sábado, 9 de março de 2013

Jogos Mortais ("Saw", 2004): Que comecem os jogos!


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, eu estarei falando sobre Jogos Mortais, o suspense independente de 2004 realizado com orçamento modesto, que surpreendeu nas bilheterias, e revelou o talento do diretor James Wan, que mais recentemente fez Sobrenatural. Jogos Mortais e Jigsaw se tornaram tão populares, renderam tantas continuações, que após todo o sucesso, recaiu sobre o primeiro a mesma sina que se abate sobre outro extraordinário filme, Hellraiser: de alguma forma, a superexposição dos originais e o fato de os produtores terem procurado aproveitar ao máximo o que podiam drenar da ideia principal permitiram que continuações cada vez mais desnecessárias fossem se sucedendo ano a ano, deixando lembranças negativas que injustamente acabaram por impactar o primeiro, que todos parecem esquecer. Sobre a questão da superexposição, vem-me à mente o primeiro A Bruxa de Blair. Recordo-me que quando o filme foi lançado nos cinemas, em 1999, as pessoas saiam realmente sacudidas pela experiência. Parecia bastante real – muitas pessoas acreditavam que o trio de cineastas tinha se perdido mesmo na floresta, e depois mortos – e as resenhas o enalteciam pela criatividade, já que os criadores eram adeptos da tese de que é justamente aquilo que você não exibe ou enxerga que mais assusta. A única coisa mais apavorante que a bruxa te agarrando é, paradoxalmente, a ausência da bruxa. Não se enxergar a bruxa em meio a escuridão, mas apenas sentir que está por ali, à espreita, fazendo barulhos e guerra psicológica, parece muito mais angustiante. Alguns anos mais tarde, depois do celeuma do lançamento, e de uma péssima continuação, as pessoas voltaram-se contra A Bruxa de Blair. Um interessante filme de horror experimental acabou estigmatizado, vítima de seu próprio sucesso repentino e inesperado.

A série Jogos Mortais tornou-se sinônimo de criativas cenas de armadilhas, que vieram a se tornar o ponto alto das continuações, no entanto, as pessoas tendem a se esquecer que foi justamente no primeiro em que os testes de Jigsaw mereceram menos importância do que a estória de seus protagonistas. Aqui, o foco permanece na trama, e nos desdobramentos que a levam até a conclusão, onde tudo se explica. Sim, há cenas de armadilhas, porém os personagens parecem mais críveis e importantes do que o espetáculo de terror representado pelos testes de Jigsaw. Talvez não por menos, as continuações, gradativamente inferiores, por se basearem exclusivamente em valor de choque, não foram dirigidas por James Wan. Dois homens comuns, o oncologista Dr. Gordon, interpretado por Cary Elwes, e o fotógrafo Adam interpretado por Leigh Whannell, acordam em um banheiro abandonado, semelhante aos de rodoviária, presos na altura do tornozelo por correntes atreladas ao sistema de encanamento. Entre os dois, há o corpo de um terceiro homem, que aparentemente cometeu suicídio, e um gravador. Os dois estranhos descobrem fitas nos seus bolsos, com instruções de como jogar. Por uma série de flashbacks, o filme nos apresenta mais sobre o passado dos dois homens no banheiro, e por que parecem ter sido escolhidos pelo temível assassino a quem a imprensa batizou de Jigsaw. O ardiloso assassino jamais foi apanhado, apesar dos incansáveis esforços dos dois policiais dedicados ao caso, interpretados por Danny Glover e Ken Leung. O modus operandi leva Gordon a crer que ambos estão em um jogo arquitetado pela mesma mente doentia.

O que apreciei neste filme foi a habilidade que o diretor revelou ao entrecortar a estória principal com a intervenção de flashbacks e explicações que momentaneamente arrancam o filme do claustrofóbico ambiente em que o jogo se dá, e constroem o todo da estória, onde as partes são muito importantes e, somadas, dão sentindo ao conjunto. Nada é revelado antes da hora, e o diretor James Wan consegue manter a trama em curso sem jamais fornecer ou esconder demais, sustentando o ritmo até à surpreendente revelação final. Os personagens são bem esmiuçados, e as motivações parecem realistas. Surpreendentemente, o motivo de Jigsaw parece nobre: pôr em teste pessoas que não valorizam suas vidas, para que à custa de terríveis sacrifícios pessoais superem as armadilhas e as próprias limitações, e saiam vivas com a lição da gratidão. Assim como mostraria nos filmes seguintes, o diretor James Wan sabe como extrair grandes atuações de seus atores. Danny Glover e Ken Leung se destacam entre os demais, como Tapp e Sing, os dois tiras parceiros dedicados a descobrir a identidade de Jigsaw. Depois que chegam muito próximos do assassino, a ponto de inclusive rendê-lo, os dois se distraem por um segundo, o bastante para que Sing seja destroçado por uma inesperada armadilha, Jigsaw escape e Tapp saia dos trilhos, abandonando a força para se vingar com as próprias mãos. A bonita atriz veterana Shawnee Smith, presença fácil de filmes de horror e comédias dos anos 80, dá uma performance memorável, com uma personagem que, posteriormente, no decurso da série, viria a se tornar mais importante. A sua personagem, Amanda, é uma ex-dependente química e acometida pela horrível Síndrome de Estocolmo, única sobrevivente das armadilhas de Jigsaw, que acredita que somente superou o vício e passou a valorizar a vida por causa do que sofreu nas mãos do assassino. A breve cena com Amanda compartilhando com os investigadores o seu encontro e declarando amor por Jigsaw, pelo fato de considerá-lo o homem que a livrou da depressão e dependência é o grande momento do filme, aquele de eriçar os cabelos. Você não sabe pelo que lamentar mais, o fato de ela ter passado por uma experiência tão traumática ou as sequelas psicológicas que levou consigo após o sequestro, reveladas na Síndrome de Estocolmo, quando a vítima de uma enorme violência ou horror se apaixona perdidamente pelo algoz. Eu me lembro de um outro suspense psicológico que explorou a questão de maneira muito elegante, chamado Poughkeepsie Tapes. Este filme, Poughkeepsie Tapes, jamais foi lançado no Brasil, mas fez tanto sucesso pelos Estados Unidos que os dois diretores, John Erick & Drew Dowdle foram convidados para dirigir o sucesso Quarentena, a refilmagem do excelente suspense espanhol [REC]. Ainda sobre a personagem, uma curiosidade: o diretor James Wan contou que admirava esta atriz em particular, desde os anos 80, quando ela atuava naquelas comédias e slasher movies e ele ainda era um rapaz, e na época prometeu a si mesmo que se um dia se tornasse diretor de filmes, escreveria um papel para a sua artista preferida. O resultado foi a Amanda de Jogos Mortais.

Jogos Mortais foi o filme que inaugurou toda uma nova tendência para Hollywood, nos mesmos moldes de Hellraiser, o filme de Clive Barker. Jogos Mortais soprou novo fôlego aos filmes sobre serial killers; Hellraiser foi o filme britânico pelo qual ninguém esperava, e que, com as suas ideias sobre o quanto dor e prazer parecem faces da mesma moeda, propôs um novo estilo de horror, com personagens de profundidade, onde o surreal e o bizarro confundem-se facilmente com sentimentos bastante humanos e familiares, tais como cobiça, desejo e amores não correspondidos, e muitas vezes onde os monstros e o grotesco podem ser os bons - e os normais, os maus. Em comum, os dois sacudiram o gênero, porém, lamentavelmente, as continuações perderam o espírito, a essência do original. Costumo frisar que a única sequência de Hellraiser que guarda o erotismo, o fetichismo, o horror incomum e surreal do primeiro, é Hellraiser II – Renascido das Trevas (Hellbound: Hellraiser II). Ambos os filmes foram rodados no Reino Unido, e Clive Barker esteve envolvido na concepção e filmagem de ambos. Depois que os direitos sobre a obra foram vendidos a produtores norte-americanos, e o desgostoso Clive Barker saltou fora, a série virou uma sucessão de bobagens que nada têm a ver com a fonte original The Hellbound Heart. No caso de Jogos Mortais, apenas uma sequência me pareceu à altura do original, Jogos Mortais 6. Todas as demais continuações não merecem mais do que serem descartadas sem cerimônia.

Quero lembrar aos amigos que, hoje, é muito fácil encontrar o DVD de Jogos Mortais. Nas grandes lojas tais como Americanas você pode levar o filme por módicos R$ 15,00, quantia justa quando se leva em conta o excelente valor, o cuidado com que a Paris Filmes o tratou. Há extras, trailers, e a arte da caixa ficou fantástica, uma acertada compra para os fãs de horror. Ainda, recomendo que procurem por Poughkeepsie Tapes. Encontrá-lo integralmente na internet é fácil, infelizmente não sei de versões com legendas em português. Poughkeepsie Tapes é apresentado como um documentário, uma espécie de “episódio especial” do extinto Linha Direta, sobre um assassino serial que vem brutalizando e desmembrando mulheres ao longo das décadas, sem que a polícia jamais consiga chegar perto de sua identidade. Ao longo dos anos, ele forja provas que erroneamente levam os investigadores a um policial, que inclusive chega a ser executado por injeção letal, apenas para se descobrir posteriormente que não era o referido assassino. Assim como em Jogos Mortais, ele deixa uma sobrevivente, uma moça abduzida anos antes, mantida em cárcere, que ao retornar à vida, não consegue mais se adaptar em face da ausência do psicopata por quem veio a se apaixonar. O formato de documentário de Poughkeepsie Tapes, que faz crer que tudo o que se vê é um caso real torna a experiência ainda mais arrepiante.

Ao final desta resenha, reforço o valor de Jogos Mortais como uma excelente pedida de suspense/horror, albergada pelo suporte de atuações inspiradas, roteiro bem amarrado e original e, principalmente, a visão de um cineasta que veio para oferecer algo a mais a todos nós que curtimos este tipo de espetáculo. Eu me sinto seguro em afirmar que o nome de James Wan merece figurar ao lado de tantos outros diretores de cinema que tocaram a minha vida de maneira incomum, e me inspiraram a me expressar através da escrita, a quem aprendi a amar, a quem devo os melhores momentos de minha infância/adolescência, crescendo: David Cronenberg, John Boorman, John Frankenheimer, Brian De Palma, Dario Argento e, principalmente, o maior dos maiores, o Sr. Clive Barker. Espero um dia escrever um post onde poderei falar por que os amo tanto, mas fica para a próxima. Por ora, convido-os a Jogar os Jogos Mortais do excelente James Wan.

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