quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"The Poughkeepsie Tapes" (John Erick Dowdle, 2007) Nos anos 90, um assassino em série aterrorizou uma cidade ao norte de Nova York. Alguns serial killers deixam pistas. Outros deixam avisos. Esse aqui deixou "As Fitas de Poughkeepsie".


Quando a Polícia realiza uma batida em uma casa de uma cidade ao Norte de Nova York, chega a perturbadoras evidências quanto as ações de um serial killer que aterrorizou a região na segunda metade dos anos 90. Mais de oitocentas fitas de vídeo são deixadas pelo matador, registro de seus ataques em horrorosos detalhes. No quintal, ossadas de pessoas desaparecidas acabam encontradas. A agente Pam Frears nos guia por um tour pelo quintal da residência onde as fitas foram achadas. Apontando para distintas porções de terra, ela indica onde o serial killer enterrou mais de seis mulheres e até mesmo um homem, o inquilino original. A Perícia realiza exaustiva análise do conteúdo dos tapes, com o intento de desvendar o quebra cabeça da misteriosa figura por trás dos homicídios, mas fora a horripilante natureza das mortes, pouco se consegue elaborar quanto a identidade do assassino. Em razão de ter enumerado as etiquetas fitas, a Polícia tem como determinar a ordem dos crimes, que lamentavelmente começaram com uma garotinha indefesa chamada Jennifer Gorman, abduzida do jardim de casa em plena luz do dia. Não obstante o grau de obstinação e profissionalismo dos investigadores envolvidos, não custa às "fitas de Poughkeepsie" os deixarem profundamente abalados, afetando-os a um nível surpreendentemente pessoal. O agente responsável pela análise das fitas chega a declarar que certa feita, ao levar um dos vídeos para casa, a esposa acabou assistindo a meia hora de exibição, sem seu conhecimento, lhe custando muito tempo até que ela estivesse disposta a voltar a conversar com o marido. Não apenas as abduções, assassinatos e mutilações foram gravados, como também uma série de encontros em quartos de motéis baratos com prostitutas, onde o serial killer revela um bizarro fetiche pela associação do látex de balões de festa com mulheres de lingerie. Mais de cem horas das fitas parecem reservadas a essa incomum fixação.

Após o sucesso da primeira abdução, quando fez de Jennifer Gorman sua primeira vítima, o serial killer se torna menos impulsivo em suas ações seguintes. Para as novas vítimas, o matador guarda toda uma estratégia preparada, como vemos ao assassinar os Anderson, um jovem casal que, ao vê-lo ao lado do carro "quebrado" à beira da estrada, oferece carona até o próximo posto de gasolina. Mike Moakes, um experiente profiler do FBI, discorre sobre a ação do matador. Durante o trajeto, ele dá uma pancada na cabeça do motorista, desacordando-o, e usando um pedaço de pano com clorofórmio, apaga a mulher também. O modus operandi do homicida deixa os investigadores atônitos com o nível de dedicação envolvido na ação: o posto de gasolina para onde o solícito casal o levava localizava-se em um trecho da rodovia cercado por floresta, e na verdade há muito havia sido abandonado. Ademais, algum tempo antes da abdução e assassinato dos Anderson, filmagens de câmeras de segurança de outra estação nas redondezas haviam capturado uma "mensagem" sua, que durante o abastecimento, cobrira o rosto, olhara diretamente para a câmera e pela linguagem de sinais indicara o local onde pretendia deixar os restos das vítimas. Isso ainda antes da abdução dos Anderson. Na preleção para uma turma de oito estudantes, Moakes vai logo anunciando "Se há algo que a experiência me ensinou é que depois do que vamos assistir aqui hoje nesta sala, três de vocês vão para casa e se perguntarão 'será que eu realmente quero me cercar desse tipo de coisa na minha vida profissional?'Há pessoas horrorosas neste mundo, que farão coisas inacreditáveis ao próximo. E está tudo bem se não quiserem se envolver". Durante a aula, Moakes exibe o tape da abdução e morte dos Anderson. Uma das estudantes se comove, e Moakes interrompe a exibição para lembrá-los de que a primeira pergunta que todo profiler deve fazer no início da carreira é avaliar se suportará ver-se cercado por tanta sordidez. Moakes cita sua própria trágica história como exemplo. Ele se tornou o melhor profiler da Força às custas de um trauma pessoal, quando sua irmãzinha foi abduzida e morta, tudo quando Moakes não contava com mais de sete anos de idade. Moakes se tornou um estudioso do assunto, e não conseguiu mais dissociar a vida pessoal da profissional. Ele simplesmente não sabia como "desligar-se" do trabalho como profiler, o que o levou a sofrer um colapso emocional que o deixou brevemente institucionalizado. Moakes reitera à turma de novatos que eles devem deixar o trabalho no escritório ao voltar para casa. "Vocês não podem ficar pensando em Jennifer Gorman enquanto seu filhinho está brincando no jardim", aconselha.

Apesar de todas as vítimas por vir, nenhuma deixará maior impressão que a adolescente Cheryl Dempsey. Pelos tapes, vemos que o assassino não a atacou aleatoriamente. Muito pelo contrário, rondou-a por um tempo, para investigar sua rotina e traçar o curso do sequestro. Por sinal, Jane Gerber, então melhor amiga de Cheryl, lembra que três dias antes do desaparecimento, ela lhe perguntara se já se sentira vigiada, sinal de que a garota pressentira o matador rondando sua vida, o que de fato ocorreu. Jane recorda-se de ter procurado consolá-la, afirmando que talvez estivesse sendo apenas um pouco paranoica. Aproveitando a ausência dos pais, que a deixam em casa a sós com o namorado Tim Surrey, o assassino invade a residência para dar o bote. Cuidadoso, entra sem fazer barulho e se esconde dentro do armário, de onde filma Cheryl flertando com Tim, quando pede que o namorado desça para preparar o filme na sala enquanto toma banho. O serial killer assassina o rapaz ao apanhá-lo desprevenido na sala de estar, e em seguida acaba flagrado por Cheryl, que ainda tenta correr, porém é facilmente dominada. Ao invés de matar a garota, o assassino a aprisiona no seu porão, onde a submete a todo um processo de abusos psicológicos, até conseguir subvertê-la. Ele passa a chamá-la de "Escrava", e a torna sua "esposa". Edgard Cummings, um dos policiais que originalmente atenderam a ocorrência, recorda-se do lastimável estado em que o corpo de Tim foi encontrado, intestinos decorando a árvore de Natal, testículos e pênis dentro de uma jarra. A maldade do assassino os levou a crer que Cheryl tivesse sofrido semelhante destino, o corpo talvez desovado na floresta. Quando a morte de Tim e a abdução de Cheryl ainda estão em todos os noticiários, o serial killer presta uma visita à plena luz do dia a Victoria Dempsey, a mãe. Ele se aproxima como insuspeito transeunte, apenas para lhe desejar boa sorte, quando, em um instante absolutamente macabro, vemos a expressão de luto no rosto da senhora mudar para choque, ao pressentir que o "simpático transeunte" é, na verdade, o homem causador de todo o Mal. Estupefata e imobilizada pela surpresa, a pobre senhora ainda assiste ao "estranho" deixar a passos rápidos o jardim, dando uma risadinha.

A essa altura, o matador abandona o velho modus operandi, e passa a se focar em prostitutas. Para as abordagens, identifica-se como policial. Em alguns vídeos, vemos que tornou a pobre Cheryl cúmplice dos homicídios, forçando-a a degolar as indefesas garotas de programa. Agora metida em vestidos de estilo medieval, e com o rosto protegido por máscara de borracha, Cheryl se torna a mais eficaz "arma" do psicopata. Os locais onde os restos foram abandonados traçam um padrão comportamental, o que lhe vale o apelido de "O Açougueiro de Water Street". Evidências forenses apontam traços de secreção de esperma nos corpos, levando as autoridades a crer que o "Açougueiro" é adepto de necrofilia. Felton Lewis, outro profiler consultado para o documentário, discorre sobre o brilhantismo do psicopata. Lewis diz que quando uma comunidade ouve falar da presença de um serial killer, imediatamente se torna mais desconfiada, precavida. Lewis crê que o assassino de Poughkeepsie criou a persona do "Açougueiro de Water Street" com o intento de deixar as pessoas "menos preocupada". É que quando se passa a crer que somente prostitutas compõem o grupo de risco, os cidadãos comuns voltam a baixar a guarda, levantando o flanco para que ele siga com as matanças. Tanto é verdade, em um dos tapes de abdução, o vemos vitimizando uma mulher comum que apenas tinha "dado o prego" na rodovia. Circulando em um carro de Polícia, ele facilmente a convence a entrar, aprisionando-a à cilada. Nesta sequência em particular, o assassino revela a natureza do ritual com que executa as vítimas, ao vestir um lycra preto e bizarra máscara, e mover-se como felino, delicadamente, antes de matar a presa.

No apartamento de uma das vítimas, a Polícia consegue obter uma importante evidência na forma de um copo onde há saliva de um cliente. O principal suspeito torna-se James Foley, um veterano tira com longo histórico de envolvimento com garotas de programa. Se no começo tudo com o que a Polícia contava limitava-se a amostra de saliva, assim que o cerco se fecha ao redor de Foley, novas pistas vêm à tona: o veterano não oferece álibis para as noites dos crimes, testemunhas oculares colocam-no nas mais comprometedoras situações, nas noites das abduções, o esperma do tira bate com o colhido dos corpos. Dentro do automóvel, seus colegas encontram manchas de sangue e joias pertencentes às prostitutas mortas. Hank Foley, o filho, rememora o impacto das acusações. No colégio, virou praticamente um pária, da noite para o dia. A namorada o deixou, amigos se afastaram. Preso como o "Açougueiro de Water Street", Foley vai a julgamento com incomum estoicismo. Bernard Golinko, advogado de Foley, praticamente suplica para que o cliente faça um acordo com a Promotoria, tudo para não arriscar a Pena Capital, mas Foley é resoluto em seu clamor pela inocência. Sentenciado pela corte da Pennsylvania à morte por injeção letal, Foley sustenta até o fim a inocência. Alguns dias após a execução, o ex-colega de Foley encontra um mapa na caixa dos Correios. O mapa leva a Polícia à localização do corpo da última vítima, ainda desconhecida. Logo, torna-se claro que o verdadeiro assassino furtou uma amostra do esperma de Foley de uma clínica de fertilidade para astuciosamente "plantá-la" nas cenas dos crimes. Com isso, Foley, morto pelo Estado, torna-se oficialmente a derradeira presa do verdadeiro "Açougueiro de Water Street". Exonerado dos assassinatos em setembro daquele ano de 2001, o "senso de timing" do destino não poderia ser pior, pois o ataque de 11/09 acontece, pegando o mundo de surpresa. Ninguém parece interessado em outra coisa. Apesar de exonerado, o grande público parece deixar a revelação passar desapercebida, e para todos os efeitos e infelicidade da família de Foley, o nome do tira veterano acaba permanentemente associado ao caso do "Açougueiro de Water Street".

Investigadores chegam `a casa do verdadeiro assassino através de anotações no mapa fornecido pelo serial killer, e a Polícia realiza a batida que vimos no começo do filme. Tão limpa encontram a casa, os investigadores não obtém impressões digitais ou outras pistas sobre a identidade do "Açougueiro de Water Street", mas sim duas chocantes surpresas: oitocentas fitas de vídeo etiquetadas e Cheryl Dempsey ainda viva, oito anos após o sequestro. Abusada psicologicamente a um nível absurdo, Cheryl é levada ao Hospital e visitada pela aflita mãe. Victoria Dempsey rememora o reencontro com a filha, no hospital, quando Cheryl limitava-se a dizer baixinho "Quero ir para casa, quero ir para casa". Depois de trazida para casa, a filha insistia "Quero ir para casa, quero ir para casa". Foi aí que Victoria compreendeu que quando a filha mencionava o termo "casa", referia-se ao lugar onde sofrera como escrava do "Açougueiro de Water Street" por quase dez anos. Jane, entrevistada no começo do filme, desabafa sobre o choque quando Cheryl finalmente "voltou à vida". Quando a vira pela última vez, as duas não passavam de adolescentes estudantes irresponsáveis cheias de planos para o futuro, agora Jane era mãe de duas crianças. "Foi difícil me recordar da amiga que eu amava e enxergar a pessoa que voltou no lugar". Cheryl concede uma entrevista onde afirma acreditar no amor do captor e que em breve ele voltará para levá-la. Um tempo após a entrevista, ela comete suicídio, deixando uma nota onde declina incondicional amor ao mestre. Curiosamente, o corpo de Cheryl é misteriosamente desenterrado e carregado, dias depois.

Embora apenas vinte e sete fitas faltem à coleção, a força tarefa que se debruça sobre o conteúdo dos tapes se mostra incapaz de compreender os motivos do assassino. Profilers não conseguem chegar a uma conclusão definitiva sobre o "Açougueiro de Water Street". Há aqueles que o situem na faixa etária entre 18/25 anos; outros, 25/30. Uns o descrevem como um homem provavelmente articulado, charmoso, bem apessoado, altamente inteligente e meticuloso, a ponto de possivelmente ter trabalhado na Força como profiler, antes das matanças; outros creem que nem mesmo deva ter concluído o colegial. Em comum, os peritos creem que o assassino de Poughkeepsie não tenha nascido assassino, mas sim sofrido uma severa perda - pode ter sido abandonado pela mulher que o deixou levando consigo o filho, por exemplo, ou perdido o emprego, ou passado por outras graves dificuldades - que o teria levado a se tornar o monstro determinado a executar todas as pessoas mais vulneráveis que passassem a sua frente. Os tapes se tornam parte essencial do treinamento de novos profilers. Apesar de as pessoas se recordarem de apenas alguns serial killers pontuais ao longo da História, o filme nos revela que a qualquer momento, há cerca de 25 a 50 assassinos seriais em plena atividade na América do Norte.

Perturbador filme na linha "mockumentary", "Poughkeepsie Tapes" será uma grata, valiosa surpresa para as pessoas que viram e apreciaram produções como "Dear Zachary: A letter to a son about his father" & "O Segredo do Lago Mungo". Dirigido por John Erick Dowdle, esse evocativo suspense chamou atenção em seu ano de "quase lançamento", em 2007. Os amigos podem perguntar, "Quase lançamento"?É que a detentora dos direitos autorais, Metro Goldwin Mayer, tirou o filme do mercado a apenas alguns dias da estreia, por motivos que somente o estúdio poderia explicar. O fato é que a estratégia acabou gerando mais interesse pela obra, que ganhou fãs ao vazar na internet e em fitas clandestinas. "Poughkeepsie Tapes" valeu ao cineasta Erick Dowdle uma sólida carreira como diretor de filmes de horror maiores e mais ambiciosos, dentre os quais "Quarentena" & "As Above so Below". De modo distinto ao que ocorre aos novos filmes de suspense, "Poughkeepsie Tapes" deixou quase unanimemente um sabor amargo nas bocas das pessoas que encontraram um jeitinho de lhe assistir. Se os amigos visitarem a message board na Internet Movie Database, o espetacular site de referência para os amantes do cinema, encontrarão um certo padrão nas postagens, gente discutindo o efeito da obra, debatendo a forma insidiosa como "Poughkeepsie Tapes" conseguiu penetrar suas cabeças a ponto de se pegarem pensando no filme mesmo tantos dias após o terem visto. O referido poder certamente não pode ser contabilizado a algo exclusivamente gráfico, pois em boa parte o filme foge da armadilha dos excessos. Muito pelo contrário, a longevidade parece vincular-se ao conjunto perturbador de elementos distintos - atmosfera, story telling e a soma de detalhes psicológicos sórdidos - que nos desconcerta ao descortinar o mundo macabro habitado por assassinos em série, suas vítimas e os profilers que dedicam as vidas para desvendar cada passo dos monstros da vida real.

O termo "Mockumentary" reporta-se ao estilo de filme onde uma história nos é apresentada como autêntica, e pelos recursos de entrevistas e reconstituições, cria-se um "documentário de mentirinha". Pensem em algo nos moldes do antigo, saudoso "Linha Direta", seus episódios especiais, como quando revisitou os casos da "Fera da Penha" e o do incêndio no Edifício Joelma. "O Segredo do Lago Mungo", um dos melhores expoentes do estilo, deu ao drama de uma família australiana vitimada por fenômenos de poltergeist após a morte da filha por afogamento o tom propriamente austero e seco que o tornou uma das mais eficientes máquinas de horror em seu ano de lançamento. "Poughkeepsie Tapes" propõe o mesmo tom sério, dessa vez a uma história sobre um misterioso assassino em série que aterroriza uma cidade ao norte de Nova York no final dos anos 90. Repleto das reviravoltas que nem Brian De Palma teria bolado melhor, essa história de horror é contada com a autenticidade dos principais personagens envolvidos nas investigações, de experientes profilers à "estrela principal", a Cheryl Dempsey interpretada pela competentíssima Stacy Chbosky (esposa do diretor Erick Dowdle na vida real). Enquanto em sua maioria filmes sobre serial killers caiam no lugar comum, estagnados por clichês ou personagens justificáveis, "Poughkeepsie Tapes" desfila uma série de gente que para as câmeras soa assustadoramente convincente, complicada e real. O talentoso ator Morgan Freeman estabeleceu-se como herói de produções onde usualmente interpreta um intrépido agente/detetive à caça de um astucioso serial killer. Nestes filmes, os roteiristas mal nos dão tempo para recuperar o fôlego, e as histórias cheias de reviravoltas prendem nossas atenções até o fim. Muito lento, sem nenhuma sequência de ação típica, o "jeitão" mais sério e documental de "Poughkeepsie Tapes" acaba por imbuí-lo de uma melancolia tão poderosa que mesmo os mais movimentados suspenses de grande estúdio estrelados por Morgan Freeman jamais seriam capazes de ambicionar. Muito pelo contrário, são os semblantes pesados de um talentoso elenco largamente desconhecido que conferem ao drama um sentimento esmagador de tristeza e desalento. Embora os filmes de Morgan Freeman nos ofereçam redenção - ali, o Bem felizmente derrota toda sorte de Mal - aqui em "Poughkeepsie Tapes" temos "a vida como ela é", porque não há soluções fáceis ou respostas definitivas.

O fértil imaginário do filme ilustra a capacidade do diretor de criar sequências realmente memoráveis. Eu vim a descobrir "Poughkeepsie Tapes" posteriormente ao grande filme de estúdio rodado por Dowdle, "Quarentena", porém mesmo antes de conhecer seu trabalho anterior, me impressionei com sua habilidade de "fazer de limões a limonada", dada a ingrata tarefa: desde a concepção, "Quarentena", como a refilmagem de um aclamado filme espanhol, [REC], foi tratado com muito ceticismo pelos admiradores do original, o que mudou quando finalmente chegou às telas, e temor se tornou respeito. De certa forma, a refilmagem contou a mesma história, apenas melhor, com cenas muito fortes que já me fizeram pesquisar o nome daquele diretor, o que efetivamente me levou a "Poughkeepsie Tapes". Estrela de "Poughkeepsie Tapes", Stacy Chbosky, aliás, pode ser vista muito rapidamente em "Quarentena". A sua cena, uma das mais terríveis, envolve sua personagem passando pelos últimos estágios de transformação causada pela Raiva e se tornando zumbi. Em termos de filmes sobre psicopatas, o trabalho de estreia de Erick Dowdle pertence a uma classe somente sua. Pura e simplesmente, não há nada tão franco ou assustador quanto este pequeno mockumentary, e compreensivelmente não. Impactante pelo conjunto dos detalhes, essas pequeninas características, destiladas ao longo da fita, jamais foram vistas antes, ao menos não tão explicitamente, em produções maiores. Em filmes mais caros, os detalhes são preteridos em favor do espetáculo, da ação mais definitiva. Em "Poughkeepsie Tapes", a discussão sobre os eventos praticamente impõe a troca de marchas que força o diretor a aperfeiçoar e "fazer bonito" com os referidos detalhes que um grande estúdio preferiria deixar passarem batidos. Eu achei fascinante coisas como o fetiche esquisito por balões, e a maneira como o diretor conseguiu mesclar à trama a história do tira injustamente executado pelos assassinatos. Instantes como quando o filho de Foley desabafa sobre como o caso destruiu a vida da família e mesmo hoje o apontam como filho do "Açougueiro de Water Street" dão uma dimensão muito humana a um filme de horror sobre um monstro inumano. AInda digno de nota, antes de "Poughkeepsie Tapes", nenhuma outra produção sobre serial killers havia abordado tão bem a questão da "Síndrome de Estocolmo", o estado psicológico onde uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a nutrir sentimentos de amizade e amor pelo agressor. "Jogos Mortais" flertou com a ideia, através da personagem da ex-dependente de drogas que se torna a melhor amiga e principal cúmplice do psicopata Jigsaw, mas como produção mainstream, o filme de estreia do grande James Wan teve outras coisas com que se preocupar, cabendo a "Poughkeepsie Tapes", lançado três anos depois, aprofundar-se na condição. Entre tantas cenas aterrorizantes, as pessoas curiosamente apontam para um específico momento, quando o filme as desconcerta, durante a entrevista Cheryl. Ela ergue o braço para coçar a cabeça e vemos que perdeu uma das mãos. Eu iria mais longe, afirmando que o tímido sorriso que ela dá após declarar devoção eterna consegue soar ainda mais perturbador. É claro que os atores merecem os devidos elogios. Não apenas Stacy Chbosky chamou minha atenção, realmente gostei da participação de Ron Harper como Mike Moakes. Com total comando, domina suas cenas com a autêntica autoridade de um veterano que já viu e fez de tudo. Ao alertar a turma de formandos sobre a forma perigosíssima com que o trabalho de profiler penetra suas almas até deixá-los emocionalmente em frangalhos, a linha não soa como mera fala de roteiro, mas como genuíno depoimento de um veterano no trabalho.

Por se tratar de um caso que se arrasta por anos, "Poughkeepsie Tapes" requenta a história com um evocativo senso de destino, dando ao filme o tipo de tristeza eficiente que o leva a permanecer nas cabeças de quem o vê. Quando a melhor amiga fala sobre a conversa com Cheryl, três dias antes da abdução, ou quando pondera sobre as diferenças entre a "garota de quem se recordava" e a "mulher que efetivamente voltou", eis um exemplo entre tantas outras situações quando provoca a tal impressão que leva pessoas a conversarem sobre a história dias depois. Existem outros filmes sobre o trabalho dos profilers. Imediatamente, me vem à cabeça o ótimo suspense de Renny Harlin, "Caçadores de Mentes". Ocorre que como diretor de grande produção, Renny Harlin teve de ir "direto ao ponto" e cortar diálogos e atmosfera em favor de ação em cima de ação. Não há espaço para sutilezas em "Caçadores de Mentes", que parte quase instantaneamente para tiroteios em uma ilha remota usada pelo FBI para treinamento de agentes. "Poughkeepsie Tapes", por sua vez, foi construído a partir de sutilezas, de desenvolvimento psicológico, de detalhes macabros - seja o fetiche por balões, seja o esmagador senso de inexorabilidade do destino - que te mergulharão em um estado de introspecção e letargia que custarão a deixar o sistema.

"Poughkeepsie Tapes" exigirá algum esforço para aqueles que o procurarem online, mas o eficaz uso do estilo mockumentary justifica o empenho. A estreia de John Erick Dowdle (foto, ao lado da esposa Stacy Chbosky, com o diretor M. Night Shyamalan, na première de seu filme Demônio, de 2010) revela um cineasta no topo de seu jogo. Um dos mais promissores filmes de horror previsto para estrear em 2015, aliás, será dirigido pelo mesmo profissional, e portanto quem apreciar "Poughkeepsie Tapes" deve ficar atento. Trata-se de "The Coup" ("O Golpe"), sobre uma típica família norte americana de férias em algum país da Ásia, pega de surpresa quando rebeldes derrubam o Governo e estrangeiros de passagem passam a ser executados sem maiores explicações. A família em questão precisa se proteger como pode para deixar o lugar com vida. Owen Wilson estrela a produção como o pai da família, e Pierce Brosnan completa o grande elenco como um intrépido agente especial que vem ao socorro dos protagonistas. "The Coup" deve chegar aos cinemas em março de 2015. Considerando o currículo do diretor, não tenham dúvidas de que não faltará suspense!

Todos os direitos autorais reservados a MGM. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.