domingo, 10 de março de 2013

Os Estranhos ("The Strangers", 2008): "Porque vocês estavam em casa..."


Olá, pessoal! Nesta oportunidade, tenho o prazer especial de tecer considerações sobre um dos meus filmes recentes preferidos, Os Estranhos. Estrelando Scott Speedman e Liv Tyler, Os Estranhos é um charmoso e nostálgico retorno ao horror dos anos 70, e foi dirigido por um novato muito talentoso chamado Bryan Bertino. O filme fez moderado sucesso nas bilheterias e a crítica o tomou pelo que de mais valoroso teve a oferecer – uma espécie de homenagem às produções de antigamente, quando, para se fazer um bom suspense, a atmosfera era praticamente metade do caminho, e a caracterização de personagens, a outra. Se os amigos prestarem atenção ao poster ao lado, a imagem os levará a crer que Os Estranhos se trata de algo datado, dirigido por algum daqueles famosos cineastas do gênero nos anos 70. Na verdade, do trabalho de arte do poster até à execução, esta foi a intenção do cineasta – a de resgatar o sentimento que os grandes diretores do passado conseguiam evocar em seu público, a de causar os mesmos arrepios sutis que os filmes antigos geravam, sem a necessidade de efeitos muito sofisticados ou de sanguinolência. O diretor Bryan Bertino alcançou o intento e realizou um feito louvável. A recepção ao filme parece ter se enquadrado firmemente entre dois polos, aqueles que o amam e os que o odeiam. Não há meio termo quanto a Os Estranhos. É muito importante destacar que aqui eu não estou desmerecendo a opinião de pessoas que não o apreciaram. Para alguns, a questão da movimentação da trama, do ritmo da ação, representa um caráter imprescindível a partir do qual a resposta que darão ao conjunto se baseará. Para outros, e eu faço parte deste grupo, o mais importante gira em torno de atmosfera, e se o diretor conseguiu provocar emoções fortes sem precisar exibir muito. Os Estranhos se encaixa na classe da atmosfera e do minimalismo, felizmente.

A Estória:

No começo do filme, somos apresentados a James e Kristen, os protagonistas, em silêncio e com expressões de constrangimento estampadas em seus rostos, aparentemente brigados, dentro do carro, esperando pelo semáforo em um cruzamento vazio qualquer, à noite, após uma festa de casamento de amigos. Por meio de flashbacks, o diretor nos explica a razão do estranhamento: é que James havia preparado todo o cenário para, na saída da festa, propor casamento e, depois, levá-la para um fim de semana de tranquilidade na casa de campo da família. Kristen, no entanto, acreditando que a proposta foi feita cedo demais, teve de dizer não. Claro que ela se sente culpada a respeito, porque jamais intencionou magoá-lo com a recusa. Apenas acredita que seria prematuro compromisso tão sério nesta altura do namoro. Quando chegam à casa de campo, romanticamente adornada para a celebração, vez que James acreditava que a parceira diria sim, os namorados voltam a conversar, apesar do constrangimento anterior, e não custam a fazer as pazes. A esta altura, quando se põem à vontade, é madrugada fechada. A casa de campo fica em um lugar bonito, porém isolado, tão afastado que, à noite, parece particularmente ermo. Depois da reconciliação, quando os dois estão se entendendo à mesa da sala de estar, alguém bate à porta. Os dois acham a situação muito estranha, contudo James vai verificar quem se encontra à porta. Para a surpresa do casal, encontram uma moça loira muito jovem, parada no alpendre. Não a enxergam bem, e quando James aviva a iluminação do alpendre por dentro, a lâmpada parece não responder ao comando. De toda sorte, a estranha pergunta se uma tal Tamara se encontra, e James lhe responde que ali não mora ninguém com o nome. A estranha insiste, “Tem certeza?”, ele diz sim, e a garota se despede “Nós nos veremos mais tarde”.

Uma pessoa que aparece na porta de sua afastada casa de campo a uma hora tão avançada na madrugada perguntando por alguém que não mora ali com um tom controlado e monocórdio típico de sociopatas seria motivo o suficiente para deixar qualquer um intrigado. Depois que a estranha parte, James e Kristen vão ao alpendre e descobrem que a lâmpada havia sido previamente desatarraxada, justamente para não responder quando tentassem ligá-la por dentro. Os dois voltam para dentro, ligeiramente enervados. James diz que apanhará a caminhonete para comprar cigarros e não deve demorar. Ainda com os nervos aflorados em razão do inusitado encontro anterior, Kristen pede que o companheiro retorne prontamente. Enquanto James se encontra fora, a garota loira regressa no alpendre, novamente perguntando se “Tamara se encontra em casa”. Logo, mais dois estranhos – uma mulher e um homem - se juntam à garota e começam a provocar Kristen, fazendo barulhos do lado de fora da casa, e escrevendo recados ameaçadores com batom, na face exterior das janelas. James retorna e encontra Kristen com os nervos em frangalhos. Pela janela, James enxerga a menina na estrada deserta distante, banhada pela luz amarelada frágil dos postes. Ele sai para procurar conversar, mas não há como reverter a situação. As linhas telefônicas foram cortadas, e as três pessoas mascaradas – duas mulheres e um homem – parecem ter marcado o casal para atormentá-los psicologicamente. Até que ponto estão dispostos a machucá-los é o que Kristen e James vão descobrir.

Pontos fortes:

Foram nas cenas mais quietas e sutis de Os Estranhos onde o diretor conseguiu criar momentos incômodos e arrepiantes. Na segunda metade do filme, quando o casal se vê sitiado no interior da propriedade, a marcha do ritmo é trocada e se torna mais iminente, todavia foi na primeira metade, quando o diretor limitou-se a criar atmosfera, que Os Estranhos mais prendeu a minha atenção, mais pareceu interessante. Do momento em que vemos os personagens principais no carro, esperando que o sinal abra no cruzamento vazio, ocorre-nos um inexplicável pressentimento de que algo ruim está em vias de se suceder. Quando a moça aparece no alpendre perguntando por informações, algo na interação entre a visitante e o casal faz os cabelos eriçarem. Trata-se de uma menina de aparência absolutamente comum, mas o modo como ela entoa a voz monocórdia, e pergunta se “Tamara está em casa?”, o modo como o casal consegue enxergar a sua fisionomia, saber que seus cabelos são loiros, porém não ver muito mais, permite que o seu sexto sentido - e o nosso - acuse que há alguma coisa errada em toda a situação. O que me pareceu inacreditável foi como, depois de uma surpresa semelhante, James se dispôs a deixar a casa, e a mulher sozinha, para comprar cigarros, bem no meio da madrugada!

Este é um filme sobre o que o medo faz com nosso julgamento. James tem um rifle em casa, e está bem albergado dentro da propriedade, mas os joguinhos psicológicos que os três mascarados impõem vão progressivamente minando a resistência do casal. Os visitantes não têm armas, apenas máscaras e a vontade ferrenha de atormentá-los. O casal toma decisões erradas e aparentemente estúpidas, todavia ao levarmos em conta a pressão mental a que estão sendo submetidos pelo trio de estranhos, perguntamo-nos o que teríamos feito dada a mesma situação.

Os Estranhos nos fala sobre como o medo nos coloca em um canto no qual não conseguimos pensar direito ou tomar as melhores decisões. Nestes moldes, vem-me a mente um extraordinário clássico de 1971, dirigido por Sam Peckinpah, chamado Straw Dogs. Em linhas gerais, Straw Dogs contava sobre um inteligente e pacato professor de matemática americano, que retorna com a esposa inglesa para a Grã-Bretanha, para a cidade natal da moça. Ali, a mulher reencontra um antigo ex-namorado, o hooligan local, e começa a flertar descaradamente com o sujeito. Bastante atraente, ela parece pouco valorizar o marido introvertido e pacifista. O professor de matemática interpretado por Dustin Hoffman é desrespeitado no curso do filme, pela esposa e pelos homens da vila, que o tomam como palerma. No entanto, é quando acontece uma situação adversa, próximo ao final, quando ele oferece guarida a um doente mental ameaçado de linchamento, os rapazes aparecem na porta exigindo que entregue o louco, e ele se nega, que o professor redescobre o valor como Homem e se posiciona diante dos hooligans, deixando claro quem manda ali. Quando os britânicos resolvem ganhar acesso à casa à força, descobrem que por trás da aparência cerebral e vulnerável do professor, existe um cão raivoso preparado para defender a si e suas posses. Dustin Hoffman usa das armadilhas mais engenhosas – e da mais pura violência – para derrotar os antagonistas. E mata a todos. Este magistral filme sobre o rito de passagem, quando o covarde finalmente se posiciona perante a vida e se torna Homem, e prova o seu valor diante dos valentões locais, fez-me repensar conceitos e compreender o que diferencia meninos de Homens. Assim como Os Estranhos, Straw Dogs discorria sobre como muitas vezes tão importante quanto tentar conviver pacificamente é defender ferozmente o seu território e princípios, estar preparado para o confronto que pode irromper a qualquer instante, e pronto para libertar o cão raivoso que de alguma maneira é inerente a todo Homem. Ah, e antes que eu me esqueça, sobre Straw Dogs: assistir a Dustin Hoffman executando friamente os hooligans é apoteótico, mas não chega a ser tão prazeroso quanto quando ao final, depois que mata os sete caras, escolhe pôr um ponto final no casamento e dispensa a mulher por quem um dia fora apaixonado e que o tratava como lixo, deixando-a sozinha para cumprir a sua sina de balzaca solitária e pílulas antidepressivas. Depois que ele matou os caras, eu pensei, Esse daí redescobriu a masculinidade; porém foi depois que ele deu o fora sem dó na megera e partiu deixando-a para trás, que eu conclui E agora, ele redescobriu a autoestima e a dignidade.

Atuações:

Os atores principais de Os Estranhos estão ótimos. Recentemente, eu vi o artista principal, Scott Speedman, e um outro filme chamado Para Sempre, uma estória romântica, sobre o desafio enfrentado por um jovem casal após um acidente automobilístico que a deixa sem memórias. Scott Speedman interpretava o ex-noivo rico da moça, que, aproveitando-se do fato de ela ter esquecido o seu grande amor, procura ganhá-la de volta. Em um papel secundário, Speedman tornou a sua participação muito interessante e agregou muito a Para Sempre. Naturalmente, Os Estranhos também deram performances extraordinárias, mesmo por trás de máscaras. No filme, vimos pouco da moça que aparece no alpendre. Depois, surgem vestindo máscaras esquisitas, e quase nada falam. O perfil silente e gélido do trio, a forma como quebram psicologicamente as vítimas, aos poucos, levam-me a pensar na analogia de gatos brincando com ratinhos assustados e encurralados. Os Estranhos são interpretados por Kip Weeks (o Homem), Gemma Ward (Dollface, a menina que aparece no alpendre antes da confusão) e Laura Margolis (Pin-Up Girl, a mais assustadora). Ao final do filme, não aprendemos muito sobre quem são aquelas pessoas por trás das máscaras. Penso que os três poderiam compor uma espécie de família que já vinha cometendo homicídios semelhantes ao longo dos anos. Pin-Up Girl parece uma mulher mais madura, de seus quarenta e poucos, neste contexto poderíamos tomá-la como a mãe; Dollface, a filha adolescente em sua primeira matança; o Homem, o pai. Caso os amigos tenham ficado curiosos, eis os atores por trás das máscaras:



 Considerações finais:

O diretor Bryan Bertino merece nossos aplausos pela realização de Os Estranhos. Utilizou uma premissa comum e batida, e a partir da mesma, construiu um filme diferenciado e atraente, altamente atmosférico e sinistro, incômodo ao nos fazer pensar que, no mundo, há pessoas capazes de fazer o mal aos semelhantes por nenhum motivo aparente. No final, quando a jovem pergunta aos três por que estão fazendo aquilo com os dois, a resposta vem nestas linhas “Porque vocês estavam em casa”. Os Estranhos provavelmente continuarão a jogar com os incautos, até o dia em que baterem à porta do professor de matemática errado.

sábado, 9 de março de 2013

Jogos Mortais ("Saw", 2004): Que comecem os jogos!


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, eu estarei falando sobre Jogos Mortais, o suspense independente de 2004 realizado com orçamento modesto, que surpreendeu nas bilheterias, e revelou o talento do diretor James Wan, que mais recentemente fez Sobrenatural. Jogos Mortais e Jigsaw se tornaram tão populares, renderam tantas continuações, que após todo o sucesso, recaiu sobre o primeiro a mesma sina que se abate sobre outro extraordinário filme, Hellraiser: de alguma forma, a superexposição dos originais e o fato de os produtores terem procurado aproveitar ao máximo o que podiam drenar da ideia principal permitiram que continuações cada vez mais desnecessárias fossem se sucedendo ano a ano, deixando lembranças negativas que injustamente acabaram por impactar o primeiro, que todos parecem esquecer. Sobre a questão da superexposição, vem-me à mente o primeiro A Bruxa de Blair. Recordo-me que quando o filme foi lançado nos cinemas, em 1999, as pessoas saiam realmente sacudidas pela experiência. Parecia bastante real – muitas pessoas acreditavam que o trio de cineastas tinha se perdido mesmo na floresta, e depois mortos – e as resenhas o enalteciam pela criatividade, já que os criadores eram adeptos da tese de que é justamente aquilo que você não exibe ou enxerga que mais assusta. A única coisa mais apavorante que a bruxa te agarrando é, paradoxalmente, a ausência da bruxa. Não se enxergar a bruxa em meio a escuridão, mas apenas sentir que está por ali, à espreita, fazendo barulhos e guerra psicológica, parece muito mais angustiante. Alguns anos mais tarde, depois do celeuma do lançamento, e de uma péssima continuação, as pessoas voltaram-se contra A Bruxa de Blair. Um interessante filme de horror experimental acabou estigmatizado, vítima de seu próprio sucesso repentino e inesperado.

A série Jogos Mortais tornou-se sinônimo de criativas cenas de armadilhas, que vieram a se tornar o ponto alto das continuações, no entanto, as pessoas tendem a se esquecer que foi justamente no primeiro em que os testes de Jigsaw mereceram menos importância do que a estória de seus protagonistas. Aqui, o foco permanece na trama, e nos desdobramentos que a levam até a conclusão, onde tudo se explica. Sim, há cenas de armadilhas, porém os personagens parecem mais críveis e importantes do que o espetáculo de terror representado pelos testes de Jigsaw. Talvez não por menos, as continuações, gradativamente inferiores, por se basearem exclusivamente em valor de choque, não foram dirigidas por James Wan. Dois homens comuns, o oncologista Dr. Gordon, interpretado por Cary Elwes, e o fotógrafo Adam interpretado por Leigh Whannell, acordam em um banheiro abandonado, semelhante aos de rodoviária, presos na altura do tornozelo por correntes atreladas ao sistema de encanamento. Entre os dois, há o corpo de um terceiro homem, que aparentemente cometeu suicídio, e um gravador. Os dois estranhos descobrem fitas nos seus bolsos, com instruções de como jogar. Por uma série de flashbacks, o filme nos apresenta mais sobre o passado dos dois homens no banheiro, e por que parecem ter sido escolhidos pelo temível assassino a quem a imprensa batizou de Jigsaw. O ardiloso assassino jamais foi apanhado, apesar dos incansáveis esforços dos dois policiais dedicados ao caso, interpretados por Danny Glover e Ken Leung. O modus operandi leva Gordon a crer que ambos estão em um jogo arquitetado pela mesma mente doentia.

O que apreciei neste filme foi a habilidade que o diretor revelou ao entrecortar a estória principal com a intervenção de flashbacks e explicações que momentaneamente arrancam o filme do claustrofóbico ambiente em que o jogo se dá, e constroem o todo da estória, onde as partes são muito importantes e, somadas, dão sentindo ao conjunto. Nada é revelado antes da hora, e o diretor James Wan consegue manter a trama em curso sem jamais fornecer ou esconder demais, sustentando o ritmo até à surpreendente revelação final. Os personagens são bem esmiuçados, e as motivações parecem realistas. Surpreendentemente, o motivo de Jigsaw parece nobre: pôr em teste pessoas que não valorizam suas vidas, para que à custa de terríveis sacrifícios pessoais superem as armadilhas e as próprias limitações, e saiam vivas com a lição da gratidão. Assim como mostraria nos filmes seguintes, o diretor James Wan sabe como extrair grandes atuações de seus atores. Danny Glover e Ken Leung se destacam entre os demais, como Tapp e Sing, os dois tiras parceiros dedicados a descobrir a identidade de Jigsaw. Depois que chegam muito próximos do assassino, a ponto de inclusive rendê-lo, os dois se distraem por um segundo, o bastante para que Sing seja destroçado por uma inesperada armadilha, Jigsaw escape e Tapp saia dos trilhos, abandonando a força para se vingar com as próprias mãos. A bonita atriz veterana Shawnee Smith, presença fácil de filmes de horror e comédias dos anos 80, dá uma performance memorável, com uma personagem que, posteriormente, no decurso da série, viria a se tornar mais importante. A sua personagem, Amanda, é uma ex-dependente química e acometida pela horrível Síndrome de Estocolmo, única sobrevivente das armadilhas de Jigsaw, que acredita que somente superou o vício e passou a valorizar a vida por causa do que sofreu nas mãos do assassino. A breve cena com Amanda compartilhando com os investigadores o seu encontro e declarando amor por Jigsaw, pelo fato de considerá-lo o homem que a livrou da depressão e dependência é o grande momento do filme, aquele de eriçar os cabelos. Você não sabe pelo que lamentar mais, o fato de ela ter passado por uma experiência tão traumática ou as sequelas psicológicas que levou consigo após o sequestro, reveladas na Síndrome de Estocolmo, quando a vítima de uma enorme violência ou horror se apaixona perdidamente pelo algoz. Eu me lembro de um outro suspense psicológico que explorou a questão de maneira muito elegante, chamado Poughkeepsie Tapes. Este filme, Poughkeepsie Tapes, jamais foi lançado no Brasil, mas fez tanto sucesso pelos Estados Unidos que os dois diretores, John Erick & Drew Dowdle foram convidados para dirigir o sucesso Quarentena, a refilmagem do excelente suspense espanhol [REC]. Ainda sobre a personagem, uma curiosidade: o diretor James Wan contou que admirava esta atriz em particular, desde os anos 80, quando ela atuava naquelas comédias e slasher movies e ele ainda era um rapaz, e na época prometeu a si mesmo que se um dia se tornasse diretor de filmes, escreveria um papel para a sua artista preferida. O resultado foi a Amanda de Jogos Mortais.

Jogos Mortais foi o filme que inaugurou toda uma nova tendência para Hollywood, nos mesmos moldes de Hellraiser, o filme de Clive Barker. Jogos Mortais soprou novo fôlego aos filmes sobre serial killers; Hellraiser foi o filme britânico pelo qual ninguém esperava, e que, com as suas ideias sobre o quanto dor e prazer parecem faces da mesma moeda, propôs um novo estilo de horror, com personagens de profundidade, onde o surreal e o bizarro confundem-se facilmente com sentimentos bastante humanos e familiares, tais como cobiça, desejo e amores não correspondidos, e muitas vezes onde os monstros e o grotesco podem ser os bons - e os normais, os maus. Em comum, os dois sacudiram o gênero, porém, lamentavelmente, as continuações perderam o espírito, a essência do original. Costumo frisar que a única sequência de Hellraiser que guarda o erotismo, o fetichismo, o horror incomum e surreal do primeiro, é Hellraiser II – Renascido das Trevas (Hellbound: Hellraiser II). Ambos os filmes foram rodados no Reino Unido, e Clive Barker esteve envolvido na concepção e filmagem de ambos. Depois que os direitos sobre a obra foram vendidos a produtores norte-americanos, e o desgostoso Clive Barker saltou fora, a série virou uma sucessão de bobagens que nada têm a ver com a fonte original The Hellbound Heart. No caso de Jogos Mortais, apenas uma sequência me pareceu à altura do original, Jogos Mortais 6. Todas as demais continuações não merecem mais do que serem descartadas sem cerimônia.

Quero lembrar aos amigos que, hoje, é muito fácil encontrar o DVD de Jogos Mortais. Nas grandes lojas tais como Americanas você pode levar o filme por módicos R$ 15,00, quantia justa quando se leva em conta o excelente valor, o cuidado com que a Paris Filmes o tratou. Há extras, trailers, e a arte da caixa ficou fantástica, uma acertada compra para os fãs de horror. Ainda, recomendo que procurem por Poughkeepsie Tapes. Encontrá-lo integralmente na internet é fácil, infelizmente não sei de versões com legendas em português. Poughkeepsie Tapes é apresentado como um documentário, uma espécie de “episódio especial” do extinto Linha Direta, sobre um assassino serial que vem brutalizando e desmembrando mulheres ao longo das décadas, sem que a polícia jamais consiga chegar perto de sua identidade. Ao longo dos anos, ele forja provas que erroneamente levam os investigadores a um policial, que inclusive chega a ser executado por injeção letal, apenas para se descobrir posteriormente que não era o referido assassino. Assim como em Jogos Mortais, ele deixa uma sobrevivente, uma moça abduzida anos antes, mantida em cárcere, que ao retornar à vida, não consegue mais se adaptar em face da ausência do psicopata por quem veio a se apaixonar. O formato de documentário de Poughkeepsie Tapes, que faz crer que tudo o que se vê é um caso real torna a experiência ainda mais arrepiante.

Ao final desta resenha, reforço o valor de Jogos Mortais como uma excelente pedida de suspense/horror, albergada pelo suporte de atuações inspiradas, roteiro bem amarrado e original e, principalmente, a visão de um cineasta que veio para oferecer algo a mais a todos nós que curtimos este tipo de espetáculo. Eu me sinto seguro em afirmar que o nome de James Wan merece figurar ao lado de tantos outros diretores de cinema que tocaram a minha vida de maneira incomum, e me inspiraram a me expressar através da escrita, a quem aprendi a amar, a quem devo os melhores momentos de minha infância/adolescência, crescendo: David Cronenberg, John Boorman, John Frankenheimer, Brian De Palma, Dario Argento e, principalmente, o maior dos maiores, o Sr. Clive Barker. Espero um dia escrever um post onde poderei falar por que os amo tanto, mas fica para a próxima. Por ora, convido-os a Jogar os Jogos Mortais do excelente James Wan.