final, possessão, geralmente termina em tragédia e morte. Carolyn, que atende a palestra, sentada em uma cadeira distante, assiste a tudo com muita angústia no coração. Ela consegue abordar os Warren no estacionamento, e contar que a sua família está sendo vítima de um caso semelhante ao lecionado pelos investigadores. Sensibilizados com o desespero de Carolyn, os Warren decidem fazer uma visita, uma investigação preliminar.

Os Warren chegam à casa dos Perron, em Rhode Island, e são recebidos pelos preocupados Roger & Carolyn. Lorraine é gentil e cordial com o casal, porém em seu rosto há a expressão de incômodo e tensão. A mesma expressão nervosa se desenha quando vai cumprimentar as meninas da família Perron. Ed & Lorraine fazem a exploração preliminar. O mau cheiro que permeia o ar é um sinal da presença demoníaca, diz Ed. Roger revela outro interessante detalhe: as batidas nas paredes sempre vêm em três, e somente vão parar na madrugada. Segundo Ed, o fenômeno é uma espécie de insulto do demônio à Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. No porão, o local onde as aparições mais violentas acontecem, Lorraine tem um forte insight. Perguntada pelo marido se se sente bem, ela lhe diz que algo definitivamente terrível aconteceu na casa, no passado. À mesa da cozinha, para a entrevista com os clientes, os Warren acionam o gravador, para não deixar que detalhes frescos escapem da sua análise posterior. Roger investiu todo o dinheiro na casa de lago, de modo que, para todos os efeitos, os Perron não têm para onde ir, estão presos ao terreno. Enquanto os pais narram como as coisas chegaram a aquele ponto, Lorraine vai conversar com a filha mais jovem dos Perron. Ela quer saber sobre Rory, o "amigo invisível", e a garotinha lhe dá a caixa de música, para que contate o "amigo". Olhando para o espelho da caixinha, Lorraine enxerga, muito timidamente, um menininho de pé, metido em um paletozinho. Ao olhar para trás, não encontra mais o espírito. Nas cercanias da casa, Lorraine novamente não se sente bem. Algo na enorme árvore parece atrai-la. Passeando pelo terreno, Lorraine se distrai, e quando o marido a chama e ela se vira para atendê-lo, enxerga  um corpo em decomposição enforcado na árvore.

Ao chegar para a visita, Lorraine parecia aflita. À mesa, ela explica à família Perron por que lhes deu a impressão. Já ao chegar, enxergou uma sombra escura, atrás do casal, e novamente na sala, acompanhando as meninas. Mudar de casa não iria ajudá-los, pois a entidade se apegou aos Perron, e agora se alimenta de seu sofrimento. "Ser assombrado é como pisar em chiclete, você leva contigo", compara Ed. O fato é que a propriedade está infestada de espíritos, e alguns deles estão cheios de rancor. A linha de ação a ser adotada deve ser a mais drástica. Os Perron precisam de um exorcismo autorizado pela Igreja Católica, pois somente o ritual poderá purificar a propriedade e livrá-la de tanta má energia. A aprovação da Igreja é a parte difícil, porque está condicionada às provas que os Warren procurarão apresentar. Antes de prepararem as malas para a casa de campo, para a mais delicada missão de suas vidas, os Warren fazem um levantamento do passado da região. A casa foi construída em 1863 por um latifundiário rico, casado com uma mulher chamada Bathsheba. Ela era prima de uma das bruxas originais mandadas à fogueira em Salém, e também mexia com o oculto. Bathsheba engravidou, e quando o bebezinho tinha apenas sete dias de vida, sacrificou-o, como prova de seu amor pelo Diabo. Após clamar a sua devoção às forças das trevas, enforcou-se na enorme árvore que perdura nas cercanias, onde Lorraine teve a vívida visão. Ela morreu às 03:07 da manhã, o que confere com o fato de todos os relógios da casa terem deixado de funcionar no mesmo horário. Depois da tragédia, as famílias que vieram a habitar a região sofreram tragédias irreparáveis, tais como a de um menininho que se afogou no lago (o espírito que Lorraine enxergou pelo espelho da caixinha de música). Quando Ed toca a fita onde registrou a conversa com os Perron, escuta apenas o rumor semelhante ao grunhido de um monstro e, ao fundo, gemidos de pessoas, possivelmente os espíritos de toda aquela gente morta na propriedade.

Os Warren retornam para a casa da família Perron, com dois assistentes e o apoio de um cético policial. Os investigadores levam os equipamentos necessários à coleta e análise de evidências da assombração, para conseguir a aprovação da Igreja Católica. Câmeras e termostatos são instalados nos principais pontos. Durante a primeira noite, a entidade não chega a se manifestar. Fora uma porta que se fecha violentamente, as manifestações não chegam a se fazer perceber. A chegada do grupo traz alguma paz à atormentada família. Durante o café da manhã, pela primeira vez em muito tempo, a dinâmica entre os Perron e os visitantes é de uma família unida e animada. As meninas dividem a mesa com os técnicos, os Warren ajudam os Perron a preparar ovos e  panquecas. Os ânimos estão melhores, há uma luz no fim do túnel. Lorraine pede a Carolyn que vá descansar, pois se encarregará de ficar de olho nas crianças, com Ed. Os Warren têm um pacato, doce momento, quando Lorraine vai estender os lençóis no varal e Ed se aproxima para conversar. Lorraine diz que os Perron formam uma linda família e que realmente gostaria de ajudá-los. Ed brinca e diz que começará a ajudar, consertando um automóvel antigo que Roger adorava, porém mantinha na garagem acumulando poeira, porque não sabia consertar o motor!

Sozinha no varal, ocorre a Lorraine um súbito presságio. A força da ventania arranca um dos lençóis do varal, e por um breve momento, o mesmo parece bailar no ar, ganhando a forma de uma pessoa. O lençol é então arrastado em direção à fachada da casa, e por alguma razão, Lorraine sente que Carolyn está em perigo. De fato, naquele exato momento, o demônio está assediando Carolyn, que está passando pela terceira e última fase do assédio demoníaco, a possessão. De fato, quando Lorraine chega ao quarto para conversar com a dona de casa, Carolyn dá com os ombros e diz que está tudo em ordem. Lorraine, todavia, sabe melhor, e a sua perspicácia lhe aponta que a mulher já está sob a influência do demônio. Em um outro lugar da propriedade, Roger chega à garagem para agradecer a Ed por tudo o que está fazendo pela família. O investigador está gentilmente reparando o motor do carro de Roger. O rapaz disse que sempre foi muito cético, mas os últimos acontecimentos têm mudado as suas convicções pessoais.Ed fica feliz pela sua gratidão, todavia destaca que o crédito cabe a Lorraine. Segundo o investigador, todas as vezes em que Lorraine se lança a um novo caso, ela o faz de corpo e alma, e portanto quando vê, sente ou toca o sobrenatural, embora ajude as pessoas perseguidas, também leva um pouco do mal consigo. Ele fala sobre o último e traumático caso da dupla, que também envolveu exorcismo. Durante o exorcismo, Lorraine aparentemente viu algo que ninguém mais percebeu, e que a perturbou a ponto de deixá-la sem comer ou conversar por oito dias, que quase custaram a sua vida. Desde então, Ed tem se preocupado muito sempre que a leva consigo, temeroso de que ela tenha uma recaída.

É noite, e quase todos estão reunidos na sala de estar. Na cozinha, só restaram o policial e um dos técnicos do time dos Warren. Ao olhar pela janela que dá para o alpendre (a região fica realmente assustadora à noite, principalmente por causa das árvores que circundam a casa), o policial tem a impressão de uma voz feminina lhe sussurrando "olhe o que você me obrigou a fazer". Ele ainda examina o alpendre, mas nada encontra. É quando retorna para a cozinha que uma estranha mulher avança sobre ele e agora repete, aos gritos, "olhe o que você me obrigou a fazer". O policial grita e tropeça, fazendo muito estardalhaço. Os Warren e os Perron chegam para socorrê-lo, e o policial conta sobre a mulher que acabou de enxergar. Naquele ínterim, de um outro corredor, a máquina fotográfica previamente instalada pelos técnicos dispara: é a garotinha sonâmbula, Cindy. O fato de as lentes acionarem, todavia, sinalizam que ela está na companhia de alguma força invisível. Os Warren e os Perron a acompanham a uma certa distância, para ver o que acontece, e quando a menininha passa para o quarto, a porta é subitamente fechada, isolando-a dos pais. Lorraine e o seu assistente conseguem escutar ao que está acontecendo dentro do cômodo, por causa dos aparatos que haviam deixado preparados. Ela escuta claramente a uma voz afirmando para a criança "Siga-me, por aqui, este é meu esconderijo". Perron e Ed põem a porta abaixo, mas não há sinal da menina. As janelas estão fechadas, o que implica que ela não deixou a casa. Fazendo uso de um bastão estilo "glow stick", Ed descobre uma passagem secreta existente na parte inferior do armário, e conforme esperava, dá com a garotinha, encolhida dentro do esconderijo. Todos respiram mais aliviados. 

Por trás do esconderijo, há uma passagem secreta, e Lorraine resolve entrar para investigar. Agachada, explorando os estreitos corredores, encontra um grosso pedaço de corda. Desatenta, ela pisa em falso em uma tábua podre, e acaba despencando, pelas desconhecidas passagens secretas. Lorraine se vê no assustador porão, e dando corda à caixinha musical, enxerga, pelo espelho do brinquedo, uma estranha mulher chorosa dizendo "ela me obrigou a fazer isso". Ela compreende que está vendo o espírito de uma inocente ex-proprietária, vítima da maldição da bruxa, que sob a sugestão de Bathsheba, entrou em depressão, afogou o filho e depois se enforcou. O lugar é um antro de energia negativa, de espíritos de pessoas que em vida foram muito infelizes, vítimas da maldade da bruxa, a responsável por toda forma de desgraça que se abate sobre o terreno e os desavisados que ali vão morar. Os gritos de Lorraine levam o grupo ao sótão. Eles chutam a porta e a salvam do esconderijo. Lorraine acredita que a entidade está agindo sobre Carolyn da mesma maneira que o fez sobre os moradores no passado. A entidade está se insinuando, preparando-se para possui-la, daí as manchas roxas que aparecem em seus braços e pernas. Naquele exato momento, uma das meninas, Nancy, é arrancada do chão, pelos cabelos, por uma poderosa força invisível, e arremessada por todos os cantos da sala. Roger consegue gravar a manifestação, que servirá de inequívoca prova para que a Igreja Católica autorize imediatamente a realização do exorcismo.

Tamanha a força da bruxa, agora a sua energia malévola também começa a ameaçar os Warren. Ao caminhar pelo píer, sobre o lago da propriedade, Lorraine tem a perturbadora visão do corpo da filha boiando. Assustada, ela liga para casa, e felizmente a mãe conta que a menina está bem. Apesar do susto, os Warrren concluem que agora estão na mesma posição dos Perron, ou seja, também são alvos do assédio da bruxa Bathsheba.Os Perron são removidos da propriedade, e acomodados em um motel de beira de estrada, até que as coisas se acalmem. Ed e Lorraine levam ao padre os rolos de filme que comprovam as atividades paranormais. O sacerdote fica realmente impressionado com o que vê, porém teme que o fato de as meninas da família Perron não serem batizadas cause algum entrave quando o processo chegar ao Vaticano. Infelizmente, o trâmite promete ser longo, e os Perron não têm muito tempo. Comovido pelo apelo dos Warren, o padre percebe que as circunstâncias exigem escolhas corajosas, e decide realizar pessoalmente o exorcismo.Na casa dos Warren, o Mal que existe na propriedade dos Perron parece ter acompanhado os investigadores, e será a filha Georgiana quem experimentará o rancor da bruxa. A garotinha acorda em uma noite chuvosa, depois de sentir o pé puxado, basicamente o mesmo que aconteceu às meninas da família Perron. Os pais não estão em casa, e a avó está dormindo no quarto ao lado. A garotinha encontra o espírito da bruxa Bathsheba, sentado na cadeira de balanço, com a boneca Annabelle (oriunda do caso que abriu o filme), e quase é mortalmente ferida, mas os pais chegam e a arrancam da sala a tempo de tirá-la da trajetória da cadeira de balanço, que é violentamente arremessada contra a parede. 

No motel, as coisas também não vão bem para os Perron. Roger encontra as meninas aos gritos, no estacionamento, e pergunta o quê aconteceu. Carolyn pegou Christine e April, apanhou o automóvel e sumiu. Os Warren recebem o telefonema, e Lorraine deduz que Carolyn só pode ter retornado para a casa, pois está possuída e provavelmente tentará sacrificar as meninas. Ed pega as chaves, e quando Lorraine se oferece para acompanhá-lo, ele recusa a oferta. Ed a ama muito, e não pode arriscar perdê-la, principalmente levando em conta as sequelas do último exorcismo, que quase custaram a sua vida. Lorraine, porém, acredita que precisa enfrentar mais essa batalha, pois combater as forças do Mal parece a sua única e verdadeira natureza. Relutante, e tocado pela coragem da esposa, Ed acaba por concordar, e juntos, partem para o confronto final. Àquela altura, carros de polícia também já se puseram a caminho da propriedade dos Perron.Carolyn está com uma tesoura na mão, preparada para enfiá-la no pescoço de Christine, quando a turma chega e consegue segurá-la. Eles procuram por April, mas a garotinha não está por ali. Quando estão arrastando Carolyn para fora da casa, Lorraine nota que os seus braços e rosto começam a queimar. Eles não podem tirá-la da propriedade e levá-la para o exorcismo na Igreja, pois se a removerem, a Bruxa a matará. Assim, o pessoal leva Carolyn para o sótão e depois de muita luta, consegue dominá-la. Carolyn é coberta por um lençol e amarrada a uma cadeira. Ed chama a atenção dos demais, para que tratem de trazer o padre imediatamente, mas Lorraine os força a encarar as circunstâncias: do jeito que Carolyn está, não há tempo para ir buscar o sacerdote. Ed conclui que terá de realizar pessoalmente o arriscadíssimo exorcismo. Por um momento, o investigador parece relutar, mas os seus amigos o asseguram de que ele tem a capacidade para tanto. Ed pede para que Lorraine se retire. Tudo o que quer é tirá-la da linha de fogo, poupá-la do combate, mas Lorraine é uma mulher valente e honrada, e da mesma maneira que o veio apoiando com carinho e dedicação ao longo de todos aqueles anos, não deixará o homem a quem ama se ver entregue à própria sorte, naquele que promete ser o maior desafio de todos. Os dois ficarão juntos até o final. "Eu não vou te deixar!", Lorraine promete. Enquanto o drama se desenrola, o assistente dos Warren vasculha os quartos e grita por April.

O exorcismo tem início, e a casa se torna um verdadeiro palco de guerra entre o Bem e o Mal. É como se toda a propriedade começasse a tremer, face à envergadura do confronto. Fortalecido pelo coro dos demais presentes, os Warren entoam a oração da libertação, e invocam a proteção do Arcanjo São Miguel. O demônio contra ataca, enviando gralhas que se arremessam furiosamente contra as janelas. A entidade suspende Carolyn no ar, e ao levá-la à altura, a põe de ponta cabeça. Quando Carolyn cai e arrebenta a cadeira, ela perde o lençol que a cobria. Roger a segura, e todos ficam chocados com as feições do outrora belo rosto da mulher, agora modificado com um sorriso satânico de escárnio. Um pesado armário move-se sozinho, e por um triz não despenca sobre Ed, que consegue rolar para fora da zona de impacto. O demônio faz uma espingarda cair, e com a queda, disparar: por pouco, o disparo não atinge a Roger.

O assistente consegue encontrar April. De alguma maneira, a menininha havia ido parar sob o piso da cozinha, através dos túneis secretos. Assim que a possuída Carolyn escuta o rapaz anunciando, da cozinha, que encontrou a garotinha, apanha uma faca e parte para dentro do túnel, com o intento de executá-la e desgraçar a família. Ed, Roger e os demais se desesperam, e saem no encalço do demônio, mas Lorraine faz melhor. Ao invés de segui-los pelo túnel, ela sobe as escadas do porão e prefere ir por fora. Eventualmente, Carolyn tem a faca e a filha nas mãos. De uma passagem, Ed se dirige a Ela, não a Carolyn, mas à própria bruxa Bathsheba, condenando-a de volta ao inferno. Roger faz coro, e suplica para que a esposa lute contra a possessão, resista à força da bruxa. Lorraine chega à cozinha, e pelo buraco feito no chão, consegue enfiar o braço e tocar a testa de Carolyn. Ela pede para que procure se recordar do dia em que com a família brincou na praia, à beira do mar, e se lembrar de como fora uma época de muitas expectativas e bons sentimentos (previamente, as duas haviam conversado sobre isso, quando Carolyn mostrou a Lorraine um retrato na sala). A doce recordação parece surtir efeito e enfraquecer as garras do Mal. Carolyn encontra forças para resistir ao se apegar à crença de que a sua família é a razão única de sua vida. A força da união familiar funciona como um facho de luz que finalmente expulsa a escuridão do Mal e a influência da bruxa. O combate está acabado, e o exorcismo foi um sucesso.

É um novo dia. A manhã gloriosa tem um céu azul como a moldura para um sol cheio de vida e força. Todos saem da casa, cheios de arranhões e machucados, mas vitoriosos. O assistente brinca com o tira, e pergunta se ele finalmente acredita em fantasmas. O policial responde "Olha, eu prefiro combater bandidos armados a enfrentar fantasmas novamente!". A menorzinha abraça os Warren e lhes dá uma bela lembrancinha. Os Perron e os Warren passaram por momentos horrorosos, mas atravessaram a tormenta com muita fé, e saíram mais unidos do que nunca. O Mal pode até mesmo vencer algumas batalhas, porém jamais a guerra, quando é sempre o Bem que sai triunfante. Os Warren retomam a sua vida, e, uma manhã, Lorraine diz ao marido que recebeu uma carta, de uma família de Long Island que diz precisar de sua ajuda. Os dois dão as mãos e deixam a sala. Aqui, o diretor James Wan nos prepara a sequência,Invocação do Mal 2, que pela menção a "uma família de Long Island", refere-se à notória assombração de Amityville. O filme conclui com fotografias das pessoas reais envolvidas no caso Perron.

Extraordinário filme de horror que apenas confirma o que já se imaginava: o despretensioso James Wan é um dos mais habilidosos diretores na ativa, e não há um único trabalho seu, desde o lançamento do primeiro Jogos Mortais, em 2004, que tenha desapontado. Assim como acontece com outros novos e criativos cineastas, tais como Rob Zombie (The Lords of Salem), Brad Anderson (Session 9), Tom Shankland (w Delta z), Gareth Edwards (Monsters) e Ti West (segmento Second Honeymoon do longa VHS), pode-se sentir o seu amor pelos filmes de horror em cada frame. Há competentes cineastas, extremamente técnicos, que conseguem criar exuberantes espetáculos visuais, e extrair de seu elenco memoráveis desempenhos, e sempre são aclamados e premiados, todavia há um outro tipo de diretores, estes sim realmente raros e extraordinários, que mais do que saber como rodar filmes, comportam-se despretensiosa e apaixonadamente, e fazem transparecer o amor que tem pelo ofício e pelo gênero. Wan faz parte desse seleto grupo. Vejam as suas entrevistas, e enxergarão o brilho no olhar, próprio de quem reconhece com humildade a grande honra que representa a oportunidade de poder se expressar com filmes. Ele verdadeiramente dá valor a cada dia em que pisa em um estúdio para filmar, encontrando nos clássicos do passado a inspiração para criar. Habilidoso com vários estilos, Wan está especialmente à vontade com os filmes sobre casas assombradas. O homem conseguiu avivar o interesse por histórias de fantasmas com o charmoso Insidious – Sobrenatural, de 2010, e Invocação do Mal reafirma a tendência, que felizmente, promete perdurar por muitos anos (Sobrenatural 2, novamente dirigido por Wan, está para estrear na sexta-feira 13 próxima, em 2013, e outros excelentes filmes recentes similares, como Evocando Espíritos 1 &2, demonstram a força do subgênero). 

Sobre o subgênero, em 2000, o diretor espanhol Guillermo del Toro se tornou um cineasta bastante procurado após rodar um excepcional filme de assombração, El Espinazo del Diablo, sobre o espírito de um garotinho misteriosamente assassinado, que perambula pelos corredores de um orfanato, no escaldante deserto da Espanha, bem na época da Guerra Civil, enquanto as crianças procuram desvendar a mensagem que o fantasma quer passar. Assistir ao filme de del Toro foi, ao mesmo tempo, uma experiência eletrizante e nostálgica. Eletrizante, pois o filme é brilhantemente executado, e del Toro tem um magnífico e encantador olhar, nos moldes da exuberância visual a que cresci assistindo nos filmes do magistral John Boorman.Nostálgico, pois, como poucos, El Espinazo del Diablo consegue, de uma forma muito própria, convidar-nos por um "passeio no túnel do tempo", mais especificamente para a nossa infância, quando o mundo, ou melhor, tudo, parecia bem maior e misterioso do que verdadeiramente o é. Creio que com a passagem dos anos, além de nos tornarmos mais cínicos, também vamos perdendo o olhar encantado que nos permitia assistir a filmes do gênero e realmente sair tocados pela experiência. Em El Espinazo del Diablo, não há os excessos dos filmes barulhentos e confusos de hoje, apenas o familiar, saudoso e saboroso gostinho das velhas, poeirentas histórias de fantasmas, que adorávamos escutar sentados próximos à lareira, e que, com o tempo, passaram a existir somente em um recanto muito distante de nossas recordações. Guillermo del Toro balanceou a equação, e conseguiu emular o arrepio que sentíamos quando assistíamos ou escutávamos a histórias parecidas.

Com os seus filmes, Wan construiu exatamente a mesma coisa que del Toro conseguiu com El Espinazo del Diablo, e algo mais: se o filme de del Toro, "europeu" e sombrio demais para o gosto do grande público, foi categorizado mais como "filme de arte" do que de horror, Wan conseguiu pinçar o que há de melhor no "filme de arte" e acrescentá-lo à fórmula do blockbuster norte-americano estilo O Exorcista. O frescor e a sofisticação dos "filmes de arte", somados a antigas fórmulas, imprime aos seus filmes elegância, estilo e charme,diferenciando-o como um cineasta de visão e conteúdo, um mestre absoluto no que faz, estética e artisticamente. Assim como Sobrenatural, Invocação do Mal é o tipo de joia rara que será melhor servida se assistida no escurinho do cinema, ou mesmo na companhia dos amigos. Desde o início, com a entrada modificada e sombria dos logos da Warner Brothers & New Line Pictures, à montagem final, com fotos das pessoas envolvidas no caso real, bem como dos lugares onde a assombração se deu, Invocação do Mal prenderá a sua atenção de uma forma que poucos filmes, ao menos recentemente, conseguiram fazer. O feito deve-se ao apoio técnico de John R. Leonetti, o diretor de fotografia que tem permitido que todos os filmes de Wan - desde Dead Silence, de 2007, ao vindouro Sobrenatural 2 - pareçam misteriosos, elegantes e sedutores. O fato de ser ambientado nos anos 70 dá um charme a mais à atmosfera saudosista, e a recriação daquele período é de encher os olhos, um convite não apenas ao passado, mas a todo um ritmo mais ponderado e arrepiante de story telling. As semelhanças entre Invocação do Mal e O Exorcista são inegáveis. Não apenas um talentoso cineasta, Wan também é fiel a seus atores. Em Invocação do Mal, ele novamente escala o ator Patrick Wilson, com quem trabalhara em Sobrenatural, e voltará a dirigir em Sobrenatural 2, mas também dá oportunidades para novos nomes, tais como Vera Farmiga, no papel de Lorraine Warren, que certamente estará presente na sequência, Invocação do Mal 2, cujo roteiro já está em fase de concepção. Como casal, os dois trazem uma deliciosa naturalidade que faz a dinâmica parecer real, nos mesmos moldes do que aconteceu com as performances de Dale Midkiff & Denise Crosby em Pet Sematary ou de Clare Higgins & Sean Chapman em Hellraiser. A mensagem que o filme deixa - a unidade familiar e o amor incondicional triunfando sobre adversidades aparentemente invencíveis - parece mais verdadeira, graças ao desempenho do quarteto que dá vida aos casais Warren & Perron

O roteiro faz um invejável trabalho de condensar uma excitante história em um filme que dura menos de duas horas de projeção. Como base, foi utilizado o livro "House of Darkness, House of Light", escrito por Andrea Perron, a filha mais velha. Muitos dos eventos descritos no livro foram reconstituídos para o filme. Ao mesmo tempo, há algumas liberdades artísticas. Invocação do Mal nos conta o caso como se este se desse dentro de alguns meses, um ano no máximo, porém, na realidade, o drama da família se arrastou por toda uma década. Ainda, o assédio dos espíritos, que parece implacável do momento em que os Perron põem os pés no alpendre, na verdade iniciou-se sutil e quase incipiente. Havia muitos espíritos na propriedade, e alguns deles chegavam a ser queridos pelos membros da família. Um deles tinha o hábito de dar beijos de boa noite nas crianças, quando estavam em suas camas, e havia um outro, um garotinho, que costumava assistir às meninas de uma distância, vendo-as brincar, e que quando era percebido, se retirava. Outro fenômeno se dava quando os Perron escutavam o chão sendo varrido, e quando chegavam à cozinha, encontravam a vassoura utilizada encostada em um canto, e uma pilha de sujeira pronta para ser depositada no lixo. Evidentemente, havia outros que atormentavam os Perron, como um que passava a noite chamando chorosamente pela mãe, e outro que tinha predileção por atormentar uma das meninas, Cindy, dizendo-lhe insistentemente que havia sete soldados mortos emparedados na casa. Nenhum dos espíritos malévolos, todavia, era tão implacável quanto o de Bathsheba Sherman, a bruxa satanista que realmente existiu e viveu na residência no começo do século XIX, e que morreu em 1885. O seu espírito reservava especial ódio a Carolyn Perron, e a atormentava de todas as maneiras possíveis, enquanto que, curiosamente, parecia nutrir carinho por Roger, jamais lhe tendo feito mal, ao menos diretamente.

Circunstâncias financeiras forçaram os Perron a permanecer na propriedade por mais dez anos, tolerando tanto os bons quanto os maus espíritos, cuja influência felizmente declinou após o exorcismo dos Warren. Finalmente, em 1980, os Perron conseguiram se livrar das terras, e se mudaram para a Geórgia. O atual proprietário, que adquiriu o terreno em 1983, disse que a sua família tem experimentado várias manifestações paranormais menores, tais como portas que batem sem razão aparente, rumores de pessoas conversando em outros cômodos e objetos que mudam de posição. Ao total, oito gerações de famílias passaram pela casa, e ali morreram, em sinistros que variaram de suicídios a envenenamento. Invocação do Mal contou com a aprovação e o suporte dos membros da família Perron. Em entrevista ao Providence Journal, Andrea Perron, hoje com 54 anos de idade, disse que "O elenco está perfeito. As meninas realmente nos lembram quando éramos crianças, e têm as personalidades que tínhamos. (James Wan) capturou a essência do que passamos". Da família Perron, Andrea foi quem mais participou ativamente da concepção do filme, até porque, durante a sua vida adulta, deixou a Geórgia e voltou a morar na região, em Rhode Island, o que tornou o acesso da produção a sua pessoa mais simplificado. Na foto acima, os amigos veem as verdadeiras meninas da família Perron, hoje senhoras, sentadas ao lado das atrizes que as retrataram no filme. 

Assistindo a Invocação do Mal, eu me recordei de um assombroso filme de horror, também baseado em fatos reais e, mais importante, sobre um caso que novamente envolveu a ajuda dos Warren, chamado A Casa das Almas Perdidas (1991). O filme foi lançado em VHS, e lamentavelmente jamais fez a transição para DVD. Assisti à fita aos onze anos, e todo o caso teve um fortíssimo impacto sobre mim. Quando enxergamos o mundo pelos olhos de criança, tudo parece mais ressoante, mas mesmo hoje, com os olhos de adulto, A Casa das Almas Perdidas me dá arrepios. Os amigos dificilmente encontrarão a fita, porém, hoje em dia, os melhores sites de filme disponibilizam A Casa das Almas Perdidas e, melhor ainda, dublado. Em termos de atmosfera e ritmo, Invocação do Mal nos faz pensar em A Casa das Almas Perdidas pois recupera o charme daquele estilo retrô de filmagem, o apelo de uma boa e arrepiante história de fantasmas, sem a necessidade de exageros ou de efeitos especiais para tanto. Não se sabe ainda oficialmente qual o teor de Invocação do Mal 2, e tudo leva a crer que Wan abordará a assombração da casa n° 112 na Rua Ocean Avenue (o caso Ronald DeFeo - Amityville), porém eu sempre imaginei que a história da família Smurl, tão bem retratada em A Casa das Almas Perdidas, faria bom uso de uma nova produção, dirigida por um cineasta mestre absoluto no que faz. Assim como aconteceu com os Perron, a família Smurl, de West Pittston, Pennsylvania, enfrentou corajosamente forças paranormais, em assaltos que perduraram por mais de uma década, mais especificamente de 1974 a 1989. Também como os Perron, a família Smurl era grande, e curiosamente tinha quatro garotas. Como se sabe, hoje, acredita-se que todas essas diferentes histórias de Poltergeist tenham um elemento em comum: as famílias alvo das manifestações tinham como membros garotas que estavam atravessando o turbulento rito de passagem da puberdade. Pelas evidências que eu tenho encontrado online, pelas poucas informações disponíveis sobre Invocação do Mal 2, creio que não vai ser desta vez que o caso Smurl poderá ser recontado - e descoberto - por toda uma nova geração, mas algo me diz que, mais cedo ou mais tarde, James Wan nos oferecerá a sua versão da história.

Há outras histórias, porém, que apesar de já terem parado no cinema, não cumpriram todo o seu maravilhoso potencial. É o caso de An American Haunting, de 2005, um bom filme de horror com grande elenco, que lamentavelmente padece quando comparado ao riquíssimo caso original. O caso da "bruxa", na verdade um quarteto de espíritos composto por uma mulher, duas meninas e um garotinho, que fez morada na propriedade do rico fazendeiro John Bell, no Tennessee, no início do século XIX, é tão grandioso quanto a mais épica das histórias de amor. Apesar de envolver, sim, uma família que cai vítima do assédio de forças que sequer consegue compreender, a "bruxa" jamais é mais importante do que o drama humano que está sempre à frente, o amor entre um professor humilde chamado Richard Powell e a filha do próspero latifundiário, Betsy Bell. Entre encontros e desencontros, passagens muito tristes e imprevisíveis reviravoltas do destino, John parte, quando Betsy aceita o pedido de casamento de um homem mais rico, pois conclui que a sua ausência fará melhor a Betsy do que a sua presença. Ele se torna político em outro lugar, prospera, casa-se com uma outra mulher, porém jamais a esquece. Betsy e Richard terminam juntos, mas somente depois de uma grande aventura que só os verdadeiros amores são capazes de conquistar. O filme An American Haunting se concentra nos elementos sobrenaturais e aterrorizantes do caso, não há um aprofundamento quanto ao drama humano que envolveu os seus personagens, muito mais extraordinário do que o fenômeno propriamente dito. O conhecimento da história real nos leva à conclusão de que a "bruxa" e a história de amor são elementos indissociáveis, uma não existiria sem a outra. É por causa do que os Bell passam como família, com os fenômenos paranormais, que a natureza do amor entre o rapaz e a moça é posta à prova, e é em nome do amor que sentem um pelo outro que a "bruxa" parece trabalhar, porque, ao fim, e de uma estranha maneira, tudo o que conseguiu foi aproximá-los cada vez mais. Diz o ditado, Deus escreve certo por linhas tortas, e outro não caberia melhor à história da "bruxa" do Tennessee. Eu sempre imaginei que um cineasta corajoso com muita sensibilidade poderia rodar um verdadeiro épico, nos moldes de Diário de uma Paixão, desde que se mantivesse fiel aos eventos. Arrepio-me só de pensar no grande filme que seria, e consigo até mesmo enxergar Rachel McAdams e Rupert Friend como o casal. 

Invocação do Mal estreia nos cinemas brasileiros no dia 13 de setembro, e mesmo os amigos que já assistiram ao filme devem ir vê-lo uma segunda vez, pois não há nada melhor do que conferir uma boa história de fantasmas no escurinho gelado do cinema, diante de uma tela grande, e com um balde de pipoca em mãos. Além de um maravilhoso filme de horror, Invocação do Mal é uma experiência, um resgate aos tempos onde realmente podíamos nos arrepiar, e o cinema comercial não estava tão atrelado a efeitos ou violência. É interessante, pois, à medida que você vai assistindo a muitos filmes e compreendendo melhor o seu funcionamento, consegue capturar coisas de seus criadores que em um primeiro momento talvez tenham passado desapercebidas. Ao se assistir a um filme de James Wan, você sai com a forte impressão de que esse cara cresceu assistindo aos clássicos do gênero, e que, felizmente, conservou-os no coração, a ponto de os deixarem influenciar o seu tom. Até porque eu sempre acreditei que os melhores filmes ficaram definitivamente para trás, é confortante encontrar um novo diretor que também cresceu com os clássicos do passado, e, a sua maneira, resgata-os todas as vezes em que um novo filme seu estreia nos cinemas. Wan é apenas dois anos mais velho do que eu, então acho que pertencemos à mesma geração, que ficava acordada até tarde para assistir, na sessão de filmes nos sábados, a suspenses como A Maldição de Samantha (Deadly Friend, Wes Craven), os dois primeiros Hellraiser, O Mistério de Candyman, Cemitério Maldito, os filmes de Dario Argento, William Friedkin e David Cronenberg, entre tantos outros. Para os amigos que vieram depois, para os mais jovens, os filmes de James Wan & Rob Zombie são o mais próximo que existirá de uma "máquina do tempo", principalmente se vocês vieram depois dos anos 80&90. Se vocês perderam, vocês realmente perderam

Todos os direitos autorais reservados a Warner Brothers New Line Cinema. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Uma Noite de Crime ("The Purge", 2013) - O único feriado do ano que você não vai querer perder!


O ano é 2022. Os Estados Unidos vivem o mais próspero período de sua História recente. O desemprego quase deixou de existir, e não há de se falar mais em criminalidade... A não ser por uma noite no ano. Neste futuro próximo, para contornarem a grave situação institucional que se abateu sobre o país, os novos constituintes elaboraram uma Carta Magna onde ficou sacramentado um novo feriado, quando aos seus cidadãos seria concedido o direito de “libertar a besta” dentro de si. O “expurgo anual” funciona mais ou menos assim: iniciando-se pela noite e estendendo-se até o começo da manhã seguinte, todos os crimes ficam impunes. Saques, estupros e homicídios bárbaros, não há limites para o “expurgo”. Se você precisar de ajuda, a polícia não te socorrerá, muito menos os hospitais estarão de portas abertas. Basicamente, é cada um por si. Quem for prudente provavelmente se trancará em casa; quem tiver contas a acertar, preparará as armas para o “expurgo”. De uma estranha maneira, o fato de pessoas comuns terem um dia para exteriorizar seus rancores e frustrações sob a bênção do Estado permite que ânimos exaltados e insatisfações permaneçam adormecidos por todos os outros dias do ano. A família Sandim - que de tão perfeita e bem sucedida parece um clichê norte-americano, ícone do que o “expurgo” representa– não apenas se habituou ao nefasto feriado como também prosperou. James Sandim (Ethan Hawke) é um talentoso projetista de sistemas de segurança, que graças ao temor imposto pela noite do "feriado" viu a empresa crescer. A demanda de clientes lhe valeu a colocação de “número um” entre os demais empresários do ramo. Em casa, ele é o pai dedicado de um casal de adolescentes, Zoey e Charlie, e conta com o suporte e a compreensão de sua devota esposa Mary (Lena Headey) para criá-los. Os Sandim não questionam a “moral” que envolve a noite do “expurgo”, o hiato de doze horas quando o Estado "deixa de existir", e toda a sorte de barbaridades está valendo. De alguma maneira, os Sandim se satisfizeram na “zona de conforto”, racionalizando os benefícios que o feriado traz para a sociedade como um todo. Para os Sandim, a perspectiva maior, o fato de no restante do ano imperar a ordem e a paz justifica a falta de compaixão que toma conta das ruas. Tragicamente, são os cidadãos que moram nos bolsões de pobreza que mais sofrem, as maiores vítimas do “expurgo”, já que, diferente da família Sandim, não gozam do benefício de morar em bairros seguros de classe alta, cercados por "gente de bem". Para o feriado deste ano, porém, o destino reserva à família Sandim uma lição...

O filme se inicia com curtos parágrafos explicativos, que “justificam” o “expurgo”, sobrepostos a imagens de violência capturadas por câmeras de segurança. A adição da suave melodia “Clair de Lune” dá à montagem uma qualidade surreal e contraditória: o “expurgo” salvou a América do Norte da recessão, suavizou as diferenças entre as classes, todavia as imagens brutais nos lembram a que preço tal “felicidade” foi conquistada. Na tarde que antecede o “expurgo”, James Sandim está voltando para a confortável mansão, tudo sob controle para a “grande noite”. Há uma certa euforia nas calçadas, os vizinhos cheios de planos para a noite. Alguns combinaram de se encontrar em uma festa e comemorar, outros estão preparando facas e rifles para “caçar” os desafetos. Na cozinha, James presenteia a esposa com um buquê de flores e os dois se beijam. Na televisão, um especialista tece considerações sobre o “expurgo”. Ele diz algo nas linhas de que a História tem provado que seres humanos são uma espécie violenta por natureza, e que quanto mais negarmos a dura realidade sobre nós mesmos, maiores serão os prejuízos, a longo prazo. O benefício que o “expurgo” oferece é o de reservar os nossos instintos mais macabros e primitivos para uma noite apenas, em uma catarse que nada mais é do que a canalização da agressividade que trazemos conosco, e que de outro modo jamais seria possível, que não de maneira destrutiva. Enquanto Mary escuta à reportagem com uma sombra de incerteza no rosto, seus olhos passeiam sobre as medalhas e prêmios que os filhos vêm angariando nos estudos e esportes. Por mais que deva se orgulhar da família, algo no fato de os Sandim abraçarem” o ”expurgo” sem questionamentos parece incomodá-la.

A dinâmica da família esconde alguns pontos nevrálgicos. No quarto de Zoey, ela está aos beijos com o garoto que descobrimos ser o namorado, um rapaz do bairro com mais idade. O namoro é interrompido quando o casal escuta o Sr. Sandim ganhando os degraus. Zoey diz que chegou a hora de o namorado partir, e que é melhor se apressar, pois dentro de algumas horas o “expurgo” estará começando por todo o país. Da bela vista da sacada da varanda, os adolescentes veem um dos vizinhos amolando o facão, preparando-se para a noite. Os dois se beijam, e o rapaz parece descer pelas grades ao jardim. À mesa, durante o jantar, há a natural tensão entre os pais e a filha adolescente rebelde. O pai lhe pergunta sobre como foi o dia e ela se sai com a desculpa de que não tem mais paciência para aturar aquele tipo de papo tedioso. Contemplando os monitores das câmeras de segurança, os Sandim observam os vizinhos se arrumando para o "expurgo" de maneiras diferentes, a maior parte das famílias do bairro chegando à opulenta residência dos Ferrin para a grande festa. Sandim aciona o sistema de segurança da mansão, e lâminas de aço lacram os acessos. Reunida na sala, a família acompanha o Sistema de Transmissão de Emergência entrando no ar para anunciar o feriado. Uma arrepiante e impessoal voz feminina sucintamente anuncia "Isso não é um teste. Este é o seu Sistema de Transmissão de Emergência, anunciando o início do expurgo anual, sancionado pelo governo dos Estados Unidos da América. Armas de classe 4 e abaixo foram autorizadas para uso durante o expurgo. Todas as outras armas estão proibidas. Aos oficiais do governo até o décimo ranking foi concedida imunidade, e não deverão ser machucados. Ao toque da sirene, qualquer e todo crime, incluindo homicídio, estará legalizado por doze horas contínuas. Polícia, bombeiros e serviços de emergência médica estarão indisponíveis até às sete horas da manhã do dia seguinte, quando o expurgo concluir. Deus abençoe os novos constituintes e a América, uma nação renascida". Após a transmissão, vem o assombroso chamado das sirenes. James diz aos filhos que todos ficarão bem. Zoey se retira para o quarto, ranzinza. Charlie surpreende os pais ao lhes perguntar por quê não participam do “expurgo”. James novamente se justifica, explicando que ele e Mary não precisam participar pois não sentem a necessidade de ferir os outros, mas que muitas pessoas guardam dentro de si rancor que pode acabar por envenená-las, e o fato de exteriorizarem as frustrações representa um melhor convívio, uma vez que quando o "feriado" termina, os caçadores voltam a se comportar como "pessoas de bem".

Tendo o “expurgo” iniciado, cada um dos Sandim vai cuidar de seus assuntos. Ao retornar ao quarto, Zoey toma um susto quando encontra o namorado. O rapaz não tinha ido embora. Ele retornara para o quarto quando Zoey havia descido para jantar. James cuida de documentos no gabinete, a televisão ligada ao fundo, com notícias sobre o feriado em diferentes partes do país. Como sempre, as discussões giram em torno da “validade” do “expurgo”. Um senhor questiona se o “expurgo” se trataria realmente da liberação da natural agressividade do ser humano, ou se apenas se travestiria daquela desculpa para mascarar o fascismo de uma estratégia maquiavélica para a eliminação de “párias” da sociedade: os pobres, os desajustados, os carentes, e os doentes, a erradicação dos “membros não contribuintes” para desafogar a economia. James parece escutar a tudo com uma expressão de incômodo. Assim como Mary, algo dentro do pai de família lhe diz que o fundamento sobre o qual a América do Norte "renasceu" é moralmente falido, malévolo e odioso. Enquanto James se ocupa com seus papéis, Mary se distrai fazendo esteira e escutando música. Enquanto namoram, o rapaz explica a Zoey que o real motivo de estar ali é para “pedir a mão” da moça ao pai. Ocorre que James não aprova a relação, pois o rapaz guarda uma relevante diferença de idade frente a filha. A garota responde que o plano não vai dar certo, que o pai não concordará, mas ele pede que tenha calma.

Naquele momento, Charlie, que estava entretido com imagens das câmeras de vigilância, vê um morador de rua entrando no bloco e suplicando por ajuda. “Estão vindo atrás de mim!Só preciso de um lugar seguro!”, o homem exclama, apavorado. Do fim da rua, chega a algazarra da turma que aparentemente está à caça do mendigo. Profundamente sensibilizado com  o sofrimento do homem, o garoto momentaneamente desarma o código de proteção da residência, e da porta que dá para o jardim grita para que entre logo. O gesto do menino acaba por salvar a vida do morador de rua. James fica furioso com a atitude do filho e apanha logo a pistola que deixou municiada para emergências. Em meio à confusão que toma conta da residência dos Sandim, que não compreendem o que aconteceu e por quê o filho deixou um mendigo entrar, o namorado de Zoey aparece no alto da escada e puxa um revólver da cintura. O plano do rapaz era aproveitar a oportunidade da noite do “expurgo” para “legalmente” liquidar o sogro, e se livrar do único obstáculo que o impedia de viver com Zoey. James consegue escapar dos disparos do “genro” e derrubá-lo com os seus. James não foi atingido, mas o namorado da filha, sim, mortalmente ferido. O morador de rua aproveita para se esconder na enorme mansão. James alberga a esposa e o menino no gabinete, e parte para a procura da filha. No quarto da menina, dá com o corpo do garoto. Quem acaba encontrado a menina é Mary. Zoey conta à mãe que não imaginava que o namorado faria aquilo, e Mary a consola.

Não demora a uma porção de estranhos mascarados aparecer no jardim dos Sandim. Parecem jovens universitários, no máximo vinte e poucos anos de idade, liderados por um bem vestido e educado rapaz de cabelos loiros. A família sobe para a sala de monitores, quando o líder da gangue aperta a campainha e se dirige aos Sandim olhando diretamente para a câmera de segurança e anunciando a intenção do grupo. O rapaz, que permanecerá inominado pelo restante do filme, explica que os habitantes do quarteirão contaram ao grupo que tinham sido eles, os Sandim, que tinham dado guarida ao morador de rua. Comparando o mendigo a um porco que precisa aprender a lição, o rapaz se descreve como semelhante a James, ambos membros da mesma “classe” privilegiada, e que moradores de rua como o homem a quem concederam asilo representam tudo o que há de errado na América. Aparentemente, quando atacado horas antes, o morador de rua reagiu e feriu mortalmente um dos agressores, e agora o grupo quer vingança. O líder diz que por mais bem protegidos que os Sandim se considerem, a turma tem os meios para derrubar os portões e “libertar a besta sobre ele (o morador de rua) e sobre vocês”, a não ser que o entreguem para o “expurgo” a tempo. Concedendo-lhes prazo para ponderarem a questão, o estranho e o grupo se despedem e prometem retornar dentro de algumas horas. O fornecimento de eletricidade da casa é cortado, mas o gerador mantém parte da energia para a operação de monitores.

James explica para a família que o melhor a fazer é dar aos estranhos o que estão buscando. O filho não concorda, mas o pai simplifica a questão: ou entregam o mendigo, ou então estarão se comprometendo, metendo-se na linha de fogo. De pistola e lanterna em mãos, Sandim parte pelos corredores e cômodos da mansão - que, uma vez mergulhada na escuridão, parece assustadora - mas não consegue achá-lo. O líder da gangue volta a bater na porta, e por uma abertura, tem uma conversa mais direta com Sandim, que lhe diz que nada tem contra o grupo ou seu direito de “expurgar”. Um dos membros intervém e começa a xingá-lo, demandando que entregue imediatamente o mendigo, quando, sem avisos, o líder puxa a arma e estoura seus miolos. Ele explica a Sandim que o rapaz que acabou de matar era um grande amigo, e mesmo assim não hesitou em atirar. Se foi capaz de matar um amigo, pede a James que imagine o que seria capaz de fazer com a sua família, vez que nunca os viu antes. O líder da gangue diz que está falando sério e a paciência está se esgotando.


Quando Sandim encontra o “hóspede”, não tem muita sorte. Ao tê-lo ao alcance da mira, este consegue agarrar Zoey e tomá-la como escudo. Sandim insiste que a gangue do lado de fora não lhe dá alternativas. Durante a dura troca de palavras entre Sandim e o invasor, Mary chega por trás do rapaz e o desequilibra. Inicia-se uma luta que termina com o morador de rua imobilizado. Os Sandim o amarram a uma cadeira, e se preparam para levá-lo para fora, para entregá-lo aos psicopatas que desejam “lhe ensinar uma lição”. A família está em vias de levá-lo, porém no último minuto Mary desperta para a insanidade da situação e questiona  a moral envolvida na escolha. James também tem a própria humanidade resgatada. O morador de rua pede para que os Sandim o levem para fora, a fim de acabar com o horroroso impasse, mas agora é James quem não aceita mais a chantagem da gangue. Ele diz ao morador de rua que não fará aquilo porque assim como os demais membros de sua família ainda acredita na justiça. O grupo se prepara para o confronto. James pede ao filho que se esconda no porão até a manhã seguinte. Ele e a esposa se armam até os dentes.

O líder do grupo começa a preparar a entrada. Os asseclas amarram correntes às barricadas da casa e as prendem aos carros. Ele avisa que se preparou para invadir. Os homens da gangue estão fortemente armados. Os carros arrancam e acabam levando junto os portões da mansão. Outros membros da gangue jogam pedras nas janelas. Dá-se início a um jogo de gato e rato, com os estranhos explorando a casa, enquanto os membros da família se escondem para preparar a resistência. O garotinho é pego por um dos estranhos, que o puxa pelos cabelos. Quando está para apertar o gatilho, é fuzilado pelas costas por James. Em um outro cômodo da casa, o líder da gangue tem a atenção capturada por uma foto de Zoey. Ele entra no quarto da menina, com estupro em mente, mas não a encontra. Zoey se escondeu sob a cama. James apanha de seu arsenal uma potente metralhadora, e mata mais um invasor. No salão de jogos, Sandim encontra por acaso mais dois estranhos, que parecem formar um casal. A moça porta um afiado machado. O casal ataca Sandim, o rapaz vindo primeiro, a menina em seguida, jogando um golpe com o machado, que James consegue deter, ao segurar a metralhadora diante do próprio peito. O rapaz segura James por trás e começa a enforcá-lo com a própria arma, mas o empresário consegue pôr as mãos em uma bola de bilhar e a arrebentar na cabeça do invasor. A moça vem com o machado, James se esquiva, vai ao chão e quando a garota pula na mesa de bilhar para preparar o golpe final, ele a explode com um potente tiro no peito. O companheiro da garota, que ainda está vivo, salta sobre Sandim, mas eventualmente James consegue dominá-lo, e termina de estraçalhar a sua cabeça, enfiando-a repetidamente em uma mesa de vidro. Novos perigos não param de chegar: um novo maníaco invade o salão de jogos, armado com uma pistola. Nova luta, e James se salva ao alcançar o machado a tempo de cravá-lo na espinha dorsal do inimigo. Com a adrenalina correndo pelas veias, o instinto de sobrevivência e masculinidade à flor da pele, Sandim apanha a metralhadora e termina de executar os três corpos aos seus pés, metralhando-os impiedosamente.

Lamentavelmente, James momentaneamente se esquece do líder da gangue, o estranho bem vestido com quem negociou a libertação do morador de rua. Este vem de supetão com uma faca e fere seriamente o pai de família. Os Sandim resistiram bravamente, porém os inimigos invadiram em maior número. Dois sádicos – um rapaz e uma moça - agarram Mary. A moça, a mais pervertida, se diverte fazendo cócegas na aterrorizada dona de casa, enquanto puxa o facão para fatiá-la, mas toma um tiro bem no meio da cara, e o companheiro é crivado pelas costas. Quem salvou Mary foi um casal de moradores do quarteirão, que em seguida entra no cômodo seguinte, sem nada acrescentar, para detonar o restante dos jovens da gangue. Mary encontra o marido, bastante ferido, e o consola. Ela chama por Charlie e Zoey, e somente o garotinho aparece. Aos pés da escada, a família se abraça, o "expurgo" próximo ao final agora que a manhã se aproxima, quando o sorridente líder da gangue aparece com uma escopeta. “Abençoada seja a América, uma nação renascida”, o rapaz entoa, mas quando levanta o rifle para finalizar a família, tem o pescoço varado por um tiro, e o peito fuzilado. É Zoey quem surge no último segundo para despachá-lo. Você seria levado a crer que o filme terminaria por aí, com a família finalmente reunida e em segurança, no entanto ainda há uma derradeira surpresa. No início do filme, na tarde que antecedeu o “expurgo” daquele ano em particular, o filme nos mostrou Mary interagindo com uma simpática vizinha, que a abordou e lhe deu biscoitos caseiros como sinal de gratidão e carinho. Esta senhora, juntamente com os demais cidadãos do quarteirão, aparecem na sala, e os Sandim ficam felizes ao revê-los, porém aí vem a grande surpresa. A simpática vizinha diz a Mary que eles, os Sandim, “são nossos, e não deles(os estranhos da gangue)”. O que os vizinhos fizeram foi matar os delinquentes para que eles, os vizinhos, pudessem ter a satisfação pessoal de os executarem. Mary e as crianças são amarradas, e quando a dona de casa pergunta à “amiga” por que pretendem cometer a maldade, a mulher lhe conta que quando viu os estranhos derrubando as barricadas, vislumbrou a oportunidade perfeita para “purificar o seu ódio”. O fato é que os solícitos vizinhos, que os Sandim julgavam conhecer tão bem, vinham requentando dentro dos corações, por todos aqueles anos, o nefasto sentimento da cobiça e inveja. O morador de rua que os Sandim salvaram da morte repentinamente surge na sala para virar o jogo. Ele fuzila um dos vizinhos, e ordena que os demais abaixem as armas, imediatamente. Os Sandim são desamarrados pelo mendigo, que concede a Mary o direito de julgá-los. “A escolha é sua”, ele decreta, a arma apontada para os vizinhos traiçoeiros. Mesmo após todo o caos e morte da noite, a inveja e o ódio não conseguem ser mais fortes do que o poder do perdão, e Mary os deixa ir. Um novo dia chega, e o “expurgo” termina. Com uma nova manhã, vem uma nova perspectiva de vida para os Sandim, que finalmente percebem a falsidade e a loucura que sustentam a suposta prosperidade norte-americana, bem como compreendem o quão pouco conhecem os “amigos” que os cercam, pessoas que frequentemente sorriem ao cruzarem seus caminhos pelos corredores do trabalho ou calçadas do bairro, porém que, por trás, lhes desejam gratuitamente o mal, apenas pela inexplicável e poderosa influência maligna da inveja e do rancor. A nova perspectiva também lhes permite observar quão cômodo e equivocado fora condenar “párias” e perdedores que por mais desprezíveis que um dia tivessem parecido, haviam feito a diferença e salvado suas vidas nos momentos mais delicados, na hora em que se viram mais vulneráveis e indefesos.


Interessante filme de suspense produzido pelo criativo time por trás de sucessos como Sobrenatural e Invocação do Mal, Uma Noite de Crime parte de uma intrigante premissa e traz à mesa questões pertinentes aos problemas morais que enfrentamos nos dias de hoje. Novamente experimentando um gênero onde vem se saindo muito bem, Ethan Hawke estrela no papel de James Sandim, e basicamente recicla o protagonista relutante que interpretou no ótimo A Entidade. Com o aclamado Antes da Meia Noite em vias de lançamento nos cinemas brasileiros, é um dos atores que mais se mantém ocupado, e o seu nome envolvido em um projeto sempre traz excelentes surpresas. Lena Headey se sai maravilhosa como dona de casa e devota esposa, em uma personagem que representa uma radical ruptura em relação aos papéis pelos quais se tornou notória, como a articulista de Game of Thrones ou mesmo a impiedosa mega traficante de drogas no excelente Dredd O Juiz do Apocalipse. Ela tem uma qualidade, que eu não saberia pontuar, acho que uma classe, uma melancólica elegância, uma aristocrática e renascentista beleza, que me faz pensar em Clare Higgins na época dos dois primeiros Hellraiser. Rhys Wakefield, um ator novato mais conhecido pelo papel de filho brigado com o heroico pai mergulhador na aventura Santuário, deixa uma forte impressão como o antagonista. Para sua sorte, o diretor James DeMonaco soube como utilizá-lo muito bem. Ele não o super expôs ou o banalizou, o personagem sequer recebeu um nome. As oportunidades em que aparece podem ser contadas nos dedos das mãos, mas sempre causam forte impressão. DeMonaco sabe como dirigir filmes de horror, onde "menos é mais". Eu li a resenha de um senhor que assistiu ao filme e também ficou impressionado com a performance de Rhys Wakefield. Ele traçou uma maravilhosa comparação, ao escrever que enxergou muitas similaridades entre a performance de Wakefield em Uma Noite de Crime e o personagem do Coringa no último filme de Batman, de 2008. Assistindo ao filme novamente, compreendi as semelhanças que o levaram a fazer a comparação, e devo dizer que os dois desempenhos são mesmo muito parecidos, dois personagens aterrorizantes em suas instabilidades. O grande destaque, porém, cabe a uma atriz que aparece justamente duas vezes durante o filme, no início e na conclusão. A atriz Arija Bareikis interpreta Grace Ferrin, a simpática e extrovertida vizinha dos Sandim, que na tarde que antecede o “expurgo”, chega para cumprimentar Mary, e graciosamente lhe leva biscoitos, todavia menos de vinte e quatro horas depois, dada a oportunidade de dar vazão às inseguranças e frustrações, mostra suas verdadeiras garras. Muito embora o diretor DeMonaco ilustre o grande vilão desse filme na figura do líder da gangue vivido por Rhys Wakefield, quem acaba por se provar o mais arrepiante ícone da falsidade do "expurgo" é a vizinha Grace. O fato de ela estar disposta a matar uma família que conhece e a quem sorri por anos muito nos fala sobre a natureza feia e desprezível da inveja. 

Trilha sonora e fotografia também são pontos fortes em Uma Noite de Crime. A melodia me fez pensar em um outro suspense similar, sobre pessoas sitiadas por inimigos fortemente armados, chamado Assalto ao 13ª DP. As fotografias também são semelhantes, pois ambos se passam à noite. A maior parte do enredo se dá em uma claustrofóbica madrugada, e o diretor pincela os corredores e cômodos com um atemporal, fantasmagórico azul. Acho interessante revisitar filmes antigos, do começo dos anos 90, por exemplo, que ambientaram os enredos no "futuro", justamente a época em que vivemos hoje, para comparar a visão exagerada com a realidade de nossos dias. Uma Noite de Crime transcorre no ano de 2022, porém não há sinais de exageros, não há visões extraordinárias de deslumbrantes tecnologias, apenas sutis indícios, aqui ou acolá, que ilustram as novidades do futuro próximo. O desenho das armas é um espetáculo à parte. O diretor claramente lhes deu um certo arrojo, sofisticação, que assim como o design dos carros, esboçam com sobriedade o que podemos esperar para a próxima década.


Se por um lado a crítica que faz à sociedade e à fatídica direção individualista que estamos tomando parece inédita, por outro, o formato que DeMonaco utiliza para ambientar o filme é bastante familiar, e ao assistir a Uma Noite de Crime, um suspense maravilhoso logo me veio à mente: Os Estranhos. O formato "personagens presos a um ambiente fechado e claustrofóbico assediados por uma terrível força do mal que bate às portas" pode ser muito arriscado, porque exige uma fantástica elaboração de atmosfera e fundamentalmente a sustentação pelo restante da fita. Tomemos o caso de Os Estranhos. O que o filme de Bryan Bertino fez muito bem foi criar uma misteriosa, intrigante meia hora inicial, antes que o trio de psicopatas começasse a efetivamente investir contra o casal em sua isolada cabine de campo. Por meio de eficientes sugestões, Bertino fez os cabelos da nuca eriçarem antes mesmo que os invasores empunhassem machados para invadir a propriedade. Quem assistiu a Os Estranhos, se recordará da cena em que o casal está se reconciliando, quando é interrompido por uma batida na porta (isso às altas horas da madrugada). Ao verificar de quem se trata, dão com uma bonita moça jovem e loira, ali de pé no alpendre, perguntando se "Tamara está". O rapaz tenta ligar a luz do alpendre para enxergá-la melhor, mas a lâmpada não funciona. O casal responde que ali não mora nenhuma Tamara, a garota insiste "Tem certeza?" e eles respondem que sim. A moça avisa "Eu os vejo mais tarde" e vai embora. Assim que a estranha se despede, o casal abre a porta e vai para o alpendre, onde encontra a lâmpada desatarraxada. Imediatamente, ambos têm uma péssima impressão quanto ao inusitado encontro, que parece definitivamente evidenciar uma cilada em andamento. O que Bertino consegue com maestria é nos provocar com uma amostra do que está por vir. Volta a fazer o mesmo em muitos outros momentos, como quando da janelinha do porão da cabine, o casal avista uma das visitantes, a mesma moça loira, agora mascarada, parada à distância em uma estradinha de terra batida, banhada pela lânguida e fria luz amarelada dos postes. Para nos brindar com pequenos e sutis momentos assim, Bertino precisou de algo em torno de meia hora. O problema de Uma Noite de Crime é que DeMonaco não teve muitos instantes semelhantes. Sim, há sequências sutis e tétricas, que realmente ficam na cabeça, como a família assistindo à transmissão do sistema de emergência, a voz feminina entrando para anunciar o começo do "expurgo", porém parece que logo chega a parte em que o morador de rua pede guarida e a gangue aparece à porta exigindo sua entrega. Isso não torna Uma Noite de Crime um filme menos eficiente, gostaria de deixar bem claro que muito o apreciei, contudo, ao compararmos os conceitos de criação de atmosfera e de sustentação de ritmo, a vantagem fica com Os Estranhos. Até o fato de em Os Estranhos a ameaça limitar-se a três pessoas - duas mulheres e um homem - beneficia o filme com uma bem vinda simplicidade, que permite forte caracterização de vilões, mesmo que pouco falem ou mesmo jamais tirem as máscaras durante a projeção. Vez que em Uma Noite de Crime a crítica social parece ser o foco do diretor, sabemos pouco sobre a família Sandim, e a presença de muitos vilões acaba por diluir o impacto que teria, caso estivéssemos falando de um trio, como em Os Estranhos. Ao contrapor as diferenças entre Os Estranhos & Uma Noite de Crime, acho que o primeiro filme alçou voos maiores pelo fato de ter primado pelos "detalhes". Eu gostaria de destacar que os pequenos pontos fracos de Uma Noite de Crime não o prejudicam substancialmente. Em que pese as minhas ressalvas, Uma Noite de Crime continua um excelente e sólido filme de suspense, altamente recomendável e que merece ser visto nos cinemas.


Uma Noite de Crime cumpre com louvor a missão a que se propõe, nos fazer pensar em que sentido estamos indo enquanto sociedade. No filme, a prosperidade sustentada à custa das vítimas da noite do "expurgo" nada tem de justa, pois por mais que se negue, são as pessoas que ficaram à margem dos sonhos as vítimas preferenciais do massacre, enquanto aqueles que prosperaram, os "cidadãos de bem", assistem a tudo de suas casas confortáveis, indiferentes e parciais, apegados à crença do Bem maior a qualquer custo, silenciando a fraca voz de suas consciências que ocasionalmente lhes sussurra que algo naquele conceito satânico, que mais parece saído da filosofia doentia de Ayn Rand, está errado. Uma Noite de Crime também nos obriga a enfrentar a parte mais feia que há dentro de praticamente todos, que não as verdadeiramente iluminadas e evoluídas, sobrepondo a ampla discussão sociológica com uma outra que se dá a um nível muito mais íntimo, pessoal e desagradável. Mais intrigante do que assistir a um filme sobre um momento na História da América do Norte em que os constituintes passaram tão macabra ideia, a do "expurgo", é encarar e aceitar a falsidade que como titereira rege a dinâmica das relações entre os membros de um mesmo meio. É muito revelador que a vizinha sorridente que cumprimenta Mary no início seja a figura que ressurja ao final para aproveitar a oportunidade do "expurgo" e lhe dizer que sempre teve muita inveja de seu casamento e sua casa, a ponto de precisar matá-la para se sentir menos triste quanto a miserável existência. Mais impressionante que a "transformação" de Grace é a constatação de que ao longo de todos aqueles anos em que alimentou os horríveis sentimentos de rancor e vingança, conseguiu conviver cordial e alegremente com a família ao lado, jamais exibindo a face feia escondida por trás da máscara da gentileza e educação.Diferente do que você possa vir a imaginar, todavia, Uma Noite de Crime não é um filme pessimista, pois da mesma forma que a inveja é um elemento importante desta aventura, também o é a generosidade inesperada e incondicional vinda de completos desconhecidos. Se não há nenhuma razão para o show de maldades que chega de "amigos", a manifestação do Bem, simbolizado na figura do morador de rua, não precisa de compensação alguma para neutralizar a força do Mal. O Bem é espontâneo, honesto e desapegado. A conclusão é moralmente redentora, pois com o fim da noite vai-se o "expurgo", e com a chegada do dia, a família, a salvo, assiste ao mendigo que salvou suas vidas partindo silenciosamente sob a gloriosa força do Sol Nascente. Os Sandim jamais chegam a conhecer o seu nome, mas isso não importa, pois já tiveram a sua lição. Para cada "amigo" falso e invejoso que nos cerca, há um "pária" desconhecido e honrado que não se vendeu.  
 
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