quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

"Horas de Desespero" ("No Escape", Tailândia, 2015): Depois de nos guiar a uma incursão a uma cidadezinha ao norte de Nova York assombrada por um serial killer fetichista e às catacumbas nas entranhas de Paris em busca da Pedra Filosofal, o diretor de "Poughkeepsie Tapes" & "As Above so Below" nos leva a uma aventura aterrorizante através de um país asiático em pleno coup d'État!

Em um país inominado do Sudeste da Ásia, o Primeiro Ministro recebe o diretor de uma construtora multinacional. A construtora Cardiff visualiza ambiciosos projetos para o lugar, a começar pela realização de uma barragem de grande envergadura. Primeiro Ministro e empresário brindam à ocasião, porém logo após o término da bem-sucedida visita, a situação foge de controle. O guarda-costas pessoal do Primeiro Ministro se escusa do palácio por um momento para acompanhar o cavalheiro a seu carro, conforme o protocolo. Assim que o diretor da construtora parte, o guarda-costas escuta disparos deflagrados no interior do palácio. Ao correr em direção à entrada, ele descobre que a mesma foi lacrada por dentro, e precisa realizar uma rota alternativa, pela ala de serviços. As dançarinas que haviam desempenhado um número em homenagem ao visitante choram e correm pelo corredor. Ao alcançar o salão, o guarda-costas encontra o corpo de um colega baleado, e, mais à frente, o Primeiro Ministro assassinado. Ao redor, há homens fortemente armados, metidos em indumentárias de guerrilheiros, os rostos mascarados por panos vermelhos. O guarda-costas compreende que um Golpe de Estado se encontra em pleno curso. Ele apanha uma faquinha, destemidamente, pronto para enfrentá-los, mesmo que não tenha chance alguma contra tantos rebeldes, todavia, ao se dar conta que nada deterá o movimento revolucionário, antevendo o caos político a que seu país será lançado, corta o próprio pescoço e comete suicídio, a morte uma melhor alternativa.
 
O filme então volta 17 horas atrás, antes da confusão, para nos apresentar aos protagonistas desta aventura, os Dwyer, a família norte-americana composta pelos pais Jack & Annie (Owen WIlson & Lake Bell) e as meninas Lucy & Beeze (Sterling Jerins & Claire Geare). Eles encaram um voo intercontinental de quase 11 horas em direção ao país onde planos para uma gravíssima revolução são urdidos na surdina. Jack & Annie são jovens pais, e a dinâmica entre os dois me faz pensar nos personagens de Louis & Rachel Creed de "Pet Sematary": aos 30 e poucos, aprendem ao longo do caminho a serem bons pais enquanto cuidam de manter a chama da paixão avivada. Aprendemos que Jack é um importante engenheiro da multinacional Cardiff, tendo realocado a família para o país por tempo indeterminado até a conclusão das obras da barragem. Ao perder a boneca, uma das meninas a recebe das mãos do cavalheiro sentado no assento detrás, um britânico chamado Hammond (Pierce Brosnan, dando o desempenho excepcional deste maravilhoso filme, em um de seus melhores papéis nos últimos anos). Ao chegarem ao aeroporto, Hammond lhes oferece uma carona, afinal de contas se hospedarão no mesmo hotel, o Imperial Lotus. Eles se conhecem melhor. Hammond ama aquela exótica parte do mundo, já a tendo visitado 15 vezes anteriormente. O britânico sente-se meio protetor em relação aos norte-americanos, porque sabe que como turistas "verdes" que jamais andaram por aquele lugar, tendem a ser explorados por taxistas e malandros locais. Hammond os apresenta a seu divertido amigo motorista, que aparece dirigindo um ônibus jardineira caindo aos pedaços. Ao proferir o nome quando se apresenta aos americanos, ele deixa Jack confuso com a extensão do mesmo, mas o rapaz avisa que se preferir pode chamá-lo de "Kenny Rogers". Isso mesmo, o rapaz é fã do cantor Kenny Rogers, e sua jardineira foi caracterizada como um pequeno altar para o astro americano! O percurso do aeroporto ao hotel é uma grande brincadeira, Hammond & Kenny Rogers arranhando grandes sucessos do astro da música, Jack & Annie trocando olhares assustados ao sabor do sacolejo da jardineira, todos em ótimos espíritos. Nesta cena - a chegada da turma à noite, a jardineira atravessando as ruas daquele lugar cuja noite sempre parece fervilhante - o filme evoca a atmosfera de um outro intrigante suspense ambientado na Tailândia, "Only God Forgives", estrelado por Ryan Gosling. Apesar de jamais nominar explicitamente o país onde a trama de "Horas de Desespero" se desenrola, a todo tempo o diretor evoca o mesmo tipo de sentimento - vidas marginais expostas em paralelo ao movimento de turistas, cultura exótica, luzes de neon - de "Only God Forgives", este sim passado na Tailândia. Durante o passeio em direção ao hotel, Jack & Annie acham esquisito quando ao passarem próximo ao Palácio Presidencial enxergam uma certa inquietação, movimentação. Decerto, naquele exato ponto da noite, observava-se o primeiro assalto dos guerrilheiros ao governo, conforme visto na sequência que abriu o filme.

No lobby, o cerimonial do hotel organizou as boas vindas aos engenheiros da construtora Cardiff. A construção da barragem é uma grande novidade, todos os cidadãos sabem sobre a visita dos americanos à capital. Jack & Annie se "aclimatam" ao quarto de hotel. Para Lucy & Beeze, nem parece que realizaram uma viagem tão cansativa e demorada, parecem cheias de energia. Jack estranha quando ao tentar sintonizar um canal, não há sinal. O telefone também não funciona. Ao reportar os problemas na recepção, o rapaz explica que de uma hora para a outra a cidade inteira se viu sem linhas telefônicas ou sinais de celular ou TV. Não se sabe ainda a natureza do problema. Evidentemente, temos conhecimento do drama a se suceder no Palácio Presidencial, mas nenhum civil antevê ainda a revolução em vias de explodir.

Jack dá uma passada no bar do lounge. Hammond está "um pouquinho alto" depois de algumas doses de Whisky, ensaiando músicas no karaokê, enquanto Kenny Rogers e algumas garotas bonitas aplaudem e riem sentados à mesa, todos metidos em uma gostosa descontração. Hammond e Jack conversam ao pé do bar, e aprendemos um pouco mais sobre os dois personagens. Embora não saibamos muito de Hammond ainda, ele parece um homem com um passado triste. Ao ser questionado sobre filhos, ele explica que não os tem mais. Teriam os filhos morridos? A mulher foi embora e os carregou consigo? A seu turno, Jack revela que goza de uma enorme envergadura na Cardiff: ele inventou uma excelente válvula, a ser testada nas obras de barragem, e finalmente parece ter encontrado o sucesso, principalmente após ter sentido na pele a dor do fracasso quando a última empresa em que trabalhou faliu. Eles se despedem, Hammond animado para curtir a noite. Aqui, há um discreto, magnífico instante, espécie de presságio do terror por vir, quando Jack, pensativo no bar para acabar o chope solitariamente e voltar ao quarto, presta atenção em um inocente, pueril brinquedo da fonte, um bonequinho de madeira a perenemente girar a manivela de um poço d'água em miniatura, enquanto a água flui incessante. Ao fundo, o brinquedo produz um barulho semelhante ao do tique-taque de um relógio, que poderíamos associar a uma bomba prestes a ser deflagrada. Jack parece pressentir algo de terrível, no entanto volta à suíte e afasta pensamentos tão absurdos da mente.

Durante a madrugada, desperta com o ruflar semelhante ao de trovões. Checa pela janela, e nada encontra. Mal imagina que se trata de uma explosão distante. Ele encontra a esposa sentada no banheiro, chorosa. Ele a compreende: a viagem significa uma grande mudança de vida, deixaram a América por um outro lugar cuja língua ou cultura sequer compreendem bem. Ela não responsabiliza o marido, apenas precisa extravasar a eletricidade emocional, e Jack respeita o espaço da esposa. Na manhã seguinte, ao procurar o rapaz da recepção, este novamente lhe avisa que não há recado dos executivos da Cardiff. Ao pedir por um jornal do dia, um novo fato estranho: os jornais não circularam naquela data. O rapaz o orienta a procurar por uma tabacaria no centro da cidade, onde decerto encontrará diários locais e internacionais. 

Não há dúvidas que a capital é um paraíso turístico, e mesmo ao sair pelos pacatos jardins do Imperial Lotus para a caminhada, nada sinaliza que o lugar se tornou um inconstante barril de pólvora. No mercado central, há quiosques onde os comerciantes preparam os peixes e oferecem toda sorte de iguarias. Neste momento, "Horas de Desespero" nos remete ao excelente "Skin Trade", um filmaço de ação também ambientado na Tailândia, o lugar que para diretores de fotografia deve representar o paraíso, dadas as infinitas possibilidades e riqueza da cultura daquela gente de vida palpitante. Ele chega à tabacaria, mas no que se refere a jornais internacionais, os mais recentes datam de 3 dias atrás. Jack, que sofrera um interessante presságio na noite anterior, agora sabe que algo ainda invisível se encontra em curso nas ruas da capital.

Conforme esperava, ao caminhar intrigado pelas calçadas, é assaltado por uma cena horripilante: de uma das extremidades do quarteirão, marcha a tropa de choque, centenas de policiais militares vestidos com escudos e cassetetes. Vindos da outra, homens metidos em roupas de guerrilha, pedaços de pau em mãos, preparados para a revolução, avançam no sentido contrário. Como em uma paródia macabra das batalhas em "Coração Valente", as duas massas partem para o "mano a mano", enquanto Jack trata de correr para longe da concentração. Apesar de fortemente armados, os soldados da tropa de choque são atropelados. Correndo por vielas muito estreitas de uma favela, Jack consegue evadir-se e passar desapercebido. Ao longe, enxerga a marquise do Imperial Lotus Hotel, e tenta se guiar apenas visualmente. Quando se encontra a apenas algumas quadras, testemunha a execução sumária de um cavalheiro que embora se identifique como norte-americano, toma um tiro de execução na nuca. Não se sabem ainda as intenções dos guerrilheiros, no entanto é seguro afirmar que qualquer pessoa estrangeira flagrada pela revolução sofrerá o mesmo destino. Os revolucionários enxergam Jack, mas ele consegue ser mais rápido ao subir uma escada externa e entrar no Imperial Lotus Hotel ao quebrar uma janela. Ele se intromete bem no meio de uma apresentação no salão de conferências, as pessoas ainda alheias ao drama do lado de fora.

No lobby, os funcionários lacram o acesso ao interior e preparam barricadas, enquanto a horda de guerrilheiros bate nas portas para quebrar os vidros. Não custa a os guerrilheiros vencerem as barricadas, e invadirem de metralhadoras em punho, atirando. Jack passa o cartão no elevador (que só funciona com a identificação) e alcança o 8° andar. Na suíte, a esposa e uma das meninas, ainda ignorantes, vestem maiôs para tomar banho na piscina. Exasperado e molhado de suor, Jack procura colocar em poucas palavras o perigo que correm. Quando dá pela ausência de Lucy, o pai pergunta pela menina, e Beeze conta que a irmã se adiantou e já desceu para a área de lazer, que fica no 4° andar. Jack as orienta a fecharem as portas e aguardarem em silêncio, tratará de apanhar a menina. A caminho da piscina, ele enxerga por entre os corrimões os guerrilheiros pondo portas de quartos abaixo e fuzilando hóspedes, sem hesitação. De posse de um mapa do interior do complexo, que arranca da parede, Jack vai traçando um caminho através das áreas de serviço (cozinha, lavanderias, casa de máquina) em direção à piscina. No quarto, Annie veste roupas para a fuga, e calça a filha. Pelo olho mágico, testemunha a carnificina que os guerrilheiros cometem no apartamento da frente, armados com facões. Do quarto ao lado, chega o choro de uma mulher sendo impiedosamente estuprada.

Ao alcançar a piscina, Jack fica chocado ao se deparar com Lucy mergulhando e nadando como se nada tivesse acontecido. Distraída em seu próprio mundo, ela jamais teria pressentido o caos que se aproxima. O pai a pega pelos braços e a arranca d'água. Ele lança um olhar em direção ao lobby, onde os selvagens massacram os recepcionistas a golpes de porretes e foices. Quando avistam o americano e a menina pequena, correm para a área da piscina, mas Jack é mais rápido: ele usa uma boia para encerrar a passagem entre lobby e área de lazer, e empreende fuga com a criança. Jack sobe as escadas de serviço com Lucy, quando subitamente um guerrilheiro mascarado aparece à frente. Momentaneamente, tudo parece perdido, porém é Hammond quem aparece para salvar o dia: ele se lança sobre o bandido e o incapacita. Ordena que o americano suba à cobertura. Hammond esmaga a cabeça do vilão com a porta, e depois atira o corpo escada abaixo, atrapalhando os planos dos guerrilheiros que vinham no encalço de pai & filha bloqueando momentaneamente a passagem. No apartamento, Jack reencontra Annie & Beeze. As duas choram de alegria ao ver que eles conseguiram. Annie fala que devem permanecer no quarto, Jack retruca que eventualmente os bandidos conseguirão entrar. Se há uma salvação, só a encontrarão na cobertura com os demais sobreviventes. Eles ganham os corredores rumo às escadas de serviço. Por pouco não são alvejados por disparos de metralhadoras. A família atinge a cobertura, e os demais turistas sobreviventes, ali reunidos, encerram a passagem que dá para o telhado, isolando o caos abaixo. Por ora, os Dwyer estão a salvo.

As pessoas de bem reunidas naquele espaço procuram compreender a origem do caos reinante. Um cidadão com sotaque australiano orienta Jack a não se aproximar do parapeito, porque os guerrilheiros responderão com tiros. Um turista francês que entende a língua do país explica que os guerrilheiros entoam gritos de "Sangue por água". Inicialmente, ninguém compreende o sentido daquilo, contudo um recepcionista sobrevivente opina que provavelmente os guerrilheiros queiram se referir ao recente contrato entre a multinacional Cardiff e o Governo. Os guerrilheiros ficaram possessos, pois tomaram o acerto como uma afronta à soberania da nação. Eles derrubaram o governo movidos pelo inconformismo, e agora prometem executar qualquer estrangeiro dentro das fronteiras. Subitamente, o rumor de hélices indica que um helicóptero executa uma aproximação, e os sobreviventes comemoram, certos de que o resgate chegou. Quando o mesmo se torna mais nítido aos olhos das pessoas da cobertura, percebem não se tratar de uma Força de Resgate da ONU, e sim dos próprios rebeldes. Antes que os turistas consigam correr, um guerrilheiro a bordo saca a metralhadora e abre fogo, matando várias pessoas no processo. Jack, Annie e as meninas se abaixam bem a tempo de escapar da saraivada de tiros. O piloto executa uma manobra que dá ao atirador novos ângulos para disparos, e ele segue metralhando os turistas remanescentes. Em uma sequência de tirar o fôlego, possivelmente inspirada em "Cliffhanger", do diretor Renny Harlin, o piloto acidentalmente deixa que as pás da cauda se choquem contra a marquise do Imperial Lotus, perdendo o controle sobre o aparelho. O helicóptero entra em parafuso, caindo sobre a cobertura e quase avançando sobre Jack e família, que se protegem por trás de um pilar mais resistente.

Em uma das cenas mais aflitivas, Jack vê que eles foram encurralados na cobertura, pois os bandidos rompem a passagem de acesso. Só há uma chance: saltar para a cobertura seguinte, a cobertura de um prédio menor vizinho. A vista das ruas abaixo, a denunciar a altura a que se encontram, é de provocar vertigens. Annie salta primeiro, e rala os braços e joelhos ao cair na outra cobertura. Jack apanha a menorzinha e sem nada avisar para não deixá-la assustada, a atira no ar, de modo que Beeze cai nos braços da mãe. O grande susto se dá quando Jack vai arremessar a Lucy, que se segura ao pescoço do pai no último segundo e quase provoca a queda de ambos. O pai consegue acalmá-la, e então a joga com sucesso. O último a saltar é Jack. A salvo, ele ainda lança um olhar para o Imperial Lotus. Quem o está observando com ares de predador é o suposto líder do movimento, que exibe o cartaz deixado no lobby: ele sinaliza que sabe que Jack é um dos engenheiros da Cardiff, e que cedo ou tarde conseguirá alcançá-lo.


Pelas janelas do novo prédio, aparentemente uma repartição pública, Jack avista a chegada de um tanque de guerra. Um disparo contra a fachada quase o põe abaixo. Muitos funcionários públicos morrem instantaneamente. Jack reúne a esposa e as filhas e eles se escondem sob os cadáveres, de modo a se passarem por mortos. Ele vê quando soldados fazem o reconhecimento da sala e executam os funcionários ainda vivos. Jack e família permanecem silentes e imóveis até os homens partirem. Começa a escurecer. A sós na sala abandonada daquela repartição pública em um decadente prédio do centro, eles têm um doce momento, quando o pai procura encorajar as filhas. Annie encontra um mapa, ela sabe que devem alcançar a embaixada norte-americana o quanto antes. Ignorante quanto a língua, não faz ideia de onde se encontra a embaixada, mas uma das filhas aponta a bandeira norte-americana em um determinado ponto do mapa. Eles sabem para onde ir. Cauteloso, da sacada, Jack assiste `a cruel execução de prisioneiros de guerra enfileirados de joelhos na rua. Quando esperamos pelos disparos na nuca, na verdade é um caminhão dirigido pelos rebeldes que vem com toda a velocidade e os apanha em cheio, executando-os por atropelamento. As cenas de barbárie apenas se sucedem interminavelmente.

Um mercenário desarmado e mais jovem perambula pelos corredores e acaba indo parar na sala onde Jack e família se esconderam. Ele tenta gritar, porém o americano, agora tomado pela adrenalina, não hesita em matá-lo com duríssimos golpes de luminária na cabeça. Annie testemunha o massacre, chocada. A violência do marido, no entanto, justifica-se pelas terríveis circunstâncias em que se veem metidos. Jack recolhe roupas e se caracteriza como um dos guerrilheiros, tudo para passar despercebido. Esposa e filha também vestem roupas típicas da gente mais humilde da cidade. Friamente, o engenheiro encontra uma viela cheia de motocicletas de soldados, e mesmo entre "companheiros", consegue manter a tranquilidade para interpretar muito bem. Ele encontra uma moto, e mais distante, assovia à esposa e meninas para embarcarem. Faltam apenas alguns blocos até a embaixada. Transitando por vias desertas, a família testemunha a extensão do ataque. A estátua do Primeiro Ministro? derrubada. As lojinhas do centro? vandalizadas. Os hotéis turísticos? chamas os consomem em uma sequência de incêndios que sinalizam a anarquia completa e total ausência do Estado.

Em uma cena para deixar os nervos em frangalhos, quando poucas dezenas de metros os separam da embaixada, a família enxerga uma manada de guerrilheiros, todos celebrando alcoolizados, exibindo metralhadoras, atirando para cima. Annie quase tem um princípio de pânico, e quando barulhos semelhantes a disparos rasgam a rua, ela pede para que Jack dê meia volta e saiam dali. O marido, contudo, compreende a importância de "interpretar o papel" e não levantar suspeitas. Eles percebem que os barulhos vieram de fogos de artifício, e não tiros. Vão passando com a moto vagarosamente entre aqueles selvagens, que não lhes dispensam muita atenção, felizmente. Um jipe dirigido por revolucionários em marcha lenta arrasta os corpos horrivelmente mutilados de cidadãos estrangeiros. Os homens parecem desfilar com um boneco enorme vermelho de chifres, uma representação do Diabo. Há um instante memorável, quando Jack e a família perdem momentaneamente o equilíbrio, e um mercenário presta socorro, para levantar a moto. Eles trocam olhares, e o rapaz nota que os tênis, a cor dos olhos e cabelos do "companheiro" em nada se assemelham ao biotipo de um autêntico revolucionário. Ainda assim, o rapaz parece guardar suas opiniões para si. Jamais sabemos se ele deixou o pressentimento por menos, ou se realmente percebeu se tratar de uma família estrangeira, desesperada para sobreviver e chegar à embaixada, e portanto, por mais dedicado que fosse à causa, resolveu não denunciá-los aos comparsas, poupando-os da maldade coletiva.

A embaixada norte-americana "caiu". Os soldados americanos estão todos mortos, e o caos reinante indica que os rebeldes conquistaram o último bastião de esperança para os Dwyer. Um grupo de bandidos que deixa o prédio naquele exato momento enxerga Jack, e o teriam matado no ato, não fosse a explosão preparada pelos próprios guerrilheiros, que os faz se distraírem, permitindo que o americano fuja. Entre vielas de uma favela, eles chegam à porta de um idoso que aceita lhes dar guarida. Os mercenários não custam a chegar e a varrer o jardim com sinalizadores para descobrirem a família fugitiva. Eles dominam Jack & Annie. Para a mulher, eles têm estupro em mente. Quando estão para barbarizá-los, quem ressurge com muita comoção é Hammond. Ele dá uma de assustado, pede que não atirem, se comporta meio extravagante, e quando os guerrilheiros abaixam a guarda, o britânico saca a pistola e os acerta implacavelmente, tiros certeiros nas testas. Um dos "mercenários" que o ajudou a derrubar aqueles maníacos, que apenas fingia compor a horda, é seu melhor amigo Kenny Rogers. Ficamos felizes de ver a corja tomar aquilo que merece. Kenny Rogers avista de relance a um dos covardes empreendendo fuga. Puxa casualmente o rifle e o executa com um tiro certeiro. Jack e Annie se abraçam, emocionados, gratos pela chegada de Hammond & Kenny Rogers. Os americanos vocalizam a satisfação em vê-los, mas Hammond lhes lembra que não têm tempo para cenas emotivas. Eles precisam dar o fora dali! Quando Lucy começa a chorar, Hammond se agacha na frente da menina e reitera que não há tempo para lágrimas. Ele tira o pingente do pescoço e o coloca na criança. Hammond explica que fora a filha quem lhe dera o pingente, e dissera que enquanto o usasse, nada de ruim lhe ocorreria. Agora, Hammond repassa o amuleto da sorte à menina e lhe garante que nenhum mal recairá sobre sua pessoa ou aos pais.

Hammond os leva a um lugar semelhante a um prostíbulo. Apesar da decadência do local, o britânico se sente entre amigos. Ali, terão como descansar em paz. Ele os guia até uma caixa d'água que oferece uma vista mais ampla do rio. Hammond senta-se com as meninas ao redor de uma fogueira, onde Kenny Rogers assa uma galinha. Depois de pedir que as meninas se alimentem, o britânico chama Jack & Annie em um canto reservado para explicar o plano. Da caixa d'água, ele estende o braço em direção ao rio, prateado ao toque do luar. Se descerem o rio, eventualmente chegarão à fronteira com o Vietnã, onde certamente lhes darão guarida e os livrarão daquele inferno: os rebeldes não terão como lhes causar mal, não uma vez que se encontrem em território vietnamita. Hammond revela que não é apenas mais um turista afoito pela palpitante vida noturna daquele país asiático. Como agente secreto a serviço de Sua Majestade, sua função revolve se infiltrar em locais instáveis como aquele para estudar sua gente e cultura, e preparar terreno para a "invasão" de multinacionais americanas & europeias como a Cardiff. As construtoras chegam, constroem barragens & represas, o país não tem como pagar pela obra, e então o outro país invasor "se apropria" economicamente de interesses nacionais estratégicos. Os povos usualmente não percebem esse jogo de interesses, mas, por alguma razão, quando a Cardiff fechou o contrato com o Primeiro Ministro para instalar uma barragem, os cidadãos se revoltaram a ponto de derrubar o Governo e promover o Golpe de Estado. Jack não imaginava a política envolvida por trás da construção da barragem, e entre os demais envolvidos, parece o mais inocente. Hammond aconselha o pai de família a dormir, pois estarão partindo dentro de 4 horas. Jack e Annie não conseguem relaxar, mas têm um pouco de paz para conversarem. Ele a agradece por tê-lo apoiado ao longo de todos aqueles anos. Annie responde que não se arrepende da devoção à família, e que sem Jack, jamais teria sido mãe daquelas meninas a quem tanto ama.

Quando Jack e Annie finalmente pegam no sono, o americano desperta horas mais tarde ao escutar Hammond e Kenny Rogers à espreita da sacada. Eles sinalizam que não faça barulho, mas então alguém começa a atirar na caixa d'água, acordando Annie e as crianças. Hammond explica que há 4 atiradores em uma torre de observação, e que precisam deixar a caixa d'água e ganhar o caminho para o rio para a arrancada final rumo à fronteira com o Vietnã. Kenny Rogers é atingido na cabeça, porém Hammond põe o vilão abaixo com um tiro na testa. Outro bandido acerta um disparo no lado do britânico, mas ele mantém a compostura, e mesmo à distância estoura seus miolos. Eles alcançam a rua, e certo de que não conseguirá escapar com os americanos, Hammond recusa a ajuda de Jack. A família quer arrastá-lo dali com vida, porém Hammond prefere que escapem sozinhos. Quando um caminhão aponta no começo da rua e sinaliza que investirá à toda velocidade contra os sobreviventes, Hammond tem uma atitude de impressionante valentia e nobreza ao se colocar bem no meio da via, ficar na trajetória, apontar a pistola e fuzilar o motorista. O disparo vara a testa do bandido, e o caminhão capota e explode. Com o seu sacrifício, Hammond livrou o caminho dos Dwyer até o rio. Tragicamente, conforme explicara para Lucy, quando a filha lhe dera o pingente, lhe garantira que nada lhe aconteceria, e ao entregá-lo à Lucy, prometera que seria a criança quem agora estaria protegida por um escudo invisível. E ele estava certo. Hammond jamais voltará para casa, mas os Dwyer ainda têm uma chance.

Ao atingirem as margens do rio, Jack tem um momento de fraqueza. Ele pensa em desistir da jornada, as chances batem na casa do zero. A esposa consegue trazê-lo de volta ao equilíbrio, e o rapaz recupera a firmeza para concluir a aventura. Em vias de conseguir um barquinho para descer o rio, 4 bandidos fazendo a varredura na favela ribeirinha o flagram escondido debaixo de uma canoa. Jack luta com os homens, mas eventualmente acaba rendido. Lucy se desespera e sai do esconderijo. O líder do grupo se diverte, colocando uma arma na mão da criança para ver se a garota tem coragem de fazer mal ao pai. Não há limites para a selvageria dos revolucionários. Depois de alguns minutos de puro sadismo, pai e filha indefesos nas mãos dos guerrilheiros, Annie chega por trás, e derruba o líder com um golpe de remo na cabeça. Jack toma um revólver e abre fogo à queima roupa contra os demais. Furiosa, com todo o ódio acumulado por aquela gente, Annie segue golpeando o líder, já desfalecido no chão, pancadas fortíssimas na cabeça em um interminável sobe e desce, até esfacelar o crânio do mercenário.

A família Dwyer embarca na canoa e desce o rio. A fronteira com o Vietnã já pode ser vista a olhos nus. Canhões de luz são subitamente acesos, e soldados vietnamitas ordenam que parem de remar. Jack exclama que buscam asilo, são uma família de norte-americanos cujas vidas correm graves riscos do outro lado da fronteira. Nisso, os guerrilheiros aparecem às margens e apontam os rifles ao barquinho. Os soldados vietnamitas determinam que os americanos agora se encontram no lado do Vietnã, e que se os rebeldes ousarem disparar, executarão uma manobra equivalente a um ato de declaração de guerra. Os revolucionários sabem que agora não estão apenas atormentando uma família indefesa. Eles se meteram com as Forças Armadas de um outro país. Os "valentões" guerrilheiros, assim como qualquer covarde, "colocam o rabo entre as pernas", abaixam as armas e saem. Acolhidos por barcos da Guarda Costeira, a família se abraça, finalmente absolvida daquele pesadelo. Um tempo depois, os reencontramos em uma gloriosa manhã recuperando-se em paz em um arejado quarto de hospital, todos reunidos na mesma cama. Jack conta uma linda história sobre o nascimento de Lucy. Ele e Annie estavam tão felizes que não notaram que a bebezinha não respirava. Jack filmava o parto, pensava que seria o mais importante momento da vida, porém de um minuto para outro o médico o aconselhou a parar, pois parecia haver algo de errado com a filha, e o engenheiro foi tomado por muita angústia e expectativa. Logo, outros médicos apareceram na sala de cirurgia para reanimar Lucy, mas então Jack simplesmente lhe sussurrou, "Respire, Lucy, respire", e como mágica, o bebê voltou a respirar e tudo terminou bem. Jack jurou naquele momento que protegeria as mulheres de sua vida e sempre as manteria fora de perigo... e ele honrou a promessa.

John Erick Dowdle, um dos mais excitantes diretores do horror, retorna às telas de cinema com esse empolgante suspense que parte de uma consagrada fórmula e a expande a novos, interessantes horizontes. O talentoso cineasta, que já no filme de estreia "Poughkeepsie Tapes" sinalizava coisas grandiosas por vir, sustenta o excelente momento na carreira, seguindo o sucesso de público & crítica de "As Above so Below" com uma nova aventura em um país estrangeiro. Se antes seus heróis viveram uma fuga aterrorizante através das catacumbas sob Paris, Dowdle agora aterrissa em um país inominado do Sudeste da Ásia para mais um espetáculo de puro terror. "Horas de Desespero" não somente representa um momento feliz na filmografia do cineasta, como também permite a seus atores, todos artistas consagrados vindos de gêneros tão distintos, reinventarem-se neste implacável, claustrofóbico conto que os lançará a uma terra longínqua e estranha onde a Lei como a conhecemos não se aplica. Curiosamente, a minha observação revisita a novidade iniciada com o último filme analisado no blog, o extraordinário "O Presente", dirigido/estrelado por Joel Edgerton: se em "O Presente" tivemos o prazer de assistir a Jason Bateman, tão familiarizado a comédias inteligentes, entregar uma performance perfeita em um thriller de mistério, desta vez é Owen Wilson, um ator muito querido que conquistou fãs em filmes dramáticos/românticos como "Marley & Eu", quem passa pelo teste do fogo em uma obra de absoluta desesperança & horror, e sai vitorioso ao final. Coadjuvado pelo astro Pierce Brosnan, que há muito tempo não se divertia tanto, Wilson prova a versatilidade, silenciando os críticos que o associam primordialmente a comédias românticas, comandando agora a atenção no papel de um pai de família hesitante, mas heroico, por quem torcemos do começo ao explosivo fim. Ele interpreta o tipo de papel que tornou Harrison Ford famoso: o herói relutante cuja empatia com o público se dá pelo viés da identificação. Conhecido pelo jeitão bem-humorado & simpático com que conduz suas performances, Owen Wilson traz à vida um bom pai & marido que mesmo vacilante descobre dentro de si o heroísmo para ir superando os obstáculos que aparecem no caminho até a fronteira com o Vietnã. Apesar das proezas impressionantes que consegue realizar no caminho, Wilson jamais nos é apresentado como um super herói imbatível. Seu charme reside nos instantes de vulnerabilidade que emulam o tão importante realismo, como na cena quando se encontram a apenas algumas dezenas de metros do rio, e ele tem um momento altamente emocional e chora. Sua performance funciona como uma espécie de releitura do que o astro Jon Voight fez tão maravilhosamente em "Deliverance", de 1972, do diretor John Boorman. Brosnan, por sua vez, se diverte como nunca. Eu imagino que ele deva ter encarado a oportunidade de interpretar Hammond como uma revisita ao seu papel mais famoso: Hammond é um ex-agente secreto britânico, e ao vê-lo em cena com camisa havaiana, barba por fazer, meio alcoolizado e com uma protuberante barriga, eu não tive como deixar de imaginá-lo como uma versão alternativa de 007, ou melhor, James Bond após a aposentadoria! Eu imagino o 007 meio barrigudo e de barba rala namorando as garotas locais em nightclubs de algum país asiático, ou mesmo da América do Sul, quem sabe o Brasil, e se divertindo entre rodadas de drinques e partidas de karaokê. No instante da grande virada, quando Annie está em vias de ser estuprada por bandidos malévolos e cruéis, e Pierce Brosnan subitamente saca a arma e elimina os vilões em um piscar de olhos, não temos como deixar de torcer e aplaudir, pois associamos imediatamente o personagem ao papel heroico que o tornou um astro muito querido. Assim como ocorre a Rocky, Rambo, Superman & Os Vingadores, James Bond compõe o imaginário de heróis queridos por quem amamos torcer. Sempre é fantástico assistir a vilões levando o castigo que merecem, mas vê-los encontrando um fim pelas mãos de um ícone é ainda melhor!

Com "Horas de Desespero", o diretor John Erick Dowdle reciclou a saudosa fórmula dos filmes de George Romero ("A Noite dos Mortos-Vivos" & "Dia dos Mortos"), e a partir da vencedora premissa - a luta pela sobrevivência contra uma horda incontrolável e maciça de zumbis - derivou a trama com sensacionais sacadas que imbuíram o trabalho de um ar de sofisticação e novidade. Enquanto nos filmes de George Romero os protagonistas se viam cercados por mortos-vivos movidos unicamente pelo apetite, o diretor Dowdle substituiu a massa de zumbis por uma outra composta por monstros com faces humanas, dotados de inteligência. Nesse sentido, ao passo em que nos clássicos a questão resumia-se à sobrevivência de pessoas comuns em situações extraordinárias envolvendo mortos-vivos imparciais e selvagens, os monstros do filme de Dowdle são "politizados", dotados da inteligência que lhes permite fazer algo mais do que simplesmente avançar em direção às vítimas ou mesmo demonstrar incongruente compaixão (quando apesar de identificá-los como estrangeiros, um revolucionário omite a descoberta movido por uma consciência). Os protagonistas de "Horas de Desespero" não apenas precisam sobreviver a uma multidão de pessoas furiosas, também devem contar com a inteligência para se evadir de todos os becos sem saída a que os guerrilheiros tentam empurrá-los ao longo da jornada. Quando assistimos a algo como o excitante "Madrugada dos Mortos", de 2004 (por sua vez um remake do original de Romero, "Dawn of the Dead", de 1978), os sobreviventes enclausurados dentro de um shopping center deserto enquanto do lado de fora milhares de zumbis se agregam para invadir, podemos assumir que por mais absurda que pareça a diferença numérica entre os monstros e os poucos sobreviventes, os heróis podem confiar no próprio raciocínio lógico para armar uma estratégia apta a compensar a brutal desigualdade. A regra não se aplica a "Horas de Desespero", pois os inimigos não apenas estão em pé de igualdade com a presa, no que se refere à capacidade de raciocinar, eles são cidadãos locais, conhecedores das rotas de escoamento da região. O filme tem recebido críticas de "unidimensional". Para os detratores, os asiáticos ou são exibidos como selvagens sanguinolentos ou bucha de canhão. Eu gostaria de defender o diretor e mencionar que em aproximadamente 100 minutos ele precisa eleger as prioridades. Imagino que Dowdle teria apreciado mais tempo para destrinchar os guerrilheiros, ou parte deles, todavia sabe que precisa olhar para seus protagonistas, a família norte-americana, com mais cuidado. A extensão da caracterização dos revolucionários deixa a desejar. De fato, devem ser vistos como um todo só, uma grande massa destruidora, talvez nos mesmos moldes do que Clive Barker escreveu em "In the Hills, the Cities". Não exclusivamente as obras de George Romero parecem ter influenciado o diretor Dowdle. Ao examinarmos o plano de fundo da trama - o fim de qualquer resquício de ordem social, uma sociedade mergulhada no caos, a inutilidade de normas e regras - "Horas de Desespero" nos devolve ao mesmo cenário da eletrizante franquia "Uma Noite de Crime", sobre a qual discorri extensivamente neste blog. Mais especificamente, o formato da aventura de John Erick Dowdle pega emprestado muitos elementos de "Uma Noite de Crime 2", que também lança os personagens em uma selvagem batalha pela sobrevivência tendo downtown Los Angeles como palco. Ironicamente, somos levados a crer que ao menos em downtown Los Angeles aquela gente se sentiria ao menos familiarizada com o bairro, certo? Pois saibam que não. Levantado o peso das regras inibitórias do Estado, as normas atiradas ao cesto de lixo, downtown Los Angeles parece um coliseu de batalha alienígena e misterioso, tão indecifrável e imprevisível quanto um país qualquer do Sudeste da Ásia. A visão apocalíptica de uma cidade em caos, a seu turno, presta homenagem a "Extermínio 2", de Juan Carlos Fresnadillo, estrelando Rose Byrne, sobre uma Londres em quarentena em razão de um vírus potencializado da Raiva, e os soldados (Rose Byrne & Jeremy Renner) que lutam para tirar duas crianças sãs & salvas daquele inferno de infectados. Diferente de "Extermínio 2", onde infelizmente o diretor Fresnadillo não consegue tornar envolvente a relação entre os personagens, dos protagonistas de "Horas de Desespero" emana um senso de família unida, da primeira à última cena, e os laços de amizade que fazem com Kenny Rogers & Hammond parecem críveis e sinceros, cheios de passagens contundentes, como quando o personagem de Pierce Brosnan passa à Lucy sua mais valiosa posse, o pingente. Sob um ponto de vista mais realista, o plano de fundo para a trama não se deve exclusivamente à fantasia. Algo no tom da produção de John Erick Dowdle me fez pensar no assombroso "The Killing Fields", a produção de 1984 vencedora de diversos Oscar que reconta um determinado período de horror da História Cambojana, cidadãos aprisionados a um pesadelo, de 1975 a 1979, anos que envolveram a escalada ao poder e posterior queda do Regime do Khmer Rouge. Em muitos documentários sobre o holocausto cambojano, podemos assistir a imagens reais daquela manhã de 17 de abril de 1975 quando o Khmer Rouge marchou vitorioso para dentro de Phnom Penh. Inicialmente, as pessoas os receberam com aplausos e manifestações de carinho, todavia em questão de horas os revolucionários mostraram suas verdadeiras intenções, ao tanger aquela gente inocente como gado, agrupando-a para a marcha, através da qual esvaziariam a capital e as levariam a viver em fazendas coletivas onde seriam submetidas a toda sorte de lavagem cerebral, tortura e sofrimento psicológico. O filme "The Killing Fields" reconta essa macabra história com riqueza de detalhes, vista através dos olhos de Dith Pran, jornalista & intérprete cambojano a serviço do The New York Post que se vê arrastado de uma hora à outra a aquele turbilhão quando o Khmer Rouge sobe ao poder. O papel valeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante ao Dr. Haing S. Ngor (um médico na vida real, que sentiu na pele os horrores do Regime). Na ocasião do recebimento da estatueta disse que seu coração finalmente se sentia em paz, pois acreditava que realizara algo perfeito ao denunciar, com seu filme, os horrores perpetrados por aqueles monstros. Talvez, a força da obra se deva à exposição à esmagadora indiferença fatalista do destino: imagine encontrar-se em Phnom Penh bem na manhã daquele golpe. O que você faria para se evadir da manada? "Horas de Desespero" provoca a desafiadora questão, com um adendo: é claro que ninguém gostaria de dar um passo em direção ao mais absoluto totalitarismo, no entanto considerem ver-se encurralado em tamanha cilada ao lado de pessoas que você ama, esposa e filhos por exemplo. Só a premissa soa suficientemente angustiante. Não se trata apenas de seu bem-estar, a equação envolve as pessoas que você mais ama. Curiosamente, ainda no que importa à inspiração em fatos verídicos, John Erick Dowdle usou como massa de modelar um evento do passado, quando criança: seu pai o havia levado à Tailândia com o irmão Drew, quando sem sobreaviso um coup d'État derrubou o Primeiro Ministro. Claro, os eventos não se desdobraram da maneira tenebrosa que assistimos no filme, porém Dowdle menciona que se recorda da atmosfera de inquietação e incerteza nas ruas, um sentimento geral de impotência diante de circunstâncias políticas imprevisíveis. Ao longo de todos aqueles anos, ele se perguntou o que teria acontecido se as coisas tivessem de fato saído dos trilhos, e o resultado foi o roteiro e mais tarde o filme, ambos fundamentados em um episódio marcante da infância, o período de nossas vidas em que nossos maiores horrores são formados.

Tecnicamente, "Horas de Desespero" não deve ter sido um filme fácil de rodar. Ao assistir a produções recheadas de cenas de batalha, seja guerrilha urbana, sejam embates à espada estilo "Excalibur", sequências de grandes conflitos sempre me deixaram intrigado, pois não consigo sequer imaginar a dificuldade para conceber coreografias tão complicadas, a envolver o trabalho coordenado de uma infinidade de pessoas. Se dirigir uma cena de ação típica demanda de um cineasta e equipe dias até parecer esteticamente bela para as câmeras, imaginem a mesma coisa, rodada sob uma escala infinitamente maior, e ao invés de dois atores no "mano a mano", multidões se digladiando impiedosamente, estilo "Coração Valente"? A guerrilha em "Horas de Desespero" segue o estilo e a dinâmica do recente "5 Dias de Guerra", do diretor Renny Harlin, uma aventura sobre o recente conflito Rússia/Geórgia em 2008 estrelado por Rupert Friend e grande elenco. Assim como ocorre na produção de Harlin, no filme de John Erick Dowdle, enxergamos tanques marchando pelas ruas, caminhões de milícia, prédios decadentes carcomidos pelo conflito bélico a se dar em plenas vias públicas e, de maneira geral, a atmosfera de completo desespero, apropriada a circunstâncias tão dramáticas que mesmo hoje ainda compõem parte da História Moderna. A realização de cenas semelhantes deve demandar uma sincronia invejável de diversos profissionais, e em "Horas de Desespero" as situações de conflito urbano gozam do realismo que não abre espaço a dúvidas quanto a gravidade do prognóstico político e instabilidade nas ruas. Em cenas do tipo, eu costumo não prestar muita atenção ao foco, ou melhor, aos protagonistas, e sim ao plano de fundo, para verificar se o caos parece real, e enquanto Owen Wilson ocupa o primeiro plano, atrás do herói e por todos os lados a revolução parece muito autêntica. "Horas de Desespero" te arrastará a uma zona de guerra como poucos filmes fizeram antes.

Incrivelmente eletrizante, "Horas de Desespero" é um dos filmes mais completos de 2015, pois cobre um amplo espectro, oferecendo a todos um pouco do que gostariam de ver no cinema: quem sente falta da tensão incessante de "Extermínio", "Madrugada dos Mortos" e os clássicos de George Romero encontrará uma intrigante variação da consagrada fórmula "sobreviventes vs. mortos-vivos"; quem há muito deseja ver um thriller como os de antigamente, sobre protagonistas hostilizados em um meio que ignoram, estilo "Deliverance" & "Sob o Domínio do Medo", admirará a habilidade com que Dowdle acessa a paranoia de se encontrar em uma terra misteriosa e ameaçadora; aqueles que preferem não pensar bastante, apenas se desligarem por 100 minutos com um filme de ação revestido dos melhores valores dos sucessos do passado também apreciarão "Horas de Desespero". De toda sorte, considerando o termômetro mundial e o conturbado período da geopolítica que o planeta atravessa, tramas como a do filme de John Erick Dowdle jamais pareceram tão sinistramente possíveis & próximas.
 
Todos os direitos autorais reservados a Weinstein Company. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

"Big Game" (Alemanha, 2014) – Samuel L. Jackson, um dos melhores e mais queridos astros de ação, é o Presidente dos Estados Unidos, e ele nunca se divertiu tanto quanto neste passeio cheio de bom humor, emoção & aventura através do túnel do tempo! Desta vez, a melhor chance do Presidente reside nas mãos de um garotinho de 13 anos armado com arco-e-flecha & atitude!

Vocês se lembram de quando os filmes de ação realmente nos cativavam, a ponto de torcermos e reagirmos conforme o rumo que a aventura nos levava? Vocês se recordam de um modo de se fazer cinema que hoje parece extinto, e apenas ocasionalmente você reencontra em joias lançadas no mercado direto-para-DVD estilo "Skin Trade" e "Outlander Guerreiro vs. Predador"? Fiquem de olhos abertos para não perderem um dos melhores filmes de ação de 2015. Se você foi uma criança nos anos 80 ou veio depois, mas aprendeu a cultivar amor pelos filmes daquela Era, fique certo de que em 2015 não encontrará melhor oportunidade para dar uma deliciosa volta através do túnel do tempo. Senhoras e senhores, conheçam "Big Game"!

Oskari (Onni Tommila) acaba de completar 13 anos de idade, e conforme a tradição de uma vila de caçadores na inóspita imensidão das montanhas na Finlândia, terá de mostrar o valor em uma espécie de rito de passagem a que os homens devem se submeter. Os adultos o deixarão a sós na natureza selvagem, para que dentro de um dia regresse à vila com uma grande caça, de modo a provar que de fato cumpriu a transição da infância para a maturidade. Oskari e seu pai, o respeitado caçador Tapio, visitam a cabana reservada a passar adiante a memória daqueles que já se submeteram à prova de fogo. As fotos mostram os cidadãos da vila, ainda jovens, orgulhosos ao exibirem seus troféus, sejam cabeças de ursos ou chifres de veados. Oskari apanha a foto do pai, batida quando Tapio tinha a mesma idade do garoto, em 1968, e a guarda dentro do bolso, certo de que a inspirará a dar seu melhor. No caminho para a entrada da cordilheira, Tapio entrega um mapa ao filho e chama a atenção para um círculo feito com caneta porosa vermelha. Ele explica ao menino que faria melhor procurando os cervos naquela porção da cordilheira. Tapio o orienta a se pôr de pé antes mesmo do amanhecer e sempre se guiar pela direção do vento.


Durante a abertura da cerimônia presidida por Hamara, o mais velho dos caçadores, Oskari é convidado a manusear o arco para exibir a força, uma forma de atestar que se encontra preparado para os desafios que as montanhas imporão. Quando para a vergonha de Tapio e principalmente do menino ele não consegue reunir forças para puxar totalmente a corda para trás, o veterano orienta o pai a desistir da empreitada: o menino não parece pronto. Tapio insiste que o filho os surpreenderá positivamente. Os demais caçadores se agregam na clareira para acampar e esperar pelo retorno do menino no dia seguinte, preferencialmente com uma impressionante caça. Tapio mostra ao filho como guiar a motocicleta e a carroceria acoplada. Em um discurso diante de seus homens, Hamara lembra, enquanto o menino parte para a missão: "A floresta é uma rigorosa juíza de valores. Ela dá conforme o mérito. Nada é dado gratuitamente, na verdade exige força e luta. Um garoto acaba de rumar para a natureza selvagem, mas voltará um homem!".

A muitas milhas dali, um cavalheiro faz a barba diante do espelho. Ele passa os dedos sobre uma cicatriz no peito, típica de quem passou por uma cirurgia cardíaca de gravidade. O grandalhão se chama Agente Morris (Ray Stevenson) e ele é o guarda-costas mais próximo do Presidente dos Estados Unidos. Uma tomada externa nos mostra o enorme avião Força Aérea Um ladeado por caças de guerra. Morris veste o colete com certa dor e mastiga analgésicos. Ao passear pelos corredores do Força Aérea Um, ele avisa ao staff do Presidente que deverão pousar em Helsinque dentro da próxima hora. Morris se reúne ao Presidente William Alan Moore (Samuel L. Jackson) na cabine. Os dois têm uma longa história juntos: no passado, Morris se meteu na frente do Presidente para tomar uma bala e salvar a vida do chefe (daí a marca no peito). A heroica ação lamentavelmente deixou sequelas, pois por uma questão de precaução os cirurgiões jamais retiraram os fragmentos do projétil. Sabe-se que um dia os fragmentos se aproximarão do coração a ponto de provocar um infarto fulminante. Em razão de sua condição inconstante, apesar da estima que tem pelo guarda-costas, o Presidente Moore não tem outra alternativa, que não o aposentar, o que deverá acontecer ao regressarem da viagem para Helsinque. Moore folheia um jornal, desanimado. Sua presidência vive o pior momento político, e a última coisa que deseja é aturar a chatice de uma conferência em Helsinque. Morris vê que o Presidente escondeu os biscoitos de chocolate que a Primeira Dama o proibiu de beliscar. Brincalhão, o guarda-costas recomenda que seu patrão não se negue o prazer & coma enquanto há tempo. Eles interagem como amigos, porém algo no olhar de Morris indica que um plano traiçoeiro foi urdido. O guarda-costas avisa que se encontrarão de meia hora, e se despede.
Oskari monta acampamento às margens de um córrego, e sobe e desce o curso do mesmo na esperança de topar com um grande cervo. Treinando o arco e flecha, ele se sente frustrado por não conseguir puxar a corda ainda, e mesmo quando esboça um disparo, a flechada não parece contundente o suficiente para penetrar o tronco. Oskari fantasia derrubar um cervo, cortá-lo com uma faca de caçador e, como os homens da vila, comer o coração da presa para marcar a transição para a fase adulta. Para seu azar, a caça ainda não deixou o fértil terreno da fantasia infantil. Naquelas redondezas, um helicóptero de safari transporta um cavalheiro e 3 secretários, rente às copas das árvores. O guia os levará a uma área onde o cliente terá a oportunidade de encontrar as melhores caças. Ao chegarem, o cavalheiro, chamado Hazam (Mehmet Kurtulus), escolhe um platô mais elevado que abre para um vale ladeado por pinheiros e, ao longe, oferece uma espetacular vista da abertura entre as cordilheiras. Os "secretários" descarregam os "equipamentos", na verdade lança-mísseis chineses capazes de derrubar aviões comerciais. O guia se assusta com a cena e pergunta se são terroristas. Hazam sugere que o homem trate de correr, e, apavorado, o guia empreende fuga bem à vista dos terroristas. Hazam deseja testar seu lança-mísseis. Depois que a vítima se afasta o suficiente, Hazam efetua um disparo certeiro. A arma está pronta para fazer estrago.

Morris realiza uma visita ao cockpit. Os ânimos são os melhores, o avião deve chegar a Helsinque em menos de 45 minutos. Morris consulta o relógio de pulso, como que esperando por um determinado evento. Subitamente, o staff reporta que o Força Aérea Um encontra-se sob a mira a laser de armas em terra. Os pilotos dos caças reportam a mesma situação. Ao tentarem adotar as medidas adequadas a rechaçar o ataque, o staff descobre que o sistema sofreu inexplicável pane. Morris lembra os companheiros que devem dar prioridade ao Presidente, e  praticamente o arrasta à força até a cápsula de fuga. O Presidente tenta argumentar com seu guarda-costas, mas Morris é enfático. Ele alerta que estão sob ataque. A cápsula será ejetada em segurança, e quando chegar à terra firme, o Presidente deve aguardar pela chegada de Morris e os demais agentes do serviço secreto. O Presidente é atirado em segurança para fora do Força Aérea Um. Os colegas de Morris vestem os paraquedas e tratam de saltar. Na boca do cargueiro, um dos rapazes comenta que os paraquedas não estão abrindo, e seus companheiros estão caindo para a morte certa. Antes que o rapaz entenda a cilada em andamento, Morris saca uma pistola e atira à queima-roupa. Em seguida, veste o único paraquedas realmente funcional, e pula tranquilamente, bem a tempo de escapar do Força Aérea Um, que é atingido irreversivelmente por mísseis, assim como o são os caças.

Nas montanhas, ao final da tarde, não custa a escurecer. Oskari cruza a floresta em sua motocicleta quando subitamente se assusta com luzes vermelhas vindo de cima e a súbita mudança no sentido do vento. Acho que qualquer pessoa no lugar do garoto imaginaria algo como OVNI, mas o que Oskari enxerga é o enorme Boeing vindo abaixo em plena floresta, deslizando "de barriga" e perdendo parte da fuselagem no processo, deixando um rastro de destruição até parar em um lugar indeterminado. Claro que o Presidente não se encontra mais ali dentro, lembrem-se de que ele foi ejetado na cápsula. No Pentágono, na sala de controle, uma unidade antiterror logo se forma. O Vice-Presidente (Victor Garber) está presente à reunião, assim como General Underwood (Ted Levine) e o especialista em terrorismo Fred Herbert (Jim Broadbent). Perspicaz, é Herbert quem ventila que o ataque partiu "de dentro". O Força Aérea Um é um avião preparado para todas as ameaças externas. A equipe teria tempo para preparar as medidas para impedir que os mísseis atingissem o avião. Alguém da própria equipe deve ter sabotado o sistema de defesa. Ele lembra que o avião se preparava para aterrissar, descendendo em uma rota de pouso rumo ao aeroporto de Helsinque. Mísseis teleguiados, superfície para ar, teriam como causar estrago. A sala de controle programa os satélites norte-americanos para aquela distante região na Finlândia, e organiza a desencontrada missão de resgate.
 
Morris pousa em segurança em algum ponto da floresta. Ele se identifica no rádio, "aqui é agente Echo-Mike, alguém me recebe?". Ninguém responde, afinal nenhum dos outros agentes, alheios à trama macabra, sobreviveu à queda. Em outro lugar, Oskari se depara com a cápsula presidencial. O Presidente precisa que alguém acione, do lado de fora, a sequência correta para destravar a pesada porta. Ele escreve com o dedo na janelinha a sequência correta, "1492", e o menino a põe no teclado, liberando a abertura. Oskari sai correndo, ainda assustado, e observa o Presidente emergir, à distância. O Presidente William Alan Moore risca o sinalizador e pede para que seu salvador mostre a cara. Oskari arremessa seu rudimentar "telefone", na verdade dois copinhos ligados por um cordão. "De que planeta você vem?", é a primeira pergunta do menino. O Presidente responde "Eu sou da Terra! É uma criança que está falando?". Oskari finalmente decide aparecer, e pergunta quem William é. O Presidente fica surpreso ao não ser reconhecido, porém apresenta o passaporte e ganha a confiança do menino. Na sala de controle do Pentágono, há uma prematura comemoração quando os helicópteros do resgate comunicam a proximidade do sinal emitido pelo transponder. Eles acabam realizando uma "batida" em um humilde rancho perdido na vastidão da Noruega: o transponder havia sido apartado da cápsula e plantado em outro lugar, que nada tinha a ver com o ponto da queda, justamente para enganar as forças de resgate e ganhar tempo para os terroristas.

Herbert, o consultor da CIA, reitera que pelos elementos colhidos, trata-se da ação de um "chacal solitário", um homem dissociado de qualquer ideologia radical, movido exclusivamente por razões bem pessoais. Embora na sala de controle o consenso seja de que o Presidente tenha sido morto, Herbert lembra que o intento dos vilões pode ser capturá-lo com vida para se vangloriarem na internet e enumerar exigências absurdas. Descobrimos que o amargurado Morris trabalha para Hazam. Quando Hazam, Morris e seus asseclas chegam ao exato ponto da queda da cápsula, mal contêm a alegria, Hazam até mesmo pedindo a um dos subordinados para preparar a máquina fotográfica para o grande momento, a retirada do Presidente. Para surpresa geral e especial fúria de Morris, não encontram William Alan Moore ali dentro. Longe dali, Oskari e William se conhecem melhor. O garoto fala da enorme sorte em o Presidente ter sido encontrado, pois a cápsula caíra em uma região inóspita das montanhas, particularmente frequentada por ursos. Quando William pergunta a Oskari se o menino consegue matar um urso, o garoto titubeia, e insiste que um dia virá a ser tão admirado quanto o pai Tapio. Oskari determina que passará a chamar o novo amigo de "Presidente", e pede para que William o chame de "Ranger". William não acredita na sorte ao se deparar com a motocicleta de Oskari, uma alternativa até que chegue `a cidade mais próxima. Oskari, no entanto, não quer saber. William insiste. "Meu jovem, trata-se de uma emergência nacional, preciso confiscar seu veículo", tenta arrazoar, o Presidente, porém o menino retruca "E trata-se de meu aniversário. A floresta é enorme, e, sozinho, você vai se perder. Minha floresta, minhas regras. Sente-se aí atrás", Oskari ordena, e em uma cena bem-humorada, William engole o orgulho e vai se sentar na carroceria, Oskari no comando da motocicleta.

Morris e Hazam tentam compreender como o Presidente conseguiu se evadir da cápsula. As pegadas de Oskari chamam a atenção do agente, que deduz que outra pessoa, surpreendentemente uma criança, o ajudou a fugir. Hazam faz um sinal com a cabeça para um de seus homens, mas Morris é mais rápido. O agente saca a arma e mata o subordinado de Hazam. Furioso, esbraveja que o plano continuará o mesmo: ele entregará o Presidente com vida a Hazam, e o terrorista efetuará um depósito milionário na sua conta bancária. Hazam pergunta se tudo correrá como planejado, e Morris explica que até que o Pentágono junte as peças do "trabalho interno" envolvido na derrubada do Força Aérea Um e remaneje os Seals para o local correto, terão tempo para agir. Na sala de controle, Herbert continua a disparar suas assertivas deduções: parte dos terroristas deve ter se infiltrado sem chamar atenção ao contratar os serviços turísticos de transporte e caça na Finlândia. Deste modo, puderam embarcar com armas em um helicóptero sem levantar suspeita. Os mais potentes satélites são reprogramados para unirem forças sobre a região onde o drama está se desenrolando.

Ao chegar ao vale, Oskari consulta o mapa, e parece animado. Ele conta que Tapio sinalizara o ponto como a passagem onde o trânsito de veados se intensifica. Eles devem aguardar atentos até as primeiras horas da manhã, quando provavelmente uma excelente caça surgirá diante da mira de seu arco e flecha. William, claro, acha tudo uma maluquice, porém de uma maneira doce vem a se acostumar às excentricidades do jovem caçador! Aqui, vale mencionar que as imagens que são exibidas na tela tiram o fôlego tamanha sua riqueza, e ao invés de escrever laudas e mais laudas sobre a simplicidade e beleza lírica de dois estranhos agora amigos comendo e conversando às margens de uma fogueira sob uma noite de manto estrelado, prefiro que os amigos confiram o lindíssimo take acima. Demonstrando profundidade, o diretor Jalmari Helander, também roteirista, presenteia seus personagens, interpretados tão impecavelmente, com linhas e mais linhas de diálogo cheias de contundência e verdade. "Como é ser poderoso?", "Ranger" pergunta, ambos provando salsichas ao gosto da fogueira. "Poder é efêmero", William analisa, "algumas horas atrás, eu poderia ordenar que a maior força bélica do planeta invadisse e conquistasse qualquer outro país neste mundo, agora não consigo nem pedir pizza". Oskari fala sobre o significado daquele rito de passagem na sua vida, e exibe orgulhoso uma foto de Tapio, em 1968, aos 13 anos, retornando triunfante com a cabeça enorme de um urso. O Presidente comenta a semelhança entre Tapio na foto e Oskari hoje. "Quando eu voltar, ninguém mais vai rir de mim. Você precisa ser duro na Finlândia", Oskari observa. William coloca sua posição, "Às vezes, basta parecer duro", e prossegue contando a história de uma vez em que foi fazer um importantíssimo pronunciamento e o mundo inteiro estava de olho em sua pessoa. Ele havia ido urinar, e sem querer, feito uma trapalhada ao fechar o zíper. "Procure o vídeo no Youtube, veja se você nota a forma como eu casualmente seguro as notas na frente da calça, mas também preste atenção que enquanto faço o pronunciamento, minha voz não hesita, minhas mãos não tremem, eu comando todas as atenções. Por dentro, eu estou em frangalhos, aterrorizado com a possibilidade de ser lembrado pela História como o Presidente que urinou nas calças, porém por fora sou uma rocha".

Na manhã seguinte, o Presidente desperta assustado, mas se tranquiliza ao ver o menino mais à frente, imitando um cervo para atrair os veados. Oskari avisa que o sentido do vento encontra-se a favor da rota. "Feliz aniversário, por falar nisso", o Presidente o parabeniza. Oskari encontra um sapato e o mostra a William, afirmando que deve se tratar do par perdido do Presidente. Ao descer um pouco mais pela trilha, o garoto é surpreendido por um refrigerador, ali no meio do nada, alimentado por um gerador. Oskari encontra a cabeça de um cervo e uma carta do pai dentro, lhe desejando feliz aniversário. Subitamente, fica claro ao menino por que Tapio insistiu para que se deslocasse para o ponto grafado no mapa. Tapio havia preparado o freezer com a cabeça do cervo. Apesar de compreender a boa intenção do pai, Oskari se sente humilhado. É como se Tapio jamais tivesse acreditado na capacidade do filho de abater um veado daquele tamanho. Mais acima, William encontra os corpos dos agentes estatelados nas rochas. Um exame mais atencioso dos paraquedas revela que os cabos haviam sido criminosamente incapacitados por alguém do grupo. O Presidente começa a somar as peças, a perceber que algo de estranho se sucedeu, e apanha a metralhadora de um dos corpos. Presidente e caçador parecem alheios ao perigo. Morris, Hazam e os terroristas são atraídos pela réstia de fumaça a escapar da fogueira do ponto onde a dupla passou a noite. Quando camuflado por trás de uma rocha o Presidente enxerga Morris ao lado do notório terrorista, deduz que foi o agente secreto o mentor da traição. Exibindo a caixinha de suco, Morris anuncia que William deve estar próximo. Hazam ordena que os rapazes chamem o helicóptero.

William corre atrás de Oskari e o encontra chorando, sentado em cima do freezer. O garoto desabafa e conta que nem mesmo o pai acredita no seu potencial. William procura consolá-lo, e o presenteia com um broche com as cores da bandeira americana. "É um lembrete de que você me encontrou, me resgatou e me ajudou... e que eu acredito em você", William o consola. O Presidente explica ao menino que a derrubada do Força Aérea Um não foi acidental, e que homens muito malvados estão a caminho. Determinado a preservar a vida da criança, William explica que eles precisam se separar. O garoto deve se afastar o máximo possível do Presidente, e deixar as montanhas em segurança. William promete que saberá tomar conta de si. Oskari, no entanto, não abandonará seu novo amigo. Morris aparece, com a ladainha sobre estar impressionado com a resiliência do Presidente, e que se ele tivesse sido um líder melhor, nada daquilo teria acontecido. William pede que os bandidos deixem a criança fora daquilo, mas Oskari novamente sinaliza que não vai dar as costas. Ele tenta atirar com o arco e flecha, mas o disparo sai errado, e Morris faz pouco da habilidade do jovem caçador. O agente secreto se aproxima ameaçador, e William aponta a metralhadora, ordenando que pare, senão atirará. Morris toma a metralhadora das mãos do Presidente e o humilha dizendo que primeiro precisa aprender a destravar a arma para atirar. Morris aproveita-se da vantagem e o derruba com alguns golpes. Embora saibamos que eventualmente o Bem triunfará sobre o Mal, ao menos naquele instante tudo parece perdido. Oskari obedece a ordem de William e parece se afastar da situação, subindo o paredão e apenas aparentemente deixando o vale.

Hazam e seus asseclas chegam de helicóptero. Eles aproveitarão o freezer para "guardar" o Presidente e transportá-lo até o cativeiro. Ele é aprisionado no freezer, e içado pelo helicóptero. Oskari, que observa o drama à distância, encontra dentro de si a coragem para agir, e quando o helicóptero está para carregar o freezer, executa um salto nas alturas. Por pouco consegue se segurar, "pegando uma carona" em pleno voo. Quando o piloto enxerga a incrível cena do menino agarrado ao freezer, Hazam o aconselha a aproximar o helicóptero dos pinheiros em uma tentativa de derrubar o jovem caçador. Morris se dependura do lado do helicóptero e abre fogo contra os dois. Oskari puxa a faca e arrebenta a corda, liberando o freezer do helicóptero. O garoto entra no freezer junto ao amigo para escapar dos tiros de Morris, que está pairando sobre a clareira. Os dois começam a sacudir o freezer para fazê-lo se mover, e o mesmo sai rolando encosta abaixo, até chegar a um rio! Na sala de controle, no Pentágono, os oficiais, que assistem à aventura por satélite, mal conseguem acreditar na loucura, o Vice-Presidente particularmente atônito com o duríssimo combate que William e o caçador local estão impondo aos terroristas. A corredeira se encarrega de levá-los a um enorme lago, que descobrem ter sido o destino final do Força Aérea Um, parcialmente imerso, mas ainda ao alcance.

São 08:00 da manhã. Oskari menciona que seu pai e os caçadores devem estar à espera na entrada da cordilheira. Mesmo em meio ao céu muito nublado, o Presidente identifica o helicóptero executando a manobra de aproximação pelo rio, então recomenda ao garoto que procurem se abrigar dentro do Força Aérea Um para esperar pela chegada dos Navy Seals. Oskari e William mergulham e nadam em direção ao avião. Eles conseguem entrar no Força Aérea Um por uma das passagens submersas abertas. Conforme esperado, apesar de parcialmente imerso, o deck superior encontra-se acima do nível do rio. Passos são acusados na fuselagem do Força Aérea Um, e a dupla entende que se trata de algum terrorista. Há uma súbita explosão na fuselagem, e Hazam entra no Força Aérea Um por uma corda. Oskari parece momentaneamente inconsciente, mas William está bem acordado. Hazam arma uma bomba, e inicia-se a contagem regressiva de 7 minutos, ao final da qual o Força Aérea Um irá pelos ares. Hazam acha que será içado em segurança ao helicóptero por Morris. Qual não é a sua surpresa, a corda é cortada pelo agente e agora Hazam se vê aprisionado ao avião em vias de explodir. William tira uma onda com o terrorista: "É, rapaz, eu imagino como se sente". Furioso, Hazam saca a faca e os dois começam a lutar. Hazam mantém a vantagem sobre o Presidente e força seu rosto para dentro d’água. Quando está para matá-lo, escuta uma espécie de mugido esquisito. Ao olhar para os lados perguntando-se o que é aquilo, Oskari surge com um extintor. Enfia-o na cara de Hazam e esclarece "Isso é um cervo!". O terrorista ergue a metralhadora em direção ao menino. William golpeia o bandido com um chute entre as pernas, fazendo a metralhadora voar das mãos do terrorista e parar nas suas. O Presidente destrava a metralhadora e exclama "Primeiro, você precisa aprender a destravar, seu filho da puta". William abre fogo e Hazam sai voando, projetado para trás pela força dos tiros.

O contador aproxima-se do zero. Oskari pergunta se terão tempo de nadar para longe dali, no entanto Morris continua acima do lago, no helicóptero. Se deixarem o Força Aérea Um pela água, serão alvos fáceis. William ressalta que os dois só têm uma alternativa: ejetar a cabine. Eles apertam os cintos, nos assentos do cockpit, e o Presidente puxa a alavanca que os arremessa violentamente para as alturas. Morris assiste a tudo do helicóptero, incrédulo. Os assentos ascendem como foguete, levando menino & homem. Os paraquedas são abertos, e o assento parece momentaneamente bailar no ar. Logo mais à frente, na mesma altura, encontra-se o helicóptero com Morris dependurado, metralhadora em punho. Oskari finalmente consegue puxar inteiramente a corda de seu arco para trás, e a trajetória da flecha é perfeita, atravessando o enorme espaço entre os assentos e o helicóptero. O colete de Morris acaba detendo a flecha, e o vilão sorri com deboche, levantando a metralhadora para atirar. Repentinamente, Morris leva a mão ao peito, cheio de dor. A flecha pode não ter atravessado o peito, mas estimulou os estilhaços da bala no coração a penetrarem mortalmente no órgão e levá-lo a um maciço infarto. Morris despenca para fora do helicóptero, e enquanto o agente secreto cai a uma enorme altura em direção ao lago, o Força Aérea Um explode, a massa de ar ascendendo e apanhando os paraquedas do assento ejetado, atirando Presidente & caçador para mais acima ainda.
Na sala de controle, o Vice-Presidente está para ser empossado, quando os Navy Seals, que tinham acabado de chegar à entrada das montanhas e aguardavam pelos heróis ao lado dos caçadores locais, anunciam orgulhosamente que Presidente e menino ainda estão vivos. Com os olhos cheios de orgulho, TapioOskari surgir à frente do Presidente William Alan Moore. Ele corre para receber o filho, e Oskari apresenta o Presidente como Bill. William o parabeniza pelo filho maravilhoso, "o homem mais corajoso que conheci", elogia. Um dos Navy Seals pergunta se o Presidente se sente melhor. William fala "Considerando tudo pelo que passei, inclusive ser ejetado duas vezes do mesmo avião, sim, eu estou bem!". No Pentágono, nos é revelado que o Vice-Presidente e Herbert sabiam o tempo inteiro do atentado. Tratava-se de uma conspiração para que o Presidente fosse assassinado e o vice assumisse a cadeira. No banheiro, distantes dos outros olhos, Herbert dá uma rasteira no Vice-Presidente, que ao cair de mau jeito tem o pescoço partido. Herbert forja uma cena de modo a encenar que o Vice-Presidente escorregou. Agora que Hazam, Morris e o Vice-Presidente estão mortos, ninguém associará os eventos a Herbert, o mentor oculto de todo o esquema. Na casinha dos caçadores, a foto de Oskari & William passa a ocupar o lugar central da parede, imortalizando a aventura que os dois - um dia estranhos, depois melhores amigos - viveram nas montanhas.

No transcorrer de uma brilhante carreira que começou em 1972, Samuel L. Jackson conquistou o estrelato em 1994, com "Pulp Fiction", e desde então tem se mantido como um dos astros mais queridos e ocupados de sua geração. Comédia, romance, drama, filmes de horror, ação... não há nada que o astro não consiga fazer com excelência. Embora famoso pelos personagens durões, é justamente quando reveste suas criações de inesperada vulnerabilidade que realmente comanda a atenção. A facilidade com que ganha o público deve-se à facilidade com que faz parecer real e próximo o drama das pessoas a quem dá vida. Talvez seu melhor desempenho, no pouquíssimo conhecido "Freedomland", encapsule o poder da performance quando encarna seres humanos falhos movidos por nobres intenções. Em "Freedomland", Samuel L. Jackson interpretava um veterano policial que investiga o desaparecimento do filho menor de uma mãe solteira. Ele mesmo luta com seus próprios demônios, o remorso de se sentir um perdedor, pela tragédia do próprio filho já adulto, que vive entrando e saindo do sistema prisional. Finalmente, descobre-se que foi a mãe quem matou o garoto, acidentalmente, quando lhe dera comprimidos em excesso para dormir, para se encontrar com o namorado numa noite em que o menininho dava trabalho. É claro que o detetive sente pena da moça, entristecido por tudo o que lhe aconteceu, e há uma cena no final quando Samuel L. Jackson a visita no presídio e tem esse monólogo poderosíssimo sobre como ele mesmo não foi um bom pai e tudo o que quer agora é não desperdiçar o tempo e abandonar o filho, uma cena verdadeiramente eletrizante que lamentavelmente poucas pessoas tiveram o prazer de conhecer. Em "Big Game", o astro retorna à ação, um terreno que sempre explorou tão bem, mas aqui na forma de um herói relutante e falível que em honesta e compreensível humanidade nos ganha facilmente para a torcida. Onni Tommila interpreta Oskari, o herói deste filme, e apesar de tornar críveis os conflitos gerados pelo rito do crescimento, o "pulo do gato" consiste em como Jackson e Tommila interagem e triunfam sobre o Mal através da força que vem com a soma de seus respectivos defeitos e qualidades. Em síntese um passeio na montanha-russa cheio de ferocidade, impressiona-me como Jackson e Tommila conseguiram criar uma relação tão genuína, doce e invejável, tudo no curso da ação! Eles são introduzidos como completos estranhos, mas a natureza selvagem se encarrega de torná-los parceiros até o fim. A química entre os dois heróis, que durante o processo de conhecimento acessam um amplo espectro de emoções, do riso às lágrimas, me fez pensar em "Um Tira & 1/2", com Burt Reynolds como o tira veterano que precisa aturar como parceiro o garotinho que cresceu assistindo a filmes policiais, vivido por Norman D. Golden II, vez que a criança testemunhou um importante crime e só cooperará se o integrarem à Força Policial. Ray Stevenson interpreta Morris, o traidor amargurado movido por pura inveja, e ao acompanhar o desenvolvimento de sua evolução dramática, - inicialmente um aliado, uma pessoa de confiança, que cresce para virar um completo demônio - percebi a diferença que um grande e talentoso ator faz, principalmente quando tantas coisas diferentes estão acontecendo na trama e precisa passar o recado em poucas cenas. Refiro-me a olhares, à postura, à linguagem corporal... um vilão não precisa de páginas e mais páginas de monólogo. No entanto, se do vilão não emanar espontaneamente a malvadeza, mesmo em discretos gestos pequenos como abrir uma garrafa de champanhe, o filme de ação naufraga antes mesmo de estabelecer as peças no tabuleiro. Stevenson provou seu valor anos atrás em um outro filme de ação que infelizmente não foi bem-sucedido, "Justiceiro: Em Zona de Guerra". Sua encarnação do Justiceiro foi apontada pelos fãs puritanos como a materialização definitiva do personagem dos quadrinhos, e eu tenho de concordar. Apesar de ter herdado a adaptação estrelada por Dolph Lundgren no filme de 1990, e Thomas Jane no filme de 2004, a versão da diretora Lexi Alexander, um banho de sangue, retratava a visão sombria e macabra que as pessoas queriam ver quando da transposição da revista para tela. Diferente das encarnações anteriores, o Justiceiro de Stevenson era um pitbull grandalhão, envelhecido, pesadão, corpulento, que despachava a escória com golpes de artes marciais, que entre ossos fraturados e sangue vertido chegavam a afundar os rostos dos bandidos (um amigo meu me comentou, na época em que o filme saiu, "Rapaz, isso parece Jogos Mortais!"). Parece paradoxal, a necessidade do olhar diferenciado feminino, no caso o da diretora Lexi Alexander, para uma tão sensacional e diferente incursão pela violência, tão própria ao universo masculino do "Justiceiro", contudo ao ler um pouco sobre Lexi e descobrir que além de cineasta também foi campeã mundial de Karatê, compreende-se a sensibilidade em retratar violência com um senso de intimidade digno de poucos, mesmo homens. Alexander não apenas criou uma obra especial pelo próprio talento. A escolha de Ray Stevenson para o papel do Justiceiro foi divisora de águas, tanto em relação a escolhas de heróis para filmes do tipo quanto ao fato de as pessoas terem levantado sérias dúvidas assim que a cineasta anunciara o artista para ocupar tão importante vaga. Depois, claro, as pessoas se desculparam e renderam homenagem a performances tidas como definitivas. Do mesmo jeito que aconteceu em "Justiceiro: Em Zona de Guerra", em "Big Game", a sua presença intimidadora dispensa o suporte de demais vilões, e mesmo que Hazam, o Vice-Presidente e Herbert surjam no plano de fundo na maquiavélica trama de usurpação do Poder, é sobre os ombros de Ray Stevenson onde repousam as atenções. Ele  deixa claro que "quem manda naquela parada" é o seu personagem Morris. Alto, pesadão e violento, Morris surge nas telas como uma força malevolente da natureza, nos moldes dos mais clássicos vilões do cinema. Mesmo no início do filme, quando ele visita o Presidente na cabine do Força Aérea Um, e nada se sabe sobre seu envolvimento em uma trama macabra posta à surdina em movimento, Stevenson entrega através de olhares e inflexões a inveja que guia suas escolhas. Com o sotaque britânico e a presença magnética, o porte e as táticas psicológicas de um bully, Stevenson se assemelha a um "Russell Crowe do Mal". Um herói precisa de um obstáculo enorme para escalar e vencer, e Morris consegue se impor simbolicamente como uma montanha a transpor, ainda maior do que aquelas que cercam o Presidente William Allen e Oskari. O vilão vivido por Ray Stevenson merece o tipo de temor e reverência que Clare Higgins, por exemplo, fez por merecer em "Hellraiser 2", pela agressividade e violência da antagonista. O elenco periférico conta com gente do naipe do vencedor do Oscar Jim Broadbent, Ted Levine, talentoso artista, notório pelo seu apavorante retrato do monstro Búfalo Bill em "O Silêncio dos Inocentes", e Victor Garber, de "Titanic". Falarei sobre os mesmos ao tratar de um outro ponto de "Big Game", mais abaixo.

Quando assisti a "Big Game", notei que o talentoso e seguro diretor Jalmari Helander exibia um estilo que lembrava os clássicos filmes de ação visualmente perfeitos e arrebatadores dos anos 90. Ocorreu-me que o outro diretor com quem mais parecia alinhado, em termos de interessantes escolhas fotográficas e ritmo, era um conterrâneo seu, o também finlandês Renny Harlin, um homem de visão que tendo criado alguns filmes definitivos para aquela época ("Risco Total", "Duro de Matar 2"), perdeu-se com superproduções inflacionadas de mínimo retorno financeiro ("A Ilha da Garganta Cortada"). Harlin só foi reencontrar seu verdadeiro chamado artístico espiritual ao retomar a estrada de volta aos filmes B, onde recuperou o velho balanço com trabalhos muito empolgantes como "5 Dias de Guerra" e "Caçadores de Mentes". Do mesmo jeito que fiz em outras resenhas, importante declinar que a semântica do termo "filmes B" não se traduz em obras inferiores ou ruins. Ao contrário, "filmes B" reporta-se a um estilo de cinema mais ligado a um jeito de se fazer filmes com a cara dos anos 80 e 90, um tempo mais simplório e menos sombrio, que hoje, a olhos "sofisticados", parece datado e superado. Para milhões, no entanto, eu inclusive, simboliza uma lufada de ar fresco em uma época lamentavelmente cínica e hostil. Em sua hora e meia de projeção, "Big Game" flui com a facilidade despreocupada típica a coisas que hoje, para matarmos a saudade, temos de ver em DVD, ou ocasionalmente, com lançamentos estilo "Skin Trade" e este "Big Game". E no que importa o diretor Renny Harlin, Jalmary Helander rende uma homenagem ao colega cineasta na sequência em que Samuel L. Jackson & Onni Tommila ejetam do Força Aérea Um. Vocês se recordarão que o herói de "Duro de Matar 2" fez a mesma coisa. Ademais, um dos melhores trabalhos de Harlin, "Cliffhanger", de 1993, com Sylvester Stallone, elegeu cordilheiras como palco para a trama. Harlin não é o único homenageado. Ao dividir o Mal em duas forças distintas, muitas vezes em confronto entre si (Morris versus Hazam), Helander parece brincar com um dos artifícios mais utilizados pelo veterano holandês Paul Verhoeven, que costumeiramente jamais concentra a figura do vilão em uma pessoa apenas, mas a partilha entre dois personagens, geralmente um chefe & seu subordinado (Dick Jones & Clarence Bodicker no "Robocop" original, de 1987) ou mestre & aprendiz (Cristal Connors & Nomi Malone em "Showgirls", de 1995).

Os impressionantes efeitos especiais se prestam a ilustrar as sequências mais inesquecíveis, e entre diversos cenários de ação, digna de nota é a evacuação pelo Agente Morris do Força Aérea Um, antes que os caças e o próprio avião sejam acertados pelos mísseis teleguiados. Em uma visão de tirar o fôlego, acompanhamos Morris afastando-se em queda livre, de costas para a Terra. À medida que vai se distanciando do Boeing, subitamente, em sentido contrário, ascendente, cruza com os mísseis que passam quase ao lado. Ao exibir apenas um surreal fulgor para acima das nuvens, apenas sugerindo o abatimento dos aviões e não mostrando o impacto propriamente dito, Jalmari Helander mostra o mesmo gosto por estilo de alguém como Gareth Edwards, o criativo cineasta por trás do primeiro "Monsters", que desde as primeiras experiências exibia elegância e discrição no trato de sequências envolvendo efeitos especiais. Pelo caminho do talento, vimos que tanto em filmes de horror ("Monsters") quanto de ação ("Big Game"), há mil e uma formas de se utilizar as belezas e encantamentos que os efeitos visuais podem operar. Na questão do encantamento, além de "acenar com o chapéu" para "Duro de Matar 2", a subida do assento ejetado emana uma aura de pura fantasia saída dos mais adoráveis blockbusters de nossa infância, estilo "Goonies" & "ET O Extraterrestre"!

Embora ambientado na Finlândia, o filme foi rodado na Alemanha. Parte da geografia do relevo germânico envolve as montanhas nevadas dos alpes bávaros, ao sul. Uma pesquisa na internet revelará uma região rica em lagos, rios, pastos alpinos, minas e, claro, montanhas, cujos picos às vezes atingem 3 mil metros. O cenário estonteante é frequentemente tocado por chuva e neve. Helander contou com o olhar primoroso de Mika Orasmaa, seu diretor de fotografia, que do começo ao fim cuidou de manter as câmeras do cineasta apontadas aos cantos mais generosamente privilegiados de uma geografia que como um todo consagra facilmente os alpes bávaros como um dos lugares mais belos do mundo. A fotografia de "Big Game" é tão protagonista da aventura quanto o Presidente e menino. Uma fotografia fiel à atmosfera proposta pela trama sempre imprimirá um charme a mais. Quando a sustentação de atmosfera faz parte das preocupações do time criativo, é melhor que este tenha um profissional à altura. Como atesta "w Delta z", um dos mais importantes filmes de horror dos últimos 10 anos, nem mesmo a melhor performance no mundo ou a mais habilidosa direção teriam completamente suprido a importantíssima função de luzes de neon, ruas bem vazias, e o cais abandonado. Graças à fotografia de Morten Sorborg, Tom Shankland, diretor de "w Delta z", pôde dirigir sua obra despreocupadamente, pois soube que a essência da trama, o sentimento absoluto de melancolia, restaria preservado sob os cuidados (ou melhor, as lentes), de Sorborg. No mesmo esteio, um dos cineastas vivos mais importantes dos últimos 100 anos, o britânico John Boorman também se fez respeitar pelas imagens extasiantes que o consagraram como um dos artistas mais visualmente espetaculares e interessantes do século XX, tendo inclusive se tornado "darling" de formadores de opiniões como a americana Pauline Kael. Ao longo da carreira de Boorman, mesmo nos momentos quando todos os outros críticos de cinema caíram como guilhotina sobre sua cabeça ao fracassar (como no caso de "O Exorcista 2", em 1977), Kael esteve ao lado de Boorman, mais especificamente ressaltando suas imagens riquíssimas em criatividade. Quando você assiste a "Deliverance", uma das obras mais relevantes da década de 1970, quando Boorman te arrasta para a jornada ao longo do rio rumo ao desconhecido, junto aos personagens de Jon Voight, Ned Beatty, Ronny Cox & Burt Reynolds, a paisagem selvagem e misteriosa que te acompanha só parece apavorante pelo cuidado visual com que o cineasta o tratou, esmero tornado possível graças à assistência do premiadíssimo diretor de fotografia Vilmos Zsigmond, que emprestaria suas inspirações a outros clássicos do cinema americano como "Contatos Imediatos de 3° Grau" e "The Deer Hunter". No caso de "Big Game" e o trabalho conjunto de Jalmari Helander e Mika Orasmaa, o resultado é uma sucessão interminável de tomadas que capturam com elegância os alpes bávaros, na trama fazendo as vezes de uma passagem entre montanhas na Finlândia, revisitando temas que Boorman, por exemplo, estabelecera tão magistralmente em "Deliverance", quase 40 anos antes: homem versus natureza, em um terreno inóspito onde normas não se aplicam.

Tematicamente, "Big Game" aborda uma série de tópicos muito pertinentes ao rito de passagem pelo qual todos nós temos de passar, em diálogos muito reveladores entre homem e menino. Apoiado na performance sempre excepcional de Samuel L. Jackson e a desenvoltura do garoto Onni Tommila diante do veterano, o drama trará uma ressonância íntima a pessoas que em determinados momentos de suas vidas também se sentiram como o garoto Oskari. O tema do rito de passagem é universal, e muitos filmes maravilhosos, por mais díspares que à primeira vista pareçam, exploraram-no de uma forma ou de outra. O que caracteriza "Big Game" como um veículo que faz o mesmo, apenas melhor, é o excelente roteiro do próprio Jalmari Helander, que ao invés de apresentar o Presidente conforme o estilo mais apetecível ao astro Samuel L. Jackson - descolado, cabeça fria, preparado, destemido - e escrevê-lo como um homem comum que assim como qualquer outro ser humano sente medo, frio e fome, cria momentos muito reveladores pelo viés da interação entre Presidente e caçador, quando ambos descobrem coisas sobre si que talvez individualmente não teriam percebido. O Presidente fala sobre a dicotomia entre se sentir poderoso, no comando, em oposição a como realmente se sente às vezes por dentro. Ele diz que independente de suas inseguranças, a vida não lhe dá escolhas que não parecer seguro, comandar as atenções, fazer-se respeitar. Oskari, a seu turno, desabafa e reclama que nem mesmo o pai acredita em seu potencial. Com honestidade, o menino diz que jamais deixará a sombra projetada pelo legado de Tapio. Toca-me a forma como duas pessoas vindas de realidades tão distintas conseguem amortecer suas dores apenas por perspectivas individuais: por mais que nos momentos mais baixos da vida você guarde uma opinião muito negativa sobre si, a leitura que outra pessoa faz de sua conduta revelará coisas muito profundas e bonitas que provavelmente nos falte enxergar, seja por baixa estima, por apego ou pelo envolvimento emocional que embarga a sensibilidade, o que não ocorre ao imparcial observador. O fato é que mesmo em seus dissabores, o menino consegue enxergar no hesitante Presidente qualidades alheias ao próprio, e o Presidente ressalta que mesmo que o pai tenha duvidado da capacidade do garoto, o fato de Oskari tê-lo resgatado da cápsula e o ajudado até ali o tornava um menino corajoso e de bom coração. É claro que a partir dali, os dois amigos serão postos em contínuas provas de fogo que trarão o melhor de dentro de seus espíritos. Como a criança diz em dado momento, às vezes não basta parecer valente e seguro por fora, precisamos efetivamente ser corajosos por dentro. O Presidente exibirá valentia ao derrotar o terrorista Hazam dentro do Força Aérea Um e ejetar o assento ao lado de Oskari. O garoto finalmente "abaterá" sua grande caça ao disparar a flecha que derrubará Morris bem sobre a explosão no meio do lago. Ambos descobrirão seus verdadeiros valores, superando obstáculos que inicialmente julgavam intransponíveis. O cerne da questão, no entanto, não revolve exclusivamente a emersão de suas melhores qualidades quando colocados sob teste. Saltou-me aos olhos, na verdade, a dinâmica do relacionamento, a medida que em suas diferenças se complementam e aperfeiçoam ao longo do caminho, porque ao final, se você pode afirmar que ambos terminaram melhores, muito devem ao que aprenderam um com o outro. Samuel L. Jackson exibe uma adorável faceta nos instantes em que revela preocupação com o menino, durante a aventura e especificamente no desfecho, quando os dois se reúnem a Tapio, e ele o elogia pelo filho maravilhoso. Você enxerga o orgulho nos olhos do pai, e é impossível não engasgar de emoção. Em "Big Game", o astro Samuel L. Jackson nos prova que mesmo tão hábil em blockbusters, pode ser ainda melhor quando os roteiros lhe permitem parecer justamente o que deve ser na vida real: um homem correto, bom e, afinal de contas, comum... gente como a gente. Se vocês desejam vê-lo sob esta luz, quero recomendar duas outras performances que seguem os mesmos moldes, e os farão admirá-lo ainda mais: "Freedomland" (lançado no Brasil em DVD como "A Cor de um Crime") & "Destinos Ligados". Aqui, neste parágrafo de minha análise sobre "Big Game", gostaria de tecer considerações sobre um outro astro de ação, Steven Seagal, pois o comentário a Jackson também lhe serve muito bem. No curso de uma carreira tão longa quanto a de Samuel L. Jackson, por mais que tenha atuado em filmes de ação que anos mais tarde ainda guardam valor quando comparados aos lançamentos modernos, a Steven Seagal jamais foi concedida a chance de interpretar, realmente interpretar, um personagem com ambições, temores, incertezas... um herói que soasse real. Não obstante tenha se tornado pelo próprio talento um longevo ícone da ação, conforme eu escrevi certa feita ao fazer a resenha de "Outlander Guerreiro versus Predador", infelizmente, nenhum roteirista lhe ofereceu uma trama onde pudesse fazer mais do que atirar ou bater ou ter de parecer tão implacável o tempo inteiro. Por trás do estoicismo, há emoções e conflitos que se confiados a Seagal trariam do astro interpretações no mínimo intrigantes, pela força da novidade. Talvez até renovassem o interesse das pessoas pelo seu trabalho. Os filmes de Seagal são muito retilíneos: o astro começa e termina a jornada como a mesma pessoa, os inimigos jamais têm uma chance, não há propriamente uma ameaça, afinal ninguém lhe projeta sombra. Em coisas como "Big Game", ao contrário, a trama se move em um arco, as pessoas iniciam e concluem suas jornadas diferentes, movidas pela experiência. "Big Game" jamais teria funcionado caso Oskari tivesse sido introduzido como o melhor dos caçadores, ou o Presidente como o mais confiante dos líderes. Eles precisavam atravessar o processo de crescimento infligido pela dor para se tornarem maiores, e a transformação, a se dar diante de nossos olhos, torna a jornada muito mais impressionante e imprevisível. Aqui, acho pertinente trazer algo que John Boorman disse, em relação a "Deliverance". Há uma cena que ficou de fora do corte final, tida pelo próprio Burt Reynolds como o melhor desempenho dramático de sua carreira. Depois que eles se perdem nas corredeiras, o personagem de Burt sofre uma fratura exposta e Jon Voight, Burt e Ned Beatty se veem no fundo da garganta, com o montanhense sobrevivente à espreita acima, armado com a espingarda para matá-los, fica decidido que Jon, o mais fisicamente apto, terá de subir a garganta, durante a madrugada, e esperar escondido em uma árvore até que o montanhense surja às margens do abismo, para matá-lo com um disparo de arco e flecha. Na noite anterior, Burt tem uma conversa com Jon, e entoa um monólogo, encorajando-o a subir a garganta. De toda sorte, a cena ficou de fora, e Boorman explicou a Reynolds que a cena não funcionaria porque Jon, que no início da viagem simbolizava o homem mais civilizado, tinha de descobrir dentro de si a coragem para subir a montanha e eliminar o inimigo. Ele tinha de extrair solitariamente e de dentro de si a força para vencer as trevas, e não apenas recebê-la "de mão beijada" de Reynolds, conforme Boorman explicou. O diretor compreendia a necessidade de dar a Voight a oportunidade de desenvolver seu personagem, criar sua própria transformação pela via da performance. Falta a Seagal o roteirista que lhe oferecerá a trama ideal para acomodar tamanha surpresa... talvez seu melhor trabalho esteja por vir!

Com 90 minutos de projeção, "Big Game" passa voando. Quanto maior a duração, mais árduo se torna para a equipe cuidar de não perder o interesse do público. Meu único reparo em relação a "Big Game" reside justamente na questão do aproveitamento do tempo. Como em todos os outros aspectos - estilo, cuidado, fator de entretenimento, simplicidade e doçura - "Big Game" deixa claro que é "farinha do mesmo saco" que filmaços clássicos dos anos 80 & 90 ou lançamentos direto-para-DVD estilo "Skin Trade", eu pensei em todos os outros atores que sempre tornam as produções similares tão maravilhosas, e percebi que Jalmari Helander perdeu a oportunidade de esticar um pouquinho sua obra, quem sabe em até meia hora, para usar o pessoal em questão. Creio que com 30 minutos a mais, se Helander tivesse esquecido as constantes intromissões do Pentágono (que apenas retardam momentaneamente a marcha), deletado o ângulo da conspiração dentro da Casa Branca, e resumido o conflito à eterna luta entre Bem e Mal (sintetizado pela inveja de Morris), teria um generoso espaço de tempo para adicionar cenários e papéis mais relevantes onde astros consagrados dos filmes de ação poderiam brilhar também. O elenco secundário é formado por atores talentosos vencedores ou indicados ao Oscar (Jim Broadbent e Felicity Huffman respectivamente), mas por que não usar o espaço melhor? Ou esquecê-los inteiramente, em favor de outro elenco secundário, composto por caras da ação, como Christopher Lambert e Dolph Lundgren? "Outlander Guerreiro versus Predador" & "Big Game" não possuem em comum apenas a qualidade de nostálgica ação & fantasia: a utilização da natureza, fotografada em toda glória, também salta aos olhos como uma das estrelas. Apesar de rodadas em lugares distintos ("Outlander" em Newfoundland, Canadá e "Big Game" nos alpes bávaros), ambas as produções têm um charme nórdico de Velho Mundo que as imbui de elegante frescor. "Big Game" teria encontrado valiosa utilidade para o astro Ron Perlman, por exemplo, que em "Outlander" interpretou um guerreiro gigantesco munido de duas marretas, e, quem sabe, em "Big Game", daria uma estupenda contribuição como, digamos, um pescador local alcoólatra que se recolhe aos alpes para se suicidar, e acaba involuntariamente se unindo a Presidente e menino para enfrentar os terroristas, redescobrindo o amor à vida. Claro que o roteiro teria de oferecer mais set pieces para viabilizar novas lutas entre o trio de heróis e os terroristas, quem sabe combate mão a mão, Perlman munido com um tacape, um pedaço de pau ou dois martelos gigantes, em lutas que provocariam inveja a "Conan, O Bárbaro"! E mesmo que Samuel L. Jackson tenha nascido para interpretar o papel do Presidente, vocês já imaginaram uma mulher presidente?! Os amigos devem se recordar que Geena Davis já interpretou a Presidente nos Estados Unidos na série de TV "Commander in Chief", então não seria uma má ideia, uma mulher Presidente. Nesta minha reimaginação de "Big Game", Jennifer Connelly seria a Presidente dos Estados Unidos, e eu acho que assim como ocorreu a Samuel L. Jackson e Onni Tommila, o desenvolvimento da amizade entre a Jennifer Connelly, uma mulher adulta, e o garotinho, Onni Tommila, também renderia momentos comoventes cheio de ternura, até porque, como mulher, ela seria movida por um instinto materno em face da criança. E imaginem só o pôster do filme! Deem uma olhada aí na foto do início do parágrafo, e procurem substituir mentalmente a imagem de Samuel L. Jackson pela figura apoteótica e surreal da Jennifer Connelly, vestindo um tailleur xadrez com shoulder pads, os cabelos desgrenhados, o rosto um pouquinho encardido, descalça, segurado uma metralhadora, o molequinho ao lado com o arco e flecha, Ron Perlman adicionado com a camisa rasgada, um choro de êxtase & luta na cara e dois martelos gigantes nas mãos, os 3 lado a lado como um time, uma enorme explosão próxima às montanhas como plano de fundo, e, em cima do título "Big Game", no cartaz, haveria apenas a frase "Jennifer Connelly é a Presidente dos Estados Unidos"! Do jeito que foi realizado, todavia, "Big Game" se destaca entre os outros filmes neste ano, e se vocês lhe derem uma chance, descobrirão como é maravilhoso afastar o ceticismo demandado pelo dia a dia para se permitir encantar por essa inofensiva fantasia, ainda mais especial pela facilidade com que nos cativa a partir da amizade entre o Presidente William Alan & Oskari e as mensagens positivas. É o que os americanos costumam denominar de "the kindness of strangers", a generosidade de estranhos, gente com quem você esbarra por mera casualidade. Em um momento de vulnerabilidade, em troca de absolutamente nada, vem de um desconhecido a mão que te ajuda a se levantar. Ao conferir "Big Game", eu me senti igual a como quando hoje vejo aqueles mesmos filmes que tanto me encantavam quando criança, e ainda hoje me influenciam na minha muito limitada vontade de expressar as ideias através da escrita. Assistir a aqueles filmes me devolvia a minha inocência, a uma época mais simples e feliz de minha vida. Quando eu via a Jennifer Connelly e Burt Reynolds, eu tinha 15 anos novamente. "Big Game" fará o mesmo para vocês!
Todos os direitos autorais reservados a Anchor Bay Entertainment. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.