domingo, 16 de dezembro de 2012

Chernobyl - Sinta a Radiação.


Olá, pessoal. Gostaria de falar sobre um filme de horror recente que usou como plano de fundo a maior catástrofe nuclear de que se tem notícia. Ironicamente, enquanto o filme possa ser considerado muito bom e divertido, a verdadeira história do desastre ocorrido às 01:23 da madrugada do dia 26 de abril de 1986 e os eventos a seguir são bem mais apavorantes do que qualquer produção faria supor. Inicialmente, permitam-me falar de Chernobyl – Sinta a Radiação, produzido pelo mesmo time por trás de Atividade Paranormal.

Em Chernobyl – Sinta a Radiação, três jovens norte-americanos (um rapaz chamado Chris, a sua namorada Natalie e a amiga Amanda) estão excursionando pela Europa, divertindo-se pelos pontos mais encantadores do Velho Mundo. O filme abre com uma montagem do trio, celebrando em meio aos monumentos mais notórios da Europa, tais como o Arco do Triunfo e o Big Bang. Na última porção da da viagem, o trio chega à Ucrânia, para visitar Paul, o irmão de Chris. A química deste quarteto é imediata: todos estão tendo a diversão de suas vidas, e Paul se interessa por Amanda. No dia seguinte, Paul explica que conhece um guia turístico para aventuras radicais, e antes que partam para Moscou, sugere um passeio especial. Os australianos Michael e Zoe se unem ao quarteto para o passeio.

Eu me lembro de uma reportagem que assisti, em um canal de TV, quase por acaso, tarde da noite. Abri a TV, comecei a assistir e não pude mais parar. Uma equipe visitava a cidade de Prypiat, fundada em 1970 para acolher os trabalhadores da usina nuclear Vladimir Ilich Lenin. Quando na madrugada do sábado dia 26 de abril de 1986 o Reator Número 4 explodiu, após um teste mal sucedido, os cidadãos tiveram de deixar as suas casas e vidas para trás. Inicialmente, Prypiat serviu como base para o pessoal destacado por Moscou para refrear a gravidade do acidente, todavia alguns anos mais tarde foi completamente abandonada. Prypiat encontra-se inserida dentro da Zona, uma área com raio de trinta quilômetros ao redor do epicentro da explosão nuclear, uma região deserdada pela vida, em estado de suspensão, uma versão moderna de Pompeia.

Hoje, vinte e seis anos após aquela fatídica madrugada em 26 de abril de 1986, agora que a União Soviética é apenas uma recordação, o governo da Ucrânia autoriza passeios turísticos monitorados à Zona, por algumas horas. Quando Uri, o guia, leva o grupo para as cercanias de Prypiat, os soldados no posto lhe explicam que visitas à cidade estão momentaneamente suspensas, por razões confidenciais. Inconformado, Uri se utiliza de uma rota alternativa para alcançar a cidade dos antigos trabalhadores de Chernobyl. Durante o passeio, Uri explica o que aconteceu no lugar, à época do desastre, quando os moradores tiveram de pegar as suas coisas e partir em centenas e centenas de ônibus, sob a promessa de que ficariam apenas três dias longe de casa, quando na verdade jamais retornariam.

Na história real, quando do acidente, o reator começou a expelir material radioativo tal qual um maçarico gigantesco. A estupidez das autoridades locais em não compreender a dimensão do acidente significou que a evacuação somente foi se dar trinta e seis horas após a explosão, quando por todo o sábado e parte do domingo os cidadãos já haviam sido bombardeados por todo aquele material venenoso. Sim, existiam boatos sobre chamas em um dos reatores da usina, porém a insistência dos soviéticos em manter as aparências significou mentir descaradamente aos cidadãos, ao custo de suas saúdes. Somente às 02:00 da tarde no Domingo, as autoridades iniciaram os trabalhos. Ainda hoje, é possível encontrar no sítio Youtube imagens dos trabalhos e do aviso que entrou nos sistemas de emergência de Prypiat. É material de arrepiar os cabelos da nuca, como uma cena aterrorizante de Resident Evil, sendo que se trata de vida real.

Durante o passeio do grupo pelos condomínios abandonados, o diretor nos presenteia com a melhor cena de susto, que envolve a inesperada aparição de um urso. Depois que as pessoas partiram, os animais selvagens tornaram os prédios novo lar. A alegria dos rapazes dura pouco, pois quando começa a escurecer e eles regressam ao transporte, veem que os circuitos foram destroçados. Inicialmente, Uri considera passarem a noite trancados na van, até a manhã seguinte. Caminhar até o posto militar à noite é arriscado, vez que a distância a ser coberta é enorme, e há a presença de lobos no bosque. Para a sua surpresa, nem mesmo na van se veem a salvo, pois logo começam a ser atacados por presenças misteriosas. Os lobos e a radiação são a última coisa com que terão de se preocupar, já que mutantes canibais estão à espreita prontos para devorá-los.

Chernobyl – Sinta a Radiação é muito bem executado, e de certa forma traz um formato já explorado muito bem anteriormente com Viagem Maldita (The Hills Have Eyes, 2006), do diretor Alexandre Aja. A seu favor, há a questão do cenário em que se desenrola. Aparentemente, Chernobyl já inspirou designers de jogos a desenvolverem toda sorte de games envolvendo a Zona, porém cineasta algum rodou um filme acerca do assunto. Chernobyl – Sinta a Radiação não explora a história da catástrofe, mas ao menos faz uso da mesma como ponto de partida para o suspense. Desta forma, o diretor Bradley Parker já ganha ponto por originalidade. Situar a estória de turistas desesperados em meio a uma região onde não há a menor perspectiva de resgate faz com que estes tenham de se salvar pelo próprio mérito. Quando durante a noite Uri desaparece, Chris é mordido por lobos ao tentar encontrá-lo, e o grupo se vê preso dentro da van como a única forma de proteção contra a hostilidade externa. A situação parece fadada à tragédia. Além da questão da radiação, existe a urgência de deixar imediatamente o lugar pelo fato de que Chris foi mordido por lobos selvagens e precisa de tratamento, especificamente o regime antirrábico de vacinas.

A situação exasperante somente escala para maiores problemas. Quando aqueles capazes de andar chegam a uma sucata que guarda uma infinidade de veículos abandonados usados durante a crise em 1986, descobrem marcas de balas nas ferragens. Pessoas já estiveram por ali, e provavelmente foram atacadas por alguma força desconhecida, tendo reagido com fogo. Antes do anoitecer, o grupo retorna para a van, porém a encontra revirada, e sem sinal de Natalie ou Chris. Logo, os sobreviventes estão sendo atacados por mutantes, e buscam sobreviver em uma fuga caótica pelo labirinto de blocos da usina nuclear.

O filme jamais mostra os mutantes em maiores detalhes. Eles avançam sobre o grupo como zumbis. De certa forma, Chernobyl – Sinta a Radiação me fez pensar em outros clássicos de sobrevivência, tais como Madrugada dos Mortos e Extermínio, com um grupo de pessoas comuns que precisam aprender a se salvar, e um mal maciço que ataca implacavelmente sem se deter. Não há novidades aqui, vez que esta fórmula já foi muito utilizada. Este é o ponto fraco do filme, pois depois que a ênfase em Chernobyl sai de cena, perde o fôlego, o que não diminui a importância de sua excelente primeira hora.

Espero que a história de Chernobyl faça mais do que servir como plano de fundo para jogos ou filmes de horror, e se torne o foco de uma produção caprichosa. A literatura dedicada aos eventos em 1986 me mostrou que a explosão do reator, as consequências imediatas para as pessoas comuns da Bielorrússia e da Ucrânia, que tiveram de ser remanejadas imediatamente, e as posteriores, para o restante da Europa, com o aumento absurdo de casos de câncer, especificamente câncer de tireoide, representam um horror incomensurável, impróprio de ser medido, tamanha a sua envergadura. Muitos documentários foram produzidos, e podem ser acessados no Youtube, entre eles Hora Zero Chernobyl e O Desastre de Chernobyl. São documentários que retratam com fidelidade o significado de tudo aquilo que estava acontecendo na então União Soviética, quando o mundo ficou refém do vazamento de material radioativo e, pior, da ameaça de uma segunda explosão que, se tivesse acontecido, teria vaporizado Minsk e Kiev, e tornado a vida na Europa impossível. Foi o sacrifício de homens comuns que evitou o pior. Os chamados “liquidadores” tinham as suas vidas drenadas de seus corpos pela radiação, mas seguiam limpando o teto do material radioativo, por vezes carregando os pedaços de grafite com as próprias mãos. Armadas de helicópteros se sucediam no céu, arremessando chumbo e areia no reator destruído, visando a refrear o vazamento de radionuclídeos. Um dos helicópteros bateu a cauda em um andaime, e despencou direto para dentro do reator. Pessoas passavam mal e chegavam ao hospital vomitando. Era o sinal da contaminação da radiação, que os queimaria por dentro até a morte.

Aqueles que não morreram imediatamente tiveram destinos cruéis. Os homens que voltaram para casa após a construção do sarcófago, a estrutura gigantesca que cobriu o reator 4, foram abandonados pelas suas mulheres, que não queriam se arriscar a ter filhos com mutações provocadas pelo Césio-137. Outros desenvolveram câncer. A nuvem radioativa chegou a alcançar o Sul da França, deixando um rastro de morte no caminho, e sobrevive até hoje em solos e animais, ao redor do mundo. O governo soviético chegou a gastar oitenta bilhões de rublos, o equivalente a oitenta bilhões de dólares, com a contenção e o tratamento das vítimas de Chernobyl. Alguns anos mais tarde, a União Soviética entrou em colapso e desmoronou com o Muro de Berlim. Piers Paul Read, em sua obra Ablaze The Story of the Heroes and the Victims of Chernobyl, nos explica que não há de se falar em um culpado apenas na tragédia. Sim, é verdade que foi o engenheiro chefe Anatoli Dyatlov quem insistiu no prosseguimento dos testes, mesmo com o reator em estado crítico, e sem as barras de controle inseridas no mesmo, o que veio a causar a explosão posterior, porém Anatoli era um produto do estilo soviético que vigorava à época – resultados a qualquer custo, corte nas despesas com segurança, a prepotência de que o homem domina a tecnologia nuclear. O modo soviético de administrar criou contradições que se somaram a arrogância e miopia individuais para causar o derretimento nuclear e o fim de uma era.

Simultaneamente, há coisas belíssimas a se pinçar de Chernobyl. Quando o sarcófago ficou pronto, alguns homens subiram a enorme chaminé que dava para o Reator 4, e hastearam a bandeira da União Soviética. Ali embaixo, centenas de trabalhadores se abraçavam e erguiam os braços em vitória e triunfo, registrando os seus nomes na tampa. O fotógrafo Igor Kostin diz que hastear a bandeira ali na chaminé guardava o mesmo significado e a mesma envergadura de quando os valentes soldados soviéticos haviam hasteado a bandeira no Reichstag, após a tomada de Berlim e a derrota dos nazistas, na Segunda Grande Guerra. É uma cena linda e real, exibida no documentário do Discovery Channel A Batalha de Chernobyl. Mesmo em meio à hora mais sombria de uma nação, as imagens nos lembram dos valores verdadeiramente importantes na vida – a solidariedade, a coragem, o amor ao próximo, a ausência de egoísmos. A bandeira tremulante que marcou a vitória sobre a radioatividade por aquela gente sofrida, pobre e humilde retrata a faceta mais bela do indômito espírito humano.

Quanto ao filme em análise, concluo que apesar de seus pontos fracos, os fortes os sobrepõem. O principal mérito de Chernobyl – Sinta a Radiação é reacender o debate sobre a mais aterrorizante catástrofe natural do século XX. Os eventos que se deram na usina Vladimir Ilich Lenin, em 26 de abril de 1986, e a batalha que seguiu, merecem um tratamento realista e responsável por um grande diretor. David Cronenberg emprestaria visões espetaculares ao assunto. Só nos resta torcer para que, um dia, Chernobyl se torne uma produção cinematográfica de primeira. O mais incrível é que, seja como for, qualquer filme que aborde o tema de forma realista, responsável e honesta será muito mais apavorante do que qualquer fantasia de horror imaginada por Hollywood. A realidade é mais estranha – e perversa – do que a mais delirante das ficções. 
Todos os direitos autorais reservados a Warner Brothers. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

A Entidade - existe coisa mais sinistra do que velhos filmes Super 8?


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, trago para vocês a minha opinião sobre A Entidade, o mais recente filme de horror produzido pelos mesmos profissionais por trás da execução do excelente Insidious. A Entidade (Sinister) é dirigido por Scott Derrickson e estrelado por Ethan Hawke. Eu conheço o trabalho deste diretor há algum tempo, mesmo antes de ter rodado O Exorcismo de Emilly Rose e O Dia em Que a Terra Parou. Um dos filmes sobre os quais eu falei neste blog, e a que amo profundamente, foi Hellraiser. Na minha resenha, expliquei que Hellraiser gerou apenas uma continuação digna de nota, Hellbound: Hellraiser II, todavia gostaria de aproveitar a oportunidade para fazer um adendo. Scott Derrickson dirigiu Hellraiser Inferno, em 1999, e de todas as sequências após Hellbound: Hellraiser II, sua contribuição foi a única digna de nota e que ofereceu algo a mais em termos de atmosfera e narrativa. Tratava da estória de um tira truculento e corrupto à caça de um serial killer chamado “Engenheiro”, e que ao longo do caminho deparava-se com pistas inexplicáveis e a configuração da lamentação. O filme não foi bem recebido pela crítica, sob a acusação de que em nada fazia lembrar a obra literária de Clive Barker. De fato, Hellraiser Inferno traz pouco das ideias bizarras de Barker, porém, como uma produção tomada individualmente, pode ser considerada um thriller noir de sacadas interessantes e muito bem executadas. Já ali, em 1999, via-se que este cineasta Scott Derrickson alçaria voos maiores. A Entidade consiste neste voo maior. É um filme de horror estiloso e cheio de mistérios a desvendar.

A Entidade conta a aventura de um escritor (Ethan Hawke) cujo último trabalho bem sucedido se deu há mais de dez anos. Desde então, enfrenta o ócio criativo e procura resistir ao álcool. O casamento não vai muito bem, e é perceptível a tensão entre marido e mulher. É quando se muda para uma nova cidade, com a esposa e os dois filhos, para uma residência cenário de um terrível homicídio, que a paixão por escrever e investigar renasce com força total. A família que morou na casa foi enforcada na árvore do jardim, e a filha menor desapareceu misteriosamente. Ellison, o escritor, encontra uma caixa com rolos de filmes caseiros, no sótão. Os filmes trazem imagens amadoras realizadas em Super 8, uma série de homicídios diferentes e aparentemente desconexos – o assassinato da família enforcada na árvore do jardim incluso. São imagens que remontam a diferentes épocas. Um dos assassinatos ocorreu nos anos 60, outro nos anos 70, há aquele que se deu nos anos 80...Observador, Ellison descobre posteriormente que em comum os cenários exibem a inexplicável presença de um ser vestido de preto mascarado, que aparece rapidamente ao fundo, e o fato de o filho mais novo de cada família ter sumido misteriosamente após os homicídios.

Há algo em antigos filmes Super 8 que causa arrepios, e é este o caso com A Entidade. O filme não traz variedade de cenários, em verdade o espaço parece limitar-se à casa, mais especificamente ao escritório onde o personagem principal vai montando as peças do quebra cabeça, no entanto, o excelente uso que o cineasta faz das imagens trazidas dos rolos antigos nos intriga, permite que nos sintamos como o escritor. Funciona como se estivéssemos descobrindo a verdade sob a mesma perspectiva do protagonista. Dito isto, o roteiro sustenta a atmosfera e jamais se torna entediante. À medida que Ellison mergulha nos casos, os fenômenos inexplicáveis parecem se mudar para dentro de casa e afligir a família. O filho que sofre de pesadelos noturnos tem uma das cenas mais assustadoras, em um de seus episódios de sonambulismo, engatilhado, é claro, pela energia sombria que pesa sobre a propriedade.

As imagens dos assassinatos revelados em Super 8 são muito sinistras. Não há violência excessiva ou efeitos surpreendentes. Ao contrário, tais cenas, em sua banalidade, provocam arrepios pela sutileza dos homicídios: o galho pesado do tronco da árvore caindo lentamente e a família inteira sendo atirada ao ar para morrer enforcada (esta, aliás, é a sequência que abre o filme, uma brilhante ideia do cineasta), ou mesmo a mais perturbadora, os membros de uma outra família, amarrados às cadeiras para banho de sol, arrastados para a piscina, para morrerem afogados. Acompanhando-as, uma melodia bizarra que eleva a esquisitice a enésima potência.

O ator Ethan Hawke é excelente, e sempre o respeitei bastante. Os seus melhores momentos se deram, sem sombra de dúvida, sob a batuta de Richard Linklater, em Antes do Amanhecer & Antes do Pôr do Sol, filmes memoráveis, de serena tristeza, que abordaram como poucos aquilo que entendemos como vida. Para o ano de 2013, Linklater fechará a homenagem ao amor jovem e eterno com Antes da Meia Noite, rodado na Grécia, reunindo Ethan Hawke e Julie Delpy pela última vez. Aqui em A Entidade, um filme de horror, Hawke se sai muito bem como o herói trágico e relutante. Apreciei ainda o trabalho do ator que interpreta o jovem policial que se aproxima do escritor e o ajuda na investigação, e o do especialista em oculto que descobre o significado por trás do símbolo pagão pintado nas paredes dos locais onde os assassinatos foram observados, gravuras que remetem a uma entidade chamada Bagul, um demônio que coloca sugestões nas cabeças das crianças e depois as abduz.

A partir deste parágrafo, abordarei alguns detalhes que revelam o desfecho desta trama, então se prefere descobrir por si, pare de ler a partir de agora. Quando li que os produtores deste filme eram os mesmos de Insidious, já pude prever um desfecho infeliz para os protagonistas, todavia eu me surpreendi com o final profundamente depressivo e desolador escolhido pelo cineasta. Não há salvação para estes personagens: com o auxílio de um jovem policial, o escritor descobre que as crianças jamais foram encontradas pois foram as próprias que filmaram as imagens dos crimes, e as mesmas que mataram os pais e irmãos. Após os homicídios, o demônio Bagul as abduziu para o outro lado da lente, para o filme, onde suas almas ficaram aprisionadas. O personagem descobre a verdade tarde demais, pois a filha o drogou, assim como fez com a mãe e irmão. Hawke e família são destroçados a golpes de machado, e ao final a garotinha é carregada por Bagul para o celuloide. Trata-se de um final pessimista, sombrio e chocante, e realmente foge ao clichê dos desfechos felizes e ensolarados.


A Entidade é uma excelente opção para os amantes de mistério, uma empolgante estória investigativa onde você vai descobrindo a profundidade dos segredos juntamente ao personagem principal. Com A Entidade, o cinema segue com a sua renovação do gênero horror, oferecendo entretenimento de qualidade que ao mesmo tempo traz algo de refrescante e original. 
Todos os direitos autorais reservados a Paris Filmes. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Área Q o pioneirismo do cinema brasileiro em sua melhor forma.


Olá, pessoal. É com imensa satisfação que venho falar de uma grata surpresa do cinema brasileiro, que pela primeira vez experimenta com a ficção científica, e o faz muito bem!Trata-se de Área Q, do diretor Gerson Sanginitto, estrelado por Murilo Rosa, Tania Khalil e o norte-americano Isaiah Washington. Lembro-me de quando o filme foi lançado nos cinemas, em meados de 2011, chamou-me a atenção a abordagem de um tema que muito me interessa, Objetos Voadores Não Identificados. Por uma ou outra razão, não tive a oportunidade de conferir a produção nos cinemas. Recentemente, procurei ler matérias a respeito de Área Q, e me deparei com algumas resenhas pouco generosas ao trabalho do diretor Gerson Sanginitto. Ainda assim, o trailer e a estória foram o suficiente para me convencer a comprar o DVD, lançado no Brasil pela California Filmes, para formar a minha própria opinião.

Inicialmente, gostaria de ser bastante categórico em minha assertiva: Área Q não é nem de longe o filme ruim que as resenhas apontam. Muito pelo contrário, tomo por uma insensível injustiça as palavras pouco generosas reservadas a Área Q. Acredito que o empreendedorismo de um cineasta brasileiro que se esforçou para trazer às telas uma obra de ficção científica sobre OVNI deveria ser enaltecida e apoiada, e não tripudiada. Li sobre a suposta má qualidade da produção, outro absurdo equívoco. Não sei se vocês se lembram dos antigos episódios de Linha Direta Mistério, onde crimes e acontecimentos notórios da recente história policial brasileira eram reconstituídos. A produção dos episódios era esmerada, boa fotografia, reconstituições de primeira linha, efeitos visuais caprichados. Pois bem, a qualidade técnica de Área Q nos remete aos melhores episódios de Linha Direta.

Que fique claro: se você vier assistir a Área Q esperando um arrasa quarteirão extravagante semelhante a Independence Day ou Contatos Imediatos do 3° Grau, se decepcionará. Área Q oferece uma trama sobre OVNI mais ponderada e contemplativa. O filme me fez lembrar de uma produção similar, que também discutia o tema sob um olhar místico e apaixonado, o filme italiano Blue Tornado, de 1990, com Patsy Kensitt e Dirk Benedict. Dito isto, Área Q não oferece cenas bombásticas de combates aéreos entre jatos e discos voadores, ou criaturas alienígenas trazidas à vida por efeitos digitais. Ao contrário, é muito melhor do que a mesmice, pois não escolhe a rota fácil. Área Q fundamenta-se em bom roteiro, caracterização, e construção de personagens. É um trabalho de amor por parte de seu cineasta e elenco, e a sua força reside na simplicidade.

Thomas Matthews (Isaiah Washington), um repórter norte-americano, afunda-se na depressão depois que o filho desaparece misteriosamente em uma pracinha. Algum tempo se passa, e Matthews encontra um pouco de conforto no fato de que a polícia não desistiu ainda de investigar. Quando o seu chefe lhe oferece um novo trabalho, Matthews reage a contragosto, mas acaba cedendo. O trabalho envolve viajar para o Brasil, mais exatamente para a cidade de Quixadá, no sertão cearense, para coletar depoimentos de pessoas que dizem ter sido abduzidas por OVNI. Uma vez ali, o pragmatismo de Matthews vai caindo por terra, à medida que fenômenos inexplicáveis passam a se suceder e, mais incrível, parecem guardar ligação com o desaparecimento do filho de Matthews, anos antes. Matthews é visitado pela aparição de João Batista (Murilo Rosa), um agricultor que em 1979 foi abduzido por uma luz muito forte, e desde então se tornou um personagem importante na mensagem que os seres mais evoluídos precisam passar para nós humanos, em nome da sobrevivência de nosso planeta. No final, quando as coisas finalmente fazem sentido, e o amor de Matthews pelo filho prova a invencível ligação entre os dois, confesso que fui levado às lágrimas. A conclusão é muito emocionante, um desfecho doce e esperançoso.

O ator principal Isaiah Washington construiu com precisão um personagem dividido entre incredulidade e fé. O desaparecimento do filho foi um duro golpe em sua espiritualidade, mas desde então é como se o seu personagem estivesse esperando por uma prova de Deus de que nada acontece por acaso. A atriz Tânia Khalil interpreta uma repórter brasileira em Quixadá que se envolve romanticamente com Matthews, e se sai muito bem. O melhor ator da produção, todavia, é Murilo Rosa, no papel do agricultor humilde transformado pela experiência da abdução, e que se torna o jogador principal dos eventos que virão a melhorar o estado das coisas no mundo.

O mais belo protagonista de Área Q, porém, é o visualmente poético município de Quixadá, neste filme exibido em profusão, em tomadas aéreas caprichosas e elegantes. Pontos turísticos tais como a passarela esguia no entorno do açude do Cedro, com a Pedra da Galinha Choca ao fundo, merecem a exploração das lentes do diretor, que se serve do potencial do lugar ao máximo. Os maciços de Quixadá, as formações monolíticas, tornam-no um espaço atemporal e encantado, o lugar ideal para se filmar uma produção sobre OVNI. Neste sentido, o diretor Gerson Sanginitto incorporou à mitologia do filme a geografia intocada como um dos personagens principais, nos moldes do que o grande Peter Weir fez com o seu seminal Picnic at Hanging Rock, em 1974.

A Califórnia Filmes está de parabéns pelo carinho com que tratou este filme. O DVD mereceu muitos extras, e a qualidade de imagem e som salta aos olhos. Área Q é visualmente estupendo de se assistir. A sequência onde Thomas interage com a esfera alienígena é de tirar o fôlego, principalmente por se dar com os monólitos de Quixadá ao fundo, estendidos até a onde a vista pode alcançar.

O filme é dedicado a um cavalheiro chamado José Rolim Gomes, “por sua imensa comemoração em tornar este projeto realidade”. Certamente, o senhor em questão se sentiria bastante honrado em ver dedicado a sua memória uma produção tão digna!

Phenomena - O começo da estória de sucesso de Jennifer Connelly.


Olá, pessoal. Nesta resenha, aproveitarei a oportunidade para falar sobre um dos diretores mais originais que o cinema europeu teve para oferecer ao gênero horror: Dario Argento. Os fãs de terror o reconhecerão pelos thrillers italianos apoteóticos dos anos 70 & 80. Clássicos do gênero, tais como “Suspiria” e “Profondo Rosso”, refletem as peculiaridades da mente deste cineasta apaixonado e talentoso. Quando da entrada dos anos 90, Dario Argento pareceu “perder o toque”, e seus trabalhos a enfraquecer gradualmente, ano após ano. Ainda assim, mesmo que o ápice criativo pareça coisa do passado, o diretor ainda é tratado com muita reverência e carinho pelo público e crítica europeia. Eu me lembro de algo que o meu artista preferido Burt Reynolds disse ao diferenciar os críticos da Europa dos norte-americanos “Eles (os europeus) pensam que você é tão bom quanto o seu melhor filme, e os americanos acreditam que você é apenas tão bom quanto o seu último filme”. Ele quis dizer que por mais que um artista não venha bem e os seus últimos filmes pareçam fracos, os europeus sempre o tomarão pelo seu melhor instante, o melhor trabalho, pouco importando quanto tempo tenha se passado desde então. Foi um comentário cheio de classe e bastante assertivo. Nos Estados Unidos, lamentavelmente, um ator de cinema vale tanto quanto o dinheiro que o seu último filme fez nas bilheterias, e isso é desrespeitoso para as pessoas que vivem da arte e criatividade.

“Phenomena” é um suspense italiano estiloso e encantador. O visual do filme, uma festança aos olhos, o torna absolutamente delicioso de se assistir. Foi filmado nos Alpes suíços, e somente um cineasta com fogo e paixão na alma como Argento poderia pincelar a tela com fantasia imersa em cores, exageros justificados pela magia. Agregando ao filme, adivinhem quem faz o papel da mocinha?Aquela cujos olhos sempre parecem tristes e misteriosos, de uma beleza melancólica e difícil de desvendar – Jennifer Connelly. Em “Phenomena”, Jennifer Connelly tinha 15 anos de idade, ainda uma menina, mas já se via que estava destinada a feitos extraordinários. Dito e feito, 16 mais tarde, já uma mulher, merecidamente recebia nas mãos o prêmio da Academia enquanto o seu pai assistia a tudo e aplaudia da cadeira.

Jennifer Connelly interpreta uma menina rica, inteligente e estudiosa, enviada pelo pai a um conceituado colégio para garotas nos Alpes suíços. Ela é sonâmbula, e guarda especial conexão com insetos. Quando uma série de homicídios põe termo `a tranquilidade da cidade, Jennifer alia-se a um perspicaz entomologista (interpretado pelo veterano Donald Pleasence) e faz uso de seu dom para descobrir o culpado, enquanto é hostilizada pelas colegas e vigiada de perto pela sinistra e misteriosa diretora do colégio (Daria Nicolodi), a sua vida correndo riscos a cada nova descoberta. Mal imagina ainda, a personagem de Jennifer descobrirá o papel da diretora nos homicídios, engatilhado por um evento brutal de seu passado sombrio, a envolver o estupro nas mãos de um paciente de um hospital psiquiátrico, uma década antes.

Jennifer está excelente, como de costume. Muitas vezes, ocorre de um artista jovem fazer um filme de sucesso, e nos encantar com o talento, todavia não conseguir suceder na transição para a fase adulta da carreira e se deparar com fracasso profissional: os cineastas deixam de convidar o artista, os roteiros bons deixam de chegar a suas mãos com frequência. Isso aconteceu com um rapaz chamado Corey Haim, que nos anos 80 atuou em filmes de sucesso como Os Garotos Perdidos e A Inocência do Primeiro Amor. A sua persona foi explorada em comédias românticas, e por algum tempo, foi muito requisitado e ganhou bastante dinheiro. Com o dinheiro, vieram os parasitas, que o cercaram com promessas e sugaram seu tempo e dinheiro. Infelizmente, com a chegada dos anos 90, os papéis rarearam e a vida pessoal entrou em colapso. Corey Haim morreu há alguns anos atrás, em 2010, pobre e esquecido. Eu assisti a uma reportagem sobre a sua vida. Havia um segmento, uma entrevista que concedera no final dos anos 80, em que dizia que se imaginava, dali a vinte anos no futuro, morando com a família, em uma ilha, brincando com golfinhos, fazendo filmes legais, algo muito doce e ingênuo que somente uma criança poderia imaginar. A realidade, como se sabe, não poderia ter sido pior. Nos últimos anos de vida, Corey Haim não recebia convites para filmes, e morava com a mãe, recentemente diagnosticada com câncer de mama, em um apartamento modesto de um condomínio para atores iniciantes em Los Angeles. Não tinha sequer carro. Um reality show mostrava a sua dura realidade. O desfecho da vida de Corey Haim me assombrou, deixou uma marca muito forte em minhas lembranças. Sempre penso em como estaria hoje, se não tivesse perdido a vida ainda tão jovem, aos 38 anos de idade.

Assim, é maravilhoso saber que semelhante destino não foi o da Jennifer Connelly. Ela procurou o aperfeiçoamento profissional, aproximou-se de pessoas positivas, compreendeu que a beleza cabe a um momento e é fugidia, passa muito rapidamente. Jennifer fez uma transição suave para os papéis adultos, ganhou um prêmio da Academia, os diretores a convidam para participar de projetos maravilhosos. Ouvi falar, dia desses, que atuará em um filme sobre a história da Arca de Noé, dirigido pelo premiadíssimo cineasta Darren Aronofsky, com grande elenco! Ademais, na vida pessoal, ela triunfou. É a mãe dedicada de dois garotos e uma menina, e esposa devota para seu marido, o conceituado ator britânico Paul Bettany. Ela merecia mesmo uma vida feliz, e foi o que aconteceu. Deste modo, assistir a “Phenomena”, quando ainda era uma adolescente de 15 anos, sabendo de antemão o futuro extraordinário que lhe esperava, me faz me sentir muito bem. Muitas pessoas plantam o bem, porém colhem apenas desapontamentos e tristezas, a vida pode ser extremamente cruel com almas generosas e bondosas desavisadas. Felizmente, não foi o caso da Jennifer Connelly, e a sua carreira e vida pessoal de sucesso são provas do cuidado que reservou a si.

Dario Argento exerce controle absoluto sobre o filme. Quem conhece sua obra sabe que é um artista do cinema fantástico. As suas tramas são férteis, e “Phenomena” não foge à regra, com monstros deformados, macaco munido de navalha, um assassino à solta, pessoas que conversam com insetos, e por aí vai!A produção é de primeira, Argento obviamente contou com muito dinheiro para realizar as tomadas mais tecnicamente complicadas e grandiosas. Os efeitos especiais são muito originais – a equipe reproduziu uma nuvem enorme de moscas através da queima de pó de café, entre outras proezas interessantes!

Se você não conhece Dario Argento, “Phenomena” é o pontapé ideal para começar, pois muito embora ilustre o seu imaginário peculiar, o que para os desavisados pode parecer muito bizarro, é o seu filme mais “acessível”, uma alternativa para quem procura outra coisa no gênero, e não efeitos especiais e estórias que já foram repetidas e reformuladas n vezes. Como eu aprendi assistindo às obras de artistas geniais tais como Dario Argento, David Cronenberg e Clive Barker, o horror exige paixão e personalidade. Um cineasta ou um escritor que pretenda produzir algo no gênero precisa extrair de dentro de si o desejo de expressar as fantasias e os temores de seu ego, com muito amor e originalidade, sem reservas ou vergonhas. Fico feliz em dizer que Dario Argento é um homem que ama os filmes e deseja deixar uma marca indelével através de suas tramas macabras. Os meus aplausos vão para o Sr. Argento e, claro, para Jennifer Connelly, que aqui ensaiou os seus primeiros passos e veio a se tornar uma atriz talentosa e, talvez o mais importante, uma mulher excepcional.
Todos os direitos autorais reservados a Anchor Bay. O uso do trailer é para efeito meramente ilustrativo da resenha.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Session 9: as vozes de Mary Hobbes e os demônios de Gordon Flemming


Olá, pessoal. Nesta oportunidade, discorrerei sobre aquele que a meu ver foi um dos melhores filmes de horror que conheci em toda a vida, um trabalho à altura de clássicos imortais tais como w delta z e Hellraiser. Classificá-lo como “filme de horror”, todavia, parece-me desmerecedor, porque a trama a ser abordada transcende um gênero específico, é muito mais do que um mero filme de terror. “Session 9” é um triunfo cinematográfico incomum, raro caso de convergência de elementos distintos e afiados que se somam em torno de um objetivo comum. O resultado é este filme, pelo qual o seu diretor Brad Anderson e o seu artista principal Peter Mullan serão para sempre lembrados.

Quando lecionava na faculdade de cinema, antes de começar a rodar filmes, o diretor Brad Anderson apanhava a Rodovia 93 para chegar ao campus mais rapidamente. No caminho, chamava-lhe a atenção o Hospital Psiquiátrico de Danvers, sempre ao longe, escondido entre colinas, silencioso e imponente. Anderson refletia sobre como o lugar parecia apropriado para sediar um filme de horror psicológico, principalmente em suas condições atuais, abandonado e decadente, mais semelhante a uma recordação distante, um gigante inerte e nostálgico, retrato dos tempos quando não se sabia como se tratar as pessoas que sofriam de transtornos mentais. Brad agregou ao seu desejo de filmar em Danvers uma história contemporânea verídica, um terrível homicídio ocorrido em Boston, alguns anos antes, em 1994, perpetrado por um homem absolutamente comum, um cavalheiro chamado Richard Rosenthal, vendedor de seguros, casado, um cidadão socialmente impecável. A esposa havia sofrido um aborto, e a perda do filho pareceu agravar o stress emocional advindo do trabalho como vendedor. Um dia, ao chegar em casa, e descobrir que a mulher havia queimado o jantar, ele a atacou violentamente e a esquartejou. Depois, distribuiu os membros pelos cantos da casa. Após o homicídio, deixou a casa como se nada importante tivesse acontecido, e retomou o dia a dia corrido da empresa. Insuspeito, Rosenthal apenas cessou de dormir em casa para passar as noites em um motel, como se tudo o que tivesse acontecido resumisse-se a uma costumeira briga de marido & mulher. Quando finalmente foi apanhado, afirmou que realmente não conseguia se lembrar do momento em que a executara e desossara. Havia enterrado o instante dentro de si, e sublimado os eventos. Era como se no momento do ódio, a faceta desconhecida de sua personalidade tivesse mostrado as garras feias, com as quais retalhou a esposa e pôs tudo a perder em um momento de insanidade absoluta, para depois retornar à obscuridade, quando a sua "parte normal" recuperou as rédeas da fachada.

Brad Anderson incorporou todos os elementos dramáticos e humanos deste horroroso caso da vida real, e a partir da premissa – elementos da história de Richard Rosenthal somados ao legado do Hospital Psiquiátrico de Danvers – começou a escrever o roteiro de seu melhor filme, “Session 9”. Encorajado por performances magistrais (não há dúvidas, todos os atores principais deram os desempenhos definitivos de suas carreiras) e cinematografia granulada (por Uta Briesewitz), que traz à fita um tom quase documental, às lentes o olhar do “cinema verdade”, Brad Anderson garante seu merecido espaço como uma das vozes mais importantes do cinema moderno. “Session 9” é a estória de homens comuns, ordinários, trabalhadores estilo “blue collar”, fadados à tragédia a partir do momento em que a equipe ganha a licitação da Prefeitura para realizar o trabalho de descontaminação e limpeza do Hospital Psiquiátrico de Danvers, a se dar no curso de uma fatídica semana onde tudo o que poderia dar errado dará.

Gordon Flemming (Peter Mullan), imigrante irlandês de meia idade, administra a sua empresa Hazmat a duras penas. É o único trabalho que conhece, e o faz como ninguém. A sua equipe se especializou no tratamento de lugares abandonados, a limpeza e a remoção de materiais potencialmente nocivos à saúde, até mesmo cancerígenos, como o amianto. No curso dos últimos anos, sua presteza lhe valeu contratos lucrativos com a prefeitura de Boston no curso dos últimos anos. Ultimamente, porém, a empresa não anda bem das pernas. Para desestabilizar a frágil situação financeira, a mulher de Gordon acabou de dar à luz a primeira filha do casal, a bebê Wendy. Gordon jamais se imaginou no novo papel de papai, até porque a mulher também já passou do período fértil da maternidade, com seus (aparentes) quarenta e poucos anos. O irlandês quer o melhor para a esposa e a filha, e o sacrifício com que cuida da Hazmat é prova da sua preocupação em vê-las sempre financeiramente confortáveis. David Caruso interpreta Phil, o melhor amigo de Gordon, segundo homem no comando da Hazmat. Experiente e observador, Phil sabe que o amigo anda emocionalmente descompensado, e quando a turma vence a licitação para o trabalho de limpeza do gigantesco Hospital Psiquiátrico de Danvers, a se dar em tempo recorde de uma semana, teme pelo pior.

Completando a equipe, temos Jeff (Brian Sexton III), um adolescente ingênuo, generoso e de boa natureza, em seu primeiro verdadeiro trabalho, ele também é sobrinho de Gordon; Mike (Stephen Gevedon), ex-estudante de Direito, que recentemente abandonou o curso e foi repreendido pelo pai, brilhante advogado respeitado pela comunidade, que guardava grandes planos para o filho, por sua vez em busca da própria identidade, livre das pressões familiares; e Hank (Josh Lucas), o mais amargo da equipe. Desapontado com os rumos que a vida tomou, graças às próprias escolhas pobres, Hank sonha com a sorte grande, com a guinada no destino que finalmente virá para tirá-lo de um trabalho assalariado e torná-lo rico, da noite para o dia. Sua ambição selará seu terrível destino. Hank e Phil não se bicam, e para adicionar dor à miséria, Hank “roubou” a namorada de Phil. Você compreende imediatamente que o trabalho vindouro oferece os ingredientes certos para a panela de pressão: cada qual com as suas dores e dramas peculiares, e ao redor, o Hospital Psiquiátrico, um lugar que mesmo abandonado há décadas guarda uma carga negativa pesadíssima, esmagadora, principalmente para pessoas tão emocionalmente abertas a sugestões.

Desde o primeiro dia de trabalho, as coisas não vão bem. A tensão entre Phil e Hank eletriza a atmosfera. A área a ser contemplada é enorme, e o grupo precisará de muita sorte (e trabalho incessante) para acabar com a limpeza dentro do espaço de uma semana somente. Revirando caixas no depósito, Mike descobre uma que contém rolos antigos de filmes, nove rolos no total para ser exato, rotulados como Sessão um”, “Sessão dois”... O último rolo é a “Sessão nove”. Curioso, Mike passa a escutar os tapes. A partir daí, o diretor Brad Anderson parece traçar um paralelo entre o drama revelado nas fitas com a saga familiar que ocorre no presente, protagonizada por Gordon e os amigos. Pelas fitas, descobrimos o caso de uma garota chamada Mary Hobbes, uma menina comum, nos anos 50 ou 60 (jamais sabemos ao certo, mas definitivamente em um time frame entre as duas décadas), criada em um lar equilibrado e feliz, composto pelos pais e irmão Peter. Em uma noite de Halloween, o irmão pregou uma peça na menininha, dando-lhe um tremendo susto no porão. Mary caiu sobre a boneca de porcelana e cortou a mão. Naquele instante, o ódio tomou conta de sua alma. Mary apanhou a faca de escoteiro do irmão, trucidou-o sem dó, e depois eliminou os pais, que dormiam no quarto, insuspeitos. Depois de socorrida no hospital psiquiátrico, Mary não conseguia se recordar dos homicídios. Aparentemente, os eventos traumáticos fragmentaram a personalidade de Mary, e para se proteger da horrorosa realidade, desenvolveu mais 3 outros egos para escapar da culpa. Mary incorporava 3 personalidades: a menininha Princesa, que encapsula a doçura infantil, a simplicidade da época em que Mary e sua família haviam sido felizes; o garotinho Billy, que “tudo enxerga”; e finalmente o malévolo “Simon, o demônio”, a representação da maldade maliciosa e sem fim que efetivamente provocou o homicídio naquela noite de Halloween, tantas décadas atrás.

Simultaneamente, no presente, estranhos eventos passam a amaldiçoar o progresso do trabalho dos homens, durante a semana em Danvers. Gordon parece à beira de um colapso nervoso, sempre esgotado e tristonho. Na noite do segundo dia, quando regressa aos corredores do hospital para saquear um cofre que descobrira no subterrâneo, Hank desaparece sem deixar pistas. Vozes desencarnadas parecem colocar ideias perigosas nas mentes fragilizadas dos homens. Estes começam a se voltar uns contra os outros. O horror vai se assentando gradualmente, como um lençol molhado, envolvendo-os em um pesadelo do qual não encontrarão saída, ao mesmo tempo que Mike segue escutando as fitas antigas e descobrindo os fatos por trás da história de Mary Hobbes, que jamais deixou o hospital, tendo morrido por ali já uma mulher de idade.

O elemento “vozmerece destaque neste filme. Os rolos de fita juntam as peças do caso de Mary Hobbes através do diálogo entre a moça e o psiquiatra. Também foi uma “voz” desencarnada que Gordon escutara, ao contemplar pensativo os compridos corredores do hospital durante o tour oferecido pelo servidor da prefeitura, em preparação para o trabalho, no início do filme. “Olá, Gordon. Você consegue me ouvir...”, saudara a voz. Isso pode sugerir a presença de uma energia sobrenatural no hospital psiquiátrico, talvez um espírito que motivado pela sensibilidade aguçada de Gordon conseguiu estabelecer contato. Ainda, a voz também pode ter se originado, ironicamente, de sua própria mente. Quando a menininha Mary matou o irmão e os pais, também escutou semelhante voz. O ódio falou mais alto do que a razão, e em um instante, os golpeou a facadas até a morte. Consoante a interpretação, “Simon” tanto pode ser tomado como um demônio, um espírito malévolo, quanto como uma faceta temerosa da psique de qualquer um de nós. Quando nos vemos presos em um engarrafamento, e realmente desejamos matar o motorista do carro mais à frente responsável pela lentidão – eis uma representação de nosso “Simon”. Acontece que, em seguida, sufocamos o pensamento ruim, reprimimos os nossos instintos mais primitivos, afinal a vida em sociedade assim o exige. Muito provavelmente, quando Mary caiu sobre a boneca de porcelana e cortou as mãos, a voz que lhe disse “mate os desgraçados” se deveu ao ódio dentro de si, e apenas não tenha conseguido desarmá-la a tempo de evitar as facadas.

Eu não conhecia o trabalho de Peter Mullan, mas então assisti a “Session 9”, e só tenho palavras de profunda admiração à performance majestosa deste artista excepcional. Jamais assisti a um desempenho que tenha provocado tantos sentimentos contraditórios em mim. O homem me fez chorar e solidarizar por toda a situação absurda a que seu personagem foi arrastado, um senhor de meia idade, cansado, movido por todas as boas intenções do mundo, destruído pelas surpresas horrorosas que a vida joga nas nossas caras. Há uma cena, jamais me esquecerei, onde eu pensei “Meu Deus, como pode, a Academia ter deixado passar despercebido o trabalho deste extraordinário ator?Esse homem merecia um Oscar!”. Refiro-me ao momento em que Gordon, exausto e psicologicamente drenado,descansa, sentando em um tronco de árvore derrubado, na encosta, em meio a um gramado muito vasto sem fim, às margens do Hospital, e o seu sobrinho aproxima-se para conversar, oferecer uma espécie de consolo, apoio moral. A forma como Peter reage ao carinho do sobrinho, a maneira como o rosto entrega que se encontra à beira das lágrimas, traz um nó a minha garganta. Sempre terei todo o respeito e admiração pelo grande Peter Mullan – esse senhor comanda “Session 9” e deixa um legado na forma de um personagem trágico que perdurará na imaginação de quem se presentear com a chance de assistir ao filme.

David Caruso é o ator mais conhecido do elenco. Muitas pessoas dizem que ele é um artista de uma nota só, mas apreciei seu desempenho como o melhor amigo. Em “Session 9”, Mullan é a emoção, Caruso a voz da razão. Caruso é quem tenta evitar que toda a situação se perca de vez. Os demais atores estão excelentes, com especial menção a Stephen Gevedon, que compõe com delicadeza o complicado “Mike”, o rapaz que deu um tempo no curso de Direito para buscar a própria identidade. Gevedon, aliás, tem uma das melhores cenas do filme, quando compartilha os conhecimentos sobre a história do Hospital de Danvers com os companheiros, e explica por que o mesmo foi fechado em meados dos anos 80, citando o caso de uma tal Patrícia Willard e a síndrome do ritual satânico de abuso sexual que foi febre nos consultórios psiquiátricos nos anos 80.

Brad Anderson aproveita ao máximo o potencial do Hospital. O sentimento de abandono que perfila o filme emana como quentura através da tela. Por sobre as cabeças dos personagens, paira o sentimento da solidão, da tristeza, vidas perdidas e desperdiçadas ao sabor da lâmina da guilhotina. Durante as filmagens, o ator Peter Mullan desabafou sobre as dificuldades de atuar em um lugar tão carregado. Disse que quando faziam uma cena na cobertura do prédio principal, ocorreu-lhe o que aconteceria se simplesmente pulasse. Peter disse que não tinha motivos para se matar, não estava deprimido, porém ao realizar a cena no telhado, o sentimento simplesmente o invadiu. Ele falou que estava convencido de que a sugestão partira do lugar. Isso pode ser visto em um dos extras do DVD norte-americano de “Session 9”.

O diretor fez excelente uso do áudio. As sessões reveladas baseiam-se exclusivamente nas conversas travadas entre Mary Hobbes e o psiquiatra, mas ainda assim podem ser pontuadas como as mais atmosféricas e arrepiantes cenas. Os diálogos inusitados onde Mary alterna as personalidades, transitando entre a garotinha Princesa, o menino Billy, e por fim Simon, o demônio, representam um espetáculo a parte, e reforçam a perspectiva de desalento que o filme já veste desde a primeira cena (uma tomada de ponta cabeça de um corredor abandonado onde ao final resta uma cadeira desocupada, uma imagem verdadeiramente evocativa).

É importante salientar que mesmo 5 minutos antes dos créditos, você se verá à beira da poltrona roendo as unhas sem antecipar como o drama terminará. Finalmente, quando conclui, “Session 9” nos deixa com o sabor amargo que todas aquelas pessoas que viveram em Danvers devem ter experimentado em uma base diária: a desesperança, a falta de crença na redenção, o horror de almas fragilizadas em um mundo que afinal de contas nada mais é do que uma versão infinita de um Hospital psiquiátrico sem regras, cheio de loucos ainda mais perigosos, que há muito se desumanizaram e deixaram de olhar para os semelhantes vulnerabilizados. Na ausência de Deus, pela via da falibilidade humana, o Diabo faz a festa. Como diz Simon, o demônio, na assombrosa tomada final de “Session 9”: Eu vivo nas pessoas fracas e feridas, Velhinho.

Todos os direitos autorais referentes ao trailer acima pertencem a Universal-USA Films. O uso do vídeo é apenas para o propósito de ilustrar a resenha.