Helen
Lyle (Virginia Madsen) é uma estudante de pós-graduação que está se dedicando a sua tese, que trata de lendas urbanas.
As suas entrevistas a levam a um personagem que é constantemente
citado, uma lenda local a que chamam de “Candyman”. Conforme as histórias, “Candyman” pode ser evocado quando o seu nome é proferido cinco
vezes diante do espelho. No lugar da mão, “Candyman” tem
um afiado gancho, que usa para executar as pessoas que ousaram
duvidar de sua existência. O filme começa com Helen entrevistando
uma estudante colegial, que lhe conta uma história que ouviu falar (como a maioria das lendas urbanas, as pessoas as conhecem pelo "ouvir falar"),
sobre uma moça que trabalhava como babá, e em uma infeliz
noite em que estava se divertindo com o namorado, teve a ideia de desrespeitar a
lenda e chamar pelo seu nome cinco vezes. Conforme a menina que narra o caso, a babá em questão foi assassinada,
e o namorado ficou louco. A história é muito difícil de ser rastreada até a origem. Ainda assim,
“Candyman” aparece constantemente nas rodas informais, e Helen começa
a ficar interessada.




No dia seguinte, Helen regressa para o Cabrini Green, e volta ao apartamento abandonado onde encontrou a pintura com o rosto de "Candyman". Ela procura por Anne-Marie, mas somente encontra um garotinho chamado Jake, que lhe diz que ela não está. Jake é um menino inteligente e conhecedor da dura realidade do bairro. O garotinho lhe avisa que não devia frequentar o lugar sozinha, pois é muito perigoso. Também conhece o mito do "Candyman", mas tem muito medo de revelar tudo o que sabe. Helen menciona o nome de Ruthie Jean, pois precisa de alguém que a leve ao local onde a moça foi assassinada. O menino parece hesitante, mas finalmente concorda em ajudá-la. A caminho da próxima quadra, caminhando por espaços lúgubres e abandonados, Helen lhe pergunta o que é o monte de entulhos e móveis quebrados acumulado no centro da praça, e Jake responde que todo ano os moradores de Cabrini Green acendem uma grande fogueira.

Helen entra para tirar fotos. O banheiro é imundo, uma pocilga sem a mais básica manutenção, coberta por pichações. Novamente, a frase "Doce para os Doces" escrita nas paredes. Quando Helen está para deixar, uma gangue liderada por um homem mal encarado munido de gancho aparece e a questiona sobre o que pretende naquelas redondezas. Helen leva uma surra, mas o garotinho Jake chama a polícia a tempo e a salva. Na delegacia, Helen reconhece o líder da gangue. O detetive conta que o sujeito é velho conhecido da polícia, meliante habilidoso sempre metido em confusões. Como ninguém em Cabrini Green tem coragem de testemunhar contra os membros de gangue, a turma sempre acaba livre. O testemunho de Helen coloca o farsante e seus comparsas atrás das grades, e ela crê que finalmente desmistificou a lenda do "Candyman". Jake, porém, avisa a Helen que por ter desmistificado a lenda, agora, o verdadeiro "Candyman" provavelmente dará as caras para assombrá-los. Helen dá pouca importância à observação, certa de que não passa de fantasias de uma criança impressionável. Ela retoma a vida acadêmica, prepara um jantar romântico para Trevor e volta a frequentar a universidade, para a conclusão da tese.


Quando desperta, depara-se com um cenário de absoluto pesadelo. Ela está deitada sobre uma poça de sangue, e da sala ao lado chegam os gritos de uma mulher. Ao abrir a porta, dá com um cachorro morto, e uma faca de cozinha ao lado do bicho. Os gritos são de Anne-Marie, debruçada sobre o berço, desolada com o sumiço de seu bebê. Helen não sabe o que se sucedeu, todavia quando Anne-Marie a vê, parte para cima, e as duas começam a lutar. Helen procura segurá-la, mas Anne-Marie a apanha pelos cabelos e começa a bater a sua cabeça no chão. Em dado momento, Helen, que é mais forte, vira o jogo e consegue imobilizá-la. Os policiais arrombam a porta do apartamento, e Helen é levada sob custódia. Ela pede para conversar com o mesmo delegado que a atendeu quando foi agredida em Cabrini Green, e diz que não sabe como foi parar ali. O detetive lhe conta a versão de Anne-Marie. A moça havia retornado ao apartamento às 22:00, e encontrado o cachorro morto, e o berço vazio. Ao gritar por socorro, diz que foi agredida por Helen. Os policiais exigem que ela revele onde escondeu o bebê, mas Helen diz que não está envolvida e de nada sabe. Helen usa o direto de ligação para tentar contatar Trevor, mas é a secretária eletrônica que recebe a chamada.
Na manhã seguinte, Trevor e o advogado pagam a fiança e a levam do distrito policial. Trevor oferece suporte, mas parece ter dúvidas quanto a veracidade das explicações da esposa. Helen também o sente mais distante, e o professor se escusa dizendo que tem que pegar um trabalho na faculdade. Helen examina as fotografias que bateu de Cabrini Green, e em um dos slides, onde aparece o seu reflexo, percebe claramente o vulto de um homem muito parecido com "Candyman", às suas costas. É como se desde o início, "Candyman" a tivesse acompanhado em sua aventura pelo Cabrini Green, sem que tivesse se apercebido. Depois que Trevor a deixa a sós para "pegar um trabalho" (na verdade, ele está tendo mesmo um caso com a aluna), Helen começa a ter terríveis visões. Ela enxerga o braço do "Candyman" emergindo do espelho, e quando tenta fugir pelo corredor, dá com o misterioso visitante parado ao final do mesmo. "Candyman" lhe diz que desde que Helen apareceu contestando a lenda, as pessoas começaram a duvidar de sua existência, que está diretamente atrelada ao medo que consegue provocar. "Candyman" revela a Helen que levou o bebê, mas que se quiser pode trocar a sua vida pela da criança.

Helen se vê desamparada e nas ruas, sem suporte, procurada pela polícia. Entristecida, observando o rio do beiral da ponte, a voz de "Candyman" ecoa em seus pensamentos: "Todos vão abandoná-la. Tudo o que resta sou eu". Por mais paradoxal que seja, Cabrini Green agora é o seu novo lar. Na noite da queima da fogueira, Helen retorna para o mesmo quarto onde, não muito tempo atrás, encontrou a pintura do "Candyman". O quarto dá para um andar abandonado onde Helen encontra o bebê de Anne-Marie com vida. Nas paredes, a vida de "Candyman" é retratada em gravuras, desde o amor pela jovem que pintou até ao seu trágico fim, como uma espécie de Via Crúcis. Sobre uma espécie de mausoléu, "Candyman" parece estar repousando. Helen se aproxima do mausoléu, e lhe pergunta sobre a criança. "Candyman" pede para que Helen se entregue a ele, e a criança não será sacrificada. "Candyman" a toma nos braços e a leva, no colo, até ao leito. Ele deseja que Helen permaneça ao seu lado, após a morte, para que juntos continuem vivendo como lendas no Cabrini Green. Helen vê "Candyman" abrir o casaco e revelar que entre as suas costelas expostas existe um enxame de abelhas. Ela entra em transe e adormece.
Quando desperta, não encontra sinal de "Candyman", mas apenas uma parede, iluminada por um rosário de velas, onde está escrito "Foi sempre você, Helen". Um exame mais minucioso das pinturas, que retratam "Candyman" sendo morto pelos malfeitores, revela o interessante detalhe de uma mulher de olhos muito expressivos e tristes, assistindo ao bárbaro assassinato ao fundo, impotente. O rosto da mulher é muito semelhante ao de Helen. Ela compreende que é a reencarnação do grande amor de "Candyman". Bem na praça principal do Cabrini Green, as pessoas já amontoaram móveis quebrados e coisas velhas para a grande queima. É do amontoado de coisas que vem o choro do bebê, que Helen consegue distinguir. Fazendo caminho por entre as coisas, ela consegue alcançar o bebezinho. Naquele ínterim, os moradores de Cabrini Green já estão deixando os seus apartamentos, para a concentração na enorme praça entre as quadras. Quando está para levar a criança e fugir, "Candyman" aparece e pede para que não o deixe. Helen consegue se desvencilhar, e nisso a fogueira já começa a inflamar. Ela encontra o caminho para fora das chamas e, mesmo mortalmente ferida, consegue salvar o bebezinho, que escapa ileso. Anne-Marie chora de emoção ao reencontrar o filho. Os habitantes de Cabrini Green ficam tocados com o altruísmo de Helen, porém nada podem fazer pela moça, que sofreu queimaduras seriíssimas. Ao fundo, de dentro da fogueira, Helen ainda consegue escutar a "Candyman" implorando "Volte para mim, Helen!".
No dia do enterro de Helen, quando o caixão está sendo baixado e o sacerdote fazendo as preces, os moradores de Cabrini Green comparecem em peso, para a conclusão da cerimônia. Eles estão ali para homenageá-la por finalmente ter posto um termo ao mistério que afligia as suas existências. Por causa de Helen, os cidadãos de Cabrini Green sabem que agora não mais precisam temer pelas suas vidas, e que finalmente podem ter esperança em um futuro melhor. Após o enterro, Trevor parece bastante arrependido por não ter dado o suporte que Helen merecia em vida. Ele está morando com a aluna atraente, mas por ela não sente amor. Trevor é atormentado por recordações de dias mais felizes ao lado da esposa, cuja companhia não soube valorizar. Choroso, ele se tranca no banheiro, e movido pela saudade, olhando para o espelho, chama pelo nome de Helen cinco vezes. O fantasma de Helen surge às suas costas, com um gancho, e o acerta em cheio. Depois de sua morte, agora Helen é o novo "Candyman". O filme conclui com a pintura dos dois trágicos amantes, Helen e "Candyman", a sua dor imortalizada nas paredes sujas e pichadas de Cabrini Green, finalmente juntos para todo o sempre.
A nova geração que vem lotando os cinemas neste 2013 para assistir a suspenses maravilhosos como "Invocação do Mal" ou "Uma Noite de Crime" tem mesmo muito pelo que comemorar, vez que o gênero vem passando por uma maravilhosa reformulação nas mãos de cineastas geniais, porém a mesma geração não imagina o quanto perde ao ignorar os filmes de horror que vieram antes de seu tempo. Até porque o que vocês assistem hoje nas telas vem de diretores que cresceram assistindo a produções como "Hellraiser", "Nightbreed" ou “Gêmeos Mórbida Semelhança”, revisitar o passado é um dever dos fãs mais jovens do gênero. Com o amplo e fácil acesso a todo este material, cortesia da internet ou de sua disponibilidade em DVDs, não há desculpas para ignorar filmes como os de Cronenberg, por exemplo, ou os de tantos outros que ajudaram a lapidar a arte dos grandes diretores modernos que agora representam a esperança do horror. "O Mistério de Candyman" é um desses deliciosos e nostálgicos filmes do passado, que lamentavelmente permanece relativamente obscuro para as pessoas que vieram "depois". O filme foi lançado em vídeo no Brasil em 1994, dois anos após o lançamento nos cinemas norte-americanos, e fez uma discreta transição para DVD, que também passou despercebida. Hoje, é dificílimo adquirir o disco, e mesmo nas locadoras, o filme tende a ficar acumulando poeira na estante. As pessoas que nunca ouviram falar de "O Mistério de Candyman" não imaginam o que estão perdendo.

Em 1992, porém, foi "O Mistério de Candyman" o primeiro filme baseado em um conto de Clive Barker a receber um lançamento comercial de envergadura. O conto que originou o filme se chama "The Forbidden". O filme se saiu muito bem nas bilheterias daquele ano em particular, e no que se refere ao contexto maior da década de 90, destacou-se como um dos poucos que realmente trouxeram algo de refrescante e original `as telas, assim como o fizeram "Nightbreed" (1990) e "O Mestre das Ilusões"(1995), ambos novamente de Barker. Seria necessária quase uma década para que gente como James Wan, Brad Anderson e Rob Zombie surgisse, e iniciasse a reviravolta a que assistimos hoje, o horror no topo de sua forma, bem representando por obras como "Lords of Salem", "Sobrenatural", "Session 9", "w Delta z" entre tantos outros suspenses fantásticos. Esses cineastas talentosos, que merecem todas as láureas que recebem, devem muito aos nomes do passado, que mesmo de uma forma indireta, sobrevivem através da influência que exercem em suas mentes criativas.


Em "The Life of Death", uma moça muito triste e vulnerável, que recentemente teve o útero extirpado para tratar um tumor, redescobre a feminilidade depois que passeia por uma praça onde uma igrejinha está sendo demolida, para dar lugar a uma nova construção. Ao visitar a demolição, apenas por curiosidade, aprende que sob a igrejinha, as pessoas vitimadas pela grande pestilência que assolou Londres no final do século XIX haviam sido enterradas em catacumbas. Tamanho o seu mórbido interesse, uma noite, Elaine retorna à pracinha e, passando desapercebida pelos guardas da Prefeitura, consegue descer aos túneis e ver os restos mortais de toda aquela gente derrubada pela peste bubônica. Quando emerge dos túneis e volta para o seu apartamento, ela se sente transformada pela experiência. É como se o contato com a morte a tivesse livrado de todos os seus medos e recalques, e nada mais no mundo pudesse chocá-la. Anteriormente, vivia deprimida, e isolava-se dos colegas de trabalho, porém ao deixar as catacumbas, sai com a energia renovada. Na ocasião de sua visita à pracinha, ela conheceu um educado e solícito cavalheiro, com quem emendou uma conversa. Após o primeiro encontro, ela passa a ocasionalmente retornar à pracinha, pelas manhãs ou tardes, e vez ou outra vê-lo por ali. A incipiente paquera vai deixando-a intrigada com o charme do estranho, que diz se chamar Kavanagh. Ao mesmo tempo, no trabalho, todos dão pelo desabrochar de sua beleza. Elaine parece mais esfuziante e alegre do que nunca, enquanto ironicamente os mesmos colegas de repartição, que antes eram saudáveis, e viviam de fofocar sobre a sua vida, passam a cair doentes, tomados por uma misteriosa praga. Barker sugere, mas jamais afirma, que o homem que Elaine conheceu na pracinha é a própria Morte, que veio para buscá-la, porém no processo acabou se apaixonando. De uma estranha maneira, o interesse romântico da Morte pareceu lançá-la em direção à vida, e arrastar todos os outros para o seu fim. A linguagem do conto tem todos os elementos de um típico suspense dirigido por Brian De Palma. Quando li o conto, me veio à mente, quase que de imediato, a atriz britânica Naomi Watts para a Elaine Rider. Também pensei na mesma atriz para o remake de "Hellraiser", mais especificamente para o papel de "Cabeça de Pregos" (em "The Hellbound Heart", "Cabeça de Pregos" é uma mulher, e não um homem) e Jennifer Connelly como "Julia". Aqui, gostaria de transcrever um de meus trechos preferidos - após o primeiro encontro com Kavanagh, Elaine retorna para casa, pensativa, rememorando a visita daquela tarde à praça - uma amostra do talento incomum e incomparável de Barker, o último dos melancólicos, a segunda vinda de Edgar Allan Poe.
Antes
de se separarem trocaram números de telefone. Ele parecia
encantado com a ideia de se reencontrarem; isso a fez sentir que,
apesar de tudo o que lhe haviam tirado, ainda possuía sua
sexualidade. Voltou ao apartamento, para encontrar no degrau de
entrada um pacote enviado por Mitch e um gato faminto. Alimentou o
animal, fez café e abriu o pacote. Dentro dele, aninhado em
diversas camadas de papel crepom, achou um lenço de seda,
escolhido por Mitch com seu olho único para o gosto de Elaine.
O bilhete que acompanhava dizia apenas: E a sua cor. Te amo.
Mitch. Sentiu vontade de pegar o telefone na mesma hora e falar
com ele, mas de algum modo escutar sua voz parecia uma idéia
perigosa. Muito próximo da ferida, talvez. Ele perguntaria
como estava se sentindo, ela responderia que estava bem, e ele
insistiria: é, mas bem mesmo? E ela diria: estou vazia,
tiraram metade de minhas entranhas, seu filho da mãe, e eu
nunca vou poder ter seus filhos, ou de mais ninguém; então
é isso, e fim de papo, certo? Só de pensar nessa
conversa sentiu que iria chorar e, num acesso de raiva inexplicável,
embrulhou o lenço no papel rasgado e o enfurnou bem no fundo
de sua maior gaveta. O canalha queria agora fazê-la sentir-se
melhor, ao passo que, na época em que mais havia precisado
dele, só soubera falar em ser pai, e como os tumores dela
impediriam que ele o fosse.
A
noite estava clara — o tecido frio do céu esticado a ponto
de rasgar.
Elaine
não queria fechar as cortinas do quarto da frente, mesmo
sabendo que quem passasse na rua poderia olhar para dentro, porque o
azul do céu, cada vez mais escuro, estava bonito demais para
não ser admirado. Portanto, sentou-se à janela para
assistir à chegada da escuridão. E só bloqueou o
frio que vinha através da janela quando se deu a última
alteração no céu.
Estava
sem apetite, mas mesmo assim preparou algo e sentou-se em frente à
televisão enquanto comia. Sem terminar de comer tudo, colocou
a bandeja no chão e adormeceu, a programação
chegando a ela de forma intermitente. Um comediante sem graça,
que não precisava fazer mais do que tossir para que a platéia
gargalhasse; um programa de história natural sobre a vida no
Serengetti; o telejornal. Já lera tudo o que precisava saber
de manhã: as notícias não haviam mudado. Algo,
porém, despertou sua curiosidade: uma entrevista com o
navegador solitário, Michael Maybury, que fora resgatado
naquele dia, após duas semanas à deriva no Pacífico.
A reportagem era transmitida da Austrália, e o contato estava
ruim; a figura de Maybury, barbudo e queimado de sol, sofria a
constante ameaça de ser tomada pelos chuviscos. Mas a imagem
era de pouca importância: a história que ele contava de
sua viagem fracassada era de prender a atenção mesmo
sem a parte visual, especialmente um acontecimento que parecia
angustiá-lo mesmo agora enquanto o narrava. Seu veleiro havia
parado devido à calmaria, e como não possuía
motor ele viu-se forçado a esperar novos ventos. Que não
vieram. Uma semana havia se passado sem que se movesse mais do que um
quilômetro do mesmo local do oceano lânguido; não
passara nenhum pássaro ou barco para quebrar sua monotonia. A
cada hora que transcorria, sua claustrofobia aumentava; no oitavo
dia, assumiu proporções de pânico, ele desceu
pela lateral do veleiro e saiu nadando, amarrado ao barco pela
cintura, na tentativa de fugir daqueles poucos metros de convés.
Entretanto, quando viu-se longe do veleiro, sentindo a água
morna e calma, não teve vontade alguma de voltar. Por que não
desatar o nó, pensou, e sair boiando?
— O
que fez com que mudasse de idéia? — indagou o repórter.
Maybury
franziu a testa. Chegara ao ponto central de sua história, mas
não queria terminá-la. O repórter repetiu a
pergunta. Finalmente, o navegador respondeu, com hesitação:
— Eu
olhei na direção do veleiro.... e vi uma pessoa no
convés.
O
repórter, achando que talvez não tivesse escutado
direito, insistiu:
— Uma
pessoa no convés?
— Isso
mesmo — confirmou Maybury. — Havia alguém lá. Eu vi
uma figura, bem nitidamente... caminhando.
— E
você... você reconheceu esse clandestino?
Maybury
fechou a cara, sentindo que sua história estava sendo tratada
de modo ligeiramente sarcástico.
— Quem
era? — insistiu o repórter.
— Não
sei. A Morte, eu acho.
O
repórter ficou momentaneamente sem palavras.
— Mas
é claro que você voltou ao barco, no final.
— É
claro.
— E
não havia nem sinal de ninguém?
Maybury
olhou para seu interlocutor, lançando um certo olhar de
desprezo.
— Eu
sobrevivi, não foi?
O
repórter insinuou algo como se não entendesse onde ele
queria chegar.
— Não
morri afogado — declarou Maybury. — Eu poderia ter morrido ali,
se quisesse. Ter desamarrado a corda e me deixado afogar.
— Mas
não o fez. E no dia seguinte...
— No
dia seguinte, o vento melhorou.
— E
uma história extraordinária — concluiu o repórter,
satisfeito com o fato de que a parte mais difícil da
entrevista já havia passado. — Você deve estar ansioso
para rever sua família neste Natal...
Elaine
não prestou atenção à troca final de
cordialidades. Sua imaginação estava presa, como por
uma corda fina, ao quarto; seus dedos brincavam com o nó. Se a
Morte podia encontrar um veleiro perdido no Pacífico, deveria
ser bem mais fácil encontrá-la. Sentar ao seu lado,
talvez, enquanto dormia. Ficar assistindo-a enquanto seguia com seu
luto. Levantou-se e desligou a televisão. O apartamento ficou
repentinamente silencioso. Questionou o silêncio impaciente,
mas não havia sinal algum de outra presença, bem-vinda
ou não. Enquanto prestava atenção, sentiu um
gosto de água salgada. Do oceano, com certeza. (Clive
Barker, "The Life of Death", "Books of
Blood").
Em "Jacqueline Ess: Her Will and Testament", Barker novamente escreve sobre uma mulher complicada e intrigante, refém de suas próprias contradições, a "Jacqueline Ess" do título, uma mulher de seus trinta e tantos anos, em crise existencial, casada com um homem por quem não sente amor, que a trai e a desrespeita. Durante uma severa crise de depressão, Jacqueline corta os pulsos e se tranca no banheiro para morrer. Ali, à beira da morte, descobre ser possuidora de poderes telecinéticos até então inexplorados. A sua primeira vítima é o psiquiatra encarregado do tratamento. Jacqueline o mata de uma maneira selvagem, através do poder do pensamento. Na verdade, "quebra-o" ao meio até "transformar" o seu corpo e deixá-lo semelhante ao de uma mulher. A equipe do hospital pensa que o culpado foi algum paciente mais violento que se soltou e cometeu a barbaridade. O segundo é o marido Ben, a quem executa friamente para viver uma nova existência, como uma mulher livre disposta a saborear todas as aventuras que a vida tem a oferecer. Ela se aproxima de um velho amigo do falecido marido, um advogado chamado Oliver Vassi, e lhe pede ajuda. Conta uma história fajuta sobre Ben ter morrido de câncer, e Oliver não se importa em conferir todos os dados que Jacqueline lhe fornece. O fato é que os dois vêm a se apaixonar. Eventualmente, Jacqueline precisa deixá-lo, para continuar a sua jornada de auto descobrimento. Ela parte, e se aproxima de um poderosíssimo homem de negócios chamado Titus Pettifer, a quem pede que lhe ensine sobre "poder". Petiffer e Jacqueline começam a ter um caso, e o homem de negócios pede a seu secretário pessoal que investigue o passado de "J.", como ele mesmo passa a chamá-la. Pettifer descobre que não apenas a sua "J." assassinou a Benjamin Ess, como também o fez usando os seus impressionantes poderes sobre a matéria. "J." termina o caso com Pettifer, que manda os seus empregados em seu encalço, em um jogo de gato e rato. Enquanto essa emocionante caçada se desenrola, Oliver jamais a esquece, e o coração de Jacqueline também permanece ligado ao do advogado, o único homem que se importou, o único que a amou. Barker escreve que o marido a chamava de "JuJu" ou "Jackie"; Pettifer, de "J."; mas somente Oliver a chamava pelo seu nome completo "Jacqueline", somente Oliver a amava e a aceitava pelo que era, e não por um ideia que fazia dela. Jacqueline destrói Pettifer e os seus mercenários, e desaparece. Oliver a rastreia até a Amsterdã, onde Jacqueline está vivendo como uma prostituta, cujo nome é bastante conhecido no submundo, graças às suas habilidades sobre a matéria, sobre os corpos. Ao final, os dois se reencontram e se abraçam, e morrem juntos, ambos se liquefazendo ao fazerem amor pela última vez.Nesta oportunidade, transcrevo um de seus trechos mais atmosféricos:
Todas as mulheres criadas pela mente de Barker são absolutamente fascinantes, encerradas em seus próprios mistérios e pecados. Mesmo em "Midnight Meat Train", com Brooke Shields, no pequeno papel de Susan Hoff, a curadora da galeria de arte, uma mulher elegante, desenvolta, segura e gélida, que tem apenas uma pequena participação na história, Barker lhe deu a oportunidade de brilhar, em uma cena maravilhosa. O personagem de Bradley Cooper leva a Susan algumas das fotos que bateu da estação de metrô, ela se impressiona e em um fôlego solta "Uau". Bradley Cooper ri, ela pergunta o que há de errado, e o rapaz responde "É que você nunca me pareceu o tipo de mulher que diz Uau tão facilmente". E Brooke retruca "E eu não sou mesmo. Não digo desde o colegial". Uma discreta, pequena trocação de diálogos que nos abre uma pequena janelinha para o mundo dessa mulher magnética e misteriosa, mais uma femme fatale saída da imaginação do mestre Clive Barker. Em "O Mistério de Candyman", Virginia Madsen interpreta Helen Lyle, e se sai muito bem no desafio de incorporar um papel escrito por Barker. Madsen sempre dá excelentes performances em filmes do gênero, e em 2009, esteve ótima em "Evocando Espíritos", ("The Haunting in Connecticut"), disponível em DVD pela Imagem Filmes. Se à primeira vista ela é a heroína de "O Mistério de Candyman", há muitas nuances que no decorrer da história emergem para transformar as nossas impressões iniciais. À medida que vai se aprofundando em sua jornada pessoal pelo Cabrini Green, e o suspense deixa os trilhos da fórmula comum, Helen começa a sentir uma conexão muito pessoal com o mito do "fantasma" que assombra os blocos, uma identificação inusitadamente emocional entre "algoz" e "vítima". "Candyman" poderia ser nominado o vilão, todavia ao final acaba terminando da mesma maneira que começou, como uma grande incógnita. Levando-se em conta o trágico fato de ter sido morto por amor, o "fantasma" mais nos convida aos sentimentos de empatia e de compaixão, e não ao de horror pelo horror. Mais aterrorizante do que o mito em si, é a jornada de conhecimento pessoal pela qual Helen passa, quando todas as pessoas que acreditava se importarem com o seu bem a deixam, e a fantasia começa a se misturar com a realidade de uma maneira muito insidiosa.
A maturidade parece calibrar a nossa percepção, e mudar bastante a maneira como enxergamos a vida, ou mesmo filmes. Ao assistir a "O Mistério de Candyman", quando lançado em vídeo, em 1994, os meus olhos não tinham como capturar a riqueza das ideias de Barker, que somente fui enxergar com o tempo, após ler a fonte original e assistir ao filme em novas oportunidades. "O Mistério de Candyman" é um filme que ainda hoje merece o debate que desperta. Muito embora a imagem do fantasma munido de gancho pareça ser a cena pela qual as pessoas mais se identificam, é de se perguntar se "Candyman" sequer chegou um dia a assombrar Cabrini Green. Muitos acreditam que "O Mistério de Candyman" possivelmente represente, na verdade, "O Mistério de Helen Lyle". Tanto no conto quanto no filme, o que aconteceu a Daniel Robitaille é fato. Ele era mesmo um jovem artista que por uma moça vinda de outra escala social veio a nutrir um bonito sentimento de amor e amizade, e que por isso pagou com a própria vida, todavia é passível de discussão se o "fantasma" de Robitaille chegou um dia a habitar Cabrini Green. Talvez em razão de seu covarde linchamento no lugar que viria a se tornar o conjunto habitacional, Cabrini Green tenha ficado tão estigmatizado com a história, tão incrustado com as más recordações do assassinato de Robitaille, a ponto de o fantasma não passar de mero eco do crime. Possivelmente, o impacto da história de amor entre Robitaille e a filha do fazendeiro tenha se provado tão devastador sobre o seu frágil imaginário, que Helen tenha "rompido" com a realidade. Quando caminhou para apanhar o carro no estacionamento e enxergou o homem elegante e muito alto chamando-a pelo nome, é possível que quem a tenha chamado não tenha sido "Candyman", mas apenas parte da personalidade de Helen que queria acreditar na lenda e ser tão desejada e amada quanto a mulher que capturou o seu coração. A tese de que Helen tenha sofrido um surto psicótico e provocado pessoalmente os brutais homicídios que, no filme, são atribuídos a "Candyman", parece particularmente verossímil no conto, "The Forbidden", vez que fontes literárias sempre têm o seu jeito especial de parecerem mais sutis e psicologicamente enriquecidas do que as suas versões para os cinemas.Quando Helen explora os corredores do bloco abandonado e identifica, na parede, os dizeres "Foi sempre você, Helen", Barker joga com duas possibilidades: ou Helen representa a reencarnação da mulher por quem "Candyman" perdeu a vida, ou foi a própria Helen quem aterrorizou o conjunto habitacional, tendo bloqueado de sua consciência a horrorosa verdade, algo nos moldes de um distúrbio de múltiplas personalidades, como o que vimos em "Session 9", a obra-prima de Brad Anderson. Aos amigos que não assistiram a "O Mistério de Candyman" ainda, sugiro que assistam com a possibilidade em mente; e para aqueles que o verão novamente, que levem-na em conta. Cabe-nos escolher.
Não poderia concluir a resenha sem elogiar o trabalho do veterano ator Tony Todd. Ele conseguiu construir um memorável e trágico monstro, uma espécie de "Fantasma da Ópera" moderno, por quem podemos sentir muita compaixão. O diretor Bernard Rose não o super expôs, e da mesma forma que Clive fez em "Hellraiser" com os cenobitas, mostrou apenas o absolutamente necessário para que as nossas mentes se encarregassem de preencher as lacunas quanto aos mistérios que envolvem a sua verdadeira natureza. O talentoso artista que deu vida a "Candyman" tem muitas observações pertinentes a fazer sobre o seu mais notável papel. Eu sou fascinado em dar
aos meus personagens um passado. Eu confio em motivação, pois me
parece errado quando é a plateia que tem de adivinhar de onde o
meu personagem veio. Pensei bastante sobre o conflito interno do
Candyman, e tinha uma imagem em mente quanto a onde ele estava e o quê ele queria. Há uma qualidade quase sacra sobre esse
personagem. Era muito raro que um negro fosse um artista em 1860,
porém a mesma sociedade hipócrita que o fez foi a mesma que o
destruiu quando ele se apaixonou perdidamente por uma mulher branca, Todd disse a Gorezone, à época do lançamento."O Mistério de Candyman" fez cerca de vinte e cinco milhões nas bilheterias norte-americanas (contra os treze milhões colhidos por "O Mestre das Ilusões" três anos mais tarde, no verão de 1995, sendo portanto o filme mais comercialmente bem sucedido de Barker), e deu origem a duas sequências, mas Clive esteve envolvido apenas até a segunda parte. "Candyman 2" foi lançado em 1995, e embora não tão eficiente quanto o original, se sustentou muito bem como um válido novo capítulo na saga do personagem. A terceira parte foi lançada diretamente para o mercado de DVD em 1999, mas não logrou o êxito de seus dois elegantes antecessores. Recentemente, notícias sobre uma refilmagem têm ganhado importância, porém nada parece muito certo ainda. No que tange à obra de Clive Barker, parece-me que o próximo filme baseado em uma de suas histórias será mesmo "Pig Blood Blues". O conto trata de um ex-policial chamado Redman, que vai trabalhar como professor de carpintaria em Tetherdowne, um centro correcional para jovens delinquentes, e ali encontra um mundo de mistérios e morte. Redman se sente um peixe fora d'água, principalmente sob a autoridade da senhorita que é diretora da instituição, Doutora Leverthal, que parece querer esconder segredos que existem por trás dos muros. Redman se aproxima de um garoto chamado Lacey, vítima constante de bullying pelos demais colegas de instituição. Ao investigar a história do menino, descobre que Lacey era o melhor amigo de um outro garoto chamado Henessey, tido como o grande mito local. Conforme os meninos e a própria diretora, Henessey escapou da instituição uma noite e nunca mais voltou, porém Lacey conta uma história diferente para Redman. Lacey diz que Henessey se suicidou no chiqueiro, e que desde então habita o corpo de uma grande porca que vive na pocilga, e inclusive chega a falar através do animal. A porca exerce liderança sobre os meninos de Tetherdowne, que obedecem aos seus comandos mais absurdos. Lacey diz temer pela própria vida. Prova inequívoca da maestria de Clive Barker, "Pig Blood Blues" é um conto maravilhoso que em breve, espero, se tornará um filme igualmente memorável. Antes de me despedir, gostaria de retomar que os amigos "revisitem Cabrini Green", ou melhor, aluguem o DVD de "O Mistério de Candyman", e também procurem pela obra literária de Barker. A sua coletânea "Livros de Sangue" está esgotada, e a obra física somente pode ser encontrada em sebos, porém a internet está aí para suprir a lacuna que a editora deixou. Já que é muito fácil obter "Livros de Sangue" pela internet, convido-os a explorar os fantásticos contos que parecem pedir para se tornar filmes. Como "aspirante a escritor", eu aprendi muito com a prosa de Clive Barker, e posteriormente procurei aplicar a sua sofisticação e desenvoltura psicológica aos personagens da história que escrevi, "O Jogo Mais Perigoso", e que ainda estou em processo de revisão. Muito dessas personagens que me marcaram - "J.", "Elaine Rider", "Julia", "Susan Hoff" entre tantas outras - ajudou-me a juntar as peças do quebra-cabeça que é a minha "Bianca Siegenbaun", a protagonista de "O Jogo Mais Perigoso". Espero muito em breve concluir a revisão, e proporcionar aos amigos que fielmente acompanham este blog uma vista por algumas de suas páginas. Enquanto este humilde e amador romancista não inicia as postagens dos capítulos de seu "Jogo", permitam-me concluir com o trecho de outra história, escrita pelo maior de todos, Clive Barker, com o seu inigualável "Pig Blood Blues":
Naquela noite ele foi procurar Lacey. O garoto fora removido da Unidade Hospitalar e estava sozinho num quarto. Aparentemente continuava a ser atormentado pelos outros garotos no dormitório, e a alternativa era esse confinamento solitário. Redman o encontrou sentado num tapete de velhas revistinhas infantis, olhando para a parede. Os desenhos fortemente coloridos nas capas das revistas faziam seu rosto parecer mais pálido do que nunca. Não tinha mais o curativo no nariz, e a equimose começava a amarelar.
Redman apertou a mão de Lacey, e o garoto ergueu os olhos para ele. Olhos muito diferentes agora. Lacey estava calmo, dócil mesmo. O aperto de mão, um ritual introduzido por Redman sempre que encontrava os garotos fora da oficina, foi fraco.
— Você está bem?
Todos os direitos autorais reservados a Columbia Tri-Star. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
Não
foi uma paixão tão espontânea como a que sentiu
por Vassi. Por uma razão, Pettifer era um amante torpe e
inexperiente. Por outra, tinha muito medo da sua esposa para ser um
adúltero consumado. Acreditava ver a esposa em toda parte, nos
vestíbulos dos hotéis em que alugavam um quarto para
passar a tarde, nos táxis que se aproximavam de seus pontos de
encontro, uma vez inclusive (jurou que a semelhança era
absoluta) vestida de garçonete e limpando a mesa de um
restaurante. Nada mais que imaginação, mas tolhia a
espontaneidade do romance.
Apesar
de tudo, ela estava aprendendo com ele. Era tão brilhante nas
finanças como inepto no amor. Aprendeu a ser capitalista sem
utilizar o poder, a não se deixar afetar pela estupidez que as
pessoas com carisma provocam entre os seres comuns, a tomar as
decisões simples de uma forma simples, a não ter
piedade. Embora a este último respeito não precisava
aprender muito. Talvez fosse mais exato dizer que a ensinou a não
subestimar nunca sua instintiva falta de compaixão, a julgar
friamente quem merecia a extinção e quem podia
juntar-se entre os justos.
Ela
não se mostrou para ele nem uma só vez, embora
utilizasse suas habilidades com absoluta discrição para
engendrar o prazer em seu sistema nervoso. À quarta semana de
sua aventura estavam deitados um ao lado do outro em um quarto lilás,
enquanto o tráfico de meia tarde rugia a seus pés.
Tinha sido uma relação sexual ruim, ele estava nervoso
e não conseguiu tirá-lo de seus receios com nenhum
truque. Foi muito rápida e quase sem paixão. Ia lhe
dizer algo. Ela sabia, a revelação estava aguardando
atrás de sua garganta. Virando-se para ele, massageou-lhe as
têmporas com sua mente, tranquilizando-o para que falasse.
Estava a ponto de arruinar o dia. Estava a ponto de arruinar sua
carreira. Estava a ponto – “Deus, me ajude!” – de arruinar
sua vida.
– Tenho
que parar de encontrá-la.
Não
se atreveria, pensou ela.
–
Não
estou seguro do que sei a seu respeito, ou melhor, pelo que acredito
saber a seu respeito, mas me faz... ser cuidadoso, J. Você
compreende?
–
Não.
–
Tenho
receio do que suspeito... que você cometeu alguns crimes.
–
Crimes?
–
Você
tem passado.
–
Quem
esteve mexendo nele? – perguntou. – Não foi Virginia?
–
Não,
Virginia, não. Ela não é nada curiosa.
–
Então,
quem?
–
Não
é assunto seu.
–
Quem?
Exerceu
uma ligeira pressão sobre as têmporas dele. Este gemeu
de dor.
–
O
que há com você? – perguntou ela.
–
Estou
com dor de cabeça.
–
Estresse,
é só estresse. Posso ajudá-lo com isso Titus.
Tocou-lhe
a fronte com os dedos, suavizando ao mesmo tempo a pressão que
exercia sobre ele. Ele suspirou ao aliviar-se.
–
Está
melhor?
–
Sim.
–
Quem
esteve bisbilhotando, Titus?
–
Tenho
um secretário pessoal, Lyndon. Já te falei que ele sabe
de nossa relação desde o começo.
Claro,
reserva os hotéis e prepara as histórias que servem de
cobertura. Havia algo infantil em seu discurso que era comovente.
Como se estivesse envergonhado de deixá-la com o coração
destroçado.
–
Lyndon
é muito versátil. inventou um montão de
histórias para fazer que as coisas entre nós fossem
mais simples. Assim não tem nada contra você. Só
que viu por acaso uma das fotografias que fiz de você.
–
Por
quê?
–
Não
devia ter feito, foi um erro. Virginia poderia haver... – parou e
recomeçou. – Seja como for, ele a reconheceu embora não
pudesse lembrar de quando a tinha visto antes.
–
Mas
acabou por lembrar-se.
–
Estava
acostumado a trabalhar como repórter para um de meus
periódicos. Foi assim que chegou a meu ajudante pessoal.
Lembrou-se da sua vida anterior, por assim dizer. Jacqueline Ess,
mulher de Benjamin Ess, morto.
–
Morto.
–
Trouxe-me
outras fotos, não tão bonitas como as suas.
–
Fotografias
do quê?
–
De
sua casa. E do corpo de seu marido. Disseram que era um corpo, embora
não houvesse nada de humano.
–
Desde
o começo houve pouca coisa de humano nele – disse com
simplicidade, pensando nos olhos frios de Ben e em suas mãos
ainda mais frias. – Só merecia que o encerrassem e o
esquecessem.
–
O
que lhe aconteceu?
–
A
Ben? Foi assassinado.
–
Como?
Sua
voz tinha tremido um pouco?
–
De
uma maneira muito simples.
Levantou-se
da cama e estava de pé junto à janela. Uma intensa luz
de verão penetrava pelas frestas da persiana e os contornos de
seu rosto ficavam desenhados por franjas de luz e sombra.
–
Você
fez isso.
–
Sim.
– Ele tinha lhe ensinado a ser franca. – Sim, fui eu.
Também
tinha lhe ensinado a ser discreta em ameaças.
–
Deixe-me
e voltarei a fazê-lo.
Ele
negou com a cabeça.
–
Nunca.
Não se atreverá.
Estava
de pé ante ela.
–
Temos
que nos compreender, J. Sou poderoso e puro. Compreende? Meu rosto
público não pode ser afetado pelo escândalo.
Poderia me permitir uma amante, ou uma dúzia, mesmo se fossem
descobertas. Mas, uma assassina? Não, isso me arruinaria a
vida.
–
Este
Lyndon o está chantageando?
Contemplou
o dia através das persianas com um olhar angustiado no rosto.
Teve uma contração nos nervos da bochecha, sob o olho
esquerdo.
–
Sim,
já que quer saber – reconheceu com uma voz apagada. – O
bastardo me tem nas mãos.
–
Compreendo.
–
E
se ele pode suspeitar, outros também podem fazê-lo.
Compreende?
–
Eu
sou forte, você é forte. Podemos fazê-los dar
voltas sobre a ponta dos mindinhos.
–
Não.
–
Sim.
Eu tenho poderes, Titus.
–
Não
quero saber.
–
Saberá
– respondeu ela.
Olhou-o,
agarrando-o pelas mãos sem tocá-lo. Ele observava com
os olhos arregalados enquanto suas mãos se elevavam para lhe
tocar o rosto, lhe acariciar o cabelo com o mais carinhoso dos
gestos. Fez que seus dedos lhe percorressem o peito com mais ardor do
que podia reunir por iniciativa própria.
–
Você
é muito indeciso, Titus – disse, enquanto lhe obrigava a
manuseá-la até quase machucá-lo. – Assim é
como eu gosto.
Agora
as mãos de Titus se encontravam mais abaixo, fazendo que uma
expressão distinta aflorasse do rosto de Jacqueline. Estava
invadida por marés, sentia-se completamente viva...
(...)
–
Eu
gosto disto, Titus, por que não pode me fazer isso sem que lhe
tenha que pedir?
Ele
se ruborizou. Não gostava de falar do que faziam juntos.
Obrigou-o a entrar mais profundamente, sussurrando.
–
Não
vou me quebrar, sabe? Virginia pode ser de porcelana de Dresden, mas
eu não. Quero sentimento, quero algo que me permita lembrar de
você quando não estiver contigo. Nada é eterno,
não é verdade? Mas quero algo que me dê calor
durante a noite.
Ele
estava caindo de joelhos com as mãos postas, por decisão
de Jacqueline, sobre seu corpo e dentro dele, percorrendo-a como dois
caranguejos luxuriosos. Tinha o corpo empapado de suor. Ela pensou
que era a primeira vez que o via suar.
–
Não
me mate – choramingou.
–
Poderia
te fazer desaparecer.
“Apagar”,
pensou, mas retirou a imagem da mente antes de lhe fazer mal.
–
Já
sei, já sei – disse ele. – Pode me matar facilmente.
Estava
chorando. “Meu Deus – pensou ela, – o homem eminente está
a meus pés, choramingando como um bebê! O que posso
aprender sobre o poder em uma representação tão
pueril como esta?” Tirou-lhe as lágrimas das bochechas
empregando mais energia do que a necessária. A pele se
avermelhou sob o olhar de Jacqueline.
–
Deixe-me,
J. Não posso ajudá-la. Não te sirvo para mais
nada.
Isso
era verdade. Era absolutamente inútil. Liberou-lhe as mãos
depreciativamente. Elas caíram flacidamente de ambos os lados.
–
Não
tente me encontrar jamais, Titus. Compreendido? Não mande seus
capangas atrás de mim para proteger sua reputação,
porque serei mais desumana do que você jamais tenha sido.
Ele
não disse nada, ficou de joelhos de cara para a janela,
enquanto ela lavava o rosto, bebia o café que tinham pedido e
partia. (Clive
Barker, "Jacqueline Ess: Her Will and Testament", "Books
of Blood").
Todas as mulheres criadas pela mente de Barker são absolutamente fascinantes, encerradas em seus próprios mistérios e pecados. Mesmo em "Midnight Meat Train", com Brooke Shields, no pequeno papel de Susan Hoff, a curadora da galeria de arte, uma mulher elegante, desenvolta, segura e gélida, que tem apenas uma pequena participação na história, Barker lhe deu a oportunidade de brilhar, em uma cena maravilhosa. O personagem de Bradley Cooper leva a Susan algumas das fotos que bateu da estação de metrô, ela se impressiona e em um fôlego solta "Uau". Bradley Cooper ri, ela pergunta o que há de errado, e o rapaz responde "É que você nunca me pareceu o tipo de mulher que diz Uau tão facilmente". E Brooke retruca "E eu não sou mesmo. Não digo desde o colegial". Uma discreta, pequena trocação de diálogos que nos abre uma pequena janelinha para o mundo dessa mulher magnética e misteriosa, mais uma femme fatale saída da imaginação do mestre Clive Barker. Em "O Mistério de Candyman", Virginia Madsen interpreta Helen Lyle, e se sai muito bem no desafio de incorporar um papel escrito por Barker. Madsen sempre dá excelentes performances em filmes do gênero, e em 2009, esteve ótima em "Evocando Espíritos", ("The Haunting in Connecticut"), disponível em DVD pela Imagem Filmes. Se à primeira vista ela é a heroína de "O Mistério de Candyman", há muitas nuances que no decorrer da história emergem para transformar as nossas impressões iniciais. À medida que vai se aprofundando em sua jornada pessoal pelo Cabrini Green, e o suspense deixa os trilhos da fórmula comum, Helen começa a sentir uma conexão muito pessoal com o mito do "fantasma" que assombra os blocos, uma identificação inusitadamente emocional entre "algoz" e "vítima". "Candyman" poderia ser nominado o vilão, todavia ao final acaba terminando da mesma maneira que começou, como uma grande incógnita. Levando-se em conta o trágico fato de ter sido morto por amor, o "fantasma" mais nos convida aos sentimentos de empatia e de compaixão, e não ao de horror pelo horror. Mais aterrorizante do que o mito em si, é a jornada de conhecimento pessoal pela qual Helen passa, quando todas as pessoas que acreditava se importarem com o seu bem a deixam, e a fantasia começa a se misturar com a realidade de uma maneira muito insidiosa.
A maturidade parece calibrar a nossa percepção, e mudar bastante a maneira como enxergamos a vida, ou mesmo filmes. Ao assistir a "O Mistério de Candyman", quando lançado em vídeo, em 1994, os meus olhos não tinham como capturar a riqueza das ideias de Barker, que somente fui enxergar com o tempo, após ler a fonte original e assistir ao filme em novas oportunidades. "O Mistério de Candyman" é um filme que ainda hoje merece o debate que desperta. Muito embora a imagem do fantasma munido de gancho pareça ser a cena pela qual as pessoas mais se identificam, é de se perguntar se "Candyman" sequer chegou um dia a assombrar Cabrini Green. Muitos acreditam que "O Mistério de Candyman" possivelmente represente, na verdade, "O Mistério de Helen Lyle". Tanto no conto quanto no filme, o que aconteceu a Daniel Robitaille é fato. Ele era mesmo um jovem artista que por uma moça vinda de outra escala social veio a nutrir um bonito sentimento de amor e amizade, e que por isso pagou com a própria vida, todavia é passível de discussão se o "fantasma" de Robitaille chegou um dia a habitar Cabrini Green. Talvez em razão de seu covarde linchamento no lugar que viria a se tornar o conjunto habitacional, Cabrini Green tenha ficado tão estigmatizado com a história, tão incrustado com as más recordações do assassinato de Robitaille, a ponto de o fantasma não passar de mero eco do crime. Possivelmente, o impacto da história de amor entre Robitaille e a filha do fazendeiro tenha se provado tão devastador sobre o seu frágil imaginário, que Helen tenha "rompido" com a realidade. Quando caminhou para apanhar o carro no estacionamento e enxergou o homem elegante e muito alto chamando-a pelo nome, é possível que quem a tenha chamado não tenha sido "Candyman", mas apenas parte da personalidade de Helen que queria acreditar na lenda e ser tão desejada e amada quanto a mulher que capturou o seu coração. A tese de que Helen tenha sofrido um surto psicótico e provocado pessoalmente os brutais homicídios que, no filme, são atribuídos a "Candyman", parece particularmente verossímil no conto, "The Forbidden", vez que fontes literárias sempre têm o seu jeito especial de parecerem mais sutis e psicologicamente enriquecidas do que as suas versões para os cinemas.Quando Helen explora os corredores do bloco abandonado e identifica, na parede, os dizeres "Foi sempre você, Helen", Barker joga com duas possibilidades: ou Helen representa a reencarnação da mulher por quem "Candyman" perdeu a vida, ou foi a própria Helen quem aterrorizou o conjunto habitacional, tendo bloqueado de sua consciência a horrorosa verdade, algo nos moldes de um distúrbio de múltiplas personalidades, como o que vimos em "Session 9", a obra-prima de Brad Anderson. Aos amigos que não assistiram a "O Mistério de Candyman" ainda, sugiro que assistam com a possibilidade em mente; e para aqueles que o verão novamente, que levem-na em conta. Cabe-nos escolher.

Os
olhos do animal observaram Redman como um igual, ele estava certo
disso, admirando-o menos do que ele a admirava. Ela estava segura de
si, ele também. Eram iguais sob o céu brilhante. De
mais perto, o corpo dela tinha um cheiro adocicado. Evidentemente
alguém a havia escovado e alimentado naquela manhã. A
manjedoura tinha ainda os restos da comida da véspera.
Intocados. A leitoa, pelo visto, não era gulosa.
Depois de algum tempo, ela aparentemente ficou satisfeita com a análise que fizera e, roncando baixinho, virou-se nos pés ágeis e voltou para o interior mais fresco do compartimento. A audiência estava terminada.
Depois de algum tempo, ela aparentemente ficou satisfeita com a análise que fizera e, roncando baixinho, virou-se nos pés ágeis e voltou para o interior mais fresco do compartimento. A audiência estava terminada.
Naquela noite ele foi procurar Lacey. O garoto fora removido da Unidade Hospitalar e estava sozinho num quarto. Aparentemente continuava a ser atormentado pelos outros garotos no dormitório, e a alternativa era esse confinamento solitário. Redman o encontrou sentado num tapete de velhas revistinhas infantis, olhando para a parede. Os desenhos fortemente coloridos nas capas das revistas faziam seu rosto parecer mais pálido do que nunca. Não tinha mais o curativo no nariz, e a equimose começava a amarelar.
Redman apertou a mão de Lacey, e o garoto ergueu os olhos para ele. Olhos muito diferentes agora. Lacey estava calmo, dócil mesmo. O aperto de mão, um ritual introduzido por Redman sempre que encontrava os garotos fora da oficina, foi fraco.
— Você está bem?
O
garoto fez um gesto afirmativo.
— Gosta
de ficar sozinho?
— Sim,
senhor.
— Logo
vai ter de voltar ao dormitório.
Lacey
balançou a cabeça.
— Não
pode ficar aqui para sempre, sabe disso.
— Oh,
eu sei, senhor.
— Terá
de voltar.
Lacey fez outro gesto afirmativo. Era como se a lógica não tivesse penetrado seu entendimento. Virou o canto de uma revistinha do Super-homem e olhou as figuras sem atenção.
— Escute, Lacey. Quero me dar bem com você. Certo?
Lacey fez outro gesto afirmativo. Era como se a lógica não tivesse penetrado seu entendimento. Virou o canto de uma revistinha do Super-homem e olhou as figuras sem atenção.
— Escute, Lacey. Quero me dar bem com você. Certo?
— Sim,
senhor.
— Não
posso ajudá-lo se você mentir para mim. Posso?
— Não.
— Por
que mencionou o nome de Kevin Henessey na semana passada? Sei que ele
não está mais aqui. Ele fugiu, não foi?
Lacey
olhou para o herói em três cores na revistinha.
— Não
fugiu?
— Ele
está aqui — disse Lacey em voz baixa.
O
garoto de repente ficou confuso. Redman percebia pela voz e pelo
rosto dele.
— Se
ele fugiu, por que ia voltar? Para mim isso não faz muito
sentido, o que você acha?
Lacey
balançou a cabeça. Os ferimentos no nariz abafavam as
palavras, mas elas saíram suficientemente claras.
— Ele
nunca foi embora.
— O
quê? Quer dizer que ele não fugiu?
— Ele
é esperto, senhor. Não conhece Kevin. Ele é
esperto.
Fechou
a revista e olhou para Redman.
—
Esperto
como?
— Ele
planejou tudo, senhor. Tudo.
— Tem
de me explicar.
— Não
vai acreditar em mim. Então isso é perder tempo, porque
não vai mesmo acreditar... Ele pode ouvir o senhor agora, ele
está em toda parte. Não se importa com paredes. Os
mortos não se importam com essas coisas.
Morto.
Uma pequena palavra, pouco maior do que vivo, mas que tirou o fôlego
de Redman.
— Ele
pode ir e vir — disse Lacey — quando bem entender.
— Está
dizendo que Henessey está morto? — perguntou Redman. Tome
cuidado Lacey!
O
garoto hesitou; sabia que estava numa corda bamba, arriscando-se a
perder seu protetor.
— O
senhor prometeu — disse de repente, a voz fria como gelo.
—
Prometi
que nada de mal ia acontecer a você. Eu prometi e é
verdade. Mas isso não quer dizer que me pode contar mentiras,
Lacey.
— Que
mentiras, senhor?
—
Henessey
não está morto.
— Está,
senhor. Todos sabem que está. Ele se enforcou. Lá no
chiqueiro.
Redman já tinha ouvido muitas mentiras contadas por especialistas e considerava-se um bom juiz de mentirosos. Conhecia todos os sinais reveladores. Mas não via nenhum no garoto. Ele estava dizendo a verdade. Redman sentia nos próprios ossos. A verdade, toda a verdade, nada além da verdade. Isso não significava que o que ele dizia era verdadeiro. Estava simplesmente dizendo a verdade que ele via. Ele acreditava que Henessey estava morto. Isso nada provava.
— Se Henessey estivesse morto...
Redman já tinha ouvido muitas mentiras contadas por especialistas e considerava-se um bom juiz de mentirosos. Conhecia todos os sinais reveladores. Mas não via nenhum no garoto. Ele estava dizendo a verdade. Redman sentia nos próprios ossos. A verdade, toda a verdade, nada além da verdade. Isso não significava que o que ele dizia era verdadeiro. Estava simplesmente dizendo a verdade que ele via. Ele acreditava que Henessey estava morto. Isso nada provava.
— Se Henessey estivesse morto...
— Ele
está senhor.
— Se
estivesse, como podia estar aqui?
O
garoto olhou para Redman, sem qualquer traço de malícia
no rosto.
— Não
acredita em fantasmas, senhor?
A solução era tão transparente que deixou Redman confuso. Henessey estava morto, mas Henessey estava ali. Logo, Henessey era um fantasma.
— Não acredita, senhor?
A solução era tão transparente que deixou Redman confuso. Henessey estava morto, mas Henessey estava ali. Logo, Henessey era um fantasma.
— Não acredita, senhor?
Não
era uma pergunta retórica. Ele queria, não, ele exigia
uma resposta razoável para sua pergunta razoável.
— Não,
garoto — disse Redman. — Não acredito.
Lacey
aparentemente não se impressionou com o conflito de opiniões.
— Vai
ver — disse simplesmente. — Vai ver.
(Clive
Barker, "Pig Blood Blues", "Books of Blood").