Em um futuro próximo, a NASA organiza uma missão para uma das luas de Júpiter, chamada Europa. Seu objetivo revolve investigar a possibilidade de vida alienígena em nosso sistema solar. Sondas não tripuladas haviam previamente apontado que sob a superfície glacial de Europa há um oceano similar ao de nosso planeta, o que incrementa as chances de existência de vida extraterrestre, mesmo que a nível monocelular. 6 dos melhores astronautas do mundo enfrentam riscos inimagináveis em uma longa viagem que tomará quase dois anos até as luas de Júpiter. Quando do começo do filme, a equipe acaba de completar 6 meses de jornada e já foi mais longe do que qualquer outra missão espacial. Os tripulantes da Europa Um parecem empolgados e confiantes. Quando uma inesperada tempestade solar arruína os meios de comunicação entre a tripulação da Europa Um e o controle da missão em Houston, a Terra deixa de acompanhar o avanço dos heróis em sua aventura. Um ano e seis meses mais tarde, o contato entre a nave e Houston é restabelecido. A Europa Um aterrissou nas geleiras da lua de Júpiter, porém o que deveria ser triunfo se torna pesadelo, quando um terrível segredo sob a geleira ameaça as vidas dos tripulantes. O controle da missão consegue acompanhar os últimos momentos dos astronautas. As aterrorizantes imagens revelam uma realidade muito mais estranha e inexplicável da que a tripulação poderia ter esperado.
Lançada durante o mais competitivo mês do cinema norte-americano, essa extraordinária ficção científica fadada a passar despercebida ironicamente se prova muito superior a todas as superproduções que farão dinheiro nas férias de 2013. Lamentavelmente, levará algum tempo até que as pessoas conheçam Europa Report. Estou convicto de que dentro de alguns anos, o filme terá se tornado um cult-movie de peso. Assim como os outros filmes lançados pela produtora independente Magnolia Pictures/Magnet Releasing, Europa Report é uma rara joia de horror, um trabalho muito pessoal para os envolvidos, que conseguiram reimaginar conceitos batidos para oferecer algo único e magnífico. Assim como V/H/S e V/H/S 2 fizeram anteriormente, Europa Report consagra a Magnet Releasing como uma das forças criativas do cinema independente. Os trabalhos lançados pela distribuidora representam uma lufada de ar fresco para os fãs de horror que desejam produtos mais desafiadores, ousados e incomuns. Assim como a britânica Vertigo, de onde vieram os excepcionais w Delta z e The Children, a Magnet se tornou recanto para os cineastas novatos cheios de criatividade e paixão, que sabem que jamais conseguiriam exprimir as suas ideias dentro do rígido controle dos grande estúdios, e escolheram orçamentos modestos e ampla liberdade de expressão, preterindo produções caríssimas de modelos superados. Os diretores talentosos que optaram por fazer os filmes com maior liberdade e menor orçamento vêm ganhando o respeito de um nicho de mercado, e o suporte posterior de estúdios maiores. É o caso de Gareth Edwards, que pela Vertigo, filmou o encantador Monsters, em 2008, e no ano passado (2012) foi convidado a rodar o novo e caríssimo filme Godzilla, com grande elenco, em vias de lançamento. O diretor Sebastián Cordero, realizador de Europa Report, terá um brilhante futuro profissional pela frente, desde que se mantenha fiel a seus instintos e a natural visão artística.
Europa Report é um triunfo cinematográfico de story telling, um suspense atmosférico onde as situações vão escalando para uma breve, surreal conclusão que ficará em seus pensamentos por muito tempo. O diretor Cordero monta o filme como uma matéria jornalística, com direito a depoimentos, entrevistas e found fottage. Felizmente, Cordero foge da datada e cansativa armadilha das câmeras estremecidas, tão notória em filmes como A Bruxa de Blair. Assim como Renny Harlin fez recentemente com The Dyatlov Pass Incident, deixa-as frequentemente estacionadas, como câmeras em suportes, observadoras imparciais de tudo o que acontece com a tripulação durante a viagem às luas do planeta Júpiter. Europa Report nos remete ainda ao memorável Lake Mungo, o suspense australiano de 2008 que também adotava o formato de matéria jornalística/documentário, similar a episódios especiais do extinto Linha Direta, e contava o caso de uma família visitada insistentemente pelo poltergeist da filha, após sua morte na represa da cidadezinha de Ararat. Ambos os filmes também nos ofereciam conclusões racionais e sensatas para os grandes mistérios. A jornada da família em Lake Mungo, do luto à aceitação, parece familiar a todos, afinal viver também significa perder: você vai perdendo posses, mas, talvez muito mais importante, pessoas amadas. A seu turno, a obstinação que leva os astronautas da Europa Um a ir até às últimas consequências para responder a questão sobre se estamos ou não sozinhos no universo reflete temores que trazemos conosco desde a origem do mundo. Em Europa Report, o contato se sucede, porém não da maneira que os fantásticos filmes de ficção similares apresentam. O tipo de vida encontrada e a sua interação desastrosa com a tripulação representam o material do qual verdadeiros pesadelos são feitos.
Apesar de formatos similares, as propostas são diferentes: Lake Mungo, sobre o espírito atormentado de uma garota que somente encontrará paz se revelar um obscuro segredo; Europa Report, a ficção científica centrada na realidade, um amálgama de entrevistas e cenas registradas que montam o quebra-cabeça dos últimos meses para a tripulação da Europa Um, em sua jornada para estabelecer contato com vida alienígena. Resenhas têm enaltecido a fidelidade do diretor aos detalhes científicos envolvidos em missões espaciais. Enquanto há filmes absurdos e fantasiosos sobre aventuras no espaço e a busca por contato com vida inteligente extraterrestre, nessa produção, a tripulação da Europa Um comporta-se como profissionais treinados à altura da empreitada, e o desenrolar da jornada, embora conclua com o inusitado, não desrespeita as raias do que tomamos como possível, como Real. Desde o trabalho em equipe dos astronautas até sua sincronia com o pessoal do controle em Houston, o diretor recria a missão espacial de forma a nos levar a crer que o filme realmente se trata de um documentário, e não ficção científica. Assistimos às coletivas de imprensa dos diretores da operação em Houston, ao lançamento da nave no espaço, aos momentos iniciais da viagem, cada pedacinho uma peça do quebra-cabeça. A assombrosa realidade – o que ocorreu um ano e meio após a perda de contato entre Europa Um e Terra – surge apenas no final, revelando-nos o mais bem guardado segredo, a última peça a completar o quadro maior.
O talentoso artista Sharlto Copley deve ser o nome mais conhecido entre os seus maravilhosos colegas de elenco. Sharlto Copley se tornou famoso após a inesquecível performance em Distrito 9, no papel de um homem que trabalhava para o governo na triagem e suporte de alienígenas que haviam perdido o caminho de volta para casa e sido isolados em uma enorme favela em Johannesburgo. No filme, era um rapaz ambicioso, egoísta e alheio ao sofrimento dos extraterrestres, porém, por causa de reviravoltas no enredo, vê-se na mesma posição que os monstros, sempre implacavelmente humilhados e perseguidos. Por isso, desenvolve uma consciência, compreende a dor e o sofrimento das criaturas, e se redime, como um herói nobre, honrado e valoroso, a custo de enormes sacrifícios pessoais. Em Europa Report, o carismático ator interpreta Corrigan, o bem humorado e caloroso engenheiro de voo que em crucial momento sacrifica a própria vida para salvar a de um outro colega, após um trabalho de manutenção na superfície da nave Europa Um que dá terrivelmente errado. O papel é pequeno, mas Sharlto aproveita o tempo que lhe foi dado para nos brindar com uma atuação memorável, e sempre parece uma maravilhosa oportunidade interpretar um personagem heróico, disposto a arriscar a própria vida em nome das de seus amigos. A atriz Embeth Davidtz interpreta a Dr. ª Samantha Unger, a diretora da missão Europa Um em Houston, e surge em entrevistas como a narradora principal dos eventos. São as suas intromissões ao longo do filme que nos situam nos diferentes momentos da aventura, tais como em que ponto o contato foi perdido ou o instante da grande revelação. A atriz desempenha o papel muito bem, e a carga dramática que imprime à voz ao narrar os últimos instantes da Europa Um, aliada à melodia assombrosa e dramática que permeia todo o filme, cria uma das cenas mais eletrizantes do ano. Pena que poucas pessoas irão vê-la!
Visualmente,
Europa Report é caprichoso, elegante, e surpreendentemente sóbrio. Como sabemos, o filme
traz como plano de fundo a missão às luas de Júpiter, e as imagens são deslumbrantes (constantemente evocando as imagens poéticas do primeiro Solaris, de Tarkovsky, de 1972), mas o lado humano dos astronautas que estão vivendo a experiência jamais perde o foco. Assim, quando assistimos aos fins desses personagens, as suas mortes nos atingem a um nível emocional. É o caso de Corrigan, e o da oceanógrafa que tanto desejava encontrar resquícios de vida em Europa, que arriscou a vida para colher amostras nas geleiras sobre o oceano, e teve a segunda mais forte sequência do filme, quando a superfície sob os seus pés racha e é absorvida pelo oceano de Europa, enquanto os aterrorizados colegas assistem a tudo que acontece à cientista pela câmera que há dentro de seu capacete, impotentes. A representação de vida extraterrestre é tão inteligente e madura quanto a do trabalho de Gareth Edwards com Monsters. A criatura faz apenas uma "participação especial", mas quando invade a tela, pinta-a com tintas berrantes, uma fantástica, linda, luminosa, colorida e inesquecível fantasia, diferente de qualquer outra representação artística de vida extraterrestre, invadindo Europa Um com a força das marés. Assim como os extraterrestres de Monsters, a criatura não é o inimigo malévolo e cruel. Ao contrário, ataca para se defender, como qualquer animal o faria, movido unicamente pelo instinto de sobrevivência. Aqui não há nada de antagonistas perversos, mas pura e simplesmente uma criatura que traz dentro de si o instinto inerente a todas criaturas vivas, deste planeta Terra ou de quaisquer outros. A representação do alienígena do filme me faz lembrar de um conto de Clive Barker chamado The Skin of the Fathers, da coletânea Livros de Sangue. A extravagância de sua aparência é tão magistral quanto a das criaturas de Barker. Assim, não há melhor maneira para descrever o sentimento que o monstro de Europa Um evoca que não citando o trecho da obra de Barker, o homem que escreve sobre o fantástico como mais ninguém:
Fora da casa, Lucy tinha ouvido o diálogo. Abandonou o refúgio de sua choça, sabendo o que ia ver contra o céu deslumbrante, mas nem por isso menos atraída pelas monumentais criaturas que se reuniram em torno da casa. Sentiu angústia ao recordar as alegrias perdidas daquele dia, seis anos antes. Ali estavam todas aquelas criaturas inesquecíveis, uma incrível seleção de formas... Cabeças piramidais coloridas de rosa, torsos de uma proporção clássica, que caíam em franjas de carne murcha. Uma beleza chapada e acéfala cujos seis braços de madrepérola brotavam em torno de uma boca que ronronava e pulsava. Uma criatura parecida com uma onda de corrente elétrica, em constante movimento, que emitia um som doce e modulado. Criaturas muito fantásticas para serem reais, muito reais para duvidar, anjos caídos. Tinha uma cabeça que balançava para frente e para trás sobre um pescoço muito fino, como se fosse um pêndulo absurdo, azul como o céu de uma noite que chega antes de tempo, e salpicado de uma dúzia de olhos como outros tantos sóis. O corpo de outro pai se parecia com um leque que se abria e fechava de excitação, e cuja carne laranja se avermelhou ainda mais quando soou de novo a voz do menino.
– Papai!
À porta da casa estava a criatura que Lucy recordava com mais carinho (...). Devia ter uns seis metros de altura quando se levantava totalmente. Agora aquele ser estava agachado sobre a porta, com sua cabeça calva, bendita cabeça, parecida com a de um pássaro pintado por um esquizofrênico, inclinada sobre a casa para falar com o menino. Estava nu, e suas costas, largas e escuras, brilhava ao curvar-se.
Todos os direitos autorais reservados a Magnet Releasing. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.
Fora da casa, Lucy tinha ouvido o diálogo. Abandonou o refúgio de sua choça, sabendo o que ia ver contra o céu deslumbrante, mas nem por isso menos atraída pelas monumentais criaturas que se reuniram em torno da casa. Sentiu angústia ao recordar as alegrias perdidas daquele dia, seis anos antes. Ali estavam todas aquelas criaturas inesquecíveis, uma incrível seleção de formas... Cabeças piramidais coloridas de rosa, torsos de uma proporção clássica, que caíam em franjas de carne murcha. Uma beleza chapada e acéfala cujos seis braços de madrepérola brotavam em torno de uma boca que ronronava e pulsava. Uma criatura parecida com uma onda de corrente elétrica, em constante movimento, que emitia um som doce e modulado. Criaturas muito fantásticas para serem reais, muito reais para duvidar, anjos caídos. Tinha uma cabeça que balançava para frente e para trás sobre um pescoço muito fino, como se fosse um pêndulo absurdo, azul como o céu de uma noite que chega antes de tempo, e salpicado de uma dúzia de olhos como outros tantos sóis. O corpo de outro pai se parecia com um leque que se abria e fechava de excitação, e cuja carne laranja se avermelhou ainda mais quando soou de novo a voz do menino.
– Papai!
À porta da casa estava a criatura que Lucy recordava com mais carinho (...). Devia ter uns seis metros de altura quando se levantava totalmente. Agora aquele ser estava agachado sobre a porta, com sua cabeça calva, bendita cabeça, parecida com a de um pássaro pintado por um esquizofrênico, inclinada sobre a casa para falar com o menino. Estava nu, e suas costas, largas e escuras, brilhava ao curvar-se.