sábado, 7 de dezembro de 2013

Occult ("Okaruto", Japão, 2008, Koji Shiraishi) - Excelente exemplar do cinema de horror japonês,este suspense contemporâneo reavivará as lembranças de um dos dias mais macabros da Humanidade.

Agosto de 2005. Myogasaki é uma praia muito bonita do Japão, procurada por turistas graças a seus magníficos rochedos, onde as ondas espumam ao quebrar, e a ponte pênsil, de onde se pode enxergar toda a beleza. O lugar fica marcado após um incompreensível caso de homicídio, quando um homem aparentemente ordinário puxou uma faca, matou duas moças e deixou um rapaz bastante ferido. O estranho então escalou os rochedos mais altos e saltou para a morte. Parte da confusão foi capturada por turistas munidos de câmeras, que chegaram a registrá-lo caminhando calmamente pelo local, entre outras pessoas, antes da confusão, até o momento em que salta das rochas. Estranhamente, seu corpo jamais foi recuperado.

3 anos depois. Decidido a rodar um documentário sobre os eventos, um cineasta chamado Koji Shiraishi retorna para Myogasaki e começa a entrevistar sobreviventes e parentes de vítimas. Descobre, então, que há mais ao caso do que a primeira impressão leva a crer. Depois do acontecimento, as pessoas que estiveram direta ou indiretamente envolvidas têm histórias interessantes para contar. A mãe de Satomi, a adolescente de dezessete anos morta no resort, diz que às vésperas de sua viagem, a filha lhe dissera que havia tido um sonho com Myogasaki. Ela escolhera o resort em razão do sonho, pois sentia que algo extraordinário estava para acontecer.Desde o assassinato, a mãe tem tido sonhos recorrentes com Satomi, que seguem a mesma cartilha: ela bate à campainha, e quando a mãe abre a porta, a garota parece querer lhe comunicar algo, uma palavra que não consegue concatenar muito bem. Ela então abre a boca de uma forma incomum e exagerada, e começa a rir. Hideki Taniguchi é outra pessoa duramente traumatizada pelo caso, que custou a vida de sua noiva Migita San. Foi a moça quem primeiro havia visto fotos encantadoras do resort em uma revista de turismo, e convencido o rapaz a levá-la no passeio. Tão excitados tinham ficado com a ideia, os dois alugaram um carro na noite anterior, e partiram para Myogasaki. Na manhã do acontecimento, estavam passeando pela ponte, entretidos com as ondas que batiam contra o quebra-mar, quando Hideki precisou se ausentar momentaneamente para usar o reservado. Os gritos chamaram sua atenção, e quando retornou à ponte, a noiva já tinha sido mortalmente ferida. Hideki entrou em profunda depressão, porém recentemente passou a ser "visitado" por Migita San. Quando a assistente lhe pergunta se Hideki se refere a fantasmas, ele responde que não. O rapaz mostra uma fotografia tirada há cerca de um mês atrás, quando saiu com amigos para uma confraternização. Na foto, nós o vemos entre duas amigas, e ao fundo, olhando de passagem, como que por curiosidade, a noiva morta. O impressionante de tudo é que não se trata de uma imagem fantasmagórica. Se Hideki não tivesse contado sobre Migita san, a foto pareceria absolutamente comum a olhos desavisados. Acontece, porém, que a moça que enxergamos passando discretamente por trás do trio e olhando interessadamente para as lentes é mesmo a noiva, morta há três anos.

Pouco se sabe sobre  Ken Matsuki, o homem responsável pelo ataque. Ele já havia nascido com uma distinta marca nas costas. Costumava dizer ao pai tratar-se da "assinatura de Deus". Um amigo de escola disse que Matsuki sempre lhe tinha parecido uma pessoa acessível e generosa, que apreciava tópicos como fantasmas, habilidades sobrenaturais e OVNI. Os amigos não conseguem compreender como o pacato rapaz foi capaz de cometer o crime. Enquanto oferece suas reminiscências e dá o depoimento à repórter, o amigo de Matsuki começa a sangrar pelo nariz.

Nenhuma das histórias, porém, é tão intrigante quanto a de Shohei Eno, um homem simplório e humilde, de seus trinta e poucos anos, que quando dos eventos ainda morava com os pais em Osaka, e trabalhava transitando entre modestos empregos temporários. Eno conta que uma semana antes da confusão, quando estava à toa na sala de casa, ligou a televisão e escutou uma voz que disse ser idêntica a de "Indiana Jones" (mais sobre isso depois) claramente o instruindo a apanhar o próximo trem para Myogasaki. A assistente do diretor lhe pergunta se é possível que tenha imaginado a "voz", mas Eno conta que logo depois, ao sintonizar um programa de variedades, o mesmo falava justamente sobre o resort em Myogasaki. Eno tomou a coincidência como milagre, e se preparou para fazer a viagem, certo de que ao chegar ao resort passaria por uma transformadora experiência. Ele se aprofunda quanto ao dia da tragédia: distraído, estava a caminhar pelas pontes, esperando pelo "milagre", quando o rapaz da faca apareceu, matou as moças e o atacou por último. Eno diz que sentia tanto medo que nem teve tempo de reagir. Ao se debruçar sobre as suas costas para feri-lo, o estranho explicou a Eno "Agora é a sua vez, OK". Ele deixou uma impressionante cicatriz nas costas de Shohei, cuja forma bizarra parece guardar algum tipo de significado. Depois de sobreviver ao encontro, a vida de Eno mudou. Uma noite, ao despertar no hospital e olhar pela janela, enxergou um enorme OVNI sobre as árvores, uma espaçonave com cerca de quarenta metros de largura. A mãe de Eno estava presente e também viu. O OVNI emanava uma luz alaranjada, e depois de um tempo planando silenciosamente sobre o bosque, ascendeu em um flash. A observação dos OVNI não representa a única coincidência entre o depoimento do amigo de Matsuki e o de Eno. Quando a assistente mostra ao amigo de Matsuki as fotos das costas do sobrevivente Eno, o rapaz explica que a cicatriz assemelha-se à marca de nascença de Matsuki.

Impressionada com a riqueza de narrativas inexplicáveis que giram em torno do caso Myogasaki, a equipe do documentário concorda em rodar um filme sobre o dia a dia de Eno. A ideia é acompanhá-lo por vinte e quatro horas, e registrar o cotidiano do homem que parece dizer menos do que realmente sabe. Ao chegar ao estúdio da equipe de filmagem, Eno é convidado a assistir `as imagens daquele fatídico dia em agosto de 2005. Akira Wakatsuki é o produtor, e durante a exibição das imagens, aponta para o monitor, explicando a Eno as peculiaridades observadas. Quando estava sendo marcado nas costas por Matsuki, por uma fração de segundo, um misterioso ponto escuro cruzou o enquadramento da câmera. À medida que vai conversando com o trio que compõe a equipe técnica - diretor, assistente e produtor - Eno confidencia que sempre acreditou que o ocorrido na ponte em Myogasaki se devesse a alguma "intervenção divina". Ele conta que até então vinha vivendo uma existência medíocre, e que não guarda ressentimentos de Matsuki pelo ocorrido. De uma maneira estranha, Shohei é grato a Matsuki por tê-lo "preparado para algo grandioso". Desde os eventos na ponte, Shohei afirma que a vida tem sido abençoada por "pequenos milagres". Quando o produtor Akira pergunta se pode ser mais específico quanto a natureza dos "milagres", Eno responde que prefere não falar a respeito, mas deixa escapar que se refere a fenômenos paranormais que parecem acontecer ao seu redor de maneira aleatória, todos os dias. Akira interessa-se em "capturar" em filme os tais milagres, e Eno adianta que apesar de os mesmos se sucederem em um piscar de olhos, dependendo da sorte, podem ser filmados, sim. 

O diretor Shiraishi começa a acompanhar Eno no seu cotidiano. Tendo chegado à casa dos trinta anos, Shohei enfrenta dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho, e vai sobrevivendo de empregos temporários. Uma vez que se chega a uma certa idade, mesmo as vagas temporárias se tornam mais escassas. Shiraishi o filma ao telefone, contatando uma firma de terceirização de mão de obra. Por um período de 24 horas, ficará em "stand-by", aguardando a ligação, caso apareça alguma oportunidade. Vemos Eno caminhando por Tóquio, entrando em um modesto mercadinho e fazendo compras. Por não ter muito dinheiro, a sua dieta constitui-se de macarrão instantâneo. Eno engrossa a estatística dos Net café refugees, uma classe em franca ascensão, na fase pós recessão econômica do Japão. Os Net café refugees não têm apartamento próprio, e dormem 24 horas em Internet cafés ou manga cafés. Geralmente, os "refugiados" ou estão desempregados, ou empregados em funções que pagam pouco, e ainda não possuem meios de alugar o próprio apartamento. Ali, os "refugiados" têm como usar o endereço dos Internet cafés para preencher as aplicações para cargos, bem como se servir de outras comodidades, tais como cabinas com acesso a internet, uma modesta cama, sanitários, lanches, drinques e mesmo chuveiro. Nós vemos Eno passar a noite em um Internet café. No dia seguinte, Shiraishi o acompanha a uma lanchonete, onde fazem a primeira refeição do dia. Vence o prazo para que a firma de terceirização entre em contato, e lamentavelmente, a ligação não chega. Não foi dessa vez que Eno conseguiu a vaga. Shiraishi lhe compra um lanche para animá-lo. Os dois estão conversando à mesa, quando a embalagem do sanduíche é atirada por uma força invisível: um dos "pequenos milagres" a que Eno se referia. Shiraishi fica encantado com o fenômeno, e Eno conta que aquilo se tornou tão frequente que nem o impressiona mais. Shohei revela que tem visto OVNI desde a confusão em Myogasaki, e que ultimamente os mesmos surgem mais habitualmente. Fantasmas também fazem parte do repertório de bizarrices que assolam o cotidiano de Eno, que por vezes chega a enxergar OVNI e fantasmas ao mesmo tempo!Ademais, a mesma voz de "Indiana Jones" que o recomendou a Myogasaki três anos antes retornou para povoar a sua cabeça com novas instruções. Eno não entra em detalhes quanto ao teor das instruções

De volta ao pequeno estúdio pessoal do cineasta, Shiraishi exibe para o produtor e a assistente a cena do papel atirado. O cineasta pretende entregar uma câmera pequena para Shohei, para que procure documentar os bizarros acontecimentos. O produtor Akira diz que a equipe lhe pagará um determinado valor por cada imagem fantástica que conseguir. Shohei tem mais um pedido: vez que não tem onde ficar, pede para dormir por uma semana no escritório. Shiraishi gosta da ideia. Com Eno por perto, a equipe terá como monitorá-lo melhor, e colher farto material para o documentário. Eles oferecem um quarto para o rapaz, que fica muito feliz pela guarida, e por se ver livre, ao menos temporariamente, das cabinas do Internet café. No esteio da boa sorte, Eno recebe uma ligação da firma de trabalho terceirizado, que lhe consegue uma vaga para um trabalho temporário, previsto a durar por um mês. Já na noite em que dorme no escritório, Eno captura a imagem de uma mancha branca, semelhante a uma névoa, formando-se um pouco acima de sua cabeça, e então, como que movida por inteligência própria, deixando-o.

A equipe do filme promove uma modesta festa em restaurante para celebrar o novo emprego de Eno. Apesar de os ânimos iniciais parecerem ótimos, será neste pequeno encontro que a equipe começará a perceber que há algo de errado e malicioso no estranho. Entretidos com o jantar, Eno explica ao produtor Akira que frequentar Internet cafés tem suas vantagens. Pode-se desfrutar de uma cama e de ar condicionado, e tomar banhos, tudo por um custo baixíssimo, além de bebidas quentes, que podem ser consumidas gratuitamente. Enquanto Shohei discorre sobre a vida como Net café refugee, a assistente está distraída com alguma coisa, e Eno chama a sua atenção de forma particularmente incisiva. Começa a reclamar que ela deveria participar mais das conversas, e que com sua atitude reservada parece demonstrar indiferença pelos demais. Ele diz que mesmo nas entrevistas, parece não fazê-las de coração, e que o distanciamento proposital com que se conduz atrapalha até mesmo a vida pessoal. O produtor procura contornar a delicada situação, porém fica muito claro que Eno é uma pessoa inconstante e imprevisível. A assistente se despede e fica de encontrá-los na manhã seguinte, restando somente os três à mesa. Akira parece cochilar, e ficam somente Eno e Shiraishi bebendo e batendo papo. Mais espontâneos por causa do álcool, a conversa flui mais reveladora. Pela primeira vez, Eno se distrai e revela parte do que a voz de "Indiana Jones" lhe pede. "Você tem uma missão a cumprir". Logo depois, contradiz-se que não a entende muito bem, e muda de assunto. Eno acredita que quando Matsuki o feriu nas costas e disse "Agora é a sua vez, OK", não queria dizer "Agora é a sua vez de morrer", mas sim "Estou passando a responsabilidade para as suas mãos". Shohei está convicto de que não encontraram o corpo  de Matsuki pois, no momento em que se lançou dos rochedos para o mar, foi levado para outra dimensão, possivelmente o Paraíso. Shiraishi indaga se pretende fazer a mesma coisa que Matsuki, mas Shohei é prolixo. De volta ao escritório, Shohei dorme profundamente. Akira chama Shiraishi no canto, e diz que, no restaurante, apenas fingiu cochilar, de sorte que escutou a tudo. Akira parece preocupado, e pergunta a Shiraishi se lhe parece que Shohei tem algum plano macabro em mente. Àquela altura, o diretor não tem como responder.

É um novo dia. Eno está a caminho da estação de trem Shinjuku, para seu primeiro dia de trabalho. Shohei carrega consigo uma pequena câmera para registrar todos os momentos. Ao passar em frente a uma cabina policial de Shinjuku, comenta "Oh, uma cabina policial. Se eles imaginassem o que estou para fazer...", e ri. Ao final do dia, enquanto aguarda o trem na companhia dos colegas de trabalho, Shohei filma o céu nublado e diz que está tão feliz que mesmo sob tempo fechado acredita que a vida não poderia estar melhor. Enquanto filma o céu, não chega a se aperceber da mancha escura deslizando pouco acima de um prédio público. Ao retornar para o escritório, Eno conta a Shiraishi que não conseguiu filmar fenômeno algum, e é neste momento em que os livros são atirados da escrivaninha por uma força invisível, em uma clara manifestação de poltergeist.

Aprofundando-se nos detalhes do caso, Shiraishi quer saber se há algum significado para a marca de nascença de Matsuki. Ao pesquisar na internet, encontra um desenho muito semelhante no website de uma designer de mangá chamada Watanabe Peko. Shiraishi encontra a designer em uma lanchonete, e ela lhe diz que o desenho veio de uma ocasião em que, bastante cansada, deixara a mão com o lápis sobre a mesa, e fora rabiscando desatenta. Ali na lanchonete, com o diretor e a sua assistente, ela subitamente parece entrar em transe. A desenhista apanha um diário e começa a riscar o que acaba se assemelhando a uma formação geológica conhecida como Rocha Kutoro, situada no Monte Ohiruyama. Shiraishi fica surpreso, pois há três anos atrás havia subido o monte e encontrado placas misteriosas com indecifráveis inscrições dos Sumérios.

Diretor e assistente visitam o Monte Ohiruyama para investigar a Rocha Kutoro. A subida é muito íngreme, mas de cima a vista é quase mágica e compensa todos os esforços. O frio é tão intenso que a neblina parece "descer" a montanha como véu de noiva, e do topo, parece que se está caminhando sobre nuvens.Shiraishi filma a placa onde estão os hieróglifos dos Sumérios. Um dos símbolos é idêntico à marca de nascença nas costas de Matsuki. Shiraishi conta à assistente que quando tinha escalado a rocha da primeira vez, em 2005, nove sanguessugas haviam aparecido repentinamente em sua canela. Agora, três anos mais tarde, enquanto distrai-se conversando com a amiga, os nove orifícios subitamente voltam a sangrar. Depois que retorna a Tóquio, a assistente contata o departamento de turismo de Ohiru, em busca de informações sobre a história da Rocha Kutoro. Eles lhe dão o número de Kiyoshi Kurosawa, um aclamado cineasta que sempre foi fascinado pelo lugar e conhece seu passado como poucos. Aqui, vale mencionar que não se trata de um ator representando papel. Na vida real, Kiyoshi Kurosawa é mesmo um diretor de filmes de horror, sendo o seu trabalho mais famoso "Kairo", sobre o qual já tratei neste blog. A sua participação especial dá a Occult um ar de autenticidade e elegância.

Kurosawa não tem interesse apenas em filmes, também é um historiador apaixonado por ruínas antigas. Autodidata, Kurosawa estuda o Monte Ohiruyama há mais de vinte anos. Segundo o cineasta, no topo de Ohiruyama, há muitas formações, e vários hieróglifos podem ser observados nas rochas. Ao longo dos anos, Kurosawa tem fotografado e catalogado os símbolos. Ele diz que assim como em outros lugares famosos do Japão, a montanha também foi lugar de adoração para uma divindade da mitologia nipônica chamada "Hiruko". Hiruko é o filho dos deuses que criaram as ilhas japonesas, Izanami e Izanagi. Conforme a lenda, Hiruko nasceu sem pernas e braços, e tinha a forma de "sanguessuga". O monte foi batizado "Ohiruyama" por derivação do termo "Hiru", que significa "sanguessuga". Neste momento, Shiraishi nos remete ao começo do filme, mais especificamente à entrevista com a mãe de Satomi, quando falava sobre sonhos com a filha, e procurava concatenar uma dada palavra. Pois bem, o que o fantasma dizia para a mãe nos sonhos era "Ohiruyama", referindo-se à montanha. A equipe mostra a Kurosawa as fotos das placas encontradas dentro da rocha, e Kiyoshi reage com surpresa. Impressionado, reproduz o desenho no seu quadro negro, e explica o provável significado do hieróglifo.O desenho pode ser repartido em dois menores, cada qual com um determinado sentido. Em linhas simples, o hieróglifo reproduz o oráculo, que significa assuntos divinos, quando Deus dá ordens, bem como outro conceito que significa "matar coisas vivas". De uma maneira bem clara, o hieróglifo pode ser traduzido como iminente presságio de uma incomensurável calamidade, natural ou provocada, que culminará na morte de muitos, "uma grande calamidade ordenada por Deus". 

Depois do revelador encontro com Kurosawa, a equipe de cinema fica muito assustada. Aproveitando-se da ausência de Eno, que se encontra no trabalho, eles retornam ao estúdio pela tarde. A assistente averigua a mochila, e o que encontra os deixa pasmos.Há uma fatura que mostra que Eno tem economizado dinheiro, uma soma que ultrapassa oito mil dólares. Akira comenta que "parece que ele está se preparando para algo", e pela primeira vez o termo "ataque terrorista" é mencionado. Em um outro lugar de Tóquio, na saída do trabalho, Eno é abordado por um outro colega da firma, que lhe dá uma dura e diz que o seu relaxamento está deixando os demais atrasados no cronograma. Depois que o rapaz deixa, Eno o segue, filmando-o discretamente, e comentando para a câmera que sente que o hostil companheiro será atropelado muito em breve. Quando o rapaz está para atravessar a rua, uma orla negra parece bailar sobre sua cabeça. Ele corre para atravessá-la, quando é colhido por uma van. Eno registra tudo com a câmera, e sai correndo.

Caminhando pelas largas, movimentadíssimas calçadas do centro de Tóquio, Shohei captura com a lente da câmera um OVNI pairando sobre os prédios comerciais mais altos, sem que os transeuntes distraídos consigam percebê-lo. Pelas fachadas de outros edifícios, sombras de diferentes formatos parecem deslizar com graciosidade. É uma visão extraordinária, e o mais surpreendente de tudo é que os fenômenos se dão de maneira tão sutil que os ocupados cidadãos de Tóquio mal parecem se aperceber daquela manifestação de um mundo mágico e sobrenatural sobreposta a suas realidades ocupadas e pragmáticas. Depois de mostrar as filmagens do dia ao trio, Eno recebe uma boa soma em dinheiro pelo trabalho. Ainda assim, consegue perceber a inquietação e o constrangimento entre os membros da equipe técnica, que à esta altura têm motivos de sobra para se afastar de toda a incompreensível situação, mais indecifrável a cada dia. Quando Shohei os convida a um jantar para comemorar a qualidade das imagens e o progresso no documentário, o produtor e a assistente de direção inventam desculpas diferentes. Obstinado em conseguir novas informações de Shohei, Shiraishi aceita o convite. Mal pode imaginar as revelações por vir. 

Shiraishi é muito habilidoso ao arrancar a verdade de Eno durante o jantar. Ele afirma que as imagens o deixaram chocado, e que agora sente que há um propósito maior para seu trabalho. Shiraishi promete que mesmo que Shohei tenha em mente algo nos moldes do que Matsuki cometeu três anos antes, não tentaria impedi-lo, pois por trás de todos os fenômenos paranormais, consegue vislumbrar o trabalho do destino. Shiraishi gostaria de contribuir com a missão de Shohei, porque o seu objetivo é o de produzir o documentário para veiculá-lo, de modo que muitas outras pessoas conheçam a mensagem por trás da jornada de Eno. As palavras de camaradagem exercem papel importante na abertura do rapaz, que finalmente discorre sobre seus propósitos."A verdade é que depois do acidente, eu ouvia uma voz. Eu disse que não a entendia, mas não é verdade. A voz que é parecida com a de Indiana Jones repetia 'um massacre suicida a bomba, à estação Shibuya'". Shohei explica que o ataque suicida é a sua ordem, e que acredita que no momento da explosão, assim como aconteceu a Matsuki, não morrerá, mas tão somente será levado a um novo plano de existência, ao Paraíso, a recompensa por ter cumprido os "desígnios de Deus". As milhares de pessoas levadas no instante do atentado também o acompanharão ao Paraíso. Eno está convicto de que é um "escolhido", assim como o foi "Matsuki". Desculpa-se por ter pedido para dormir no estúdio, porém a necessidade de economizar dinheiro para viabilizar o grande atentado o forçou a morar em Internet cafés e viver de favores por um tempo. Com o dinheiro que juntou, Shohei tem mais do que o suficiente para comprar o material e construir a bomba. O seu intento é o de amarrá-la ao corpo, desembarcar na estação Shibuya em horário de rush e explodir o lugar sem dó. 

Shiraishi retruca dizendo que irá denunciá-lo à polícia. Quando se comprometeu a ajudá-lo estava apenas mentindo para descobrir os intentos do rapaz. Eno não perde a compostura, e responde que Shiraishi já se envolveu na missão. Forças maiores o prendem ao compromisso de auxiliá-lo no massacre a bomba a Shibuya. O cineasta não lhe dá crédito, mas descobre o quão certo Shohei está, ao deixarem o restaurante e entrarem por uma via deserta. Shiraishi não se sente bem, e encosta-se a uma cerca para vomitar. Quando levanta o rosto, enxerga um enorme OVNI branco estacionado sobre a quadra. Com o susto, o cineasta tropeça e cai, e das feridas das sanguessugas, oriundas das visitas ao Monte Ohiruyama, o sangue volta a correr.  Eno toma a visão como milagre, a oficialização de um compromisso entre Deus e Shiraishi. Sua tarefa será a de registrar todos os acontecimentos por vir, inclusive o atentado, para depois apresentá-los ao mundo. Sem escolhas, Shiraishi aceita participar desta sombria "jornada". 

Na manhã seguinte, Eno compra o material necessário para a confecção da bomba que deverá pôr a estação abaixo. Para potencializar a letalidade do aparato, adquire caixas de pregos e parafusos. Quando se põem a caminho do escritório, uma cena surreal se sucede: a dupla é abordada por um completo estranho, que age de maneira hostil perante Eno, e chega a tomar de suas mãos a bolsa. O filme jamais nos explica quem é o estranho, mas leva a crer que se trata de um anjo. "E você se diz homem?Sei o que está tramando!", o homem exclama, ao arrancar a bolsa de Shohei. Os dois ficam nessa briga de "toma bolsa, recupera bolsa", até que Eno agarra as coisas e sai em disparada com Shiraishi no encalço, sem que o estranho consega detê-los. A dupla ainda escuta o aviso do estranho "É o inferno!". 

À vontade no escritório, Shohei cumpre com zelo as várias etapas da preparação da bomba. Tem o cuidado de preencher os canos com pregos e parafusos, de modo que no momento da explosão cause ainda mais danos. Ao final, Eno produz um aparato explosivo que pode ser transportado em mochila de acampamento, o que facilitará sua circulação por entre os transeuntes da movimentada Shibuya, insuspeito até o momento da detonação. O chão está cheio de pólvora e químicos. É quando escutam batidas à porta: a moça assistente de Shiraishi havia se esquecido de sua câmera digital. Para a sorte da dupla, a porta estava chaveada. Shiraishi bola uma desculpa para não abri-la de imediato, o que dá a Eno algum tempo para esconder as coisas. A moça apanha a máquina, e muito embora não encontre nada fora do ordinário, o comportamento enervado da dupla indica que há algo errado. Ela chega a apanhar um saco de salgadinhos da estante, sem se ater à mochila na prateleira acima. Quando ela parte, os dois respiram aliviados e entre risadas comentam o quão perto estiveram de ser pegos.

O dia do grande atentado suicida a Shibuya chega. A dupla passou a noite anterior em um bar, festejando, e se levantou cedo para o longo dia a frente. Shiraishi filma Eno passeando pelas calçadas no centro de Tóquio. A visão daqueles arranha céus de concreto entre vias muito largas nos remete a lembranças terríveis dos ataques de 11 de Setembro. É uma manhã absolutamente pacata e comum, todavia para nós que já imaginamos o que está por vir, as cenas de passeio entre cidadãos inocentes e desatentos, ou mesmo a poética visão de pássaros cruzando o céu entre os monolíticos edifícios só conseguem reforçar o insustentável sentimento da esmagadora força do destino. Faltam cerca de onze horas para o atentado, e o humor de Eno é dos melhores. A dupla toma o café da manhã em um restaurante, e Shohei faz questão de evitar carne bovina. Ele explica que teme pela Doença da Vaca Louca, a que Shiraishi toma como temor infundado. A dupla volta ao escritório para descansar um pouco, e quando são dez e meia da manhã, o despertador os acorda. A dupla apanha um táxi em direção a Shibuya, mais especificamente para a estação de trem. No percurso, batem um papo descompromissado com o taxista, que se queixa da recessão que assola o país. Shiraishi menciona a demanda absurda de gente que passa por Shibuya todos os dias, e emenda que se houvesse um ataque terrorista, o estrago seria imprevisível. O motorista concorda, sem imaginar o que se passa na cabeça dos passageiros.

É preciso ver fotos ou mesmo caminhar pelo lugar, para se guardar a noção perfeita da grandiosidade de Shibuya, uma das paisagens mais espetaculares que há. Telões e imensos letreiros dispostos nas fachadas dos altos edifícios nos remetem a lembranças da Time Square nova-iorquina. As ruas sempre se encontram tomadas por gente, embaladas por sons caóticos e distintos, um mundo à parte, em perene movimentação, em plena ebulição. A região nunca dorme. Mesmo tarde da noite, quando lojas foram fechadas, clubes noturnos e bares mantêm Shibuya despertada e vibrante. Talvez a sua mais notória atração seja mesmo o "Cruzamento", que abre a cada três minutos para a passagem de transeuntes. Do segundo andar da Starbuck da esquina, pode-se bater a foto perfeita. Eno aluga um armário na estação, para acomodar a mochila. Por ora, a dupla esperará. Os dois estão com fome, e encontram um ótimo restaurante. A comida é saborosa, e ambos parecem entretidos com a conversa. Shohei menciona que sempre foi fã do herói de cinema "Indiana Jones", e que talvez não por acaso a voz que o assedia e ordena que mande Shibuya pelos ares seja a do próprio Harrison Ford. Shiraishi conta que o novo filme de "Indiana Jones" está em cartaz, e Shohei pede para que o diretor o leve para assistir. Com algumas horas até o ataque terrorista, a dupla apanha o metrô para Kabukicho, um distrito de Shinjuku que alberga muitos clubes, shoppings e restaurantes, conhecido como "Sleepless Town", cidade que não dorme. Após o filme, os dois fazem um lanche em um McDonalds qualquer. Shohei diz que o filme representa mais do que uma coincidência. Tinha sido a voz de "Indiana Jones" que lhe guiara pela missão de explodir o cruzamento, e agora, justamente algumas horas antes do atentado, descobria a existência de um novo filme sobre o personagem. Eno realmente apreciou a última aventura do herói, e confidencia que adoraria vê-lo novamente. Shiraishi o questiona sobre a possibilidade de adiar o ataque, mas Eno responde que o filme o moveu justamente na direção contrária, a de não hesitar na missão. Através do personagem, sente-se impelido a cumprir o objetivo. A dupla embarca no trem para Shibuya. A tarde aproxima-se do fim, e o movimento do cruzamento intensificando. A hora chegou.

Eno e Shiraishi recuperam a mochila do armário. O diretor o ajuda com os últimos preparativos. Quando Eno deixa o banheiro, não há nada que leve a crer que represente mais do que um turista mochileiro aventurando-se por Tóquio. O movimento do cruzamento escalou ao auge. Eno pendurou uma câmera discreta no pescoço, e a partir daquele instante a deixará gravando até a explosão. Eles precisam aguardar os três minutos até a passagem pelo cruzamento, o tempo que leva para se despedirem. Eno lamenta "Shiraishi, eu nunca te devolvi os 100 yen que me emprestou". É verdade. No começo do filme, vimos que Eno pediu ao cineasta 100 yen emprestado para completar o valor da estadia de uma noite no Internet café. Shohei lhe oferece a moeda de 100 yen, mas Shiraishi diz "Façamos assim: fique com a moeda. Quando chegar ao outro lado, você encontra um jeito de me devolver os 100 yen junto com a câmera, e as imagens do Paraíso". Eno pensa por um momento, sorri e concorda "É um trato". Os dois se despedem, e Shiraishi ainda registra o momento em que Eno junta-se a transeuntes e é absorvido pela multidão que compõe a apoteótica sinfonia de imagens, cores e músicas de uma típica tarde na estação Shibuya. Shiraishi sai correndo, certo do estrago que a explosão causará. A passos rápidos, Shiraishi é subitamente apanhado pelo braço. Quando se vira, vê a assistente. Ela o fuzila com questões "Shiraishi, passei a tarde seguindo-os!O que estão tramando?Vocês vão fazer algo de ruim, não?Vou ligar para a polícia!". Enquanto ela segue o interpelando com cobranças, Shiraishi se alberga atrás de uma cabina policial mais distante do cruzamento, e suplica para que a moça faça o mesmo. A assistente não lhe dá ouvidos. Ela está para fazer a chamada para a polícia, quando um clarão toma conta de Shibuya. Tudo acontece muito rápido. Escutamos a sinfonia da morte, com buzinas, gritos e sirenes sinalizando o holocausto que tomou conta do cruzamento, substituindo a alegria que existira apenas segundos antes pela indiferença maciça da morte. Jamais chegamos a ver diretamente o estrago, mas pelas imagens confusas que Shiraishi registra, o atentado foi mais letal do que o originalmente planejado. Para todos os lados, pedaços de corpos humanos. Ao final, calcula-se a perda de trezentas e cinquenta e três vidas. Assim como ocorreu a Matsuki, três anos antes, os restos mortais de Shohei Eno não são encontrados. Shiraishi é preso como cúmplice, e sentenciado a uma pena de vinte anos pela participação indireta naquele que foi o ataque terrorista mais letal da História do Japão.

21 anos depois. Shiraishi deixa a cadeia, e está muito envelhecido e cansado, um homem de meia idade. Ele é recebido pelo velho amigo, o produtor Akira, e os dois vão comemorar a liberdade no mesmo restaurante onde, no passado, haviam levado Shohei Eno para celebrar o emprego temporário. Akira diz que Shiraishi teve sorte de almoçar por ali uma última vez, já que o restaurante estará fechando as portas nos próximos dias. Alheio ao que se sucedeu com os restaurantes no Japão ao longo de todos aqueles anos, Shiraishi aprende que cerca de cem mil pessoas morreram por causa do Mal da Vaca Louca, causado por carne importada da América (lembram-se lá atrás, no dia do atentado, quando Eno havia ido lanchar, e pedido algo diferente de bife, por temer o Mal da Vaca Louca?). Restaurantes tiveram de deixar de importar carne, e muitos encerraram as atividades. Subitamente, Shiraishi sente a canela doer, e quando puxa a calça, vê os pontos deixados pelas sanguessugas sangrando. Inesperadamente, como que caídas do céu, uma câmera digital e uma moeda de 100 yen se materializam. Akira e Shiraishi ficam chocados. Shiraishi se recorda, então, do último diálogo travado com Shohei às margens do cruzamento de Shibuya. Ele havia finalmente encontrado a maneira de "pagar os 100 yen", bem como de devolver a câmera, de onde quer que estivesse. Nas imagens, talvez Shiraishi encontre o primeiro documento que retrate como o Paraíso realmente parece. O filme conclui com as imagens daquela terrível tarde, 21 anos antes. Eno se despede de Shiraishi, e junta-se à multidão que cruza Shibuya. Ao chegar ao meio do cruzamento, detém-se, olha para os lados, puxa o detonador e aperta o gatilho. Segue-se um clarão, semelhante a um poderoso relâmpago. Depois, as imagens do "paraíso": tudo o que Shohei conseguiu foi o inferno, um meio surreal e sem regras, onde almas desesperadas ficam em suspensão, condenadas a reviver o instante de suas mortes, em uma dimensão gelatinosa de cores e formas inexplicáveis, cruzada perenemente por águas vivas gigantescas e malévolas.

Apresentado como documentário, o novo filme do diretor Koji Shiraishi (isso mesmo, ele não apenas dirige, como também atua com o próprio nome) dá seguimento à tendência de criar "mockumentary", filmes fictícios conduzidos como documentários autênticos. Shiraishi é mais conhecido pelos fãs do gênero por Noroi, mas Occult ainda é o seu trabalho mais extravagante e imaginativo. Sua habilidade em conduzir o estilo "mockumentary" beneficia o filme com uma necessária eletricidade de inexorável tragédia que torna a última meia hora um habilidoso exercício em expectativa e tensão. Como poucos filmes fizeram, Occult não precisa de muito para prender a atenção, e o diretor sabe exatamente como e quando mover a história para a frente. Experimentando com temas tão variados quanto predestinação, OVNI, fantasmas, a noção de Deus e a existência de um plano espiritual, Shiraishi os mantém todos bem amarrados, e sucede onde muitos diretores falham: o filme se faz sentir autêntico, e não custa muito para que nos sintamos cúmplices da trama macabra que se desenrola na tela. Em um mundo dividido após o 11 de Setembro, o foco de Occult reaviva as recordações daquele macabro dia, quando covardes sem honra ou brios agiram à surdina e à traição, assim como todos os covardes o fazem. Talvez não por menos, os últimos momentos de Occult pareçam roubar o nosso fôlego. Há algo na normalidade da manhã pacata, na tranquilidade com que a dupla faz o café da manhã e passeia pelas calçadas do centro de Tóquio que nos remete a aquele sombrio dia quando a superfície da normalidade foi rompida em uma fração de segundo.

Para dar maior veracidade ao "documentário", aos personagens não foram concedidos nomes fictícios. Assim, por exemplo, Shohei Eno interpreta "a si mesmo". Evidentemente, ele é apenas um ator muito talentoso que nada tem em comum com o personagem macabro a que dá vida, todavia, interpretar um terrorista como se fosse o próprio na vida real realmente parece uma escolha corajosa e inédita. A performance de Shohei Eno merece todas as láureas. Em filmes do tipo, o lugar comum tende a criar antagonistas extravagantes e desinteressantes. O Eno de Occult, ao contrário, jamais parece perigoso. Em verdade, sai-se como um ordinário, inseguro e carente homem fraco, dobrado pela vida e pelas escolhas estúpidas, um sujeito de pouca estatura econômica ou relevância social, que ao perder em definitivo o contato com a realidade abraça a fantasia que o cerca e leva adiante o atentado terrorista que pode muito bem ser descrito como o 11 de Setembro japonês. A força da performance reside na quietude, nos instantes mais sutis, quando olhares e inflexões revelam que por baixo da superfície plácida e simplória há algo horroroso, sublinhado por problemas mentais e de falta de autoestima, apenas esperando para entrar em ebulição. O seu personagem é o vilão, mas simultaneamente veste o papel da desavisada vítima, ao soltar detalhes que, somados, nos falam de onde veio esse homem patético que jamais se pôs em primeiro plano ou acreditou em si. No início do filme, quando conta para a repórter sobre como foi parar no resort em Myogasaki, Eno, um homem na casa dos trinta anos, solta que até então morava com os pais, em Osaka, e trabalhava em empregos menores. O próprio confidencia que não ressente Matsuki: a sua maneira, ser esfaqueado na ponte deu algum significado à vida medíocre que até então vinha levando. Por todo o filme, nós vemos o desajustado personagem perambular por Internet cafés e subempregos, quase que anestesiado pela ignorância e simplicidade, uma vítima de seu próprio desconhecimento de mundo, atolada ainda mais pelas circunstâncias, na expectativa de "libertação".

O restante do elenco também se sai ótimo. Sentimos que estamos descobrindo ao mesmo tempo que os personagens as revelações absurdas que o caso Myogasaki tem para oferecer. Já na cena da comemoração do restaurante, e mais tarde quando voltam ao estúdio e Shiraishi e Akira conversam sobre a natureza das discretas revelações de Eno, o nosso sexto sentido nos diz a mesma coisa que os personagens vocalizam a baixo tom. Infelizmente, ao invés de se afastarem ao primeiro sinal de instabilidade ou loucura, os três membros da equipe técnica escolhem seguir lhe dando atenção e suporte, quando se torna impossível se desvencilhar de toda a explosiva situação, já que não se trata mais de apenas um homem desequilibrado ocupando o estúdio, mas também de circunstâncias alheias à compreensão humana, toda a questão envolvendo OVNI, fantasmas e entidades da mitologia japonesa.

Quando escreveu a trama, Shiraishi inspirou-se nos trabalhos de H. P. Lovecraft, escritor norte-americano que deixou a marca no gênero terror com um estilo de ficção macabro e ímpar. Shiraishi não adaptou obra alguma de Lovecraft, apenas escreveu sua própria, inspirado nas obsessões do dramaturgo norte-americano: a ideia de que os paradigmas que nos cercam não passam de frágeis acabamentos para uma realidade abstrata e surreal, fora do alcance da compreensão humana, que só de meramente vislumbrada pode levar pessoas comuns à loucura. Ao contrário do usual, o horror de Lovecraft é amorfo e gelatinoso, essencialmente visceral. As obras tendem a mesclar o sobrenatural, elementos extraterrestres, e mistérios dissociados de explicações. Os protagonistas, isolados e introspectivos, exatamente como o Shohei Eno de Occult, não compreendem a natureza dos segredos que os cercam, e mesmo quando chegam perto de revelá-los, desvendar o mistério pode lhes custar a sanidade. Jamais compreendemos os personagens das histórias do dramaturgo. Na verdade, Lovecraft parece mais interessado em explorar a insignificância dos mesmos face a indiferença esmagadora de um estranho universo. Ao escrever o Shohei Eno de Occult, Shiraishi parece ter se esmerado na fórmula do mestre. O pessimismo é o tom preponderante das tramas do escritor. Em Occult, igualmente, não há final feliz à vista.

Em Occult, o cotidiano é a superfície frágil que mascara a natureza caótica e intangível do universo, onde só há angústia e loucura. Shiraishi parece querer passar a mensagem nas cenas mais visualmente inquietantes, como quando Eno filma o OVNI gigante pairando discretamente sobre Tóquio, e os cidadãos abaixo, tão metidos em suas "realidades" que não veem o absurdo sobre as próprias cabeças, "verdadeira natureza" do mundo que pensam conhecer. Os cidadãos também não parecem dar conta das sombras graciosas que deslizam sobre as fachadas dos edifícios, a ponto de o próprio Shohei comentar para a câmera que não entende como aos olhos das pessoas escapa tanta magia. Os amigos podem me perguntar: mas, de que raios trata este filme? Vejam que o roteiro encontrou espaço para acomodar fantasmas (a noiva morta da foto), OVNI (as inúmeras aparições, algumas discretas, outras não tanto),  e entidades divinas. Na verdade, Occult é sobre todas essas coisas, e, ao mesmo tempo, sobre nenhuma delas. Os elementos fantásticos tornam o filme eletrizante, mas não podem ser individualmente compreendidos, ou tomados ao pé da letra. A importância reside na soma de todas as pequenas, bizarras coisinhas, pois o conjunto é mais importante do que os detalhes. Simultaneamente, Shiraishi consegue dosar os delírios "lovecraftianos" com a crítica que faz à direção que a sociedade nipônica vem tomando. O estilo de diretor de "documentários" dá à espinha dorsal do filme o realismo de nossos tempos, ainda que ao fundo os elementos fantásticos ameacem a todo instante corromper a impressão de realidade.

Depois de assistir ao filme, fiquei particularmente interessado pela questão dos Internet café refugees.  Após pesquisar sobre o assunto, aprendi mais sobre o estilo de vida das pessoas que frequentam o lugar, na verdade cidadãos que não tiveram escolhas, e se viram engolidos pela competitividade do feroz mercado de trabalho que deixou muitos - pessoas corretas, esforçadas e batalhadoras, - aquém da realização de seus potenciais. Li em uma matéria uma frase que me deixou uma forte impressão "As pessoas vulneráveis do Japão são assombradas pelo próprio sono". Os Internet cafés do país - Media Café Popeye, Gran Cyber Café Bagus, Maboo! - nasceram inicialmente para atender os trabalhadores que perdiam o último trem para casa, e eventualmente não tinham onde passar a noite. Mais tarde, o lugar virou o último refúgio para as vítimas da recessão. Os Internet cafés se tornaram mundos descomplicados, à parte, compostos por corredores estreitos, máquinas de café, cabinas modestamente guarnecidas por computador, mesinha e cama, onde os vulneráveis preferem experimentar a realidade filtrada pelo monitor, e adormecer abraçados a lençóis que não são os seus, reconfortados pela ilusão da momentânea segurança, enquanto o mundo real, bem maior, segue girando indiferente para aqueles que foram ficando no caminho de seus sonhos.

Para os cinéfilos que não conhecem ainda o estilo dos filmes de horror japoneses, Occult seria uma perfeita introdução. Procurem assistir ao filme com a mente aberta, pois se divertirão mais do que imaginam. Os amigos que estiverem desapontados com o lugar comum das produções em cartaz não imaginam as surpresas que esse pequeno "mockumentary" de baixo orçamento tem a oferecer. Apenas não esperem respostas para as muitas perguntas, afinal de contas, como Clive Barker disse certa feita, "arte não requer perguntas, arte não requer respostas, arte é a sua própria resposta, e se não é a sua própria resposta, então não é arte". Eis o grande desafio dos diretores ocidentais, ao se aventurarem na arriscada empreitada de refilmar tramas orientais. A preocupação excessiva com formato, respostas e justificativas desvirtua o espírito artístico e aventureiro com que os enredos originais foram concebidos. Penso que Occult, por exemplo, é um excelente filme de horror cuja refilmagem não o traduziria muito bem, e o fatídico destino da empreitada restaria selado do instante em que novos roteiristas procurassem explicar este ou aquele ponto, ambíguo no original. A arte não demanda preocupações com fórmulas ou motivos; para que nos arrebate, deve estar primordialmente conectada a recantos pouco acessíveis, até mesmo não inteiramente conhecidos de nossos corações. Os mais inspiradores filmes já feitos, tais como Kes, de Ken Loach, ou Rocky, tornaram-se icônicos justamente pela identificação a um nível todo pessoal que os milhões de pessoas que lhes assistiram e que tiraram dos mesmos lições para seguir em frente encontraram na experiência de vê-los. Ao escrever sobre tais lugares "não inteiramente conhecidos de nossos corações", ocorre-me que talvez esta seja, afinal de contas, a finalidade da arte: permitir-nos conhecê-los - os nossos corações - melhor.

Aos amigos que prestigiam o blog, faço votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Desejo-lhes um Natal de reencontro, união e confraternização, uma mesa farta e barulhenta, e talvez mais importante, que permaneça em foco a principal razão da festa: o aniversariante!Na mesma oportunidade, um 2014 de saúde, harmonia, felicidade, dignidade, investimento pessoal e sucesso profissional. Os amigos que amam a Sétima Arte e que são apaixonados pelo gênero têm muito pelo que esperar: no ano que vem, já há dois suspenses bastante promissores no horizonte - You're Next & The Sacrament. Ambos os filmes foram rodados pelo excelente time criativo por trás de V/H/S 1 & 2. You're Next é um suspense sobre uma família assaltada por três estranhos munidos de arco-e-flecha e protegidos por máscaras de ovelha, em uma enorme casa de campo isolada. Em um primeiro momento, os membros da família não sabem por que estão sendo assediados pelos assassinos, porém segredos revelados ao longo da história tornam o filme cada vez mais imprevisível. Fiquei impressionado com a revelação que ocorre a meio caminho de projeção, considerei abordar o assunto por aqui, porém deixemos para a minha resenha, em um futuro próximo!The Sacrament é o novo filme do diretor Ti West, cujo talento já conhecemos pelo seu excelente segmento "Second Honeymoon" da coletânea de horror V/H/S. O seu filme trata de dois jornalistas que documentam a busca de um rapaz, amigos deles, pela irmã desaparecida. A irmã era dependente de drogas e vivia às voltas com problemas. O trio descobre que ela superou a dependência e agora faz parte de uma comunidade religiosa, em algum país da América do Sul. Os jornalistas resolvem acompanhar o rapaz na viagem para reencontrar a irmã, e o que se segue é uma terrível jornada à escuridão, baseada no notório caso "Jonestown", que se deu em 1978, na Guiana. Para os amigos que não conhecem a história, recomendo que façam uma pesquisa online. Se tem um acontecimento que daria um eletrizante filme de horror, seria o do Reverendo Jim Jones, e agora Ti West trará às telas a sua versão dos eventos. Vamos ficar no aguardo!

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