quinta-feira, 30 de julho de 2015

"Skin Trade", "Assassinatos em Boston" & "Ressurreição Retalhos de um Crime": Dois ícones da Ação nas 3 produções independentes do Horror que lhes deram a oportunidade de brilhar. Redescubra-as!

O tempo passa e o cinema parece viver de tendências, cada época com a sua. Houve o tempo certo para os remakes de filmes de horror japoneses, fase inaugurada com "O Chamado", em 2002, e que foi dar sinais de cansaço em 2009, com o lançamento morno de "O Mistério das Duas Irmãs", houve a época para as fantasias capa & espada estilo "O Senhor dos Anéis", e agora assistimos ao desabrochar dos blockbusters de super-heróis, produções fazendo muito dinheiro e ocupando o imaginário das pessoas, realmente fascinadas com o encanto envolvido em tão delirantes fantasias. Períodos se sucedem junto às gerações, e obras que na época pareceram muito importantes precisam abrir espaço para as novas sensações do momento. Há filmes e pessoas, todavia, que dada sua longevidade, parecem atemporais, como velhos, bons amigos que por mais que faça um bom tempo que não os veja, uma vez que você os reencontra, parece que foi ontem a última vez.

Quem for velho o suficiente, viveu e se recorda dos bons tempos das fitas de vídeo, reconhecerá, com muito saudosismo, os nomes dos dois homens de ação objeto desta resenha, Christopher Lambert & Dolph Lundgren. Marcados eternamente pelo charme da ação & suspense dos anos 80 & 90, um tempo descomplicado e menos cínico, Lambert & Lundgren são dois dinossauros que já viram e fizeram de tudo. Mesmo para quem não guarda seus nomes, basta vê-los na televisão para dizer "eu já vi esse cara antes!".  Tendo atravessado tantas gerações, Lambert lançado ao estrelato em 1986 com "Highlander" & Lundgren com "Rocky IV", ambos são sobreviventes da rapidez com que tendências & gostos se sucedem, e astros do show business são aclamados apenas para serem impiedosamente esquecidos mais tarde. Atuantes ainda hoje, em coisas menores feitas para o mercado de vídeo, eles merecem todo o nosso respeito, carinho e admiração, pelos filmes maravilhosos que acompanharam a infância e adolescência de muitos, mas sobretudo por terem visto e aguentado de tudo, por terem "fechado o círculo". Esses caras começaram do nada, tornaram-se astros, depois sobreviveram ao declínio de suas estrelas e precisaram se reinventar em obras mais simples e menos relevantes. Toda essa jornada, de suas origens humildes ao estrelato, terminando justamente onde começaram, as produções mais simplórias, lhes reveste de profundidade e autoridade que mesmo em filmes lançados direto para DVD trazem charme & dignidade extras graças a suas meras presenças.

Conhecidos pelos filmes de ação que faziam das locadoras de vídeo os lugares mais frequentados nas noites de sábado nos anos 80 & 90, os filmes tratados na resenha se destacam nas carreiras de seus astros pela atipicidade do material e a qualidade de suas performances. Desconhecidas, as 3 produções representam uma joia para os completistas das filmografias de Christopher Lambert & Dolph Lundgren, e para os cinéfilos que não os conhecem também, pois mesmo que assistam a todos os grandes, maravilhosos filmes que ocupam os multiplexes, devem se lembrar de que não há nada de errado em pagar tributo `a gente que veio antes das sensações do momento. Não é porque as pessoas merecidamente lotam as salas de cinema e aplaudem os grandes blockbusters que não podem curtir também a troca de marchas para algo de gestação mais antiquada e datada. A soma de estilos tão distintos torna o cinema a relevante ferramenta de expressão artística, o viés através do qual as diferentes facetas de nossa personalidade são atendidas e bem-servidas, ao nosso alcance, nas telas dos blockbusters, e também nos aparelhos de TV nos filmes direto-para-DVD. As aventuras dos Vingadores da Marvel oferecem uma sucessão de emoções no estilo montanha-russa, mas talvez na simplicidade atmosférica de um herói procurando desvendar o assassinato do irmão e portanto mergulhando de cabeça na sordidez do submundo do sadomasoquismo encontre-se o contraponto perfeito `a tanta grandiosidade. O contraste nos ajuda a perceber que ambos os estilos são faces da mesma moeda. Enquanto nós cinéfilos temos muita sorte pelas maravilhas que os efeitos especiais puderam nos proporcionar, não devemos perder de mente de que há vezes em que "menos é mais". Abrirei a resenha oferecendo as sinopses dos 3 filmes, e então os abordarei, ora individualmente, ora dentro de um contexto. Espero que este humilde trabalho traga aos leitores renovado interesse na obra dos 2 maravilhosos ícones da ação homenageados, e para os mais jovens incite a descoberta através de suas melhores performances.

"Skin Trade" começa de uma forma tão pacata que não teríamos como imaginar a montanha-russa de emoções que virá a seguir. Uma adolescente de um humilde vilarejo no Camboja aproveita que seus pais estão dormindo e, de mala pronta, deixa a casa silenciosamente, impressionada com o sonho de se tornar uma estrela em Bangkok. Ao chegar `a rodoviária, é acolhida por um "agenciador de talentos", mas descobre tarde demais que na verdade está nas mãos de predadores. Os homens a drogam, levam a um armazém e a estupram diante das câmeras para rodar um snuff-movie. A impactante introdução estabelece o tema macabro: o tráfico humano e o mercado de pedofilia que o justifica.

Em Newark, Nova Jersey, Nick Cassidy (Dolph Lundgren, em sua melhor performance em anos) é um tira veterano e que ao capturar um delinquente medíocre chega `a pista que pode levá-lo a um peixe grande, o impiedoso e poderosíssimo gângster sérvio Viktor Dragovic (Ron Perlman, um dos pilares sobre os quais o filme se apoia). Simultaneamente, na Ásia, o filme nos apresenta ao outro herói da história, Tony Vitayakul (Tony Jaa), um tira tão incorruptível e corajoso quanto Nick, atuante no perigoso submundo da Tailândia. Nós o vemos na cobertura de um luxuoso prédio, negociando valores com um mafioso qualquer especializado em tráfico de crianças. Tony finge que é um comprador, e traz malas de dinheiro para "adquirir" uma escrava. Cismado, o mafioso ordena que Tony faça sexo com a menina ali na sua frente. Quer certificar-se de que não se trata de um tira. Tony tira o cinto, como se fosse se preparar para o ato do sexo, quando inesperadamente o usa como arma, e ataca 3 homens fortemente armados de uma só vez, matando a todos. O ator Tony Jaa é uma força da natureza: mesmo com a baixa estatura, a velocidade com que parte para cima de 3 brutamontes e os derrota como se nada fossem é de deixar os fãs boquiabertos!O mafioso se acovarda. Tony o prende pela canela com o cinto e o suspende da sacada. O covarde, claro, conta tudo o que sabe sobre Viktor Dragovic, e ao final pede clemência. Ele oferece meninas para a satisfação sexual gratuita de Tony, o que enfurece o agente. Tony o solta e o pedófilo despenca, caindo "de cabeça no inferno". Tony estende a mão para a garotinha, explica que é policial, e apanha uma parte daquele dinheiro para ajudá-la. Ele pede para que a menina volte para casa e jamais confie inteiramente nas pessoas.

No Departamento de Polícia de Newark, uma ambiciosa operação está sendo organizada pelo durão Capitão Costello (Peter Weller, o eterno "Robocop", uma maravilhosa adição ao elenco) e Agente Reed (Michael Jai White, lenda dos filmes de ação). Através da preleção de Capitão Costello, aprendemos que Viktor Dragovic é a personificação da Maldade neste mundo. O tráfico de crianças só é um dos mais lucrativos do submundo graças `a mente criminosamente brilhante do gângster sérvio, que não apenas comanda o negócio com mão de ferro, também conta com o suporte dos 4 filhos, Goran & Ivan, que dirigem as operações no Oriente Médio & Sudeste da Ásia respectivamente, Janko, o meio irmão que usa o nightclub como fachada para operações ilegais, e o novato Andrei, o mais jovem, a quem Dragovic pretende iniciar nas atividades da família. Uma de suas "cargas", meninas destinadas ao mercado de pedófilos, chegará clandestinamente ao porto de Newark naquela mesma noite, e Costello & turma sabem que não haverá melhor oportunidade para prender o mafioso. Tragicamente, Dragovic escolhe aquela noite para iniciar o filho, sem imaginar que a polícia está `a espreita para realizar uma batida.

Uma força especial com atiradores à espera de autorização assiste a Dragovic chegando `as docas, `a noite, para receber a "carga". O contêiner é aberto, e Dragovic parece enojado com o que enxerga. Os homens da operação não têm como saber ainda o que ele viu para chocá-lo tanto. Furioso, o sérvio pede ao filho Andrei para que prove ter o sangue do pai e execute o comandante do navio, a quem responsabiliza pelos danos na mercadoria. O rapaz hesita, e Dragovic abre fogo, matando o comandante. Os policiais entram em ação, e um grandioso tiroteio se inicia entre tiras e bandidos pelos contêineres da doca. Enquanto os homens de Dragovic caem durante a troca de tiros com a força policial, o sérvio e seu filho encontram um modo de se protegerem entre as cargas, Andrei chegando a atingir um soldado da SWAT na perna. Determinado a deixar seu pai orgulhoso, contra os avisos do velho, Andrei resolve "bancar o valente" e enfrentar Cassidy diretamente, que responde os tiros e fuzila o rapaz. Tomado pela dor, Dragovic se ajoelha ao lado do corpo e pede para que Cassidy o mate de vez. Nick age conforme as regras e leva o sérvio preso. Ao poupá-lo, Nick cometeu um grave erro. O gângster executará sua terrível vingança na primeira oportunidade. Após o fim da operação, Capitão Costello & Agente Reed parecem horrorizados ao contemplar o interior do cargueiro, nada menos do que dezenas de meninas, crianças na verdade, empilhadas mortas por inanição. O mercado do tráfico humano não conhece limites para a depravação. As conexões certas com gente do alto escalão do governo russo e a habilidade de um advogado inescrupuloso atrapalham os planos da força policial. Mesmo tendo sido apanhado cometendo uma porção de crimes seriíssimos, durante o interrogatório, Dragovic não parece preocupado.

Nick é um pai amoroso, e ao voltar para casa naquela noite, assistimos `a sua doce interação com a filha, uma linda menina de 19 anos, e a amorosa esposa. Nick faz amor com a mulher e dorme em seus braços. Ele desperta de madrugada com o chamado insistente do celular. Soando preocupado, Capitão Costello avisa a Nick que Dragovic usou de sua influência para deixar o distrito em liberdade provisória, e provavelmente está a caminho para fazer mal a Nick. O tira só tem tempo de abrir as cortinas: vê homens saltando de uma van, bandidos armados até os dentes, os homens de Dragovic.

Vemos que os vilões por trás do ataque são na verdade Ivan & Goran, filhos do gângster. Eles apontam o lança-mísseis diretamente para a janela do quarto, e antes que Cassidy possa alertar a mulher, é apanhado em cheio pela explosão. Rendido pelo choque, Cassidy assiste impotente à execução sumária da esposa amada, morta com um tiro de escopeta. A filha é trazida para o quarto, e Cassidy implora que não a machuquem. Ele toma dois tiros nas costas e é deixado para trás, aparentemente morto. Ivan & Goran ateiam fogo na casa e partem, certos de terem eliminado o policial, único verdadero obstáculo para as operações do pai na América do Norte. 

Cassidy sobrevive. Visitado por Costello e Agente Reed, Nick escuta com muita dor a notícia de que valendo-se da imunidade que as conexões com gente poderosa lhe valeram, Dragovic deixou o país após pagar fiança. Agora que não tem mais nada a perder, Cassidy resolve fazer justiça com as próprias mãos. Nick se automedica com uma dose de morfina e discretamente veste as roupas para deixar o hospital na calada da noite. Ele visita a casa, em ruínas após o ataque dos homens de Dragovic, mas recupera de um compartimento secreto da suíte uma maleta com suas armas de fogo pessoais, armas pesadas. Nick aparece em um dos restaurantes de Dragovic, frequentado por toda a escória envolvida com seu negócio de tráfico de gente, e abre fogo contra os asseclas. Uma das pessoas que executa a tiro de escopeta é o advogado corrupto que o colocou em liberdade. Para finalizar, deixa o gás aberto e manda o lugar pelos ares. Enquanto isso se sucede na América, vemos que Dragovic conseguiu se aclimatar bem no Cambodja, sob a benção de um dos homens poderosos que tem na lista de subornos, Senador Khat (Cary Hiroyuki Tagawa). Senador Khat anda meio relutante em permitir que Dragovic permaneça por tanto tempo no Cambodja, pode haver consequências políticas, os Estados Unidos o tem pressionado para entregar o gângster após o fiasco do ataque contra a família do detetive americano. Dragovic não apenas suborna as autoridades de diferentes países, ele também sempre conserva consigo uma vantagem. No caso de Senador Khat, a indiscrição do político com uma jovem garota com idade para ser sua filha valeu a Dragovic as fotos que utiliza agora para coagi-lo a oferecer a cobertura para que permaneça no Cambodja. Sem escolhas, Senador Khat concorda em mantê-lo na fronteira por apenas mais duas semanas, o que lhe dará tempo de repartir suas operações criminosas entre os filhos Goran & Ivan, para depois escapulir para o Laos.


Em Bangkok, Tony visita sua namorada Min (Celina Jade). Ela trabalha disfarçada em um dos clubes de Dragovic em Bangkok. Ela ama Tony e tem motivos pessoais para ajudá-lo a desbaratar o império do crime do sérvio, pois aos 12 anos foi vendida pela mãe a pedófilos pelo valor de 700 dólares. Cassidy chega a Tailândia para satisfazer sua vingança contra o gângster, mas terá outros problemas além do gângster. Agente Reed já procurou Tony e o parceiro Nung, solicitando ajuda de ambos para capturá-lo. Mesmo de boné e agindo discretamente, Nick não consegue chegar tranquilamente, pois Tony não custa a identificá-lo entre as outras pessoas no aeroporto, e rapidamente se inicia uma perseguição. "Skin Trade" é um filme visualmente bem acabado, bem filmado. As cenas dentro do aeroporto internacional fluem com uma graça que você esperaria ver em grandes filmes no cinema, no entanto você tem um produto do mercado direto-para-DVD com a mesma seriedade & profissionalismo. Em detalhes, o diretor sabe como criar empatia pelos personagens, como na cena em que depois de deslizar pelo lado da escada rolante, para correr atrás de Nick, Tony esbarra acidentalmente em uma senhorinha e deixa a corrida de lado por coisa de 1, 2 segundos, para fazer um gesto com as mãos sinalizando desculpas! São coisas simples assim que alavancam o valor do filme.

Em uma cena muito parecida à outra de "Sentença de Morte", de James Wan, a perseguição se estica para o estacionamento de vários níveis do aeroporto internacional tailandês. Quem viu o filme de James Wan compreenderá do que eu estou falando. De qualquer forma, a cena estabelece Reed como membro do grupo dos vilões. Comprado por Dragovic, Reed usa de seu livre trânsito como agente federal para tentar manter o gângster sempre um passo à frente de Cassidy. Ardiloso, quando Reed & Nung veem-se momentaneamente a sós, o agente federal dá um tiro à queima-roupa em Nung, matando-o, aponta a arma para si e atira contra o colete (claro que para forjar seu álibi) e então arremessa a arma para Cassidy, que cai como pato e põe as mãos na pistola. Quando Tony chega à cena, Reed faz toda a encenação dizendo que Cassidy matou covardemente o rapaz e por pouco não o matou também. Ele cria a animosidade perfeita para que Tony queira pôr as mãos em Nick para "fazer o trabalho sujo", quando na verdade é ele, Reed, quem tirou a vida de Nung.

O que vem a seguir serve de lição a cineastas que recorrem a efeitos especiais para criar os momentos mais importantes. A magia reside na simplicidade, e para uma das sequências mais impressionantes de "Skin Trade" o diretor Uekrongtham e seus dois astros filmaram a cena "na raça", nada de adição de efeitos. Os caras encararam o desafio "no braço". A cena começa com Nick saltando da passarela para a carroceria de um caminhão de passagem. Quando agente Vitayakul vê que não conseguirá acertá-lo, salta da ponte sobre uma grua de construção, e corre e desce através da mesma com uma desenvoltura que vai te deixar de boca aberta. A fluidez da câmera, que captura a ação também em movimento apenas a torna mais sólida. Vitayakul corre atrás do caminhão, e quando o motorista freia, Nick é lançado para frente e acaba caindo. Ele aproveita o escorregão de um motoqueiro e toma a moto. Tony continua a pé, correndo implacavelmente atrás de Nick, agora na moto. Como a perseguição se dá em uma parte muito populosa da cidade, Tony fica frustrado. Ele não é louco de abrir fogo, porque não quer acabar atingindo pessoas inocentes. Vitayakul precisa apegar-se unicamente à velocidade e, claro, a habilidade com as artes marciais. Quando os becos se tornam muito fechados, abarrotados de gente, Tony não hesita em saltar para cima, e seguir com a perseguição sobre os telhados da favela, um momento de tirar o fôlego. Também dignas de aplausos são as acrobacias de Nick sobre a moto. Ele salta de rampas, atravessa bares, cruza de uma viela para a próxima, põe quitandas abaixo... e simplesmente continua fugindo!


A sorte de Nick termina quando se mete em um beco sem saída. Ao fim da rua, Tony fecha a passagem. Enquanto Nick esquenta o motor, preparando-se para acelerar para fora dali, Tony corre como um trem, de encontro à moto e sem nenhum tipo de medo. Tony consegue saltar sobre Nick e arrancá-lo da moto. Eles quase partem para o "mano a mano". Aqui, o diretor Uekrongtham nos dá apenas uma palinha da luta entre Tony Jaa & Dolph Lundgren. Eles só chegarão às vias de fato mais tarde, no entanto aquele primeiro encontro sugere o que está por vir. Enquanto Tony ataca tão furiosamente que Nick nem tem como saber o que o atingiu, Nick usa a força bruta como vantagem. De qualquer modo, depois de levar uma sequência de socos e chutes desferidos à irreal velocidade, Nick consegue dar um empurrão em Tony, desvencilhar-se do policial tailandês, tirar um motorista de dentro do carro e fugir.

Nick dirige até Poipet em busca de um dos nightclubs de Dragovic. Ele rende o gerente e pergunta por Janko. Coagido, o bandido entrega o endereço do armazém utilizado para as operações do grupo criminoso de Dragovic. Tony e Reed chegam ao nightclub, e Min conta ao namorado que viu o americano entrar no escritório. Nick não tem piedado do gerente, e enfia uma espátula no pescoço. Com um violento chute, manda o pedófilo pelos ares. O corpo voa através de janelas e despenca sobre o palco de apresentação das strippers. Tony assiste a tudo. Um tiroteio se inicia dentro do clube, mas logo Nick se põe em movimento. Tudo o que quer é se preservar para assaltar o armazém de Janko mais tarde. Tony chega a tempo de atrapalhar os planos de Cassidy. Os dois acabam ficando frente a frente em uma fábrica de trigo. Nick tem uma oportunidade para dizer que não foi ele quem atirou em Nung, o que deixa o policial confuso. Quando uma saca de sementes cai sobre o americano, Nick perde a arma e Tony parte para a luta. Aqui, Dolph Lundgren & Tony Jaa partem para o confronto franco, que mais ou menos segue a dinâmica da primeira briga, Dolph com os seus mais de 2 metros de altura e força bruta, Tony Jaa baixinho e magro, porém rápido como um leopardo. Enquanto Dolph acerta poucos golpes, quando os conecta, lança Tony longe. Vitayakul, por sua vez, cobre o americano com combinações de socos e chutes, rápidos demais para que os olhos acompanhem. Em várias ocasiões, em um salto apenas, ele lança de 2 a 3 voadoras no peito que fazem Dolph Lundgren literalmente atravessar paredes. A luta é bastante equilibrada, poré podemos afirmar que o Tony Jaa ganha do Dolph. Ocorre que por um deslize, Nick recupera a arma. Por um instante, Vitayakul acha que Nick atirará, contudo o americano apenas dispara no interruptor, para apagar as luzes e fugir. Tony fica surpreso que o inimigo tenha poupado sua vida, e pela primeira vez considera que o americano seja inocente.


Reed e seus homens chegam à fábrica de trigo. Não há mais sinal de Nick, apenas Vitayakul, cabisbaixo, exausto e pensativo. Ainda confuso pelas últimas revelações, Tony não percebe quando ao fingir solidariedade para abraçá-lo e afirmar que "logo pegaremos esse cara", Reed "afana" seu celular, de modo a descobrir reservadamente os números de seus contatos, revelar quem de dentro da organização de Dragovic vem dando pistas à Polícia. A vida de Min corre perigo. Sem ter para onde ir, Cassidy acaba indo parar dentro de uma casinha muito simples de uma favela à beira do rio. Aquela família nada sabe sobre o americano grandalhão, no entanto o acolhem com carinho. Vitayakul retorna ao nightclub, em busca de pistas. Para sua sorte, descobre uma câmera oculta no escritório do gerente. O canalha filmava secretamente um encontro sexual com uma menor de idade, quando Nick entrou, salvou a menina e quebrou a cara do estuprador. Vitayakul escuta o diálogo travado entre os dois. Na ocasião, Cassidy exigia que o criminoso lhe fornecesse a localização do armazém de Janko. Tony sabe que será o armazém que Nick atacará a seguir, e assim todos partem para armar a batida.

Cassidy se infiltra cuidadosamente no armazém de Janko. Vigiado por homens fortemente armados, o armazém está recebendo um caminhão de meninas, naquela noite. Ao se esgueirar para dentro de uma das salas, Nick encontra uma porção de escravas sexuais, e gesticula para que permaneçam em silêncio. Quando dois mercenários entram na sala com estupro em mente, Nick subitamente os surpreende, mata ambos e toma suas armas. Ele orienta as meninas a permanecerem por ali até que termine com os criminosos. Os bandidos sabem que alguém de fora invadiu o armazém, e Janko põe seus asseclas de prontidão. De posse de uma metralhadora, Nick vai derrubando os soldados, um a um. Janko, que sempre foi um covarde, prefere tentar a sorte e fugir, mas não chega muito longe. Ele está para escapar do armazém, quando dá de cara com o carro de Goran & Ivan Dragovic. Janko pensa que seus irmãos o salvarão, mas eles o executam no ato, sob o pretexto de que não é irmão de sangue, apenas um meio-irmão, filho de uma vadia. Vitayakul e os agentes assistem a tudo de binóculos, à distância, preparando-se para invadir. Dentro do armazém, Nick fica atônito com o que vê,"gaiolas" e mais "gaiolas" de meninas muito novas, basicamente crianças, todas destinadas a atender o mercado internacional de pedófilos ricos.


Ao deixar o armazém, Cassidy ainda segura o agonizante Janko pelo braço e pede para que revele o paradeiro do pai. Asseclas de Ivan & Goran chegam em outro grande veículo e descem disparando as metralhadoras. Cassidy aponta sua arma e responde com fogo. Tony chega à cena com uma escopeta em mãos e também abre fogo contra os criminosos, botando dois deles para baixo com tiros certeiros. Assim como Nick, Vitayakul não tem mais nenhuma compaixão daquela gente. Eles estão lidando com traficantes de escravos & pedófilos, o lixo da humanidade. Ele já chega atirando e sequer dá uma oportunidade para que os bandidos se entreguem. Nick está agachado para carregar a pistola, quando escuta o barulho que a escopeta faz ao ser alimentada. Vitayakul diz que o homem que ele matou, Nung, tinha esposa e filha. Nick insiste que foi Reed quem armou a cena para incriminá-lo, e então empurra o agente Vitayakul, salvando-o de tomar um tiro disparado por Reed. O policial finalmente compreende que Agente Reed é corrupto e serve ao lorde do crime Viktor Dragovic. Vitayakul se encarrega de Reed, e os dois saem trocando tiros ao longo do armazém, entre os pilares e colunas. Eventualmente, a munição acaba, e resolvem terminar o que começaram com os próprios punhos. Reed é interpretado pelo excelente ator Michael Jai White, protagonista de muitos filmes interessantes de ação, então não é surpresa alguma que consiga dar muito trabalho a Tony Jaa. Inicialmente, Reed derruba Vitayakul com chutes e socos, mas Tony consegue virar o jogo. Eles sobem escadas trocando voadoras e partindo corrimões. A luta acaba indo para dentro (e através) de uma oficina, onde estantes são colocadas abaixo, e janelas arrebentadas a cada golpe. Eles voltam para o exterior. Vitayakul dá um salto e conecta uma joelhada nas costas que faz Reed voar com a cabeça contra o vidro de uma janela, tirando-o de combate. Simultaneamente, Nick está por perto, derrubando os últimos asseclas no fogo cruzado. Ele consegue de Janko a informação sobre o paradeiro de Viktor Dragovic.


Nick & Vitayakul perguntam a Reed quando ele se vendeu a Dragovic, e o agente responde que todo homem tem seu preço. Revoltado, Vitayakul o executa com um tiro de escopeta. Eles libertam as crianças, que lhes fazem o sinal de agradecimento com as mãos. Comovidos, Nick & Vitayakul percebem que apesar de suas diferenças têm mais em comum do que imaginam, e para derrotar o poderosíssimo inimigo, que inclusive subornou um setor corrupto do exército tailandês, precisam se unir. Com um tiro de raspão na pele, Nick tem a ferida cuidada por Tony. A caminho da fronteira para o duelo final com Dragovic, eles conversam sobre suas motivações, e Vitayakul se abre ao falar do passado da namorada, que conheceu na pele, durante a infância, os horrores do comércio de escravas sexuais. A fotografia deslumbrante aproveita o potencial do cenário do interior da Tailândia. A paisagem é realmente fantástica, ainda mais quando fotografada tão caprichosamente, uma ótima "troca de marcha" e redução na velocidade que nos permite recuperar o fôlego antes do grande clímax. Na base militar na fronteira sob a administração do corrupto senador Khat, Dragovic sente-se em casa. Ele sabe que Min é seu grande trunfo, pois ela é o ponto fraco do agente Vitayakul. Em uma cena reveladora, vemos entre as fichas do manifesto de escravas sexuais uma foto 3x4 da filha de Nick. Sofia Cassidy não morreu naquela noite do ataque. Ao contrário, o filho de Viktor a poupou para usá-la como mais um produto para o mercado sexual.

Senador Khat chega à base de helicóptero. Tudo parece em ordem para que o gângster deixe a fronteira são & salvo, quando um míssil literalmente faz um veículo voar pelos ares. A explosão lança os soldados para longe, e os vilões percebem que estão sob o ataque de Vitayakul & Cassidy. Tony derruba o soldado que ameaçava sua namorada com um tiro de escopeta. Os soldados fortemente armados de Senador Khat abrem fogo contra o americano. Por trás de jipes do exército e com o suporte de Tony, Nick os vai derrubando. Goran & Viktor se reorganizam atrás de um carro para traçar um plano para escapar dali. Goran pede que seu pai fuja no helicóptero, pois ficará para trás para lhe dar cobertura. Um dos homens mortos após o ataque com o míssil foi Senador Khat. Vitayakul dá um tiro que não chega a acertar Goran, mas evita que ele atinja Nick. Goran procura por Min no cativeiro, mas descobre que Tony a libertou. Dentro do hangar dos veículos, Vitayakul derrota os demais soldados, alguns com chutes, outros com tiros. Ao final, dá de cara com Goran, o revólver apontado para a cabeça de Min. Com um movimento de artes marciais, Min se livra do abraço de Goran, abrindo espaço para que Tony acabe com o gangster. Em mais uma exibição de sua perícia, o ator Tony Jaa cria uma curiosa coreografia, onde com o apoio das laterais dos carros ganha impulso para voar contra o inimigo e o acertar com toda sorte de joelhadas de todas as direções. Ele quebra o braço do bandido e o finaliza com uma voadora que quebra o pescoço do filho mais velho de Dragovic.
O helicóptero está levantando voo. Ao ser atingido por uma saraivada de tiros de metralhadora, por Nick, o piloto termina alvejado no peito e os rotores do helicóptero acabam entrando em colapso. O helicóptero perde o controle e gira em torno do próprio eixo, em uma cena fantástica, filmada do lado de dentro para nos dar a perspectiva de Dragovic. O helicóptero encontra o chão com estardalhaço. Nick se aproxima, certo de que Dragovic não resistiu ao impacto, quando o gângster sérvio o surpreende com um duro golpe de barra de ferro. Dragovic puxa uma faca e consegue enterrá-la no abdômen de Nick. O desejo de vingança do americano ainda está tão palpitante que ele consegue tirá-la da barriga e cravá-la no peito do mafioso, em um golpe ainda mais duro e mortal. Dragovic cai no chão agonizante, e antes de morrer revela que a filha de Cassidy foi vendida como escrava sexual. Algum tempo se passa, e em uma praça na Tailândia, vemos Nick dizendo adeus a seus amigos Tony Vitayakul & Min. Ele precisa encontrar a filha, e, portanto, seguirá as pistas do manifesto. O americano sabe que sempre poderá contar com a ajuda dos dois amigos. Tony & Min assistem a Nick partir com tristeza e preocupação nos olhos. A trama fecha de uma maneira doce, pois rumo ao desconhecido, dentro do trem, Nick procura esconder parte de seu rosto queimado para não assustar uma garotinha que sentou ali na sua frente, e a menininha se levanta para colocar a mãozinha na cara de Nick e a afagar, em um gesto de pureza que indica que a aparência do americano não a incomoda. Nick faz uma expressão de alívio e esperança, tocado pela inocência & pureza da criança, ainda mais convicto de que para escória como Dragovic, gente que vive de sugar os incautos, só há um tratamento adequado: o tratamento da arma.

Dolph Lundgren jamais esteve melhor do que no extraordinário "Skin Trade". Considerando-se que Lundgren participou dos 3 filmes da franquia "Mercenários", a afirmativa a seguir exige firmeza, mas não tenho dúvidas ao lhes garantir que "Skin Trade" consegue superar a franquia mais famosa. Lançado no mercado direto-para-DVD, o filme do diretor Ekachai Uekrongtham é uma fantasia delirante para os fãs de ação. Ao contrário de "Mercenários 3", uma produção maior que precisou atender a uma série de requisitos em favor do salutar retorno financeiro, por exemplo contenção quanto a cenas mais violentas de modo a garantir uma censura "Parental Guidancer Under 13", em sua mais reduzida escala, "Skin Trade" pôde ousar com ideias mais interessantes que a um filme muito caro seria impossível.

Lundgren assina o roteiro, escrito com o suporte de Gabriel Dowrick, Steven Elder & John Hyams, e aqui conta com o melhor time de suporte que poderia desejar para protagonizar seu próprio épico. Se para "Mercenários 3" Sylvester Stallone teve ao lado um grande elenco e orçamento milionário, o diretor Ekachai Uekrongtham fez com que seus 9 milhões de dólares rendessem cenas de tirar o fôlego que sugerem uma produção no mínimo 5 vezes maior. Fãs da Ação sabem que o mercado direto-para-DVD é a mina de ouro onde podem encontrar a soma de estilos, liberdade e estrutura dos anos 80&90. Não fosse pelo mercado dos "filmes B", a ingenuidade daquelas produções queridas jamais teria perdurado nos dias de hoje, época mais cínica onde filmes deixaram de lembrar filmes, mais se assemelhando a grandes empreitadas, empreendimentos que custam centenas de milhões e mal parecem ter sido dirigidos por cineastas com uma paixão, mas por uma diretoria de analistas financeiros. Os filmes direto-para-DVD não apenas projetaram novos astros como Michael Jai White, Gary Daniels & Steve Austin, também acolheram grandes nomes do cinema do passado que entre um grande filme e outro, quando em baixa, conseguem encontrar nas produções menores a oportunidade para se reinventarem, como Peter Weller & Ron Perlman. "Skin Trade" traz todos os ingredientes de um glorioso Filme B, tão divertido e bem-cuidado quanto "Outlander. Guerreiro vs. Predador", o exemplo máximo de como paixão e talento por trás e à frente das câmeras podem tornar mesmo uma produção sem ambições, e que visa ao mercado de DVD um espetáculo de primeira grandeza, um produto classudo. Em suas medidas menores, contam com um charme a mais, algo que as grandes produções não nos dão mais, provavelmente a "ingenuidade do primeiro amor". As pessoas envolvidas realmente fazem seu melhor, e quanto mais dificuldades o processo de rodar filmes lhes imponha, mais a equipe se esforça para encontrar as soluções ao alcance, de modo que suas visões cheguem às telas com o máximo de fidelidade às ideias.

"Skin Trade" é a consagração da carreira de Lundgren, que viveu distintos períodos na evolução do gênero. Seus filmes nos anos 80 & 90 gozam da simplicidade & ingenuidade que tornaram possível sentir saudades do mercado de vídeo, pois só sentimos falta do que realmente amamos. Os cinéfilos que conheceram os tempos do vídeo-cassete se recordam com saudosismo das fitas daquela época, onde as tramas usualmente giravam em torno de submundos onde campeonatos ilegais de kickboxing eram disputados entre lutadores impiedosos, e o protagonista, geralmente um tira de passado traumático especialista em artes marciais em busca de aceitação (tipo a cena em que o velho grita para o Jean Claude Van Damme, "Você não é um Tanaka!", em "O Grande Dragão Branco"), infiltrava-se no torneio para derrubar algum mega chefão do narcotráfico. Nestes filmes, não faltavam cenas dramáticas risíveis, mulheres voluptuosas em trajes sumários, lutas exageradas, o parceiro engraçadinho que balanceava a ação com uma pitadinha de comédia & se ferrava para motivar o herói para o duelo final, e atuações exageradas onde veteranos como Richard Lynch & Billy Drago & Cary Hiroyuki Tagawa & Matthias Hues & Bolo Yeung davam vida a vilões cheios de malvadeza, previsivelmente filmados maquinando planos com os asseclas enquanto consumiam charutos e tragavam tentando parecer sempre ameaçadores, fazendo o melhor para uma vez tendo traçado seus planos diabólicos darem aquela típica gargalhada estilo "Ei, olhem para mim e vejam como eu sou malvado!". Para nos garantir que os caras são verdadeiros monstros desprovidos de moral, os diretores só faltavam adicionar que além dos planos perversos da trama principal, ainda pretendiam sequestrar o Papa e exigir um resgate bilionário nas horas vagas!Aqueles filmes tão antigos e queridos que aprendemos a amar também evoluíram conosco, cresceram conosco. Hoje, o mercado direto-para-DVD guarda uma sofisticação que tornou o produto muito aprimorado. Dolph Lundgren fez parte da Primeira Era do Mercado-para-Vídeo, e hoje estrela produções da Fase de Ouro, onde as produções revestem-se de mais luxo, muito mais ambiciosas, bem-acabadas e, claro, divertidas!


Em sua estreia no mercado americano, Tony Jaa é um milagre de se testemunhar. Quem o viu anteriormente em "Ong Bak" sabe do que Jaa é capaz. Suas cenas de luta desafiam as leis da gravidade, e às habilidades incomuns, Jaa agrega o que há de melhor do carisma que se espera de um astro de ação, e nos faz pensar no homem que começou toda essa história, Bruce Lee, falecido prematuramente em 1973. Assim como Lee, que inclusive é um de seus ídolos pessoais, Tony Jaa demostra seu magnetismo em generosas, equilibradas doses de bom humor, ameaça e letal habilidade, que o tornam uma presença invejável, impossível de se ignorar. Mesmo baixinho, é o tipo de cara que quando entra num lugar atrai as atenções e ganha o respeito dos presentes, nos mesmos moldes de um John Wayne, por exemplo. Prova de seu enorme talento, fiquei gratamente surpreso ao ler que Tony Jaa participava do elenco de "Fast 7", o novo filme da franquia "Velozes & Furiosos" dirigido pelo grande James Wan. Não tive a oportunidade de assistir a "Fast 7", mas espero vê-lo em breve. Jaa também foi escolhido pelo diretor Gareth Evans para estrelar "Operação Invasão 3", a terceira parte da série nascida na Indonésia, tida como a franquia definitiva de ação dessa nova década, laureada por grandes nomes do gênero, Sylvester Stallone inclusive, que queria o diretor Gareth Evans para comandar "Mercenários 3" (no final, o diretor acabou sendo outra pessoa). Não há dúvida que os grandes diretores deduziram que se Jaa cria mágica mesmo em produções limitadas, o cara vai absolutamente incendiar as telas com orçamentos generosos. Tendo superado uma infância paupérrima na Tailândia às custas do esforço pessoal, talento e disciplina, esse ator é um exemplo de conduta e um cara que veio para ficar. É esperar para ver!

Celina Jade interpreta a companheira de Detetive Vitayakul, e ao mesmo tempo que consegue soar destemida o bastante para transitar em um mundo tão caótico e incerto, injeta o tipo de vulnerabilidade que nos faz compreender por que Tony faria de tudo para vê-la sempre bem. O momento onde os dois conversam após namorarem, e ela fala sobre como sua mãe a vendeu por 700 dólares enquanto um devastado Tony examina os cortes no seu ombro não custou ao diretor mais do que 5 minutos, no entanto contribuiu e muito em nos aproximar de Min & Vitayakul a um nível humano & pessoal, fazendo da vulnerabilidade feminina uma característica paradoxalmente intrínseca a uma mulher tão valente e determinada. Parceiros em uma luta contra um inimigo monstruoso e por vezes invisível, o submundo da pedofilia & tráfico de escravas, Tony Jaa & Celina Jade têm uma química tão natural e espontânea que se tentássemos, conseguiríamos plenamente imaginar um novo filme encabeçado pelos dois apenas, talvez combatendo uma nova grande ameaça. Personagens secundários interessantes e humanos & vilões horrorosos demandam um bom roteiro para soarem críveis, no entanto cabe mencionar a naturalidade com que Celina Jade aborda o material e a torna uma personagem só sua.

Ron Perlman (foto, ao centro, divertindo-se com seus colegas de elento Michael Jai White & Tony Jaa) foi uma aquisição inestimável ao elenco. O veterano ator, que não dá nada menos do que seu absoluto melhor a todo material, é um dos grandes nomes do cinema, e a sua presença facilita o trabalho do diretor e elenco. Ao escalá-lo para o papel de Viktor Dragovic, Lundgren dá a face certa ao monstruoso e perverso lorde do mercado do sexo, desafio perfeito para que os heróis testem a coragem. Torcer para Lundgren & Tony Jaa não faria sentido algum se não existisse um adversário à altura. Tomem o exemplo de uma produção de 007 chamada "Quantum of Solace". Apesar de vivido por um ator talentosíssimo, Mathieu Amalric, o vilão daquela aventura em particular foi muito criticado, porque dele não emanava a ameaça que torna as tramas tão interessantes. Quando ele surge para lutar com o herói, as pessoas simplesmente não conseguem crer que 007 encontre tanta dificuldade para vencer um sujeito tão fracote. Para os amigos terem uma ideia, se ao clímax, ao invés de Mathieu Amalric, o agente secreto tivesse lutado com a Jennifer Connelly, no papel de si mesma, teria sido ainda mais difícil para James Bond! A figura grandalhona, o rosto carrancudo e a voz grossa de Perlman fazem do ator o tipo ideal para dar vida a vilões cruéis, e apesar de "Skin Trade" ser um triunfo conjunto, seu grande diferencial reside na performance fenomenal do veterano como o macabro, impiedoso Dragovic. A adição do astro ao time de qualquer produção só traz um único contratempo: você sempre acredita que os diretores poderiam tê-lo usado mais, você deseja que seu personagem tivesse mais exposição. Quase sempre, Perlman projeta sua sombra sobre os protagonistas, rouba os filmes e os leva sob um dos braços, de tão talentoso! Como fã do ator Burt Reynolds, eu me sinto feliz de dizer que ele & Ron Perlman trabalharam juntos na aventura capa & espada "Em Nome do Rei". Em um dos extras do DVD, o making-of, você os vê conversando e brincando quando o elenco se reúne para tirar a foto em grupo, Burt Reynolds sentado bem na frente e no centro. Ron Perlman chega e fica de pé bem na frente do Burt para tomar seu lugar principal na foto, e os dois dão boas risadas, brincando. Eu torço muito pelo Ron Perlman, um brilhante ator, um grande cara. Sua aquisição é a metade do caminho para que se tenha um excelente filme.

Um dos filmes mais pessoais da carreira do astro sueco, Lundgren começou a trabalhar no roteiro em 2006, quase 10 anos antes de efetivamente rodá-lo. Sobre o projeto, Lundgren disse em uma entrevista para o site broadwayworld "Este projeto é mais especial para mim do que qualquer outro filme que eu tenha feito. Eu trabalhei no script por 7 anos. Agora, temos um elenco multi talentoso e a equipe técnica necessários para criarmos um emocionante filme sobre crimes contra a humanidade, baseado em protagonistas com profundidade". Prova de sua devoção à história, suas cenas de luta com Jaa demandaram duas semanas de ensaio, e mais duas semanas para filmagens. Ambos os astros tiveram liberdade para sugerir novidades na coreografia. Sobre as cenas de luta, em uma entrevista para Austin Trunick, do site Under the Radar, Lundgren contou "Não se trata apenas de troca de socos e chutes sem sentido. Penso que em um filme menos sofisticado, esses personagens lutariam para sempre, sobre telhados, na rua, sobre o ônibus... tudo bem fazer isso em uma comédia. Mas em uma briga real? É por isso que os filmes da série Rocky são fantásticos: há uma história, uma trama entre as lutas. Quem ganha, quem está na vantagem no começo, e então isso muda, e então alguém se machuca, e outra pessoa assume. Há começo, meio e fim para toda luta. É disso que você precisa. Você precisa planejar toda essa questão antes de desferir o primeiro golpe nas filmagens". "Skin Trade" é mais um grande filme que se tornou possível graças a Magnet Releasing, de onde vêm os melhores produtos independentes de horror & ação. Feito com muito cuidado, carinho e profissionalismo, "Skin Trade" merece toda a atenção & sucesso que conseguir. Julgando a recepção positiva, devemos torcer para que Lundgren siga adiante com o projeto de "Skin Trade 2", que deverá abordar o mercado do tráfico de órgãos, um desejo que o próprio astro vocalizou. E já que não custa sonhar, será que não daria para arrumar um lugar para Jean Claude Van Damme como o implacável lorde do mercado negro de órgãos? E Steven Seagal como o agente da Interpol que se alia ao Dolph Lundgren para desbaratar a rede do tráfico, principalmente depois que seu filho pequeno morre à espera de um transplante e ele se ressente de criminosos do tipo, que se aproveitam do desespero das pessoas em seus mais vulneráveis momentos? Como eu disse, não custa sonhar!


Se "Skin Trade" coroou uma longa, vitoriosa vida dedicada a filmes de ação, por que não olhar um pouquinho para trás, para uma época quando apesar de mais primitivos, os filmes eram tão ou mais excitantes? O convite nos levará a "Assassinatos em Boston". Duas crianças brincam distraidamente no cais do porto. É uma manhã gloriosa, e com a chegada do Sol, o rio começou a degelar. Os meninos enxergam um cadáver amarrado e despido, e quando a perícia chega à cena do crime, o detetive Eddie (Richard Fitzpatrick), o investigador encarregado do caso, reconhece a vítima. Uma legenda nos informa que o filme se passa em Boston, no ano de 1977, mas o figurino e a ambientação já haviam deixado explícito que se trata de uma trama ambientada nos anos 70. Na missa realizada pela alma de Michael Sorenson, um estranho de capus observa a movimentação e o comportamento dos presentes a uma distância segura. Ele é Matt Sorenson (Dolph Lundgren), um ex-tira & boxeador amargurado e devastado pelo alcoolismo, um homem que tem suas razões para não se mostrar em um primeiro momento. Quem o reconhece é o detetive Eddie. Matt promete que se verão mais tarde, quando voltar para casa, para a cerimônia do luto. Sorenson parece ser apenas tolerado e não exatamente bem-vindo pela mãe. Intrigado com o mistério do homicídio, Matt presta atenção às reações dos colegas e velhos conhecidos que comparecem à casa para a cerimônia. Um dos visitantes é o Prefeito Conway, um homem poderoso que teve suas diferenças com Michael Sorenson. Aparentemente, Michael impôs empecilhos ao projeto do Prefeito Conway, que pretendia construir um túnel em um local geologicamente inviável. Ocorre que Conway investira 30 milhões no grandioso projeto que consumira 3 anos até o final das obras, e Michael pretendia impedi-lo legalmente de seguir adiante com as escavações. Claro que o detalhe deixa Matt incomodado, mas ele prefere não deixar sua má impressão tão evidente, para investigar mais livremente depois. Uma mulher bonita chama sua atenção durante a recepção. Eddie revela que a moça se trata de Irene, a viúva de Michael. Mais tarde, depois que as visitas se foram e Matt está com os olhos marejados pensando no irmão, eles têm a oportunidade de conversar melhor. Estavam casados há apenas 6 meses, quando a tragédia aconteceu.

Conforme os planos do Prefeito Conway, o túnel é inaugurado em uma cerimônia em que se dirige aos presentes, Matt inclusive, sobre as diferenças entre os dois, Conway & Sorenson, em vida. Ele explica que apesar dos reparos na seara das ideias, sente-se honrado em passar a tesoura na faixa e dedicar a obra ao falecido Michael, batizando-a de "The Sorenson Tunnel". Durante o passeio, Matt acaba por ficar propositalmente para trás. À distância, depois que os convidados se foram, ele testemunha o Prefeito Conway conversando com um homem mal encarado, ambos envolvidos pela névoa. Quando pensa estar sozinho, Matt é atacado pelo mesmo homem, que deve saber de fatos sobre sua vida, pois depois de derrubá-lo, menciona algo sobre seu passado como tira, e avisa que se voltar a se meter ali clandestinamente, apanhará mais seriamente.

Naquela noite, Matt e Irene têm a oportunidade de se conhecerem. Ele pergunta se ela tem planos para a vida, agora que está viúva, se pretende retornar para Nova York. Ela explica que seus pais eram da área, Boston, e que não pensa em voltar para Nova York. O café é interrompido pela chegada de Detetive Peerse, um dos tiras da Força Policial. Como de se esperar, deu uma passada apenas para lembrá-lo a não se envolver. Sua investigação clandestina no túnel chegou aos ouvidos de terceiros, e agora muitas pessoas sabem que Matt voltou para se aprofundar no mistério por conta própria. Há gente poderosa envolvida na tragédia, e obviamente eles não querem que Matt lhes cause dor de cabeça. Detetive Peerse está deixando a casa quando escuta no rádio que um novo corpo foi encontrado no pier. Matt resolve segui-lo. A cena do crime é repugnante. O cadáver encontrado segue o mesmo padrão do corpo de Michael, despido e amarrado, a cabeça esmagada. Matt só confia em um único homem da força, Detetive Eddie.


Reunidos para drinques, Eddie lhe conta tudo o que sabe sobre o caso do irmão. Os federais já estavam de olho no Prefeito Conway por causa da questão da construção do túnel. Embora não tenham levantado nenhuma sujeira, Eddie se lembra de uma festa que Conway realizou duas semanas antes da morte de Michael. De tocaia para vigiar o comportamento do prefeito, ele se lembra de ter visto Michael e Irene na festa. Irene inclusive deixou a festa mais cedo, e parecia chateada. Matt menciona o homem mal encarado que viu em companhia de Conway. Ele tinha sotaque polonês e uma aparência peculiar. Eddie o conhece: ele se chama Joe Jujavia, um notório cafetão que agencia garotas conhecidas como "leather women", mulheres de couro: fetiches, chicotes, peças apertadas de couro, sadomasoquismo, submissão & humilhação. Joe Jujavia é velho conhecido da Força Policial desde que espancou até a morte uma de suas prostitutas, uma tal de "Anette", muitos anos antes, com uma barra de ferro. Não caiu dentro do sistema prisional graças ao depoimento de uma outra mulher, Mary O. Matt sabe que se encontrar Mary O., conseguirá mais informações sobre Joe Jujavia. Talvez até consiga compreender o que um homem poderoso como Conway faz na companhia de um cafetão, e de que forma as peças se encaixam no quebra-cabeça da morte de Michael.


Matt socializa em um clube de quinta categoria que Mary O. costumava frequentar. Ele conhece uma prostituta que explica que Mary O. não atende mais naquele nightclub. Por uma certa quantia de dinheiro, aceita lhe dizer onde Mary O. recebe os clientes. Na saída do clube, Matt é interpelado por alguns homens de Joe Jujavia, mas os derrota facilmente com os punhos. Para o último assecla, ele pede que transmita o recado a Conway e o avise de que só parará quando descobrir a verdade. Sorenson chega a um motel decadente de 2 andares, e rende Mary O. em seu quarto, justamente quando ela está atendendo um homem, metida em um uniforme de enfermeira, tudo para satisfazer os fetiches de seus peculiares "namorados". Para a surpresa de Matt, ele não foi o primeiro a procurá-la. Mary O. fala sobre uma loira de cabelos platinados que prestou uma visita para perguntar sobre Joe Jujavia, e o que ela sabia sobre a morte de "Anette", 20 anos antes. Mary O. não apenas serviu de álibi para livrar o cafetão da pena. Por remorso, depois do assassinato de Anette, ficou um tempo com as duas filhas pequenas da prostituta até que fossem adotadas.


Ao deixá-la, Matt casualmente põe as mãos no jornal daquele dia. A imprensa nomeia a assassina "Jill The Ripper". Matt teme que a mãe leia o jornal e saiba mais sobre as circunstâncias da morte de Michael. Ele não chega a tempo de evitar o pior, e ao voltar para casa, consegue escutá-la chorando. Irene se aproxima e conta que a idosa infelizmente leu os detalhes macabros no jornal. Matt decide fechar o cerco sobre Conway, e quando ele entra insuspeito na traseira da limusine, não percebe que é Sorenson quem está por trás do volante. Ele pisa no acelerador enquanto exige que Conway conte tudo o que sabe a respeito do assassinato. Depois de um grande susto, em que Sorenson dirige como louco e à toda velocidade através do pier, ele topa revelar o que sabe.


Conway o leva ao escritório. Ele explica como consegue coagir seus adversários políticos. A aliança com Joe Jujavia lhe valeu a instalação de câmeras por trás dos espelhos nos apartamentos onde suas "leather women" atendem os clientes. Envergonhados de seus fetiches, os homens não tinham como imaginar que estavam sendo "flagrados" em seus momentos mais indiscretos. Quando alguém fazia algo que ia de encontro aos interesses de Conway, o político usava as imagens para forçar os adversários políticos a recuarem. Ele vai mais além, e diz que Matt não conhecia completamente o irmão. Conway fecha as luzes e prepara um dos rolos de filme na máquina antiga de projeção. Matt fica chocado ao ver o irmão pendurado de ponta cabeça e completamente imobilizado por cordas. Aqui, somos apresentados a uma sinistra dominatrix cujo uniforme vermelho de couro nos faz pensar no "Demolidor". Matt assiste às imagens macabras e ao final da projeção se vira para perguntar a Conway o nome da mulher. Ele encontra uma porção de gângsters e leva uma surra. Joe Jujavia surge e o "coloca para dormir" com um golpe de pá.


Na mais memorável cena, Sorenson tem um terrível pesadelo. Ele sonha que Joe Jujavia o está arrastando pela corda ao longo do canal gelado. Subitamente, surge a dominatrix mascarada, que parece estar à espera de sua nova presa. O contraste entre a neve e a figura esguia e vermelha cria um visual impressionante. A dominatrix se aproxima com uma faca nas mãos e o golpeia no peito. Matt desperta aos gritos. Ele se vê na verdade próximo aos trilhos, e nos braços de Irene, que o encontrou desacordado. Ela explica que um anônimo ligou para casa e a orientou a pegá-lo ali. Tambem recomendou que Matt deixasse a cidade, caso contrário não seria encontrado da próxima vez. Depois que voltam para casa, acidentalmente, Matt flagra a cunhada na banheira, e enxerga suas costas cheias de cicatrizes. Eles têm uma briga quando Sorenson pergunta por que ela não disse antes que o irmão curtia sadomasoquismo.


Matt & Irene fazem as pazes logo depois. Ela conta que só soube daquele lado mais sombrio de Michael depois do casamento, porém que mesmo assim não se sentiu tão escandalizada. Mais do que violência pelo sexo, Irene explica que a fantasia de Michael envolvia o ato de se permitir perder o controle nos braços de uma mulher. Ele, que na vida diária tomava decisões importantes e exercia autoridade sobre os empregados, encontrava no fetiche a oportunidade de se oferecer no seu instante mais vulnerável aos braços de uma parceira, permitindo que ela conhecesse o que tinha de mais secreto e inofensivo, em uma inversão de valores que tornava a equação interessante. Irene disse que também era cúmplice dos fetiches. Por mais que não compreendesse o vínculo entre prazer & dor, conta que sempre quis encontrar a maneira de lhe proporcionar a experiência que buscava. Matt a coloca a par do que descobriu, até o momento. Através de Mary O., aprendeu sobre a "loira platinada" que aparece de vez em quando para perguntar sobre Joe Jujavia. Sorenson crê que só possa ser uma das duas filhas de Anette, a prostituta brutalmente assassinada. Pelas imagens que viu nos filmes de Conway, ele acha que a dominatrix seria uma das filhas, agora mais velha e em busca de vingança contra Jujavia.


Matt visita uma casa de prostituição com o intento de encontrar a loira. Ele menciona a mulher de cabelos platinados, mas a cafetina parece evitar as perguntas. A garota que o atende, que não é a mulher do filme, reage assustada quando Matt menciona o nome de Michael Sorenson. O segurança grandalhão entra para colocá-lo para fora, e eles chegam a trocar alguns socos, quando o homem reconhece Matt dos tempos em que era pugilista. Deixam a briga de lado, e se sentam para conversar. O velho amigo de Matt faz questão de explicar que só é um funcionário, mas pessoalmente sente asco daquela maluquice de fetiches & couro & sadomasoquismo. Ele acredita que a mulher procurada seja uma profissional "independente". Ela não trabalha mais no nightclub.


Matt se prepara para atocaiar a loira. Na calçada do outro lado da rua, a vê quando chega em um táxi ao edifício. Ainda incerto de que seja a mesma mulher a quem Mary O. se referia, Sorenson presta uma nova visita à prostituta, põe abaixo a porta e a leva consigo, para que reconheça se afinal de contas se trata ou não da mesma pessoa. Enquanto Mary O. aguarda no carro, Matt interfona o apartamento da garota de programa misteriosa. Como ninguém responde, ela chega a abrir um vão nas cortinas para pôr a cara para fora. Mary O. dá uma boa olhada, no entanto não tem como se assegurar. Matt tem sorte quando um morador entra e consegue ser rápido o suficiente para acompanhá-lo antes que a porta se feche. Há uma porção de caixas postais para os moradores, e um nome em particular chama a atenção, "F. Reed". Em uma das conversas com Irene, ele se recorda de quando a viúva revelara seu nome de solteira: "Reed".


Matt é abordado por um conhecido da Polícia, ali para prendê-lo, o susto que ele deu em Conway o motivo da prisão. Como Conway não prestou queixa, a Polícia não tem como mantê-lo no distrito por muito tempo. Quem o encontra casualmente nos corredores é Eddie, que apesar de não aturá-lo mais, quebra um galho e dá um jeitinho de abrir as venezianas da sala de reunião para que Sorenson assista ao novo filme da dominatrix de vermelho humilhando sua nova vítima, ironicamente um dos corpos que foi encontrado no porto. Seria a dominatrix a assassina? As evidências apontam que sim. Quando Matt e Irene se veem, ele vai direto ao ponto: ele crê que Francis Reed seja irmã de Irene. As duas eram as filhas de Anette, a prostituta assassinada por Joe Jujavia. As lágrimas de Irene entregam que Sorenson está na pista certa. Irene se abre com Matt, e conta como foi crescer no lar dos Reed, em Boston. Frances era estuprada diariamente, e antes que o casal pudesse fazer o mesmo a Irene, ela fugiu de casa. Em Nova York, construiu uma nova vida para si, e só foi reencontrar a irmã quando Frances a procurou. Ela estava ganhando dinheiro como prostituta, e começava a dar sinais de que "aperfeiçoaria" seu ato, dedicando-se a coisas mais "hardcore", de fetiche. Na mesma época, Irene conheceu o irmão de Matt. Casaram-se, e ela voltou para Boston. Bizarramente, Frances os seguiu. Quando Irene conheceu o lado mais sombrio do marido e sua predileção por bondage, temerosa em perdê-lo, apresentou-o à irmã, e Frances & Michael começaram a se relacionar.


Matt recebe um telefonema. Eddie precisa de sua confirmação. Um homem foi encontrado morto, e o detetive quer saber se se trata de algum cavalheiro que viu no nightclub. Cheio de dúvida, Matt não tem como se certificar, o que deixa Eddie furioso, pois assim não conseguirá o mandato do juiz para entrar no apartamento de F. Reed. Matt o convence a agir por conta própria, e mesmo relutante, o amigo policial topa. Matt aproxima-se da loira como um cliente em potencial, enquanto Eddie observa à distância. Ele preparou aparelhos de escuta no amigo, portanto quando Matt e a garota de programa deixam o clube para o encontro sexual, Eddie está no encalço da dupla a uma distância segura, preparado para agir. A dominatrix o leva a seu apartamento, o imobiliza com cordas e o põe de ponta cabeça. Ela se veste com o tenebroso uniforme vermelho, e dá início à sessão de humilhação. 


Incapacitado por uma venda, Matt começa a ficar nervoso. Chicoteado, Sorenson exige que a dominatrix o desamarre, mas ela reage o amordaçando. Escutando a comoção pelo grampo, Eddie decide intervir. Quando ela leva o braço para trás, para golpeá-lo com algo que não enxergamos bem, Eddie põe a porta abaixo e abre fogo contra a dominatrix. O detetive o ajuda a se livrar das amarras, mas quando vão verificar a dominatrix morta, descobrem que ela portava uma bobagem qualquer para a satisfação de fetiches, e não um punhal, como tinham pensado. Aparentemente, a dominatrix não ia matá-lo. Por trás de um amplo espelho, todavia, Matt encontra câmeras ocultas. Apesar de não ter ameaçado sua vida, Frances era a mulher de vermelho nos filmes que vira, e, portanto, para todos os efeitos, a assassina. Precavido, Eddie forja uma prova contra Frances, deixando uma faca "plantada" em uma das mãos. Matt & Eddie também eliminam o rolo de filme que capturou toda a ação do tira entrando e abrindo fogo.

Carros de Polícia e a Perícia tomam conta das calçadas. Matt encontra Irene na rua. Emocionada, ela pergunta se a irmã foi morta, e Sorenson precisa responder que sim. Eles se abraçam e finalmente exteriorizam a tensão sexual que sentem um pelo outro desde o começo do filme. Diz o ditado que quando se fica diante do abismo e olha para dentro, o abismo olha de volta para você, e é verdade. Enquanto a beija e abraça na cama, Sorenson é bombardeado por cenas de perversões & fantasias sexuais, traumas ainda muito frescos na sua cabeça. Eles fazem amor intensamente, e após o ato, relaxam juntos na cama, Matt de bruços e Irene sobre suas costas, prendendo-o entre as pernas. Mais permissivo a joguinhos sexuais, Matt se permite ter as mãos atadas, e enquanto Irene o massageia, oferece suas impressões sobre os motivos de Frances. Matt crê que quando a dominatrix matava as suas presas naquelas terríveis circunstâncias, sentia-se punindo o cafetão Joe Jujavia através de homens a quem julgava tão ou mais pervertidos. As palavras parecem surtir efeito sobre Irene, pois seus olhos ficam marejados. Sem dar motivos, o deixa ali na cama amarrado e vai embora.


Quando Matt volta para casa, a mãe conta que Irene fez as malas e se despediu. Intrigado, ele visita o quarto do irmão, e ao mexer em suas coisas encaixotadas, encontra uma peruca loira platinada. Matt imediatamente percebe que a assassina de cabelos loiros sobre a qual Mary O. falara, que inclusive estivera no seu apartamento buscando por informações de Joe Jujavia, pode não ter sido Frances, mas a própria Irene. Ele apanha um porta-retratos onde Irene aparece com o irmão, e vai atrás de Mary O. Matt exibe a foto e pede que Mary preste muita atenção. Ela acaba reconhecendo Irene como a mulher que estivera ali, vestida com uma peruca loira. Certo de que Irene procurará Joe Jujavia para matá-lo, Sorenson pergunta agressivamente à Mary O. onde o cafetão se meteu. Enquanto vasculha as gavetas, Matt quase é acertado por um tiro da prostituta, que reaparece com um revólver. Sem escolhas, ele acerta um tiro certeiro em seu coração.


Matt raciocina que Irene procurará acertar as contas com Jujavia no "The Sorenson Tunnel", e como esperado, a encontra ali dentro com uma faca em mãos. Ele afirma que não pode deixá-la satisfazer a vingança, e que precisa cumprir pena pelos assassinatos que cometeu, por mais que o monstro em que tenha se tornado deva-se a toda sorte de abuso na infância. Joe Jujavia surge em meio à névoa do túnel, e Irene parte para atacá-lo. Ela é atingida por um golpe de barra de ferro, e quando o cafetão a levanta para desferir uma pancada mortal, Sorenson o derruba com um tiro. Matt & Irene se abraçam. Quem os salva dos homicídios de Mary O. & Jujavia é Eddie, que remove o corpo do cafetão e o coloca na cena do crime, o apartamento de Mary O. Ele organiza o cenário de modo a fazer parecer um crime passional: Mary O. o atingiu no peito, Jujavia a acertou no coração. Livres da atenção da Polícia, Matt e Irene podem seguir suas vidas, todavia quando ele espera encontrá-la em casa, a mãe lhe conta que Irene partiu por uma segunda vez, desta vez definitivamente. O filme termina com Matt subindo tristemente as escadas e sentando-se na poltrona do quarto, defronte à janela, como que esperando pela sua volta.


Baseado no romance de Fredric Lindsay, "Assassinatos em Boston" representa uma anomalia na filmografia de Dolph Lundgren. Parte dos fãs do ator costuma odiar esse pequeno, esquisito thriller. Curiosamente, a outra parte o ama pelas mesmas razões. Dirigido pelo britânico Anthony Hickox, "Assassinatos em Boston" jamais parece um filme feito na medida para o astro sueco. Não por menos, originalmente, Lundgren nada tinha a ver com o projeto. Enquanto a esmagadora maioria de suas produções são escritas e dirigidas de modo a servirem a seu perfil & ritmo, em "Assassinatos em Boston" o astro ocupou a vaga deixada pelo artista escalado, Tom Berenger. Quando do lançamento no mercado direto-para-vídeo, "Assassinatos em Boston" foi sumariamente ignorado, principalmente porque na época Lundgren costumava lançar 2, 3 DVDs por ano, e este thriller saiu na mesma época que os mais formuláicos & acessíveis "Agente Vermelho", de 2000, e "Conspiração Fatal", de 1999 (curiosamente também dirigido por Hickox). "Assassinatos em Boston" só foi redescoberto alguns anos mais tarde, tornando-se uma espécie de cult movie, "Dolph Lundgren tentando ser sombrio", dentro do reservado círculo de pessoas que o conhecem.

A meu ver, "Assassinatos em Boston" funciona como uma releitura do polêmico e difícil "Parceiros da Noite", de William Friedkin. Embora não tenha como se comparar ao quilate do antecessor de 1980, seus mais palpitantes elementos são bastante semelhantes, sendo apenas a roupagem a diferença, o filme de Friedkin uma super produção comandada por um cineasta no topo do jogo & o filme de Hickox uma simplicidade B ambiciosa e esquisita. Em que pese a direção de um diretor da envergadura de Friedkin e a atuação de Al Pacino, "Parceiros da Noite" não encontrou um público certo, sofrendo um destino trágico que lançou diretor & ator em crise criativa. Se uma produção de tamanha envergadura não gozou do sucesso que ao menos no roteiro prometia atear fogo aos cinemas, não é de se admirar que o destino de "Assassinatos em Boston", seu "primo pobre", tenha sido similar. A história do filme de Hickox transita por becos muito sombrios da mente humana, uma descida `a subcultura de um mundo à parte povoado por escravos sexuais, roupas de couro, encontros casuais, fetiches por enfermeiras e submissão. Reinando sobre a depravação, uma dominatrix mascarada em justíssimo traje vermelho, que a deixaria ainda mais à vontade entre os cenobitas de Clive Barker. Como plano de fundo, a tragédia de duas irmãs sobrevivendo a um mundo de adultos corrompidos incapazes de resistir a seus macabros impulsos sexuais, e o horror que torna uma delas uma implacável justiceira, à caça no submundo.

Se "Assassinatos em Boston" não mereceu mais do que menções passageiras em revistas de vídeo, na época em que chegou às prateleiras, "Parceiros da Noite" causou muita polêmica ao estrear nos cinemas no início dos anos 80. No filme, o tira novato interpretado por Al Pacino era pessoalmente incumbido pelo chefe de Polícia para se infiltrar na comunidade gay de Nova York, de modo a deter um serial killer de homossexuais a tempo.`A medida que se permitir mergulhar em um universo sem regras, sua mente entra em parafuso, e ele passa a questionar a própria identidade. Repleto de imagens impressionantes, "Parceiros da Noite" cavou um buraco para si, e a ousadia foi o cutelo do verdugo: o público pagante não se interessou pelas indecifráveis, macabras discussões propostas por Friedkin, principalmente uma geração que dentro de um ano assistiria `a introdução da pandemia da AIDS, o vírus que para sempre transformaria o estilo de vida da subcultura objeto da trama. Hoje, tantas décadas após seu lançamento, podemos enxergá-lo como um interessante, misterioso suspense, com péssimo senso de timing, culpa do destino. "Parceiros da Noite" apenas calhou de vir na época errada. Ao se aventurar por recantos igualmente arriscados, o novo tratamento que Anthony Hickox dá a "Assassinatos em Boston", o imbui de um charme retrô que rende homenagem a "Parceiros da Noite", charme surpreendentemente enriquecido pela fórmula típica de produções B "direto-para-vídeo", ingrediente que serve muito bem ao conjunto. Embora não tão brutal ou tétrico quanto o thriller de Friedkin, o sensual "desleixo" de cinema independente lhe dá um ar nostálgico, típico de "filmes de Supercine", quando éramos pequenos demais para ver coisas tão fortes, e não obstante nos esforçávamos para permanecer acordados nas noites de sábado, para não perder um minuto sequer. O "fracasso" do filme de Hickox não produziu o mesmo estrondo que o fiasco de "Parceiros da Noite" deixou após o naufrágio nas bilheterias em 1980, no entanto o formato clássico de Filme B fez um melhor, mais desinibido uso da atmosfera erótica de devassidão e perigo. Apesar de "Boca do Lixo", a pecha de maldito lhe reveste de um ar proibido & marginal que tem tudo a ver com o plano de fundo da história, nightclubs decadentes no submundo de Boston no final dos anos 70.

Lundgren ainda conduz seu personagem com a persona de herói de ação, mas aqui suas lutas, limitadíssimas, ocorrem em um contexto mais dramático & ordinário, e usualmente são filmadas em um plano mais tacanho, de modo a criar o descuido que as tornam mais realistas e brutais. Em que pese não se negar a indissociabilidade da aura de herói clássico à figura enorme e cheia de presença de Lundgren, o estilo de Matt Sorenson foge `as regras do universo de seus personagens usuais. Ele é o homem relutante e ordinário metido em uma situação extraordinária, o tipo de personagem que Harrison Ford passou a carreira interpretando. Neste sentido, embora as tintas fortes de "Assassinatos em Boston" remetam a "Parceiros da Noite", a jornada de Matt por um mundo que encontra formas de envolvê-lo vagarosa e mortalmente como areia movediça nos fazem pensar em "8 Milímetros", o suspense sobre um detetive particular que ao investigar as origens de um snuff movie mergulha de cabeça nos bastidores de filmes pornôs, um meio povoado por pedófilos, fetichistas e toda sorte de gente psicologicamente danificada, onde abuso sexual & morte não passam de um típico dia de trabalho. A ambientação nos anos 70, a seu turno, remete a outra joia desconhecida, um impressionante thriller chamado "The Limbic Region", com Edward James Olmos no papel de um detetive de San Francisco que jamais se perdoou por não ter chegado à identidade de um serial killer 20 anos atrás, e agora, padecendo de uma doença terminal e com apenas alguns meses de vida, resolver finalizar o que começou.

Tido como "chato" pelos fãs acostumados à fórmula, o ritmo lento mais familiar a filmes dinamarqueses de arte e a iluminação quase natural dão a "Assassinatos em Boston" a sensação onírica que embora pouco faça a título de energia cinética, cria as condições para nos envolver com a lassidão de um pesadelo onde cada camada puxada revela outra mais feia, em uma sucessão sem fim. Talvez aí resida o problema de "Assassinatos em Boston". Como típico Filme B, incorpora muitos sub-enredos, e ao tentar adotar um tom mais sério e ambicioso, próprio a coisas como "Zodíaco", de David Fincher, se sabota com pequenas escolhas e equívocos que nos lembram a todo instante que de fato estamos assistindo a um filme direto-para-DVD produzido na segunda metade dos anos 90, quando produções independentes não vestiam o mesmo glamour e elegância que seus similares dez anos mais tarde. Possivelmente, o grande charme de "Assassinatos em Boston" consista na adição dos elementos clássicos dos filmes sobre serial killers dos anos 70 a todo um contexto "Boca do Lixo". De mais maneiras que eu poderia citar, apesar de "Assassinatos em Boston" ter sido rodado em 1999, também poderia ter sido feito em 1981. A sobreposição de enredos menores era uma tendência dos filmes policiais daquela época. Se como em um passe de mágica tivesse como trocar Dolph Lundgren & Danielle Brett em 1999 por Burt Reynolds & Ally Sheedy em 1981, você teria um filme tão interessante quanto, talvez até melhor, vez que o final da década de 70 acolheu como nenhuma outra década os trabalhos subversivos, os tendo tratado como arte. Basta lembrar que foi nesse período de tempo em que cineastas como De Palma & Argento foram catapultados para o auge do sucesso criativo.

Respeitado entre os cineastas do mercado direto-para-DVD, Anthony Hickox sempre multiplica os poucos recursos que tem para trabalhar, e compensa a carência de orçamento com a criatividade que o torna visualmente interessante.  Sua carreira está repleta de filmes onde estilo e habilidade se destacam, por mais que as produções tenham parecido zonas de guerra para o esforçado diretor. Quando no início da década de 90 os direitos de "Hellraiser" foram adquiridos pela Dimension Films, Anthony Hickox foi o nome escolhido pelos produtores para comandar o projeto. Ele possuia uma certa experiência, seu primeiro filme "Waxwork" tendo causado forte impressão apenas alguns anos antes (1988), e sabia como criar um espetáculo visualmente excitante com pouco dinheiro. As pessoas que conhecem a obra de Clive Barker e amam "Hellraiser" sabem que só há dois filmes verdadeiramente fiéis aos perigosíssimos conceitos do autor, o primeiro e segundo. O terceiro marcou a passagem dos direitos autorais, da New World, que rodou os dois primeiros na Inglaterra, para a Dimension Films, que procurou diluir as ideias difíceis e comercialmente inviáveis de Barker, de modo a chegar a um sabor mais palatável que servisse ao novo mercado que procurava conquistar. Claro que a empreitada não deu certo. Com a nova roupagem, os americanos estavam tentando agregar charme comercial a uma ideia que desde o início fora concebido no berço cult. Apesar de meus reparos quanto a "Hellraiser 3", vejo o filme como um "fracasso interessante", pois mostrou a habilidade de Hickox em fornecer um produto visualmente interessante com um pequeno orçamento e exíguo período para filmagens. Sem dúvida, sua escolha para rodar "Assassinatos em Boston" deve-se ao currículo a que os produtores tiveram acesso, filmografia da qual "Hellraiser 3", um dos poucos trabalhos de Hickox que foi aos cinemas, faz parte.


Em se falando de "Hellraiser 3", não parece ter sido por acaso que o projeto de "Assassinatos em Boston" tenha parado em suas mãos. Dos dois primeiros filmes de Barker e da fonte original "The Hellbound Heart" transbordam erotismo sadomasoquista. Hickox, que dirigiu o terceiro, novamente revisita as vestes de couro e os chicotes, em "Assassinatos em Boston", só que ao contrário dos cenobitas da Configuração da Lamentação, ele tem uma dominatrix sedenta por vingança. Rodado 8 anos depois de "Hellraiser 3", o cineasta demonstra amadurecimento com a direção de "Assassinatos em Boston". Ele fez algumas escolhas interessantes, como ambientar a história nos anos 70 para recriar o senso de estilo & vida daquele fervilhante time frame, uma excelente janela para histórias sobre serial killers. Seus pequenos vícios, trazidos do tempo em que rodava produções menores dentro de um cronograma impossível, acabam por funcionar em prol do resultado final, um bizarro e empolgante thriller sobre mulheres assassinas, a contracultura dos fetiches e o submundo onde sobrevive graças a aqueles que se predispõem a viver perigosamente, contado através do ponto de vista de câmeras que capturam a ação com a mesma deliciosa incompetência da cartilha dos Filmes B. "Assassinatos em Boston" veste essa desarrumação como troféu pessoal, pois pelo seu desarranjo exibe a agressividade e o desleixo úteis no trato de uma trama tão impenetrável.


Dolph Lundgren se esforça para dar a melhor performance possível, claramente investido na oportunidade de criar algo diferente. Ele compõe muito bem a figura do ex-tira & ex-boxeador alcoólatra que forja à custa de socos e chutes seu caminho entre os monstros do submundo. Vê-lo `a mercê de uma dominatrix é uma posição em que jamais o imaginaríamos, no entanto seu desempenho, baseado em introspecção, jamais deixa que instantes assim soem ridículos, por mais que ao diretor Hickox falte a elegância de um De Palma, por exemplo. Danielle Brett interpreta Irene, e em iguais doses tanto parece vulnerável quanto misteriosa. Ela faz o papel da vilã, e contra um grandalhão como Dolph Lundgren, precisa mais do que estatura e força para soar convincente. Ao seu lado, conta com o passado que o roteiro cria para sua personagem. De fato, a tragédia envolvida em sua história pessoal a torna uma memorável antagonista neste confronto que pode custar a sanidade do personagem de Lundgren.


Mesmo honorável em seu justo esforço de compor uma trágica vilã, "Assassinatos em Boston" apenas emula uma pequena parte do impacto de "w Delta z", um filme fantástico que sempre recomendei exaustivamente e jamais deixei de elogiar. "w Delta z" foi um suspense produzido em pequena escala que tratou sua trama e personagens com a elegância de uma produção Classe A. A melhor maneira de descrevê-lo seria como uma inspiradíssima incursão de um diretor que reproduzisse as melhores qualidades de Brian De Palma & David Cronenberg, em uma trama que embora possa ser descrita como uma versão gay de "Desejo de Matar", emana atmosfera e melancolia em suas luzes borradas de neon em noites frias sem fim, cortesia da cidade de Edimburgo, lugar onde foi filmado e de cujas calçadas e ruas e prédios e píer brota um poderosíssimo senso de nostalgia, tristeza, segredos e oportunidades perdidas. Em "w Delta z", uma série de assassinatos recai sobre os membros de uma gangue, um a um abduzidos de suas casas com os entes mais queridos. Eles têm a escolha de morrer no lugar de alguém da família, ou sobreviver, mas apertando o gatilho do revólver que matará a pessoa amada. À medida que se aprofunda nas investigações, o detetive vivido por Stellan Skarsgard começa a perceber que os crimes guardam relação com o caso de uma moça que foi impiedosamente sodomizada por membros da gangue, inclusive forçada a apertar o gatilho e matar a própria mãe, e agora procura resolver o impasse filosófico - preservar-se tirando a vida de uma pessoa amada ou sacrificar-se altruisticamente - com os integrantes da gangue que a colocaram em tão tenebroso dilema em primeira lugar, agora seus ex-algozes experimentando o sabor de estarem sob a mira da escopeta. Em "Assassinatos em Boston", conhecemos apenas superficialmente o Horror do passado que tornou Irene uma dominatrix. "w Delta z" foi mais cuidadoso, e criou uma vilã mais bem definida, por quem sentimos empatia, principalmente por conhecermos os eventos macabros que a transformaram em um monstro. Se a premissa de "Assassinatos em Boston" os agradou, aproveitem para conferir também "w Delta z", ainda o melhor do gênero.


Depois que Dolph Lundgren teve sua chance em "Assassinatos em Boston", foi a vez de Christopher Lambert encarar a escuridão do abismo com "Ressurreição - Retalhos de um Crime". Para a sorte de Lambert, o astro contou com a direção de Russell Mulcahy, o homem que o tornou astro em 1986 com "Highlander". De cara, os amigos encontrarão uma certa semelhança entre "Assassinatos em Boston" & "Ressurreição - Retalhos de um Crime", e não é para menos. Ambos os filmes foram filmados em Toronto, Canadá, uma cidade muito procurada pelo seu charmoso outline e sedutora arquitetura urbana, que oferece a cineastas amplos espaços para locação e uma taxa de câmbio que potencializa os dólares norte-americanos. Embora ambos nos arrastem a uma descida a cantos muito inexplorados da mente, "Ressurreição - Retalhos de um Crime" usa como espinha dorsal a fórmula clássica dos filmes sobre caçadas a serial killers. Comparado a "Se7en", "Ressurreição - Retalhos de um Crime" não se movimenta com a desenvoltura do filme de David Fincher, no entanto para o padrão dos filmes B, destaca-se pelo enredo contado de modo envolvente, a direção segura de Mulcahy e as performances de um grande elenco, com destaque para o aclamado diretor canadense David Cronenberg, aqui interpretando o importante papel de um padre.

John Prudhome (Christopher Lambert) é um brilhante detetive da Força Policial de Chicago. Transferido de Nova Orleans, Prudhome não vive um período fácil, pois o filme nos sugere que o detetive e a esposa passaram por uma perda recente. A impressão será importante mais tarde. Hollinsworth (Leland Orser, uma das grandes performances do filme), seu fiel parceiro, parece ser o único tira disposto a aturar o estilo "caxias", durão e reservado de Prudhome, balanceando sua seriedade com muito bom humor. No começo do filme, Prudhome é despertado por uma ligação do chefe de polícia, e se torna um dos primeiros a atender uma determinada ocorrência. Ao exibir uma Chicago sempre sob chuva, a fotografia de "Ressurreição Retalhos de um Crime" nos indica que "Se7en", de David Fincher, emprestou muito ao diretor Russell Mulcahy em termos de visual. Prudhome encontra o parceiro Hollinsworth e o pessoal de Perícia, pela calçada e dentro da residência. A vítima teve seu braço extirpado quando ainda viva, prova do sadismo do assassino. O sangue que salpicou pelas paredes aponta claramente que seu coração batia no momento do ato. Um dos rapazes da Perícia adianta a Prudhome que o homem se chamava Peter, 33 anos, dono de uma frota de barcos pesqueiros. Em razão do breu na cena do crime, Prudhome pede que abram as cortinas, quando encontram um recado escrito à sangue na janela: "Ele está voltando". Prudhome e Hollinsworth assumem a dianteira do caso, e quando as investigações estão para começar, o chefe de polícia diz que recebeu queixas de seus colegas, que se julgavam no direito de conduzi-las. O fato é que apesar de seu jeitão difícil, Prudhome tem o instinto que o ajuda a compreender como ninguém mais a mente de um serial killer. Ele é o homem ideal para o caso.

Almoçando em um bar de culinária tipicamente sulista, de onde John veio, os dois trocam impressões sobre a cena do crime. Hollinsworth ainda não vê nada de incomum no homicídio, não procura ler significados. Até onde sabe, o cara é apenas mais um maluco. Apesar de contar com uma esposa amorosa, quando ela lhe pergunta sobre seu dia e diz que viu no telejornal sobre o assassinato, John parece fechado em seu próprio mundo, sempre emocionalmente distante. Reunidos com o médico legista, Prudhome e Hollinsworth aprendem mais sobre as circunstâncias da morte de Peter. O médico lhes conta que o braço foi cortado com precisão cirúrgica, e que em um dos ombros e no pescoço o serial killer deixou alguns termos grafados. No ombro, chama a atenção uma sequência de números romanos, e no pescoço um recorte de pele que reproduz a forma de uma chave, encontrada na cena do crime. Um exame mais atencioso prova que a chave se reporta a um guarda-volumes na estação do trem, e é para lá que os parceiros se dirigem. Só há uma flor seca dentro do guarda-volume, mas a mesma oferece um novo mistério. Originária da Austrália, não se encontra semelhante flor tão facilmente em Chicago, o que os convence a partir para o Jardim Botânico. Ali, um espaço de terra revolvido chama a atenção dos policiais, e com pouco esforço encontram uma nova vítima, também sem um dos braços. O exame mais apurado do corpo revela nova grafia em números romanos. O banco de dados os leva à identidade da segunda vítima, um homem de 33 anos chamado Matthew, ex-servidor da Receita Federal. Na reunião entre os detetives, recebem uma ligação do pessoal da Perícia. O sangue encontrado na janela da casa da primeira vítima não era de Peter, mas de um cordeiro.


Em uma sequência onde vemos Prudhome introspectivo, metido em suas recordações, entendemos melhor a natureza de seu luto. Ele se sente responsável pela tragédia que custou a vida do filho, apenas por ter deixado a bicicleta escapar entre os dedos ao esbarrar acidentalmente em um skatista. O filho e a bicicleta foram parar no meio da rua, onde um carro os colheu na frente de Prudhome & Sara. Além da direção do experiente Mulcahy, um dos pontos fortes de "Ressurreição Retalhos de um Crime" é a melodia que serve `a trama em seus mais imperativos momentos, e do mesmo jeito que ocorre em outras partes, aqui, na recordação de Prudhome, a trilha evoca um sentimento contundente de perda & tristeza que dá a uma história que muitos considerariam batida identidade própria. Em uma manhã chuvosa, em uma região particularmente violenta e decadente da cidade, uma nova vítima é encontrada, em circunstâncias ainda mais desumanas. Seu corpo teve a cabeça decepada, e assim como ocorreu às duas vítimas anteriores, o homem sofreu antes de morrer. Ao se deparar com a horrorosa cena, Hollinsworth perde momentaneamente a compostura. Os homens da perícia encontram a identidade da vítima, um homem de 33 anos chamado Thiago, morto na sala ao lado por hemorragia, e depois carregado à cadeira onde foi encontrado sem a cabeça. Hollinsworth não se conforma que um crime tão brutal não tenha deixado testemunhas. No distrito policial, os rapazes chegam a uma interessante conclusão no que importa a datas. Há um espaço de uma semana entre cada uma das vítimas, o que indica que o serial killer parece obedecer a um determinado ritmo próprio. No banco de dados da Força Policial, o registro fotográfico de Thiago lança Prudhome em um rumo investigativo, porque lhe chama a atenção a aparência do rosto do rapaz morto, cabelos compridos & barba, com a imagem clássica de Jesus Cristo. Trabalhando em cima dos números romanos grafados nos cadáveres, Prudhome atravessa a madrugada no distrito, pensativo, metido em análises, até chegar a uma impressionante conclusão: os números reportam-se a capítulos & versículos na Bíblia Sagrada. As vítimas – Peter, Matthew & Thiago – não foram escolhidas aleatoriamente. Pedro, Mateus & Tiago eram apóstolos. Pedro era pescador, Mateus cobrador de impostos. Há um paralelo entre as vítimas e a história dos apóstolos, afinal de contas Peter era o dono de uma frota de barcos pesqueiros, e Matthew trabalhava para o Estado, cobrando impostos (servidor da Receita Federal). As vítimas tinham 33 anos, mortas em sextas-feiras distintas, separadas por uma semana. Jesus Cristo foi morto em uma sexta-feira aos 33 anos. Prudhome confidencia a Hollinsworth que acredita que o serial killer pretende reconstruir o corpo de Cristo, daí leva consigo braços, cabeça, etc. O espaço de uma semana indica que o serial killer tem mais 3 semanas (portanto, mais 3 vítimas) até a Páscoa, a Ressurreição de Cristo.

Prudhome separa os homens em duplas, de modo a aproveitar melhor o exíguo tempo. Alguns deverão revisitar as cenas dos crimes anteriores em busca de testemunhas, outros as paróquias atrás de algum fanático que faça o perfil. Naquela noite, ao voltar para casa, Prudhome encontra a esposa conversando com Padre Rousell (participação especial do cineasta David Cronenberg). Padre Rousell é um velho amigo da família, e veio visitá-los porque faz 6 meses que John não comparece à igreja. Quando Padre Rousell o aconselha a não dar as costas à fé, John responde que Deus não ouviu suas preces e nada fez pelo filho, que morreu após agonizar 5 dias em coma. Ele deixa a sala, furioso. Sara se desculpa pelo marido, Padre Rousell responde que compreende sua frustração. Aos choros, ela exige que o marido a escute, e insiste que ele não foi o único a perder um filho. Na manhã seguinte, Hollinsworth & Prudhome recebem a visita de Wingate (Robert Joy), um psiquiatra forense do FBI que deseja ajudá-los. Os detetives não parecem abertos aos "pitacos" de Wingate, mas o psiquiatra oferece alguns interessantes pontos de vista, como a motivação do serial killer em manter as vítimas vivas até o último segundo: Cristo morreu na cruz, ele quer que as vítimas sofram. Durante a reunião, um fax chega para Prudhome. Algo no texto parece sugerir que os homens devem procurar saber o que havia no interior da 3ª vítima, e ao conversarem com o legista, aprendem que de fato seu estômago estava cheio de ervilhas, uma menção ao termo "Oliveiras". Wingate fornece à dupla seu número de celular, voluntariando-se a ajudá-los caso julguem conveniente. Em uma conversa na pizzaria, Prudhome vocaliza sua admiração pela inteligência, pelo trabalho do serial killer em concluir sua obra. Hollinsworth teme que não o peguem a tempo, que chegue a época da Páscoa e o serial killer desapareça sem que os crimes tenham sido solucionados, nos moldes do assassino do Zodíaco.


Sem conseguir dormir, pensativo quanto ao enigmático conteúdo do fax, principalmente à menção de um esquisito termo, "Boanerges", Prudhome resolve procurar Padre Rousell. Aqui, há um momento discreto e interessante, pois apesar de Padre Rousell abrir as portas da paróquia para ajudá-lo, Prudhome não consegue pisar no solo da igreja. Seu ressentimento por Deus ainda está tão palpitante que não quer colocar os pés para dentro. Sentindo muito pelo dilema do detetive, Padre Rousell resolve esclarecer as dúvidas do lado de fora. Ele conta que "Boanerges" nada mais é do que um epíteto, que significa "Filhos do trovão", conferido a Thiago & João, filhos de Zebedeu. Prudhome percebe na hora que o serial killer irá atrás do irmão da última vítima, Thiago, pois o rapaz se chama "John" ("João"). Ele agradece o padre pela ajuda, e parte da paróquia à toda velocidade. Ele liga para Hollinsworth e pede que a Polícia se dirija imediatamente ao endereço de John, um estúdio fotográfico. Hollinsworth entra em contato com John por telefone e recomenda que tranque as portas, pois se encontra em sério risco de vida. Ao chegar ao estúdio em plena noite fechada e chuvosa, o lugar, um enorme prédio antigo e abandonado, parece silencioso até demais. Entre quadros cobertos por plásticos, Prudhome não enxerga o assassino mascarado, mas encontra a nova vítima, ainda viva, esvaindo-se em sangue por uma importante artéria da perna, já separada do corpo. A perna extirpada não está tão longe, e foi deixada em um canto, ou seja, o assassino ainda não a recolheu. Prudhome fica desesperado para ajudar o rapaz, mas este morre antes que possa fazer algo. Ao dar pela perna esquecida, Prudhome chama Hollinsworth pelo rádio e avisa que o assassino ainda está por ali. De fato, o serial killer arranca em direção às escadas e tira o equilíbrio de Hollinsworth com um chute, conseguindo deixar o estúdio.


A caçada chega aos becos muito estreitos entre os prédios. O reforço chega, mas Prudhome e Hollinsworth se separam. Hollinsworth é atacado pelo assassino, que o deixa momentaneamente fora de combate com uma arma taser. Prudhome recebe os colegas do reforço policial. São surpreendidos quando uma figura solitária mascarada subitamente surge cambaleando para fora do beco com uma arma em mãos. Prudhome pressente que há algo de errado, mas no calor do momento não consegue agir a tempo de evitar que um dos homens efetue o disparo de escopeta na perna do "assassino". John se aproxima da cena, e para seu horror, ao arrancar a máscara, descobre Hollinsworth amordaçado. O serial killer havia preparado uma cilada para que Hollinsworth fosse atingido pelos seus pares. Os policiais ficam chocados. Uma ambulância é imediatamente acionada, e no percurso até o hospital, Prudhome permanece ao lado do parceiro. O tiro da escopeta fragmentou o osso, e a possibilidade de perder a perna o deixa aterrorizado. Os dois têm um tocante momento, quando Prudhome segura a mão do parceiro, sem saber exatamente como consolá-lo.


O capitão está a um sopro de tirar John do caso, mas a determinação de Prudhome em rastrear o assassino o toca de uma maneira que o convence do contrário. John recebe um telefonema do hospital. Um dos enfermeiros responsáveis pelo expurgo do lixo hospitalar foi nocauteado, e a perna amputada de Hollinsworth carregada. Prudhome visita o parceiro. Apesar de consciente, Hollinsworth mergulhou em profunda depressão. Ele explica que até onde consegue se lembrar sempre quis ser um policial para ajudar as pessoas. Não sabe o que fará agora que perdeu a perna. Sem rumo, Prudhome entra em contato com Wingate, o psiquiatra do FBI, à espera de uma nova perspectiva. Wingate crê que Prudhome deva se focar no modus operandi do serial killer, desistir de entender por quê está querendo reconstruir o corpo de Cristo a tempo da Páscoa e concentrar-se nas pistas.


Prudhome recebe uma fita cassete com a voz do assassino prometendo retaliação pela via da esposa. John desespera-se e com toda a força policial retorna para casa às pressas. Ele se depara com a sala coberta de sangue e vê o corpo de uma mulher estendida no chão. No início, acha que é a esposa, porém ao prestar mais atenção vê que é a melhor amiga da esposa. Mesmo arrasado, encontra algum conforto com o fato de não ter sido a Sara. Ela chega a casa e vê a comoção. Não entende o que ocorreu. Quando o marido a abraça, entende que algo horroroso se sucedeu à amiga, e grita cheia de tristeza. Mais tarde, depois que Prudhome conseguiu lhe dar algo para se tranquilizar, Sara explica que havia saído para comprar uma comida especial para o jantar, e a amiga ficou sozinha em casa, para descanzar, exausta de viagem. O assassino a pegou certo de que estava executando a mulher de Prudhome. John orienta a esposa a ficar com a mãe até que finalize o caso. Naquela noite, o noticiário veicula trechos da fita onde se pode escutar a voz do serial killer.


A próxima pista chega através de uma senhora que diz reconhecer a voz e mora em downtown Chicago. Prudhome e mais 3 colegas prestam uma visita ao decadente hotel para conversar com a mulher. A idosa explica que está convicta de que a voz é a de um cavalheiro que mora em um apartamento do térreo. De arma em punho, os agentes se preparam para o pior, contudo o homem abre a porta cooperativo. De fato, a voz na fita corresponde à do morador, mas não significa que ele seja o assassino. Ele lembra que conheceu um senhor na pracinha, que lhe pagou 50 dólares para ler um texto, sob o pretexto de que estava rodando um fillme. Quando os detetives estão deixando o prédio, um colega chega apressado aos pés da escada contando que encontraram a quinta vítima. Em um lamentável estado, de ponta cabeça no frigorífico, o corpo teve a perna extirpada. No distrito policial, quando um colega pergunta a Prudhome se tem moedas para a máquina de refrigerantes, um insight lhe ocorre. Ao passar a vista pelos relatórios das 5 vítimas, John atenta-se ao quase imperceptível detalhe de que cada uma delas foi encontrada com uma moeda de 5 centavos. Ora, falta apenas mais uma vítima até a Páscoa. 6 moedas de 5 centavos somam 30, o número de moedas pelas quais Judas traiu Cristo. Um dos rapazes comenta que acabou de receber um informe gentilmente levantado pelo FBI. Aparentemente, coisa de alguns anos atrás, o corpo de um sujeito chamado Felipe (nome de apóstolo) foi encontrado decapitado, em uma aparente tentativa amadora do mesmo serial killer de montar o corpo de Jesus quando ainda estava "engatinhando" na arte de matar.


Prudhome vocaliza o desapontamento que só agora o FBI, através de Agente Wingate, tenha mandado as informações que pedira há 3 semanas atrás. O colega disse que não sabe do que Prudhome está falando, eles só pediram as informações ao FBI há 3 dias, e não 3 semanas. Prudhome aparece no prédio da Polícia Federal, e ao pedir para conversar com o Agente Wingate, outro homem aparece. Com horror, Prudhome compreende que o "Agente Wingate" com quem conversou e de quem recebeu dicas jamais existiu, ou melhor, falou com um farsante, enquanto o verdadeiro Wingate de nada soube. Certos de que o farsante é o serial killer, os policiais bolam um plano para prendê-lo. Prudhome liga para o celular de "Agente Wingate" e insiste para que se encontrem na pizzaria onde conversaram pela primeira vez. Os rapazes preparam a tocaia, policiais à paisana nas calçadas e dentro da lanchonete armados até os dentes! Quando "Wingate" desce de um táxi para atravessar a rua, os rapazes sacam as pistolas e o rendem ali mesmo na calçada. Aqui, a maestria de um experiente cineasta novamente salta aos olhos, pois Mulcahy filma a cena em câmera lenta, e a combinação de trilha & performance em um ritmo mais lento a torna um dos grandes momentos que o alavanca do modesto patamar de produções B para algo mais sofisticado.


Prudhome confronta o estranho durante o interrogatório, e explica que mesmo que se recuse a falar, logo as digitais os levarão a sua verdadeira identidade. O assassino procura tirá-lo de centro mencionando o acidente de Hollinsworth, e por pouco Prudhome não o ataca. Se a Força não conseguir nenhuma pista mais concreta que justifique a prisão preventiva, ele deverá ser colocado em liberdade em 48 horas. Manobras do advogado devolvem o perigosíssimo assassino às ruas. O distrito fica em polvorosa. Depois que a polícia estampa o rosto de "Wingate" nos jornais, são atropelados por ligações de gente que diz conhecê-lo, mas não se pode ter certeza. Apesar de devolvido à liberdade, os agentes permanecerão na sua cola. Eles o seguem quando o estranho sobe em um táxi em direção à estação de trem. No meio tempo, o xerife de uma cidadezinha no Tennessee onde o corpo sem cabeça foi encontrado anos antes revela conhecê-lo. Ele se chama Gerald Demus, e o xerife se recorda de que era um perdedor local, conhecido por ter atacado o pastor da cidade.


Demus recolhe uma mala do guarda-volumes da estação, e troca de roupas no toalete. Ele dá um jeito de burlar o cerco dos policiais que até então o seguiam de perto, e assim consegue se misturar às pessoas em trânsito na estação. Os detetives correm para a plataforma dos trens. O número de pessoas de trânsito torna a missão de encontrá-lo tão complexa quanto achar um fio no palheiro. No último segundo, Prudhome pontua as costas de Demus na multidão. Ele responde ao chamado abrindo fogo, gerando uma confusão generalizada. Demus consegue embarcar em um trem de saída, e Prudhome é obrigado a assistir ao serial killer desaparecer. Os policiais compilam todo o passado obscuro de Demus, inclusive sua estadia de 2 anos em uma instituição psiquiátrica, de onde fugiu há apenas 3 meses. Mesmo agora que os detetives estão na trilha certa, Demus não se intimida e volta a atacar. Da última vítima, pretende conseguir o "tronco" para aproximar-se da montagem de seu Cristo.


Um colega comenta a cobertura da imprensa, que publicou fotos dos locais cenário dos assassinatos. Uma casa vitoriana chama a atenção de Prudhome, porque a foto, recente, exibe uma das janelas abertas, e sabe-se que quando os policiais isolaram o lugar, cerraram portas e janelas também. O lugar mais seguro onde Demus poderia se ocultar seria justamente em um dos locais palco de assassinato, afinal de contas seria o último lugar em que os policiais pensariam em procurá-lo. Prudhome e um destacamento da SWAT não custam a chegar ao lugar e pôr a porta abaixo. Não encontram Demus, e sim a "obra em andamento" do assassino, o "corpo montado" de Cristo. A visão deixa a todos com ânsia de vômito. Em um cômodo, Demus deixou fitas de vídeo onde declama seus delírios. Na manhã seguinte é Páscoa, e com sua astúcia Prudhome sabe que só falta um coração à "obra". Demus procurará alguma mulher que dê à luz um bebezinho após a meia-noite, e que se chame Maria. Demus não hesitará em arrancar de um bebezinho indefeso seu coração. Prudhome e seus amigos estão determinados a não deixar que Demus termine o trabalho.


Uma Maria entrou em trabalho de parto no Hospital Memorial. Prudhome e outro detetive se mandam imediatamente para o lugar onde Demus deverá atacar. De fato, ao chegarem, encontram a Emergência à meia luz. Ao procurarem o hall de entrada, dão com uma enfermeira esfaqueada, e mais para frente no corredor, outra funcionária morta. No berçário, os detetives veem que falta o bebê de uma "Maria Domingues", e quando um "enfermeiro" deixa apressadamente a sala com o neném, Prudhome faz mira e o manda parar. Claro que se trata de Demus. O serial killer lança-se numa fuga desesperada com o bebê a tiracolo. Ao bater com um carrinho de ferramentas médicas, o amigo de Prudhome fica de fora da ação, cabendo apenas a John dar cabo do psicopata. Prudhome o persegue até a cobertura. É uma noite chuvosa e hostil. Demus tenta acertá-lo com os tiros, mas apenas desperdiça seu pente. John faz mira e o manda soltar o bebê. Está tudo terminado. Gerald se recusa a se entregar, e perigosamente na sacada, guarda a vantagem sobre Prudhome, que não pode agir enquanto tem o bebê em mãos. John abaixa a arma, e explica que dentro de um ano ninguém mais se lembrará de Demus. Ele é apenas mais um perdedor cujo legado não passará de uma nota de rodapé em algum jornal sensacionalista. O serial killer responde que se atirar o bebê da sacada, as pessoas se recordarão. Desesperado, Prudhome toma o bebezinho das mãos do assassino, mas leva uma facada na mão, no processo. Atingido gravemente, Prudhome cai no chão, aliviado por ter salvado o bebê das mãos de Demus. Ele recupera a arma e estoura os miolos do serial killer, que despenca da enorme altura para a rua.


Prudhome jamais se conformou com a morte do filho por sentir em seu âmago que se não tivesse vacilado naquela fatídica manhã, o menino não teria sido atropelado. Ao salvar o bebezinho das mãos de um verdadeiro monstro, parece recuperar o gosto pela vida. Significantemente, depois que Maria Domingues recebe seu filhinho são & salvo, ela e o marido agradecem o detetive pelo heroísmo, Maria o presenteando com uma corrente com a imagem de Cristo. Apesar de ter voltado suas costas a Deus, a quem julgou indiferente ao drama do filho, aquele encontro parece lhe devolver subitamente a fé perdida. Emocionado, Prudhome os agradece, a mulher Sara ali por perto para testemunhar o tocante momento. Licenciado por 3 meses para se recuperar dos eventos, Prudhome sorri e comenta com o capitão que fará bom uso das férias, pois finalmente juntará os estilhaços de sua vida ao lado da esposa. Ao final, o vemos visitando o amigo Hollinsworth. Embora também tenha passado pela sua cota de sofrimento, Hollinsworth voltou a ser o cara brincalhão cheio de energia. Ele está ensaiando novos passos com a nova prótese, e disse que em breve estará de volta ao trabalho. Ele conta que viu um cara correr a maratona de Boston com uma prótese no lugar da perna, e se o sujeito conseguiu, por que não ele? Prudhome & Hollinsworth se abraçam, e a história termina com um tom otimista e ensolarado.


Não há como negar que David Fincher gozou de amplo suporte e condições para filmar "Se7en", mas tampouco se pode ignorar que as limitações de "Ressurreição - Retalhos de um Crime" foram balanceadas pelo olhar zeloso de Mulcahy e o carisma de Lambert. O filme é um projeto muito pessoal para o ator principal e o diretor, que na verdade tinham outro projeto em mente, até que conceberam a trama de "Ressurreição" e preferiram abandonar o velho projeto para se dedicar ao filme que nasceu do entusiasmo compartilhado. Lançado com êxito nos cinemas dos mercados fora dos Estados Unidos, principalmente na Europa, onde se encontra o público base de Christopher Lambert, "Ressurreição" não mereceu o mesmo respeito dentro do país, onde chegou às prateleiras de DVDs discretamente, uma pena para os cinéfilos que apreciam histórias de horror & suspense e querem ver outros atores nos papéis, não a mesmice que assola o gênero.

A todo instante emprestando sofisticação artística ao filme, Russell Mulcahy cria imagens assombrosas recorrentes, como Hollinsworth emergindo a passos trôpegos do beco, vendado e de braços atados, enquanto seus colegas fazem mira, ou os cortes muito rápidos que nos lembram que ele veio do mercado dos videoclipes. Fazendo ótimo proveito do tempo perenemente nublado de Toronto, Mulcahy cria uma "Chicago" sob chuva, e utiliza o tempo deprimente a favor do melancólico tom adequado à obra. Interiores de delegacias, minúcias da prática forense e a camaradagem entre os tiras conferem autenticidade à trama e nos aproximam de uma realista caçada policial.


"Ressurreição - Retalhos de um Crime" não afronta ou oferece ameaça à supremacia de uma produção tão maior e grandioso quanto "Se7en", porém neste bem-produzido e decente thriller pinçam-se pontos onde consegue bater e mesmo superar aspectos do trabalho de David Fincher. O grande diferencial que valeu a "Ressurreição - Retalhos de um Crime" um lugar no meu coração foi o carinho com que tratou seu personagem principal, o detetive vivido por Christopher Lambert. No filme de Fincher, os detetives interpretados por Morgan Freeman & Brad Pitt revelam suas complexidades e diferenças ao longo da jornada e à medida que confrontam seus distintos métodos, quando aprendemos sobre os motivos da solidão de Detetive Sommerset (personagem do ator Morgan Freeman) & o amor ainda presente, mas desajeitado entre Detetive Mils e a esposa Tracy. As convicções dos detetives se transformam à medida que a escuridão da investigação sobre a identidade do serial killer os envolve. No caso do filme de Russell Mulcahy, o roteiro trata o Christopher Lambert com mais carinho & empatia. Apesar de não o vermos interagir muito com a esposa, sabemos o suficiente. Ele é um homem profundamente traumatizado pela morte do filho, cuja responsabilidade atribui a si. Desta forma, a trama passa pela tragédia pessoal de um homem amagurado, e a aventura aterrorizante se torna também o caminho pelo qual alcançará a redenção. Diferente de "Se7en", uma história sobre o drama "dos outros", "Ressurreição" olha com mais cuidado para seu herói. As circunstâncias que o levam ao final não parecem coincidências forçadas, e a conclusão desfecha muito bem o drama do protagonista, que após toda a escuridão encontra a paz. Enquanto "Se7en" termina em uma nota pessimista, o filme de Mulcahy vai pela outra vertente para fechar a trama de modo otimista. Pela sua ingenuidade & doçura, mesmo mais modesto e de menor desenvoltura, "Ressurreição Retalhos de um Crime" sempre foi um filme a que tive o prazer de revisitar, diferente de "Se7en", excelente, mas demasiadamente doloroso e amargo.


Os 3 filmes tratados na resenham podem ser obtidos de distintas maneiras no Brasil. Encontrar "Ressurreição Retalhos de um Crime" em DVD é relativamente fácil, pois o filme foi lançado no Brasil pela Flashstar em VHS & DVD, no início do ano 2000. Houve uma época, por volta de 2007, quando era muito fácil encontrá-lo nas Lojas Americanas por um valor em conta, apenas R$ 19,99. Não sei se ainda se encontra tão acessível hoje, afinal a tendência é que as distribuidoras deixem de lançar novas edições do mesmo filme uma vez que se acaba o estoque ou mesmo o mercado demonstre pouco interesse, mas se não nas Lojas Americanas, você sempre pode encontrar o DVD facilmente online. Lamentavelmente, "Assassinatos em Boston" restringiu-se ao tratamento em VHS, e diferente do que aconteceu nos Estados Unidos e outros países, jamais deu o salto para o DVD no Brasil. As locadoras mais antigas ou os sebos de fitas velhas certamente o têm no acervo, e, para falar a verdade, talvez assistir ao filme no vídeo cassete guarde um encanto a mais. "Skin Trade" pode ser obtido na amazon por video-on-demand. O lançamento em DVD & Blu-Ray está programado para o final de agosto, quando certamente fará bastante sucesso ao abastecer as locadoras. Obtê-los em DVD ou VHS é uma justa maneira de honrar os esforços dessa gente que nos proporciona grandes momentos, afinal a sobrevivência do mercado depende diretamente do público que desembolsa para consumir seus produtos. Os grandes blockbusters pouco dependem da transição para DVD & Blu-Ray, recuperam seu custo "n" vezes mais durante uma semana apenas no começo de sua temporada nas salas de cinema, no entanto as produções mais simples que hoje deixam saudade dependem primordialmente de um certo lugar de nossas infâncias que talvez os amigos se recordem, as velhas locadoras de bairro, quando as pessoas se conheciam por nome e o atendente camarada colocava seu nome no topo da lista para te ligar assim que a fita de vídeo de "O Grande Dragão Branco" fosse retornada!

Ao finalizar a resenha, gostaria de deixar claro que o termo "filme B" não se reporta à inferior qualidade. Na verdade, sua semântica nada tem de pejorativa. Leia-se "filmes B" a um modo menos cínico e mais simples de se montar & contar histórias, e não a um produto mais precário. Ao contrário, diferente dos grandes sucessos atuais nos cinemas, há na simplicidade da ação para o mercado direto-para-DVD um esmero & carinho que evoca extraordinária empatia conosco. Para esmiuçar o significado de minha fala, eu gostaria de mencionar os filmes de super-herói, por exemplo. Mesmo que ótimos filmes, há um ponto todavia que sempre me impressionou quanto aos blockbusters de super-heróis: com o tempo, viraram mais empreitada do que filme. Rodar um filme de super-herói hoje não diferiria, por exemplo, de trazer um estaleiro para a orla. Estamos falando de um empreendimento vultuoso onde há centenas de milhões de dólares envolvidos, e deve-se esperar um retorno financeiro garantido. Assim, os filmes deixaram de contar com um diretor, e mais parece que são regidos por uma "diretoria" de analistas financeiros. Claro que há um roteiro, mas o filme parece acabado antes que o diretor grite "Ação!" pela primeira vez. Os movimentos de câmera foram ensaiados & definidos, a fórmula está ali para ser respeitada & seguida, não há espaços para aventuras. Os estúdios não querem um cineasta com paixão, precisam de um homem que se conforme & adapte-se às regras do jogo, afinal de contas o empreendimento é mais importante que a paixão que uma ideia possa comportar. O exemplo pode ser ilustrado com um exercício de imaginação: deixe de ler a resenha agora, e pergunte-se, você sabe o nome do diretor de "Thor 2"? De "Capitão América 1"? Ou mesmo do "Capitão América 2"? Simultaneamente, quando você assiste a "Hellraiser", você sabe que foi Clive Barker quem o dirigiu. A escatologia de "A Mosca" imprime o nome de David Cronenberg a sua mente. As cores berrantes & a extravagância de "Suspiria" evidenciam a concepção dentro da mente de Dario Argento. O voyeurismo de "Vestida para Matar" aponta para o olhar de Brian De Palma. As câmeras ágeis e a ação ininterrupta tornaram Quentin Tarantino um dos mais importantes cineastas da atualidade. E vejam que coisa interessante.

Os amigos devem saber que o fértil imaginário de Quentin Tarantino, a espinha dorsal de sua formação enquanto artista não remonta aos anos em que teria passado em uma escola para cinema, visto que jamais cursou mesmo cinema. A sua paixão pode ser rastreada ao período da vida quando fui um humilde atendente de uma locadora de vídeos, onde entrou em contato e aprendeu a amar não apenas estes filmes mais simplórios, de fantasias fervilhantes, a que condicionamos chamar de filmes B, como também a nutrir um carinho maravilhoso pela talentosa gente envolvida. Eu aprecio filmes de horror, e os trabalhos de Quentin Tarantino, todos excelentes, não me apetecem por uma mera questão de gênero, no entanto ainda assim reservo muito respeito & admiração à pessoa do cineasta, entre uma porção de razões pelo amor que jamais se envergonhou de admitir, o carinho pelos filmes B do passado e seus astros, e a sensacional habilidade com que recicla aquele material para a geração atual. Prova da contradição dos críticos esnobes que torcem o nariz para o mercado direto-para-DVD reside no paradoxo de que embora rendam homenagens a Quentin Tarantino como um dos diretores mais talentosos atuantes, esquecem-se de que foram dos filmes a que julgam "inferiores" de onde o excelente cineasta retirou a paleta de cores e o pincel com que constrói seus imortais clássicos. Ele também mostra seu carinho aos artistas que deram vida aos personagens nos filmes B, e em cada novo trabalho, estende a mão para algum ator ou atriz esquecido, generosamente lhes oferecendo a chance de brilhar em maravilhosos papéis. No topo de seu jogo, poderia escolher os mais ricos astros a dedo, e olhem só o que faz: consegue recuperar gente que há muito perdeu sua glória, atores que se reinventam da noite para o dia e dão a um típico filme de Tarantino um gosto de "ajuste de contas", quando a cultura pop reciclada torna algo antigo & datado em novo & refrescante. Ele literalmente sopra vida à massa de modelar, e por si sua generosidade & a maneira como ignora os esnobes & soberbos lhe valem meu respeito.

Na seara do horror, o diretor que instantaneamente me ocorre ao pensar em um artista tão vinculado ao passado quanto Quentin Tarantino é o polêmico Rob Zombie. Na essência, suas criações, esquisitas e indigestas, difíceis de serem categorizadas, reproduzem elementos e ideias do cinema exploitation dos anos 70, e seu elenco, sempre um show à parte, é um sonho para as pessoas que cresceram amando coisas do tipo. O diretor ainda estava aprendendo a engatinhar, quando gente como Ken Foree ("Dawn of the Dead"), Malcolm MacDowell ("A Clockwork Orange"), Michael Berryman ("The Hills Have Eyes"), Sid Haig ("House of 1000 Corpses"), Judy Geeson ("Fear in the Night"), Meg Foster ("Emerald Forest"), Dee Wallace ("Cujo"), Patricia Quinn ("The Rocky Horror Picture Show") & Caroline Williams ("The Texas Chainsaw Massacre II") aparecia em filmes impressionantes de terror que lotavam os drive-in no sul dos Estados Unidos ou os teatros especializados em grindhouse em Nova York. Hoje, reúne esse pessoal, tão vital à sua expressão artística, os põe sob suas asas e os lança aos holofotes para que brilhem novamente. Eu amo o cinema e gosto de imaginar que se fosse um cineasta, conseguiria dirigir as coisas que o Rob Zombie faz. Eu tenho sérias dúvidas de que chegaria a ter mesmo uma ínfima fração do talento dessa gente que eu aprendi a admirar e torcer – Zombie, Brian De Palma, David Cronenberg, John Boorman, Brad Anderson – mas de uma coisa não tenho dúvidas: se tivesse a oportunidade, eu também faria o mesmo que ele, em termos de casting. Seria como revisitar um mundo mágico por onde você caminhou, quando criança, e pareceu muito grande, maravilhoso e assustador – Julia (Clare Higgins) aos 30, vestindo seu terno preto com shoulder pads estilo anos 80, sobre uma camisa amarela, seduzindo homens em bares pra matá-los a marteladas, em "Hellraiser"; Genevieve Bujold com os braços amarrados com tiras de borracha nas grades da cama enquanto faz amor com Jeremy Irons em "Dead Ringers"; Burt Reynolds lançando um olhar para Rachel Ward quando ela sai do elevador, em "Sharky’s Machine"; os monstros Peloquin (Oliver Parker) & Kinski (Nicholas Vince) rendendo Aaron Boone (Craig Sheffer) quando ele ultrapassa os limites e entra no cemitério em Calgary onde no subterrâneo vivem as criaturas, em "Nightbreed", de Clive Barker; Detetive Eddie Argo (Stellan Skarsgard) e Daniel Leone (Ashley Walters), com os olhos assustados, conversando no píer, tentando fazer sentido do assassinatos dos membros de uma gangue, e Eddie se abrindo "Eu acho que é ela, Daniel. Eu acho que é a Jean Lerner", em "w Delta z"; e tantas, tantas outras cenas. Agora como adulto e conhecedor, o mesmo mundo parecerá diferente, mas se você prestar muita atenção, algo da eletricidade permaneceu preservado. É quando você mensura a distância entre estes dois mundos, todavia, que se dá conta de quantos anos há entre os distintos momentos. E aqui eu me lembro de uma cena em um filme maravilhoso chamado "A Teoria de Tudo", quando o professor interpretado pelo ator David Thewlis apresenta Professor Stephen Hawking (Eddie Redmayne) na palestra, rememorando quando se conheceram tantas décadas antes, a jornada que Hawking fizera para estar ali, e depois de terminar, dá uma pausa e assinala: Tempo. Para onde ele vai?