segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Segredo do Lago Mungo ("Lake Mungo", 2008, Austrália) Nos moldes de "Dear Zachary", chega mais um impressionante filme sobre o luto.

Dezembro de 2005. Os Palmer, uma família tipicamente unida e feliz, estão experimentando uma idílica tarde de tranquilidade e diversão na represa de Ararat, Austrália, quando a filha adolescente, Alice (Talia Zucker), avisa que vai mergulhar. Ela não retorna. Depois que Russell (David Pledger), o pai, e Mathew (Martin Sharpe), o irmão, procuram pela menina na água, e então no mato ao redor, e não a encontram, June (Rosie Traynor), a mãe, liga para os bombeiros, em pânico. As buscas duram toda a madrugada, os Palmer recusando a recomendação da polícia para voltar para casa e descansar. Apenas dois dias mais tarde, o corpo é encontrado, e a certeza da tragédia os acerta como um golpe devastador. Uma vez de volta a casa, a realidade da perda custa a se assentar. A maneira como o quarto da menina foi deixado, bem arrumado e caprichoso, dá a impressão de que Alice regressará a qualquer momento. Naquela primeira noite após o afogamento, Russell recorda-se de ter deixado as luzes do alpendre ligadas a madrugada inteira. "Em caso de ela voltar", ele explica. Russell foi o único membro da família que se deparou com a realidade da morte, pois foi o responsável pela identificação do cadáver. O fato de June e Mathew não terem visto Alice por uma última vez trará consequências que se provarão posteriormente desastrosas. É época de Natal, e os cidadãos de Ararat precisam lidar com a trágica morte sem sentido de uma jovem menina da comunidade. Mathew comenta que foi um período em que família e amigos se sentiram atônitos. Durante o processo da liberação do corpo ao enterro, os acontecimentos pareceram bem irreais.

Dez dias depois, portanto em janeiro de 2006, os parentes começam a perceber fatos estranhos dentro de casa. Barulhos chegam do telhado, às vezes do lado de fora, através das janelas. No quarto de Alice, gavetas parecem ser remexidas. Céticos, os Palmer pensam se tratar de ratos, porém mesmo após as devidas providências, continuam a ter as noites interrompidas por portas que repentinamente se fecham com força, e os usuais ruídos vindos do quarto da menina. Uma das amigas de June comenta que até chegar próximo à casa lhe causava uma sensação ruim, como se houvesse algo de errado com o lugar. June é atormentada por sonhos desagradáveis e muito reais, o mais terrível e recorrente aquele onde Alice regressa da represa, ainda pingando de encharcada, de pé ao lado da cama, silenciosa e aterrorizada, encarando-a. Quando fevereiro chega, os pesadelos se tornam tão frequentes que June passa a evitar o sono, e para se distrair, começa a fazer caminhadas pelo bairro, ficando fora por horas. June está tão confusa que começa a invadir as casas dos vizinhos, de madrugada, apenas por escapismo, para dormir em suas salas, e sentir-se inserida em uma outra realidade, absolvida de toda a dor. A seu turno, Russell, um talentoso arquiteto, mergulha no trabalho para sublimar a perda, o que chega a causar algum constrangimento entre os colegas de escritório, que não sabem como ajudá-lo. 

Uma noite, em fevereiro, depois de voltar para casa, Russell está tomando solitariamente um cafezinho na cozinha, quando escuta o barulho vindo do quarto de Alice. Ao investigar, encontra a própria filha, `a escrivaninha, como se nada tivesse acontecido, distraída com alguma coisa. Quando a menina o vê, levanta-se e vai em direção ao pai, gritando "Saia, saia". Russell corre, assustado. Com a comoção, acorda esposa e filho, que o encontram aos prantos, no corredor. Mathew segue cada dia mais isolado e distanciado. Quando marcas estranhas começam a aparecer pelo corpo, os pais o levam ao médico, que o testa para todas as doenças possíveis e não chega `a conclusão alguma. Algum tempo depois, as marcas somem.

Mathew procura um cavalheiro que é profissional de imagens e fotografias, louco para aprender técnicas de manipulação de filme. O senhor o admite como uma espécie de estagiário, e logo o rapaz se prova de enorme valia. Pelos últimos quatro anos, como hobby, de três em três meses, Mathew costumava fotografar o quintal de casa, sempre do mesmo ângulo, capturando as mudanças ao longo do tempo, as colinas de Ararat ao fundo. Naquele ano de 2006 em particular, a foto registra um curioso fenômeno: de pé e mais próxima `a cerca, se você prestar muita atenção, enxergará uma menina que parece ser Alice. Depois de levar a imagem aos pais, os ânimos melhoram. A imagem da filha meio que reacende as esperanças dos Palmer. Simultaneamente, ao registrar em fotos a beleza do lugar, um cidadão de Ararat chamado Bob Smeet, `a passeio pela represa, acaba por capturar, da outra margem do lago, a imagem de uma garota de cabelos compridos, de pé, ao lado de um tronco. Os Palmer convencem-se de que Alice ainda está viva. Eles conseguem obter autorização para a exumação do corpo, para a realização de exame de DNA, de modo a comprovar se seria mesmo o corpo de Alice que tinham enterrado. Resultados comprovam que o DNA bate com o de Alice. Fica a pergunta "E as imagens nas fotos?".

A família continua a escutar barulhos pela madrugada. Mathew resolve preparar a casa com câmeras, de maneira a capturar o que está se sucedendo. O resultado das filmagens é perturbador: uma pessoa cruzando o enquadramento, deixando a sala em direção `a porta principal, aparecendo muito brevemente pelo corredor. June decide procurar pelos serviços de Ray Kemeny (Steve Jodrell, dando a performance excepcional do filme), um senhor conhecido pela habilidade em contatar os mortos. Kemeny tem um programa de rádio e é uma espécie de celebridade em Ararat. Os cidadãos têm ideias muito diferentes sobre sua pessoa, alguns o chamando de charlatão, outros certos de que Kemeny os ajudou como ninguém mais conseguiria. Ray é muito procurado por pessoas que perderam entes queridos, ou mesmo aquelas que estão para morrer e desejam um pouco de conforto quanto ao "outro lado". Kemeny tenta fazê-las entender que a morte não é um amargo fim, mas "o começo de algo novo". June faz uma consulta preliminar com Ray, que a hipnotiza. June se vê diante do próprio alpendre, a voz de Ray a orientando a entrar. June entra e encontra a sala vazia. Segue até ao quarto da filha, e encontra o seu tênis do lado de fora. June empurra a porta, e a encontra sentada na cadeira ao lado da cama. Em seu rosto, traz uma expressão muito triste.

June leva Ray para casa, e apesar de reticente, Russell o trata com educação e cordialidade. Os Palmer fazem uma oração com Ray, e Mathew deixa a câmera sobre o tripé, filmando o encontro. Kemeny não consegue contatar Alice, todavia é apenas no dia seguinte ao examinar a filmagem que o menino descobre a irmã, assistindo a tudo, triste e silenciosa, ao final do corredor. Os pais ficam abismados, pois o rosto é claramente o de Alice. Mesmo Ray reage com desconcerto, porque até então, apesar de lidar com o mundo espiritual, jamais vira um espírito com tamanha riqueza de detalhes. Com a ajuda do rapaz, Kemeny instala três câmeras permanentes, por ângulos apropriados a cobrir os principais cômodos da residência. `Aquela altura, os amigos dos Palmer, até mesmo a senhora da força policial de Ararat que acompanhou a família das buscas pelo corpo ao luto, nutrem sérias dúvidas quanto a intenção do investigador. Ainda assim, Ray traz `a unidade familiar algo semelhante a uma reconfortante amizade, e não custa a se tornarem unidos, Ray participando da festa de aniversário do rapaz, em julho do mesmo ano. As câmeras fazem novos registros fantásticos. Uma delas, colocada no quarto da menina morta, revela a imagem de Alice penteando-se diante do espelho. Os Palmer mal têm tempo de processar o ocorrido, pois antes de pensarem a respeito, nova reviravolta põe o caso de ponta cabeça. 

Os Wither são um casal de Ararat. Eles estavam na represa em abril, no mesmo dia em que Bob Smeet capturou a foto do fantasma de Alice. Os Wither registraram os bons momentos `a beira da bonita represa. Meses depois, ao revisitarem as imagens, dão pela presença, ao fundo, do cavalheiro que fez a foto. Como cidadãos de Ararat, os Wither estavam a par de toda a questão a envolver os Palmer e a foto tirada `a beira da represa. Um pouco mais adiante, na fita de vídeo, os Wither percebem uma outra pessoa, da outra margem do lago. Após manipulação de brilho e contraste, o senhor Wither conclui que havia outro visitante, e que não era uma menina, tampouco um fantasma, mas o próprio Mathew Palmer

Quando Bob Smeet tirou a foto, o que se pensava ser o fantasma de Alice não passava de Mathew, vestido com peruca e uma das roupas da irmã, para forjar a presença do espírito inquieto de Alice. Mathew também tinha amplo conhecimento de manipulação de imagens e fotografias. As filmagens e os retratos haviam sido adulterados pelo próprio garoto, que o fizera para dar alguma esperança `a família e, de certa forma, ajudá-los a sentir Alice novamente próximo. Mathew compreende que ao procurar ajudar, acabou por tornar as coisas piores para June, que acabou devastada e com as esperanças estraçalhadas. 

Preocupados com o filho, os Palmer permitem que o menino acompanhe Ray em uma viagem de três dias para consultas em algumas das cidades mais próximas a Ararat. Ray se tornou uma espécie de "tio mais velho" camarada, com quem o rapaz se sente mais `a vontade para se abrir. Apesar de muitas pessoas terem reserva quanto a natureza do trabalho de Ray, ele é essencialmente um homem de bem. Durante a viagem, até pelo tipo de trabalho de Kemeny, Mathew percebe o quanto sente falta da irmã morta. Ele finalmente está se permitindo enfrentar os estágios  iniciais do luto. Antes de partir para a estrada com Ray, Mathew deixa novas câmeras ligadas, comprometendo-se com os pais a jamais adulterar as imagens novamente. Ao retornar para Ararat, em 22 de agosto, o rapaz checa os tapes, e para o choque de todos, captura uma verdadeira presença dentro da casa e ao longo dos corredores. Pela primeira vez, os Palmer veem um registro muito autêntico do que parecer ser o espírito da menina afogada. A novidade inspira os Palmer a revisitar os velhos tapes. É claro que agora sabem que muita coisa foi manipulada por Mathew, mas com a ajuda do filho, buscam filtrar algo que talvez não tenham percebido anteriormente. E eles tinham razão, pois em uma fita de julho, ao reverem a imagem de uma figura passando ao final do corredor, e Mathew deixar claro que não se trata de efeito adicionado, percebem que algo ou alguém de fato vinha rondando a casa. Trata-se de uma pessoa autêntica, "dando uma volta" pela residência dos Palmer, em plena madrugada. Com muito horror, June reconhece no invasor a fisionomia de Brett Toohey, o vizinho. "O que esse homem está fazendo na minha casa, no quarto da Alice, mais de seis meses após a sua morte?", é a pergunta de June. A mãe vasculha o quarto da garota, em busca de respostas, e as encontra, na forma da maleta da filha, onde escondia o diário e uma misteriosa fita de vídeo. O conteúdo da fita mostra uma realidade que os Palmer jamais poderiam imaginar.

Os Toohey eram velhos conhecidos e amigos da família Palmer. Alice costumava tomar conta dos dois menininhos, de cinco e nove anos, filhos do jovem casal, desde 2002, um trabalho que manteve pelos dois anos e  seis meses seguintes, ou seja, muito próximo `a época do afogamento na represa. Não havia nada no comportamento do casal, cidadãos acima de qualquer suspeita, que sugerisse o segredo imundo revelado pelas imagens da fita. Os jovens do bairro lembram-se dos Toohey como "pessoas legais", que estavam sempre promovendo churrascos `a beira da piscina e se comportando de maneira jovial e gentil. Em uma das cenas mais fortes do filme, o conteúdo do tape é exibido: vemos Alice ligeiramente "alegre" (bêbada), após a festa, conversando em cima da cama com a mulher. Em seguida, chega o homem, que havia deixado a filmadora no tripé, preparada para gravar o encontro. Ele diz "Estou vendo que começaram sem mim". Inicialmente, não compreendemos do que está falando, mas então no frame seguinte, estão todos sem roupas agarrando-se, Alice praticamente "devorada" pelo casal, em uma cena que apesar de não mostrar muito graças `a qualidade da fita guarda força em seu  inegável poder da sugestão, quando são o choro e a inércia da garota, devassada na cama pelos Toohey, que mais tornam o segmento uma revelação aterrorizante, perturbadora e memorável. Em uma fração de segundo, escutamos um gemido semelhante a uma risadinha, ou a um choro, vindo de Alice, e o mais perturbador é jamais sabermos do que se tratou.

"Por que vocês acham que Alice guardou o tape?", o entrevistador pergunta, e Russell responde, sem vacilar, "Porque ela não queria que eles o tivessem". Na opinião dos pais, Alice vinha mantendo encontros sexuais com o casal porque talvez tivesse se apaixonado por um dos dois, o homem ou a mulher. Eventualmente, despertou para o fato de que os Toohey estavam, em última análise, usando-a psicológica e fisicamente, e que o seu único trunfo residia na fita de vídeo. Foi por isso que os Palmer escutavam os barulhos vindos do quarto de Alice, de madrugada, logo após a morte: Brett Toohey estava desesperado para descobrir onde a menina deixara o VHS, pois sabia que se os Palmer descobrissem, ele e a esposa estariam em maus lençóis com a Lei. Até onde sabiam, tinham cometido estupro, pouco importando o consentimento de Alice, menor de idade à época do início dos encontros sexuais. O fato de a menina ter somente quinze anos quando do começo das "sessões" já consistia prova suficiente para o crime de estupro. Brett e Marissa Toohey se mudaram de Ararat seis meses após a morte de Alice, e quando o tape é encontrado pelos Palmer, não há muito a fazer.

Há mais uma surpresa. Ao folhear o diário de Alice, June encontra o cartão de Ray Kemeny: a menina o procurara pouco antes da morte para uma consulta, e Ray jamais revelara o encontro aos Palmer. A data no diário aponta para julho de 2005, praticamente um semestre antes do afogamento na represa. Na fita da consulta, vemos Alice e Ray `a mesa, conversando. Alice pergunta se Kemeny consegue interpretar sonhos, pois vem tendo pesadelos terríveis. Ray conduz uma sessão de relaxamento & hipnose, e pede para que se concentre e feche os olhos. Ele a instrui a se imaginar no jardim de casa, e é isso que Alice faz. Ele pede para que abra a porta, entre tranquilamente pelo alpendre, e lhe diga o que vê e sente enquanto adentra na residência. Ray explica que quando foi procurado pelos Palmer não contou sobre a sessão por uma questão de sigilo profissional. Ele queria ajudar a família, e acreditava que se tivesse avisado que a menina requisitara seus serviços, estaria apenas atrapalhando a missão de conduzi-los através do luto. June diz que depois da descoberta, perdeu a confiança em Kemeny. A família rompe contato com o psíquico. Ray atribui o ressentimento ao fato de não ter conseguido prever a morte da menina, dali a cinco meses no futuro. 

No diário, novos indícios de que de alguma maneira a menina pressentia a própria morte. June lê um trecho muito perturbador "Tive um sonho ontem `a noite. Estava molhada e com frio. Sentia-me pesada, como se tivesse sido drogada, e quando acordei, a sensação não desapareceu. Sentia-me enjoada e confusa, e estava começando a me assustar, precisava ver mamãe, para conversar com ela. Cambaleei até a seu quarto, e enquanto estava de pé a seu lado, observando-a, fui assaltada por uma intensa tristeza, que se tornou medo, quando percebi que não havia nada que meus pais pudessem fazer por mim. Nunca me senti tão só na vida. Tudo parecia errado: meu corpo, a maneira como as coisas pareciam. Então compreendi que havia algo de errado comigo. Comecei a chorar, ao pé da cama".

A menina ocupou uma folha inteira do diário com menções a "Lago Mungo", uma enorme paisagem desertificada que de muitas maneiras se assemelha a uma infindável praia, situada no sudeste de New South Wales. Alice esteve em "Lago Mungo" com as amigas do colégio, em uma excursão, dos dias 2 a 5 de agosto de 2005. Segundo June, quando a filha voltou para casa, parecia feliz, afirmando que tinha se divertido bastante, apesar de ter perdido o celular, o bracelete e o relógio. Kim, a melhor amiga de Alice, fez registros com o celular da noite do dia 05, no "Lago Mungo". Ela e o ex-namorado de Alice procuram pelos Palmer para exibir as imagens de Kim. Não há nada de incomum, no entanto, nas imagens, Alice parece definitivamente angustiada, e é vista enterrando um invólucro que contém celular, bracelete e relógio. Algo nas imagens convence os Palmer a visitar o "Lago Mungo". Os pais precisam saber o que incomodara a menina a ponto de ter enterrado as próprias coisas nas dunas.

Estamos em fevereiro de 2007. Os Palmer visitam o "Lago Mungo", e começam a cavar pelas dunas. Quando menos espera, June encontra o saco plástico onde Alice escondera as posses. É quando a família vai averiguar as imagens feitas no celular que encontra uma imagem assombrosa (o mais eletrizante momento do filme, uma das cenas mais perturbadoras já levadas `as telas). A filmagem daquela noite, anos atrás, começa de maneira inocente, Alice passeando solitariamente pela imensidão entre dunas, as amigas brincando em algum outro lugar. Alice começa a se aproximar de uma figura que está parada mais à frente, aparentemente uma menina da excursão. `A medida que se aproxima, Alice vai revelando melhor a natureza da "visitante": o que está vendo é a si mesma, morta, afogada, com a mesma expressão com que seu cadáver seria de fato retirado da represa. Alice filma o seu próprio fantasma, portanto, vindo do futuro, provavelmente para lhe avisar que a morte estava chegando. Apesar de breve, a cena faz o coração saltar pela boca, um grande triunfo do diretor, que construiu todo o filme em torno deste único instante, cuja força, mesmo seis anos após o lançamento, parece incomparável. Ao assistir `as intrigantes imagens, os Palmer finalmente encontram a resolução para os mistérios que revolviam a morte de Alice. Quando a menina enterrou o celular, o bracelete e o relógio, fê-lo simbolicamente, certa de que a morte estava para ocorrer dali a alguns meses. Alice sabia que ia morrer, apenas não quando, e queria deixar o material para trás, para que um dia, talvez, os pais o desenterrassem.

Em um curto espaço de tempo, os Palmer descobriram o que se sucedeu `a filha nos braços de Marissa Toohey, o segredo da consulta com Ray Kemeny e a filmagem misteriosa em "Lago Mungo". Quando retornam para Ararat, sentem-se emocionalmente exaustos, porém felizes. Pela primeira vez, a casa lhes parece diferente, mais suave e arejada. June diz que a filha finalmente retomou a jornada rumo à eternidade, em paz com o fato de os pais terem descoberto seu mais inconfessável segredo, e ainda assim, amarem-na incondicionalmente. Não demora aos Palmer começarem a se sentir novamente uma unidade familiar e retornar a suas vidas de onde as haviam deixado. Seis meses se passam, até que Ray liga para os Palmer, e avisa que estará passando por Ararat pelos próximos dias, a trabalho. A família meio que superou os ressentimentos, e aceita reencontrá-lo. Eles o recebem muito bem, retomando a amizade, sem qualquer tipo de mágoa. Nós os vemos fazendo um piquenique juntos.

Decididos a seguir em frente, o próximo natural passo é vender a casa e procurar por um novo lugar para recomeçar. Os Palmer fazem uma animada festa de despedida, e os ânimos parecem ótimos. O filme conclui com uma última consulta psíquica de June com Ray. Nesta cena, o diretor Joel Anderson contrapõe dois momentos muito distintos: assistimos `a última consulta de June com Ray, entrecortada pela consulta de Alice, quando viva. Concentrada, June "entra na casa" e chega `a porta do quarto da filha. Ela abre a porta, encontra o quarto muito bem arrumado. June diz que Alice não está mais lá. Simultaneamente, o diretor Anderson nos remete `a consulta de Alice com Ray. Na consulta, feita um ano antes, a menina também foi submetida à hipnose, e estava "visitando a casa". Ao contrário de June, porém, que nada viu, Alice diz a Kemeny que enxerga a mãe, e que ela parece não se dar pela sua presença. Alice inclusive a vê deixando o quarto, tranquilamente. Este momento nos mostra que o amor de mãe e filha foi tão espetacular que as duas tiveram como dobrar espaço e tempo, mesmo por um ínfimo momento, para encontrar-se em um mesmo lugar, graças `a ajuda de Ray. Todos estão em paz. Agora, Alice pode seguir em sua jornada em direção `a luz, e os Palmer, fazer de suas vidas o melhor possível, a dor da tragédia definitivamente superada, substituída pela doçura das recordações de dias mais felizes.

Nos créditos finais, o diretor Anderson exibe novamente as imagens manipuladas por Mathew. Desta vez, aprendemos que muito embora o menino tenha acrescentado a irmã em algumas das filmagens, em todos aqueles momentos, o verdadeiro fantasma da menina sempre estivera presente. Anderson nos mostra com um destaque circular as vezes em que o real espírito atormentado de Alice aparecera para pedir ajuda, em uma montagem arrepiante que nos mostra que desde o começo, a menina afogada estivera entre os entes queridos, que haviam se distraído com as montagens de Mathew, quando de fato tentava se comunicar. 

Lançado com pouco alarde em 2008, não custou a "Lake Mungo", um surpreendente, psicologicamente enriquecido ensaio sobre as consequências da morte em família e do luto, ganhar a atenção de público e crítica nos festivais de cinema especializados em Horror. O suspense, dirigido pelo novato Joel Anderson, chegou aos Estados Unidos em 2010, no conceituado After Dark Horrorfest, que sempre nos traz extraordinárias novidades do cinema independente, tais como "Dread", adaptação do conto de Clive Barker, e "Mulberry Street", mas já havia feito fama anteriormente, em importantes competições em Sydney, na Austrália, e no Reino Unido. Há alguns anos, os produtores da refilmagem de "O Chamado" compraram os direitos sobre o enredo original, todavia o novo filme jamais deixou o papel. Uma vez que se esteja familiarizado com a trama, parece compreensível por que a refilmagem jamais saiu das fases muito iniciais de concepção.

É difícil imaginar que um remake consiga capturar a magia do original. Visualmente, o filme é um esplendor, mas isso não é mérito exclusivo do talentoso diretor de fotografia John Brawley. O deslumbre se deve a uma de suas grandes estrelas, a encantadora Austrália. Brawley pincela noites e madrugadas com um azul aquoso, místico e nostálgico, e captura o espaço com lentes de ângulos bem abertos, para nos dar uma ideia da envergadura do outback australiano. As cidadezinhas são lindas e tranquilas, ruas muito espaçadas, igrejas e comércios que evocam um saboroso sentimento de familiaridade, de se viver em comunidade e se estar em casa. Ao mesmo tempo, há um sabor de "road movie" pela maneira como o diretor Joel Anderson filma auto estradas e colinas, sempre ao fundo. "O Segredo do Lago Mungo" é um dos filmes mais esteticamente lindos que já vi, e se levarmos em conta o pequeno orçamento que a equipe teve para contar a história, renderemos a devida homenagem a esses espetaculares profissionais, os diretores de fotografia, os homens que dão o tom correto`as fantasias. Até o momento, "O Segredo do Lago Mungo" é o momento profissional mais destacado da carreira do Sr. John Brawley, mas pelo seu olhar romântico e nostálgico, afirmo sem titubear que o seu nome merece figurar ao lado do de Morten Soborg como um dos gigantes de seu ofício.

As performances também são espetaculares, e fui pego de surpresa por não reconhecer nenhum destes maravilhosos atores australianos. Talia Zucker oferece algo de soturno e misterioso com sua beleza diferenciada, uma melancolia muito semelhante à de Selma Blair, por exemplo. Com o expressivo olhar, compõe a tragédia que cabe com perfeição à personagem da pobre menina afogada. David Pledger sai-se muito bem como Russell, o pai. Acreditamos no seu desempenho, e não há dúvida de que reconhecemos esse mesmo personagem de tantos outros filmes, ou mesmo da vida real: o pai correto, honrado, trabalhador e gentil que procura fazer o melhor para manter a família unida, dadas as circunstâncias. Steve Jodrell rouba o filme como Ray Kemeny. Os seus modos muito amenos, o olhar conhecedor, o compreensivo e resignado sorriso, os variados elementos da performance compõem o veterano de bom coração que entende como poucos as contradições da condição humana, e que portanto parece ser o único capaz de oferecer alguma paz à família em luto. Espero vê-los em muitos outros filmes!

Há dois tipos muito distintos de horror. Quando assistimos aos filmes do grande James Wan, que reúne as principais qualidades de um "jovem Steven Spielberg", podemos ficar assegurados que teremos duas horas de muitos sustos, algum humor para suavizar a tensão do "passeio de montanha russa", e, principalmente, mensagens positivas que reforçam o otimismo com que o cineasta enxerga o mundo e o potencial individual para o Bem. Quando assistimos (ou lemos) as obras de Clive Barker ou os filmes de Cronenberg, De Palma, Argento, Rob Zombie, quando assistimos a uma produção estilo "Session 9" ou "Hellraiser", o "passeio na montanha russa" segue um script imprevisível e muito diferente do que aquele oferecido por Wan. Estes trabalhos ficam conosco graças ao incomum impacto psicológico que pouquíssimos artistas conseguem canalizar, e ainda menos pessoas estão dispostas a "suportar". Se você procurar "divertir-se" assistindo a algo como "Lords of Salem", por exemplo, pode crer que tudo o que conseguirá será se sentir incomodado, desafiado e cheio de angústias. Ao final, porém, perceberá que mesmo tendo "sobrevivido" a duas horas de puro castigo psicológico, conferiu uma obra que te fez pensar, e ficará martelando a cabeça por um bom tempo. Não há entretenimento propriamente dito, mas sim um desafio, uma "montanha a ser transposta". Há uma satisfação incomum em se "sobreviver" a filmes tão psicologicamente densos e exigentes.

"O Segredo do Lago Mungo" cabe `a segunda categorização. Não tem muito a oferecer em termos de sustos ou entretenimento, mas é um filme sutil, tétrico e de atmosfera carregada e eletrizante, que estimula a pensar, e permanece conosco muito tempo após seu desfecho. "O Segredo do Lago Mungo" segue o estilo "mockumentary", ou seja, é apresentado como uma história real, um "documentário". Assistindo ao filme, não tive como deixar de me lembrar do extinto "Linha Direta", o programa que sempre trazia duas tristes histórias de crimes terríveis por episódio. Através de entrevistas com familiares, reconstituições e todos os demais expedientes jornalísticos, "Linha Direta" chegava a parecer, ao menos a meus olhos, mais incômodo do que os mais fantasiosos filmes de horror. Se vocês apreciam este estilo de story telling, "O Segredo do Lago Mungo" é uma pedida certa, quase como uma versão mais adulta e assustadora do "Linha Direta". 

Ao longo de seus noventa minutos de projeção, há apenas uma única cena que te fará "saltar da cadeira". Acontece lá pelo terço final, e meio que "amarra" as pontas soltas da história, mesclando interessantes conceitos sobre morte, viagem no tempo e a propriedade de se enxergar, mesmo que por alguns segundos apenas, o que o destino nos reserva logo mais `a frente. Apesar de o filme contabilizar somente uma cena de franco susto e horror, todo o restante é permeado por uma sensação de aflição, tristeza e incômodo, gradualmente mais intensa `a medida que a presença muito sutil, sempre velada, do espírito da menina, vai se tornando mais perceptível, embasada por fotos e filmagens de deixar os cabelos da nuca eriçados. Tão marcante quanto a sugestão de um espírito insatisfeito procurando contatar a família para um último momento de desculpas e despedida, são as reviravoltas que tornam segredos muito humanos os maiores horrores dessa história "de fantasmas". Uma vez que o tape dos Toohey é  exposto em toda sua crueldade, a alma de Alice deixa de se tornar a nossa principal preocupação, e vira um triste, quase inaudível grito do passado, um instante de dor, uma voz muito distante e sem forças que só evoca pena, e clama pela redenção e perdão dos pais. Mais intrigante que a sua alma entristecida, é o fato de ter sido secretamente apaixonada por Marissa ou Brett Toohey e sexualmente usada e manipulada, pela pouca idade ou falta de experiência quanto as maldades da vida. 

Apesar de tortuoso e de difícil assimilação, o diretor conclui "O Segredo do Lago Mungo" com uma nota otimista. O amor de família é capaz de superar os mais temerosos segredos, e não há falta alguma capaz de eclipsar a maneira doce e amorosa com que os pais a enxergavam e com que continuarão a se recordar da filha. Eles a perdoam pelos seus deslizes, e se lembram de Alice pelos grandes, melhores momentos, diferente da maneira como nos comportamos, muitas vezes, em nossas vidas: tendemos a nos recordar de alguém pelo seu último momento, jamais pelo melhor momento. Tanto em relacionamentos amorosos quanto amizades, por mais que duas pessoas tragam o que há de mais valoroso uma da outra, quando ao fim, nada daquilo parece importar, restando somente a "parte má", pela qual passamos a associar seja quem for que tenha feito parte de nossa história. Neste filme, aprendemos que somos uma soma de momentos, não nos resumimos a um mau instante apenas, e que mais importante do que os deslizes, acabam por ser as grandes atitudes aquelas que realmente nos definem. Pelo fato de Alice ser uma jovem com tudo pela frente, quando no início se vai tão tragicamente, a morte nos acerta em cheio com a inconstância do destino. Percebemos que devemos abandonar o conceito preestabelecido de que estaremos garantidamente aqui por um bom tempo, e ter em mente que estamos aqui, isto sim, por um tempo bom. Precisamos fazer o melhor com os anos que nos são concedidos, muito ou pouco, buscando a felicidade, através do investimento pessoal, crescimento profissional, estudo, verdadeiras amizades, contribuindo para que os mais vulneráveis também tenham a mesma oportunidade de encontrá-la. Apesar de sermos o convidado principal para esta festa chamada vida, jamais sabemos quando vai se acabar. Talvez seja a transitoriedade de tudo que a torne tão espetacular, um presente que não se deve desperdiçar.A vida chega fácil, vai embora fácil.
Todos os direitos autorais reservados a Lionsgate. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sobrenatural 2 ("Insidious: Chapter 2", James Wan) o diretor James Wan segue em franca ascensão, e conduz com maestria essa imaginativa continuação, cuja força gira em torno da impecável performance da maravilhosa Danielle Bisutti. Digam "Olá" para "A Mãe de Parker Crane"!


Sobrenatural 2 abre com o prólogo que nos leva à origem da assombração que tanto perturbou a família do filme anterior. O ano é 1986, e desde aquela época, Josh, ainda um menino, era assediado por uma "velha" que inicialmente aparecia muito distante nas fotos de família, e com o tempo foi ganhando força, aproximando-se gradualmente. Foi em 1986 que Elise, a investigadora do primeiro filme, naquela época bem mais jovem de quando a vimos anteriormente, conheceu o caso da família Lambert. Ela tinha sido chamado por um colega, Carl, o profissional originalmente envolvido, para ajudá-lo. Lorraine Lambert (quando jovem, vivida pela atriz Jocelin Donahue, de "House of the Devil", e já mais velha, por Barbara Hershey), a mãe de Josh, exibe as fotos onde a criança é perseguida pelo que vem a ser conhecido como a "Noiva de Preto". Josh tinha oito anos, e estava tão marcado pelo assédio que mesmo falar a respeito já o deixava angustiado. Ele não se abre diretamente sobre a "Noiva de Preto", porém, com muita paciência, Elise desenrola uma linha de diálogo. Josh responde as perguntas simples sobre a casa e a vizinhança, e depois que Elise ganha a sua confiança, acaba revelando que às vezes sofre de pesadelos horríveis. A investigadora apaga as luzes, acende as velas e, fazendo uso do metrônomo, conduz uma hipnose, através da qual o menino revela que "Ela está aqui (na casa)". Ao passear pelos diferentes cômodos e corredores, que por si já parecem lugares tétricos, é apenas quando Elise entra no quarto de Josh que o menino, ainda sob hipnose, revela que ela "está quente". Quando o armário entreaberto chama a sua atenção, Elise compreende que a entidade está ali dentro. Não chega a enxergar a "Noiva de Preto", porém ao enfiar a mão entre as roupas penduradas, leva uma mordida da "coisa". Elise desce as escadas, incapaz de conter o próprio medo. Ela faz o diagnóstico do que aconteceu a Josh. Em razão de sua incomum habilidade para realizar projeções astrais enquanto dorme, em um de seus "passeios", chamou a atenção da "Noiva de Preto", uma parasita que quer aquilo que Josh tem e ela não: vida. A única coisa a ser feita é extirpar, pela força da sugestão, o "talento" do menino para as viagens astrais, de modo que assim se afaste gradualmente da "Noiva de Preto" e sua influência maléfica. Repentinamente, Josh se levanta da cadeira, e parece se dirigir a alguém que não está lá "Eu vou te mostrar". O menino aponta para a porta que leva porão abaixo. A porta parece abrir sozinha. Não nos é revelado o que há dentro, mas o horror no rosto de Elise diz tudo o que precisamos saber. Josh é submetido ao processo de sugestão para se esquecer de todos os horrorosos eventos.

O filme corta para o presente, para a época dos fatos de Sobrenatural. Renai Lambert (Rose Byrne) submete a sua versão dos fatos para o detetive, e conta como Elise, agora morta, procurou salvá-los dos espíritos que os perseguiam de casa a casa.  Renai a encontrou morta na poltrona, ao final do primeiro filme, após a aventura para trazer o filho Dalton de volta da região do "limbo", um lugar intermediário, entre o nosso mundo e o que existe após a morte, habitado por almas com assuntos a resolver. Ela descobriu uma câmera nas mãos de Elise, com uma foto batida há pouco, que registrou a "Noiva de Preto". Quando Josh (Patrick Wilson), Dalton e Lorraine chegaram à sala, atraídos pelos gritos de Renai, reagiram com choque ao assassinato de Elise. É claro que o detetive não lhe dá muito crédito, e se porta bastante cético em relação a toda a narrativa. O que lhe interessa são as circunstâncias do homicídio de Elise. Ele está certo de que o responsável foi alguém de dentro de casa, e avisa que confrontará as evidências encontradas nas cenas do crime com o DNA de Josh

Após a aventura no primeiro filme, os Lambert mudaram-se por um tempo para a casa de Lorraine.Não custa a coisas inexplicáveis voltarem a atrapalhar a vida da família, inicialmente de maneira inocente, nos moldes do que ocorreu no primeiro filme. Ao escutar alguém ao piano no salão, por exemplo, Renai pergunta se se trata de Lorraine, mas ao chegar ali, vê que não há ninguém, e que o rádio anjo da guarda está ligado. Renai não dá importância, mas basta deixar o salão para que o piano volte imediatamente "à vida". No meio da confusão, Renai toma um susto ainda maior ao escutar os gritos da bebezinha vindos do rádio. Quando vai verificar, é como se um adulto tivesse arrancado o bebê do berço e o colocado aos pés do móvel. Josh reage de maneira reticente quando a esposa lhe diz que teme que as coisas sinistras os tenham seguido. Como sabemos, Josh esteve no "limbo" no primeiro filme, então há a possibilidade de ter trazido alguma criatura do lugar, "grudada" consigo, quando do retorno ao mundo real.

Specs e Tucker, os divertidos ajudantes de Elise em Sobrenatural, também estão de volta nesta excelente continuação.Após a morte de Elise, sob cuja liderança sabiam trabalhar melhor, a dupla se sente deslocada e perdida. Eles retornam para a casa da investigadora, um tanto quanto confortados pela ideia de que Elise estaria em paz e feliz, no novo plano para onde fora, após a morte. A dupla acha estranho quando encontra a porta da sala de leitura aberta, pois sempre a deixava fechada. De uma forma inexplicável, a TV liga-se sozinha, e um dos rapazes tropeça em uma fita VHS. Melhor exame lhes mostra que se trata de um tape que contém a entrevista que Elise conduzira com Josh, tantos anos atrás, em 1986. Ao assistir ao tape com atenção, a dupla fica intrigada, pois o menino parece se dirigir, sob hipnose, a alguém, que preliminarmente não aparece nas imagens. Naquela noite, Lorraine está cuidando dos netos e checando se está tudo bem. Ela chega aos pés da cama de Dalton, e nota que o menino parece estar sonhando. Lorraine procura escutá-lo, mas a única sentença que parece coerente é "Vovó, tem uma pessoa atrás de você". Assustada, ela se volta para trás, mas não há ninguém.

Será a primeira vez que veremos a "Mãe de Parker Crane", a vilã dessa história. Muito embora possamos enxergar relances do fantasma aqui e acolá, apenas ao final saberemos mais sobre a marcante personagem. Lorraine está pensativa, pelo salão, quando o brinquedinho de andar de Cali é avivado, e começa a se mover ao sabor de uma fanfarra de músicas infantis, acompanhada por um alarido de luzes e cores. Quando vai desligar o brinquedo, vê de soslaio uma mulher vestida de branco (a "Mãe de Parker Crane") passar vagarosa e discretamente, ao final de um corredor. Lorraine vê apenas aquela silhueta muito alta, de branco, engolida pela escuridão da cozinha. A mulher some, e Lorraine vai tomar algumas pílulas para se acalmar. Ao olhar casualmente pelo espelho do banheiro, adivinhem só, Lorraine novamente enxerga a estranha. Apesar de confidenciar com o filho o medo de que os fenômenos paranormais estejam se manifestando mais uma vez, Lorraine concorda em manter os temores para si, pois de outra forma somente estaria criando o clima propício para a desestabilização da unidade familiar, em um momento em que deveriam estar mais unidos do que nunca.Na manhã seguinte, o menino menciona o "sonho", em que a avó foi visitá-lo na cama e ele lhe avisou que tinha uma mulher às suas costas. Não apenas as evidências estão se somando, o comportamento suspeito de Josh torna-se motivo de preocupação. Dalton pergunta à mãe se o pai está bem, pois diz já tê-lo visto falando sozinho no corredor. 

Specs e Tucker procuram por Lorraine, que já lhes adianta que as assombrações retornaram. Eles lhe entregam a fita quando Josh tinha oito anos. Graças a um trabalho de restauração, os rapazes conseguiram clarear a imagem, revelando que logo atrás do menino, há um cavalheiro de pé, e pasmem, exatamente igual a Josh, como que a sua versão adulta tivesse assistido a tudo, vinda do futuro. Lorraine vocaliza o quanto gostaria de conversar com Elise nestes momentos de tão terríveis incertezas.

Renai está na cozinha, quando recebe a ligação do detetive. Boas notícias: o DNA não é compatível com o de Josh, e portanto, o rapaz não é mais suspeito da morte de Elise. Renai agradece, e então o andador de Cali liga sozinho, e parte bailando com as luzinhas, corredor adentro. Renai desliga o brinquedo, quando se dá pela presença da mulher de branco, sentada no sofá do salão. A mulher se levanta muito calmamente, e quando está deixando o lugar, e os seus olhos se encontram, a estranha ainda ergue um dedo silenciador sobre os lábios que lhe sorriem de maneira macabra. O monitor do bebê é avivado, e Renai escuta a voz da mulher, cantarolando uma modinha de ninar.Com a porta fechada por dentro, Renai entra em pânico quando escuta o bebezinho levando uma surra e chorando. Quando finalmente consegue forçar a porta o suficiente para abri-la, não há sinal de ninguém ali dentro. Renai volta correndo para o salão, desesperada ao não encontrar a filha. É quando tem um encontro face a face com a mulher de branco, que subitamente aparece na sua frente, com a face contorcida de ódio, gritando "Não se atreva!", e a apanhando com um forte golpe que a deixa inconsciente.

Specs e Tucker conseguem contatar Carl, o cavalheiro que no começo do filme ajudou Elise a conduzir a entrevista com Josh, nos idos de 1986. A dupla pede para que Carl os ajude a se comunicar com Elise. Carl usa um saquinho com pedrinhas, onde há letrinhas pintadas, a sua maneira de falar com os mortos. Ele chama pela amiga, à espera de uma resposta. Carl consegue contatar um espírito, que se apresenta como Elise, e avisa que Josh voltou do limbo com alguma entidade maligna ligada ao seu ser. Quando perguntado sobre o que a presença deseja, o espírito responde (através do arremesso de dados) "Matar". "Onde ele está escondido?", e a coisa diz "Nossa Senhora dos Anjos". Apesar de o termo não fazer sentido para Carl, Specs e Tucker, Lorraine se toca que o espírito está lhes indicando o hospital onde costumava trabalhar como enfermeira, quando jovem, décadas atrás. 

Josh encontra a esposa desmaiada e a acomoda no sofá. Specs, Tucker, Lorraine e Carl viajam ao hoje abandonado hospital, em busca de respostas. O hospital se tornou um emaranhado de túneis muito escuros, um lugar perturbador. A turma toma um susto quando um deles pisa em cima de uma boneca que começa a falar "mamãe, mamãe". Habilidoso e sensitivo, Carl tem a atenção capturada por um quarto em particular, onde chega a sentir a energia da "Noiva de Preto". Ele pergunta a Lorraine se o quarto lhe parece familiar, e a senhora responde que a ala costumava comportar a UTI. Através de flashbacks, vemos Lorraine, ainda uma jovem mulher, com o filho Josh, entrando no mesmo quarto. Ela havia levado o menino para o trabalho. O monitor de sinais vitais de um senhor de idade chama a atenção de Josh. Subitamente, o idoso desperta e agarra o braço do menino, a ponto de precisar ser contido pelos enfermeiros para largá-lo. Alguns dias depois, Lorraine estava no hospital, descendo pelo elevador, quando se dá conta de que o senhor muito vulnerável que a acompanha no elevador é o paciente do outro dia. O velhinho se chama Parker Crane. Lorraine pede desculpas pelo filho, e ainda vê o velhinho sumir ao longo do comprido corredor. Ao falar casualmente sobre o encontro com uma outra colega, a amiga que diz que é impossível, pois Parker Crane cometeu suicídio na noite anterior, tendo se jogado da janela do quarto. Aprendemos ainda que Parker Crane havia ido parar no hospital por problemas mentais, e o fato de ter tentado castrar-se na marra. 

Josh acorda de um cochilo, e ao ir ao banheiro, constata que um de seus dentes caiu. Ele escuta a voz da mãe morta - e aprendemos que não foi Josh quem voltou do limbo, mas sim Parker Crane, dentro do corpo de Josh. A voz da mãe lhe diz para matar a todos, mas Parker diz que não consegue. Renai acorda e conta a Josh sobre o encontro com a mulher de branco. Ela está em pânico, e imediatamente pergunta pela filha. Josh a leva ao quarto da bebezinha e Renai se acalma ao encontrar Cali dormindo placidamente no berço. Josh (ou melhor, Parker Crane) diz que basta não dar atenção às "coisas", pois assim não terão como machucá-los. Renai começa a suspeitar que não foi o seu marido quem voltou quando, ao comentar que vem escutando no piano uma determinada música, sombra alguma de reconhecimento passa pelas expressões indiferentes de "Josh". Ela dedilha algumas notas no piano, uma música que escrevera especialmente para o marido, mas o rapaz não faz menor ideia do que se trata.

Pesquisando pastas do setor de arquivos, a dupla encontra o endereço de Parker Crane. Specs, Tucker Carl e Lorraine vão à velha residência dos Crane, hoje abandonada, e a invadem por uma janela coberta por frágeis tábuas. No ato, Carl já sente as coisas sinistras que rolaram naquele ambiente pesado e sombrio. Specs e Tucker acham esquisito ao encontrar o quarto de Parker caracterizado como lugar para meninas, com bonecas e vestidinhos. Particularmente intrigante é a casa de bonecas, enorme e muito detalhada. Tucker diz que se trata de um modelo "Rhode Island Red", um dos mais sofisticados. Quando estão para sair, o cavalinho de pau começa a balançar, e repentinamente uma menininha passa por entre os rapazes correndo e gritando "O quarto é meu!". O fantasma ainda lhes avisa "Vocês não podem ficar aqui. Se ela os vir, fará com que eu os mate".

Na casa dos Lambert, Dalton está na cama preparado para dormir, quando uma voz surge para conversar, através do telefone de copos que fez com o irmão. A voz lhe conta que deseja lhe mostrar uma coisa. O menino pensa que é o irmão Foster, e o manda deixar de amolá-lo. "Eu não sou Foster", vem a resposta. Dalton abre os olhos, assustado, e constata que não é mesmo o irmão, que está dormindo na cama ao lado. A linha do telefone de copos leva a outra extremidade ao armário, e Dalton constata que há uma presença albergada na escuridão do móvel. "Os que ele matou são muitos", a voz feminina diz. Repentinamente, uma moça que Dalton jamais viu antes salta do armário e sai andando, aparentando confusão. Quando menos espera, há uma porção de gente que o menino desconhece, pessoas mortas presas ao limbo, ali no quarto, querendo pôr as mãos no garoto. Percebendo que está à beira do limbo, Dalton "volta" ao corpo, e acorda aos gritos. Renai o socorre e o consola. 

De volta à casa dos Crane, Carl usa os dados para voltar a se comunicar com Elise. Lorraine vê um quadro com a pintura de uma dama muito bonita e o seu filho. Imediatamente, reconhece a elegante dama como a mulher que viu assombrando a casa. Os parafusos do lustre acima de suas cabeça começam a se desatarraxar. Carl consegue perceber a tempo de se jogar contra Lorraine para salvá-la do golpe, quando o pesado lustre desaba. Carl começa a perceber que todos eles caíram em um ardil, e que o espírito que tinham contatado não era o de Elise. Ele faz a mesma pergunta ao espírito, e a resposta dos dados é "Não". Através das pedrinhas, a entidade se identifica como "Mãe da Morte", e Carl finalmente compreende que o espírito se trata da "Mãe de Parker Crane". Specs e Tucker acabam por encontrar um quarto clandestino, onde há quinze corpos em decomposição, cobertos por lençóis. Specs acha um baú com vários recortes de jornais que falam sobre um serial killer conhecido como "Noiva de Preto". Quando Carl toca o vestido preto, sofre uma visão, e vê Parker se caracterizando como mulher e matando uma moça. Ele conclui que Parker Crane não apenas era o serial killer "Noiva de Preto", como também a presença "feminina", a "velha de preto", que vem aparecendo nas fotos de Josh ao longo de sua vida. Parker tentara possui-lo quando criança, porque em razão do abuso psicológico da mãe, perdera a infância, que tentava resgatar a qualquer custo.

Lorraine procura por Renai e quando a moça está chegando em casa, a aborda e a chama para conversar em algum outro lugar. Carl, Specs e Tucker concluem que Josh está "possuído" e para salvá-lo, precisarão sedá-lo. O trio prepara uma estratégia, e então Carl bate à porta, identificando-se como o investigador que o ajudou com Elise, muitos anos antes. Specs e Tucker estão escutando a tudo da van estacionada na frente, Specs comentando com Tucker "Rapaz, estou me sentindo um verdadeiro agente da polícia!". Em um outro lugar, Lorraine está explicando à nora que precisarão sedar Josh para salvá-lo. Terão de resgatá-lo do limbo para trazê-lo de volta ao próprio corpo, e expulsar Parker Crane. Josh consegue "ler" o comportamento hesitante de Carl, e vê que foi descoberto. Quando o visitante enxerga casualmente um dente no chão, não tem dúvidas de que Josh "não é mais Josh". Antes que Carl prepare uma dose de tranquilizante, o rapaz o surpreende com uma faca. O "Josh possuído" pede para que Carl consulte os dados e tente adivinhar o que traz consigo. O senhor joga os dados, e a resposta é "faca". Specs e Tucker, que estavam escutando a tudo da van, vez que Carl vestira microfones, arrombam a porta da casa, mas apesar de seus esforços, Josh, ou melhor, Parker Crane, domina a todos.

Carl acorda no limbo, e encontra o verdadeiro Josh, defronte à residência do primeiro filme. Carl precisa da ajuda de Elise, e juntos, os dois partem limbo afora, para tentar encontrá-la. Renai deixa a filha com a babá, depois que recebe uma  falsa mensagem de texto de Tucker, sinalizando que pode voltar para casa, pois Josh já foi sedado. Renai e Lorraine caem na armadilha, e regressam para casa. No limbo, Josh e Carl se veem no jardim da casa da família Lambert. Aqui, o diretor James Wan faz referência a uma cena no filme anterior, quando a família acorda com o barulho do alarme, e encontra a porta arrombada por uma força invisível. Pois bem, nesta continuação, compreendemos o que aconteceu. É como um "túnel do tempo" que liga os eventos do segundo aos do primeiro. No limbo, Carl e Josh enxergam um espírito malévolo louco para entrar na casa. Quando o espírito invade, Josh fica desesperado, temeroso que faça mal à família. Ele corre para o alpendre e esmurra a porta. Pois bem, foi o próprio Josh, ou melhor, o seu espírito, quem derrubou a porta e acionou o alarme naquela noite, no primeiro filme. Também, conferindo com os eventos do primeiro, o Josh do mundo real chegou a ver o espírito maligno prestes a fazer mal ao bebê, e lutou com o invasor. Foi uma outra presença, porém, que expulsou o ser demoníaco, e aqui, descobrimos que se tratou da alma de Elise, que surgiu do nada e a enviou de volta ao inferno, com um grito que arremessou o invasor pela janela. 

Elise fez uma transição segura para o além, todavia ao escutar o clamor de Carl e Josh, decidiu voltar para o limbo, para ajudá-los. Eles se abraçam. Elise diz que todos nós temos que passar pelo limbo um dia, com a certeza de estarmos a caminho de um lugar melhor e mais feliz. Ela explica a Josh que a única forma de pôr um ponto final naquele pesadelo é encontrar o lar da senhora Crane e enfrentá-la. Josh explica a Elise que não sabe como chegar ao lar dos Crane, no limbo, e ela responde que os dois estão procurando a informação com a pessoa errada. Em mais um flashback, Josh se vê na sala da casa da mãe, quando criança, quando submetido à hipnose, em 1986. O menino se levanta da cadeira e aponta para o porão. O espírito de Josh desce o porão e dá com uma porta vermelha. Ele compreende que seria ali a passagem ao lar da senhora Crane, no plano espiritual.

Ao mesmo tempo, no mundo real, Lorraine e Renai encontram Josh `a mesa, com um olhar raivoso, esperando-as. Elas percebem tarde demais que Carl foi neutralizado por Parker Crane. Agora possuído, Josh persegue as duas ao longo da casa. Ele tranca Lorraine no banheiro e parte para a esposa, determinado a assassiná-la. Mesmo a voz de Josh começa a soar diferente, o tom de uma outra pessoa, o próprio Parker Crane, que jura que a levará para o outro lado. Em um piscar de olhos, enquanto tem as mãos de Josh apertando o pescoço, Renai o vê mudar: ele assume a forma da "Noiva de Preto", sorridente enquanto a estrangula até a morte. Josh teria matado a esposa, não fosse pelos filhos, que estavam chegando a casa naquele instante. Dalton acerta o pai com um bastão, e Renai aproveita para recuperar o fôlego. Ela leva os filhos para o porão e se tranca, Josh furioso do lado de fora.

Aqui, vem a parte mais impressionante de Sobrenatural 2. Apesar de termos visto a "Mãe de Parker Crane" aqui e acolá, durante a maior parte do filme, será apenas agora que James Wan nos oferecerá uma janela maior para a história dessa bizarra personagem. No limbo, Carl, Elise e Josh encontram o lar da senhora Crane, e sobem até ao quarto que costumava ser o de Parker. Eles encontram uma garotinha sentada na cama, mas ao prestarem mais atenção, veem que se trata de um pobre menino, obrigado a se vestir como menina, inclusive com peruca. O filme nos leva a crer que o marido da senhora Crane se desinteressou por ela e a abandonou, o que a tornou uma mulher amarga e abusiva. Aos poucos, desandou para a insanidade completa, forçando o filho a se comportar como menina, chamando-o de "Marilyn", para afastar quaisquer vestígios que a levassem a se recordar do ex-marido. Quando Parker preparou um lindo desenho para a mãe, e assinou com "Eu te amo, mamãe, com carinho, Parker", ao invés de usar "Marilyn", nós a vemos entrando no quarto furiosa para lhe dar uma tremenda surra (a cena mais memorável do filme, a atriz Danielle Bisutti roubando o filme de seus protagonistas e dando a performance excepcional). O abuso da mãe parece ter levado Parker à insanidade e, na velhice, ao suicídio. Apesar de ter se tornado o serial killer "Noiva de Preto", um dia foi apenas uma criança inocente vítima das loucuras de uma mulher cheia de rancor por ter sido trocada pelo marido por outra mais jovem e bonita. Carl, Elise e Josh ficam abismados, assistindo à surra, quando a senhora Crane dá pela presença do trio. Ela expulsa a todos com a força do grito, jogando-os para fora do quarto.No mundo real, Dalton, o único membro restante dos Lambert capaz de viajar para o limbo, convence a mãe a deixá-lo se aventurar na dimensão dos espíritos para salvar o pai. O coração de Renai se enche de dor, mas ela percebe que não há mesmo outra opção. Dalton vai dormir, e quando acorda, está no limbo.

Trancado em um cômodo do lar dos Crane, Josh consegue escutar as batidas na porta, Elise e Carl gritando para que destrua a senhora Crane enquanto há chance. Josh fica abismado com os espíritos de toda a gente assassinada por Parker Crane, almas muito tristes e silenciosas, cobertas por lençóis brancos. Quando ele puxa um dos lençóis, encontra a senhora Crane, que o surpreende, apanhando-o pelo pescoço e o estrangulando.  Simultaneamente, no mundo real, o "Josh possuído" arrebentou a parede do porão e conseguiu entrar. Renai é rapidamente dominada. Josh apanha um martelo e o ergue sobre a cabeça, preparando o golpe fatal. No limbo, Elise tenta convencer o espírito do menininho Parker. Ela procura se concentrar na criança inocente que um dia Parker foi, desconsiderando o psicopata frio que se tornou (por causa da mãe louca). Elise implora para que a ajude a abrir a porta, para deter a mãe. Se o fizer, a sua alma poderá descansar em paz. O menino aceita ajudá-la, e Elise entra a tempo de acertar a senhora Crane com um cavalo de brinquedo. Naquele mesmo instante, o "Josh possuído" dá um grito de dor e desmaia, sem conseguir desferir o golpe mortal em Renai

A senhora Crane foi derrotada, e o espírito de Parker Crane, ao menos a parte de si que era pura e inocente, encontrou alguma paz. Elise pede a Josh e Carl que partam e voltem ao mundo real, pois a sua hora não chegou. Enquanto Carl e Josh saem em disparada da casa, o limbo ao redor começa a se desintegrar. Os dois não sabem por onde fugir, mas então a voz de Dalton chega pelo telefone de copos com que costumava brincar com o irmão no mundo real, e o menino os orienta a uma rota segura. De volta ao mundo real, Renai abraça o filho e suplica para que acorde. O menino desperta, assim como o pai. Para provar que Parker Crane se foi, há um momento muito doce (típico do diretor James Wan) quando o marido, muito emocionado, prova a Renai que é o homem que ama ao afirmar que fora o seu espírito ao piano, todas as vezes em que escutara a música que fizera em nome de seu amor. Renai brinca respondendo que, sim, só podia ser Josh mesmo ao piano, pois sempre tocava muito mal!A família se abraça, o horror finalmente vencido. Em um momento de humor, o atrapalhado Tucker surge através da parede, preparado para enfrentar o perigo que nem está mais ali. Com a ajuda de Carl, Josh e Dalton têm suprimidas todas as suas habilidades de viagem astral. Agora, os Lambert não correm mais riscos de serem atormentados novamente.

Algum tempo se passa. Vemos Specs e Tucker baterem `a porta de uma nova família. O pai vai atendê-los, e quando a dupla diz que tem um recado de "Allison", fica nervoso e pede para que os deixe em paz. Neste ínterim, uma menininha vai `a porta, e vemos que consegue enxergar o fantasma de Elise bem no meio da dupla, ali para ajudar. Allison é a filha adolescente, que parece em estado de coma. Ocorre que o que se sucedeu `a jovem foi praticamente a mesma coisa que ocorreu a Dalton, no filme anterior. A verdadeira Allison, ou melhor, o seu espírito, está no limbo, e agora é a missão de Elise, Tucker e Specs ajudar mais uma família sofrendo nas garras do sobrenatural. Com essa conclusão, o diretor nos dá uma prévia do que está por vir com "Sobrenatural 3". Certamente, sentiremos saudades da família Lambert, mas podemos esperar pelo retorno de nossos velhos conhecidos Specs, Tucker e Elise. "Sobrenatural 3" está previsto para chegar aos cinemas em 2015!Mal podemos esperar, não é mesmo?

O diretor James Wan segue a trajetória de ascensão estratosférica com a continuação de um de seus filmes mais fortes. Depois de se consagrar em 2013 com o excelente "Invocação do Mal", volta às origens ao lado de seu ator (que no filme interpreta Specs) e roteirista Leigh Whannell, tendo como base um argumento refrescante e cheio de ideias, que retoma a história original, do exato momento em que o primeiro terminou. Aqui, mais uma vez, deixa incontestável o talento incomum e o respeito e carinho para com seus personagens, fugindo do lugar comum que assola sequências de grandes filmes de horror. Da mesma forma que foi feito com "Hellraiser 2", James Wan aproveitou a oportunidade para expandir a mitologia do primeiro filme. Em 1988, quando "Hellraiser 2" chegou aos cinemas, não se sabia para que direção o estúdio levaria a continuação de um filme tão singular e difícil. Metade de "Hellraiser 2" se passa na realidade dos cenobitas, o diretor Tony Randel determinado a nos mostrar aquilo que no original de Barker aparecera muito remotamente, honestamente apenas sugerido. Parte do elenco principal também estava de volta, legitimando o projeto. Aqui, James Wan amarra a segunda história à primeira, metade do enredo se desenrolando no "limbo", onde aprenderemos melhor sobre a natureza da assombração que aterrorizou os Lambert no original, dando aos personagens desta jornada um desfecho digno. Assim como o filme de Barker, o verdadeiro vilão não é o monstro a que faz inicialmente crer. Em "Hellraiser", a imagem muito forte dos cenobitas sugere que serão os antagonistas da história, o que é ledo engano. O primeiro filme trata de amores proibidos e desejos inconfessáveis, os monstros o plano de fundo para as pessoas muito doentias que conduzem toda a linha narrativa. Em Sobrenatural 2, aprendemos que foi a mãe de Parker Crane, e não o próprio, a responsável por todos os horrores. Se ele se tornou um monstro apavorante, havia uma criatura ainda pior empurrando-o na direção do mal. Não por menos, o último monstro que Carl, Elise e Josh precisam vencer no limbo seja justamente a "Mãe de Parker Crane".

Poucos são os artistas que compreendem o desafio que é rodar uma continuação. Recentemente, os criadores de "Atividade Paranormal" aprenderam da forma mais difícil, quando após 03 filmes muito interessantes, receberam resenhas desfavoráveis com o quarto da série. Assim, os criadores balancearam a equação, e renovaram o charme da franquia com o novo "Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal", que apresenta novos personagens e se passa na comunidade latina, onde o apelo dos filmes é muito forte. Wan conclui a saga da família Lambert com chave de ouro, e prepara terreno para novos filmes, abrindo a oportunidade para renovação e criatividade. Prudente é aquele que desiste enquanto está no topo da forma.

Sobrenatural 2 equilibra muito bem momentos cheios de horror com bom humor e instantes de doçura que permitem não apenas que a plateia recupere o fôlego, como também se afeiçoe aos seus protagonistas. A cada novo filme, as semelhanças entre Wan e o jovem Steven Spielberg parecem mais gritantes. Spielberg se tornou uma força cinematográfica com pequenos filmes, cujo elemento "susto" parecia inversamente proporcional aos orçamentos mínimos com que eram rodados. "Duel" e "Tubarão", produções baratas, o tornaram um cineasta querido e requisitado, e fizeram muito dinheiro nas bilheterias. Apesar de com o tempo e o incremento no valor de suas produções o cineasta ter feito a transição para trabalhos caríssimos e ambiciosos, sempre soube o caminho para pincelar as suas obras com tintas pessoais e instantes de doçura e emoção que vieram a se tornar as principais características de obras como "E.T." ou os filmes do herói "Indiana Jones". Wan ainda está no começo de carreira, porém já se sobressai como um dos raros artistas a equilibrar tão perfeitamente horror, emoção, doçura e lições de vida que mesmo nós temos como aproveitar para as nossas próprias. Se "Invocação do Mal" é uma máquina de terror, não se pode negar que, no cerne, há uma valiosa mensagem sobre a força da unidade familiar e sobre como o amor que temos uns pelos outros é a coisa que o Mal mais deseja destruir, pois é o único elemento que pode ameaçá-lo. Ademais, é um artista que apesar de saber amedrontar, não ultrapassa o senso do bom gosto e da elegância. Muito embora aterrorizantes, os seus filmes são encantadores e fazem muito dinheiro porque podemos lhes assistir certos de que teremos uma hora e meia, duas horas de entretenimento de qualidade, sem que sejamos bombardeados por violência gratuita ou excessos, lamentavelmente tão comuns ao gênero. Wan chegou ao ponto de convivência entre o que o grande público espera ao pagar pelo ingresso e aquilo que o inspira a fazer arte, e o resultado é a honestidade que traduz o merecido e estrondoso sucesso que vem conseguindo para a sua vida. Se compararmos Wan com outros artistas muito criativos e talentosos, veremos que cineastas como Rob Zombie, Brad Anderson, Clive Barker, Cronenberg, De Palma, Argento, Tom Shankland, entre tantos outros, apesar do amor que emana das câmeras e das folhas, não conseguem emular o mesmo apelo comercial que aquele, e portanto precisam rodar os seus filmes em escalas menores. Agora que James Wan estará comandando o próximo "Velozes e Furiosos 7", resta torcer para que à medida que os orçamentos se tornem cada vez maiores, não deixe que o compromisso com o sucesso engesse o seu coração de artista, ou mesmo tolha a criatividade que o individualiza em meio a tantos sucessos de bilheteria.

Outro ponto admirável seu é a fidelidade ao elenco. Wan é o tipo de cara que não se esquece de onde veio. Vocês devem saber que Leigh Whannell, o Specs, é o seu colaborador habitual nos roteiros para os filmes, a amizade dos dois remontando a 2004, quando começaram com o primeiro "Jogos Mortais". Desde então, Wan sempre encontra uma maneira de reservar um bom papel para seu amigo. Ao lado de Angus Sampson, a dupla representa mais um importante elemento agregador à fórmula de sucesso criada pelo cineasta, que entende que risadas ocasionais e momentos de leveza e humor se fazem necessários para conquistar e preservar a simpatia e a atenção de sua plateia, principalmente em um filme tão tenso e sombrio. Patrick Wilson esforça-se em dobro, pois aqui interpreta dois personagens, Josh e Parker Crane. Impressionante como mesmo com um mero sorriso sinistro, Wilson salta do honesto e bondoso Josh para o serial killer malicioso Crane. A cena em que Carl percebe que Josh está possuído e escondendo uma faca nas costas é um dos grandes sutis momentos de Sobrenatural 2, e Wilson só precisa de um sorriso e olhar para nos causar arrepios. Mesmo que Elise tenha morrido no primeiro filme, Lin Shaye reforça o elenco com uma nova contribuição, aqui aparecendo no mundo do além, como a luz que guia os heróis pelos momentos mais escuros e difíceis. Jocelin Donahue, conhecida pelos fãs do gênero graças ao filme independente "House of the Devil", de Ti West, surge nas recordações de Lorraine, e com muita doçura e vulnerabilidade, nos oferece um rosto para o passado da mãe de Josh, tornando-a mais familiar, até mesmo contribuindo para a performance de Barbara Hershey, que dá vida à mesma Lorraine, já velha. Danielle Bisutti, uma atriz muito talentosa, também é uma nova adição ao elenco. Mais conhecida pelo seriado de televisão "True Jackson", ela dá a performance excepcional do filme, construindo uma assustadora e cruel vilã, tão forte e violenta quanto a "Julia" de "Hellraiser 1 & 2", vivida pela extraordinária Clare Higgins. Bisutti não aparece muito, apenas o tempo correto para deixar uma marca indelével em nosso imaginário. Em uma entrevista no red carpet, na estreia do filme, Bisutti disse algo que explicou a nuance de seu desempenho que mais salta aos olhos. Ela disse que foi em seu background de atriz de teatro onde procurou pelas tintas certas para fazer essa personagem, e é verdade: os modos e movimentos da "Mãe de Parker Crane" podem parecer exagerados, mas aqui ela nos faz lembrar os monstros do cinema impressionista alemão mudo, tais como o "Nosferatu" de Fritz Lang. O vestido, os braços bem compridos, os dedos muito finos e tortos, o rosto muito alvo e o batom exageradamente vermelho somam-se para criar a imagem de um monstro de gestos largos e forte impressão. Que ela tenha conseguido fazer tanto com uma personagem que aparece relativamente pouco é testemunho de seu enorme talento.

Como todos os filmes de seu diretor, Sobrenatural 2 nos devolve momentaneamente à infância, quando os monstros pareciam mais assustadores, os mistérios, verdadeiramente inexplicáveis, os temores, maiores do que nossas próprias vidas. Não há dúvida de que na arte de Wan exista muito de suas próprias experiências e ansiedades de infância, e me impressiona que não apenas tenha conseguido conservar o mesmo olhar, depois de tantos anos, como também aplicá-lo ao seu story telling. Quando vamos ganhando idade, nos perguntamos para onde foi aquela sensação que experimentávamos quando assistimos a filmes que tão profundamente costumavam nos marcar. Foi difícil encontrar obras tão memoráveis e psicologicamente devastadoras quanto os dois primeiros "Hellraiser", mas então veio toda essa gente nova e muito talentosa, James Wan, Rob, Brad Anderson, todo o pessoal, para resgatar o fascínio que teoricamente só se tem uma única vez na vida. Recordo-me de uma frase de Tim Robbins, no suspense "O Suspeito da Rua Arlington", a história de um professor universitário emocionalmente fragilizado que fica obcecado com a ideia de que seus vizinhos são terroristas. Ele perdeu a mulher há alguns anos atrás, uma agente do FBI, e desde então se desdobra para ser um pai melhor para o filho. Robbins é o vizinho que chega à vizinhança trazendo a sua família feliz, e se torna o seu melhor amigo. Há uma cena em que os dois estão conversando, e Robbins lhe diz que conversa muito com o filho do professor, e que este exprimiu a tristeza pela ausência da mãe, de uma maneira que jamais contara antes ao pai. O professor parece surpreso que o filho conviva com tanta dor e saudade sem que jamais tenha se apercebido de tamanha tristeza, e Robbins explica, em uma cena sutil e cheia de eletricidade "Jamais somos tão sábios quanto quando crianças. Eles dizem, e é verdade: jamais enxergaremos as coisas de maneira tão clara novamente". 

Todos os direitos autorais reservados a Sony Pictures. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo desta resenha.